Eleições 2012 - Estadão - Análise do mandato de Kassab

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GESTOR REJEITADO, POLÍTICO FORTE Com alto índice de reprovação, prefeito deixa cargo com projetos incompletos, mas como peça importante do xadrez partidário nacional NIELS ANDREAS/ESTADÃO-3/4/2006 SAÚDE FORTALECIMENTO DAS AMAS E AMES PROGRAMA REMÉDIO EM CASA TRÊS HOSPITAIS PROMETIDOS NÃO FORAM ENTREGUES SEGURANÇA CRIAÇÃO DA OPERAÇÃO DELEGADA LIMITAÇÕES DA GUARDA CIVIL METROPOLITANA METADE DAS 8.400 CÂMERAS DE VIDEOMONITORAMENTO FORAM INSTALADAS EDUCAÇÃO CICLO DE NOVE ANOS NO ENSINO FUNDAMENTAL FILA DE 145 MIL CRIANÇAS À ESPERA DE VAGA EM CRECHES HABITAÇÃO 9 MIL FAMÍLIAS NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO DE CORTIÇOS PROGRAMA DE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS CUMPRIDO EM APENAS 15 DE 55 LOCAIS PREVISTOS TRANSPORTE R$ 975 MILHÕES INVESTIDOS NA EXPANSÃO DO METRÔ APENAS 8,5 KM ENTREGUES DE 66 KM DE NOVOS CORREDORES DE ÔNIBUS PROMETIDOS MAIOR PARTE DAS CICLOVIAS E CICLOFAIXAS ENTREGUES SÓ FUNCIONAM NOS FINS DE SEMANA ASSISTÊNCIA SOCIAL 14 CENTROS DE SERVIÇO DE HIGIENE PESSOAL DA POPULAÇÃO DE RUA FECHAMENTO DE 15 CENTROS DE REFERÊNCIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O prefeito Gilberto Kassab (PSD) entregará para seu sucessor uma São Paulo aquém da que planejava no início de seu mandato. Até agora, a administração municipal cumpriu 42% das metas de go- verno estabelecidas no início de 2009. Dos 223 objetivos traçados na chamada Agenda 2012, 95 foram concluídos, 127 estão em andamento e um não foi iniciado. Projetos e propostas importantes anunciados pelo prefeito, como o fim do déficit de vagas em creches, a Nova Luz, a construção de três hospitais e a implementação de novas Ope- rações Urbanas não saíram do papel. Em dois meses, Kassab, que assumiu a Prefeitura após a saída de José Serra (PSDB), em 2006, e foi eleito em 2008 com 60% dos votos contra Marta Suplicy (PT), encerrará uma gestão com alto índi- ce de reprovação. Na última pesquisa Ibo- pe, 48% dos paulistanos disseram conside- rar a gestão ruim ou péssima, e apenas 20% a avaliaram como boa ou ótima. O prefeito, contudo, termina o mandato politicamente bem maior do que começou. De liderança local iniciante e integrante de um partido em declínio, o DEM, Kassab co- meçará 2013 como um importante “pla- yer” da política nacional. Presidente de uma sigla cuja fundação orquestrou, e que passaram a chamar de sua (“o PSD, do prefeito Gilberto Kassab”), comandará a quarta maior bancada da Câmara dos Depu- tados, alcançou 494 prefeituras ao fim do 1.º turno e poderá ser contemplado com vaga no ministério de Dilma Rousseff. Ex-vereador, ex-deputado federal e ex- secretário de Planejamento da gestão Cel- so Pitta (que morreu em 2009), Kassab deixou a condição de político coadjuvante para o papel de protagonista após ser im- posto como nome do PFL (atual DEM) na chapa encabeçada por Serra em 2004. Dois anos depois assumiu o Executivo e fez dele uma espécie de trampolim. Conhecido pelo sangue frio com que mo- ve suas peças no xadrez político, o prefeito se equilibra na disputa municipal com o objetivo de não tornar inviáveis seus proje- tos futuros. No interior do Estado, o PSD firmou alianças com o PT – partido com o qual esteve perto de se coligar na disputa em São Paulo. Na capital, manteve-se fir- me ao lado de Serra, seu padrinho político. Mesmo fora da Prefeitura a partir de 2013, Kassab deverá ter influência na Câ- mara Municipal, independentemente do vencedor pela disputa da Prefeitura. Paradoxalmente, a cidade que deixará em 1.