Elementos Biotecnológicos fundamentais no processo...

10
Devido à importância econômica do processo biotec- nológico envolvendo a levedura Saccharomyces cerevisiae na produção de cerveja, diferentes grupos de pesquisa têm de- dicado esforços no estudo para a elucidação dos mecanismos de regulação metabólica deste eucarioto, no decorrer da fer- mentação dos mostos cervejeiros. A fermentação dos mostos cervejeiros pode ser influen- ciada por vários fatores. Entre estes podem ser destacados: a composição do mosto, a temperatura da fermentação, o nível de oxigênio inicial, a concentração e a viabilidade celular e a concentração de etanol. Neste artigo, encontram-se revisados e sumariados os as- pectos mais relevantes da composição química básica, além dos principais mecanismos bioquímicos inerentes à fermenta- ção do mosto cervejeiro. O processo cervejeiro A cerveja é uma bebida de malte resultante da fermentação alcoólica do extrato aquoso do malte de cevada com lúpulo. O Resumo Genericamente, define-se por cerveja uma bebida carbonatada de baixo teor alcoólico, pre- parada a partir de malte (usualmente de cevada), lúpulo, leveduras e água de boa qualidade, podendo ainda utilizar-se de adjuntos. Sabe-se que vários fatores influenciam a fermentação de mostos cervejeiros, dentre eles sua composição. Na presente revisão, aspectos básicos sobre a composição química do mosto e o metabolismo da levedura cervejeira na fermen- tação, estão sucintamente apresentados de maneira seqüencial. Palavras-chave: fermentação, cerveja, biotecnologia Summary Generically, beer is defined as a carbonated drink of low alcoholic content, prepared from malt (usually of barley), hops, yeasts, water of good quality and some adjuncts. Many factors, like composition, influence the wort fermentation. In the present revision, basic aspects on the chemical composition of wort and the metabolism of the brewing yeast in the fermen- tation, summarily are presented in sequential way. Keywords: fermentation, beer, biotechnology Elementos Biotecnológicos fundamentais no processo cervejeiro: 2º parte – A Fermentação I NTRODUÇÃO A origem das primeiras bebidas alcoólicas é incerta. Estima- se que o homem começou a utilizar bebidas fermentadas há 30 mil anos, sendo que a produção de cerveja deve ter se iniciado por volta de 8.000 a.C. Essa bebida foi desenvolvida paralela- mente aos processos de fermentação de cereais e difundiu-se lado a lado com as culturas de milho, centeio e cevada nas antigas sociedades estáveis. Há registros sobre a utilização da cerveja, na antigüidade, entre os povos da Suméria, Babilônia e Egito. Os egípcios fizeram com que a cerveja ficasse conhecida pelos outros povos orientais, fazendo com que ela chegasse à Europa e daí para o resto do mundo, sendo uma das bebidas mais apreciadas nos dias atuais. Assim, a produção de cerveja é usualmente mencionada como um exemplo típico da biotec- nologia “antiga”, devido à sua longa história. Entende-se por Biotecnologia, o conjunto de conheci- mentos, técnicas e métodos, de base científica ou prática, que permite a utilização de seres vivos como parte integrante e ativa do processo de produção industrial de bens e serviços. *Giovani Brandão Mafra de Carvalho, Adriana Andréia Rossi e João Batista de Almeida e Silva Universidade de São Paulo – USP, Escola de Engenharia de Lorena – EEL, Departamento de Biotecnologia *Autor para correspondência: Estrada Municipal do Campinho Caixa Postal 116 CEP: 12602-810. Lorena. SP Fone: (12) 3159-5107 E-mail: [email protected] 46 Revista Analytica Dezembro 2006/Janeiro 2007 Nº26 Artigo Artigo Ed 26 Fermentação.indd 2 Ed 26 Fermentação.indd 2 20/12/2006 16:49:38 20/12/2006 16:49:38

Transcript of Elementos Biotecnológicos fundamentais no processo...

Devido à importância econômica do processo biotec-

nológico envolvendo a levedura Saccharomyces cerevisiae na

produção de cerveja, diferentes grupos de pesquisa têm de-

dicado esforços no estudo para a elucidação dos mecanismos

de regulação metabólica deste eucarioto, no decorrer da fer-

mentação dos mostos cervejeiros.

A fermentação dos mostos cervejeiros pode ser infl uen-

ciada por vários fatores. Entre estes podem ser destacados: a

composição do mosto, a temperatura da fermentação, o nível

de oxigênio inicial, a concentração e a viabilidade celular e a

concentração de etanol.

Neste artigo, encontram-se revisados e sumariados os as-

pectos mais relevantes da composição química básica, além

dos principais mecanismos bioquímicos inerentes à fermenta-

ção do mosto cervejeiro.

O processo cervejeiro

A cerveja é uma bebida de malte resultante da fermentação

alcoólica do extrato aquoso do malte de cevada com lúpulo. O

Resumo

Genericamente, defi ne-se por cerveja uma bebida carbonatada de baixo teor alcoólico, pre-

parada a partir de malte (usualmente de cevada), lúpulo, leveduras e água de boa qualidade,

podendo ainda utilizar-se de adjuntos. Sabe-se que vários fatores infl uenciam a fermentação

de mostos cervejeiros