º de janeiro não traduz seu crescente capital político. Em várias áreas, Kassab deixou de alcançar as principais metas. Na educação, por exemplo, o prefeito não conseguiu cumprir a promessa de ze- rar o déficit de creches, um de seus princi- pais compromissos de campanha em 2008, que acabou se tornando uma meta menos ambiciosa na Agenda 2012. Das cinco principais diretrizes traçadas na área educacional, somente duas foram concluídas: o ciclo de nove anos e a jorna- da de sete horas no Ensino Fundamental. Na saúde, área considerada prioritária pelos eleitores, Kassab não conseguiu ti- rar do papel os três hospitais prometidos: Freguesia do Ó, Cidade Dutra e Carrão. A construção não foi nem iniciada. Por ou- tro lado, ele ampliou a rede de unidades de Atendimento Médico Ambulatorial (AMA), criada em 2005, ainda na gestão Serra, e as unidades de Atendimento Mé- dico de Especialidades (AME). Hoje são 120 AMAs, que fazem atendimentos de baixa complexidade: cinco delas inaugura- das no mandato atual e a maior parte, 96, criada entre 2006 e 2008. O número de AMEs subiu de 5 para 19 no mandato atual, o que contribuiu para desafogar um pouco um dos principais gargalos do siste- ma, a fila por consulta com especialistas. O prefeito que se move com facilidade em toda a amplitude do espectro partidá- rio, do governo à oposição, não conseguiu fazer a mobilidade urbana andar. De to- dos os setores contemplados pela Agenda 2012, o transporte é o que tem menos pro- messas cumpridas. A meta de investir R$ 300 milhões no Rodoanel, por exemplo, foi a única a não ser sequer iniciada. Apesar de ter prometido construir 66 km de novos corredores de ônibus, con- cluiu apenas os 8,5 km do Expresso Tira- dentes, corredor suspenso que liga o Par- que Dom Pedro ao Sacomã – trata-se do anti- go Fura Fila de Pitta. O projeto do corredor de 31 km na Avenida Celso Garcia foi abando- nado logo no começo da gestão, dando lugar a um possível projeto de monotrilho. Já ou- tros corredores, como Radial Leste e Berrini, ainda estão em fase de licitação de obras. Apesar de a Prefeitura apresentar como cumprida a meta de construir 100 km de no- vas vias para ciclistas, a conta inclui ciclofai- xas que só funcionam nos fins de semana. Por outro lado, Kassab foi o primeiro prefei- to em 30 anos a investir no metrô – custeado, nas últimas décadas, pelo governo do Esta- do. Até o momento foram R$ 975 milhões. Na área de habitação, marcada pelo escân- dalo da evolução do patrimônio do diretor do Departamento de Aprovações da Prefeitu- ra (Aprov), Hussain Aref Saab, a gestão não conseguiu debelar o déficit de moradias. Se- gundo o Censo, são 130 mil famílias desabri- gadas, além de 800 mil em áreas de risco, precárias ou terrenos irregulares. Também na área de urbanismo, Kassab tentou levar adiante o projeto Nova Luz, pla- no de revitalização do centro, que acabou estagnado. O projeto foi embargado pela Jus- tiça diversas vezes – três desde dezembro. Das 13 metas na área de assistência social, Kassab cumpriu sete. A de maior impacto foi a construção de 14 tendas para oferecer servi- ços de higiene pessoal e lazer a moradores de rua e usuários de drogas no centro. Por outro lado, a Prefeitura fechou 15 Centros de Referência da Criança e do Adolescen- te (Crecas), especializados em atender a crianças de rua de até 17 anos. Sem eles, as crianças são enviadas a abrigos que aten- dem a todos os tipos de menores, inclusi- ve infratores e usuários de drogas. Kassab chega ao fim do mandato com alta rejeição e sem uma marca de governo como o Cidade Limpa – o programa que disciplinou a paisagem urbana. A imagem de político habilidoso, porém, está fortale- cida. / EDUARDO KATTAH, FERNANDO GALLO E BRENO PIRES, BEATRIZ FOINA, TAISA SGANZERLA, ESPECIAL PARA O ESTADO 95 55 Sigla. Kassab começou a articular a criação do PSD em fevereiro de 2011 e viu o partido nascer em setembro daquele ano metas foram cumpridas por Kassab, num total de 223 é o número de deputados que tem o PSD na Câmara PROMESSAS H20 Especial DOMINGO, 28 DE OUTUBRO DE 2012 O ESTADO DE S. PAULO

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Matéria do Estadão publicada no caderno especial do Segundo Turno das eleições municipais de 2012, sobre a atuação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Os focas Beatriz Farrugia, Breno Pires e Taisa Sganrzela assinam o texto junto com Eduardo Kattah e Fernando Gallo

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GESTOR REJEITADO,POLÍTICO FORTECom alto índice de reprovação, prefeito deixa cargo com projetos incompletos, mas como peça importante do xadrez partidário nacional

NIELS ANDREAS/ESTADÃO-3/4/2006

SAÚDE

FORTALECIMENTO DAS

AMAS E AMES

PROGRAMA REMÉDIO

EM CASA

TRÊS HOSPITAIS

PROMETIDOS NÃO FORAM

ENTREGUES

SEGURANÇA

CRIAÇÃO DA OPERAÇÃO

DELEGADA

LIMITAÇÕES DA GUARDA

CIVIL METROPOLITANA

METADE DAS 8.400

CÂMERAS DE

VIDEOMONITORAMENTO

FORAM INSTALADAS

EDUCAÇÃO

CICLO DE NOVE ANOS NO

ENSINO FUNDAMENTAL

FILA DE 145 MIL

CRIANÇAS À ESPERA DE

VAGA EM CRECHES

HABITAÇÃO

9 MIL FAMÍLIAS NO

PROGRAMA DE

RECUPERAÇÃO DE

CORTIÇOS

PROGRAMA DE

URBANIZAÇÃO DE

FAVELAS CUMPRIDO EM

APENAS 15 DE 55 LOCAIS

PREVISTOS

TRANSPORTE

R$ 975 MILHÕES

INVESTIDOS NA

EXPANSÃO DO METRÔ

APENAS 8,5 KM

ENTREGUES DE 66 KM DE

NOVOS CORREDORES DE

ÔNIBUS PROMETIDOS

MAIOR PARTE DAS

CICLOVIAS E

CICLOFAIXAS

ENTREGUES SÓ

FUNCIONAM NOS FINS DE

SEMANA

ASSISTÊNCIASOCIAL

14 CENTROS DE SERVIÇO

DE HIGIENE PESSOAL DA

POPULAÇÃO DE RUA

FECHAMENTO DE 15

CENTROS DE REFERÊNCIA

DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

Oprefeito Gilberto Kassab(PSD) entregará para seusucessor uma São Pauloaquém da que planejavano início de seu mandato.Até agora, a administração

municipal cumpriu 42% das metas de go-verno estabelecidas no início de 2009. Dos223 objetivos traçados na chamada Agenda2012, 95 foram concluídos, 127 estão emandamento e um não foi iniciado. Projetose propostas importantes anunciados peloprefeito, como o fim do déficit de vagas emcreches, a Nova Luz, a construção de trêshospitaiseaimplementação denovasOpe-rações Urbanas não saíram do papel.

Em dois meses, Kassab, que assumiu aPrefeitura após a saída de José Serra(PSDB), em 2006, e foi eleito em 2008com 60% dos votos contra Marta Suplicy(PT), encerrará uma gestão com alto índi-ce de reprovação. Na última pesquisa Ibo-pe, 48% dos paulistanos disseram conside-rar a gestão ruim ou péssima, e apenas 20%a avaliaram como boa ou ótima.

O prefeito, contudo, termina o mandatopoliticamente bem maior do que começou.De liderança local iniciante e integrante deum partido em declínio, o DEM, Kassab co-meçará 2013 como um importante “pla-yer” da política nacional. Presidente deuma sigla cuja fundação orquestrou, e quepassaram a chamar de sua (“o PSD, doprefeito Gilberto Kassab”), comandará aquartamaiorbancadadaCâmaradosDepu-tados, alcançou 494 prefeituras ao fim do1.º turno e poderá ser contemplado comvaga no ministério de Dilma Rousseff.

Ex-vereador, ex-deputado federal e ex-secretário de Planejamento da gestão Cel-so Pitta (que morreu em 2009), Kassabdeixou a condição de político coadjuvantepara o papel de protagonista após ser im-posto como nome do PFL (atual DEM) nachapa encabeçada por Serra em 2004.Dois anos depois assumiu o Executivo efez dele uma espécie de trampolim.

Conhecidopelosanguefrio comquemo-ve suas peças no xadrez político, o prefeitose equilibra na disputa municipal com oobjetivode não tornar inviáveis seus proje-tos futuros. No interior do Estado, o PSDfirmou alianças com o PT – partido com oqual esteve perto de se coligar na disputaem São Paulo. Na capital, manteve-se fir-me ao lado de Serra, seu padrinho político.

Mesmo fora da Prefeitura a partir de2013, Kassab deverá ter influência na Câ-mara Municipal, independentemente dovencedor pela disputa da Prefeitura.

Paradoxalmente, a cidade que deixaráem 1.º de janeiro não traduz seu crescentecapital político. Em várias áreas, Kassabdeixou de alcançar as principais metas.

Na educação, por exemplo, o prefeitonão conseguiu cumprir a promessa de ze-rar o déficit de creches, um de seus princi-pais compromissos de campanha em2008, que acabou se tornando uma metamenos ambiciosa na Agenda 2012.

Das cinco principais diretrizes traçadasna área educacional, somente duas foramconcluídas: o ciclo de nove anos e a jorna-da de sete horas no Ensino Fundamental.

Na saúde, área considerada prioritáriapelos eleitores, Kassab não conseguiu ti-rar do papel os três hospitais prometidos:Freguesia do Ó, Cidade Dutra e Carrão. Aconstrução não foi nem iniciada. Por ou-tro lado, ele ampliou a rede de unidadesde Atendimento Médico Ambulatorial(AMA), criada em 2005, ainda na gestãoSerra, e as unidades de Atendimento Mé-dico de Especialidades (AME). Hoje são120 AMAs, que fazem atendimentos debaixa complexidade: cinco delas inaugura-das no mandato atual e a maior parte, 96,criada entre 2006 e 2008. O número deAMEs subiu de 5 para 19 no mandatoatual, o que contribuiu para desafogar umpouco um dos principais gargalos do siste-ma, a fila por consulta com especialistas.

O prefeito que se move com facilidadeem toda a amplitude do espectro partidá-rio, do governo à oposição, não conseguiufazer a mobilidade urbana andar. De to-dos os setores contemplados pela Agenda2012, o transporte é o que tem menos pro-messas cumpridas. A meta de investir R$300 milhões no Rodoanel, por exemplo,foi a única a não ser sequer iniciada.

Apesar de ter prometido construir 66km de novos corredores de ônibus, con-cluiu apenas os 8,5 km do Expresso Tira-dentes, corredor suspenso que liga o Par-

que Dom Pedro ao Sacomã – trata-se do anti-go Fura Fila de Pitta. O projeto do corredorde 31 km na Avenida Celso Garcia foi abando-nado logo no começo da gestão, dando lugara um possível projeto de monotrilho. Já ou-tros corredores, como Radial Leste e Berrini,ainda estão em fase de licitação de obras.

Apesar de a Prefeitura apresentar comocumprida a meta de construir 100 km de no-vas vias para ciclistas, a conta inclui ciclofai-xas que só funcionam nos fins de semana.Por outro lado, Kassab foi o primeiro prefei-to em 30 anos a investir no metrô – custeado,nas últimas décadas, pelo governo do Esta-do. Até o momento foram R$ 975 milhões.

Na área de habitação, marcada pelo escân-

dalo da evolução do patrimônio do diretordo Departamento de Aprovações da Prefeitu-ra (Aprov), Hussain Aref Saab, a gestão nãoconseguiu debelar o déficit de moradias. Se-gundo o Censo, são 130 mil famílias desabri-gadas, além de 800 mil em áreas de risco,precárias ou terrenos irregulares.

Também na área de urbanismo, Kassabtentou levar adiante o projeto Nova Luz, pla-no de revitalização do centro, que acabouestagnado. O projeto foi embargado pela Jus-tiça diversas vezes – três desde dezembro.

Das 13 metas na área de assistência social,Kassab cumpriu sete. A de maior impacto foia construção de 14 tendas para oferecer servi-ços de higiene pessoal e lazer a moradores de

rua e usuários de drogas no centro. Poroutro lado, a Prefeitura fechou 15 Centrosde Referência da Criança e do Adolescen-te (Crecas), especializados em atender acrianças de rua de até 17 anos. Sem eles, ascrianças são enviadas a abrigos que aten-dem a todos os tipos de menores, inclusi-ve infratores e usuários de drogas.

Kassab chega ao fim do mandato comalta rejeição e sem uma marca de governocomo o Cidade Limpa – o programa quedisciplinou a paisagem urbana. A imagemde político habilidoso, porém, está fortale-cida. / EDUARDO KATTAH, FERNANDO GALLO E

BRENO PIRES, BEATRIZ FOINA, TAISA

SGANZERLA, ESPECIAL PARA O ESTADO

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Sigla. Kassabcomeçou aarticular acriação do PSDem fevereiro de2011 e viu opartido nascerem setembrodaquele ano

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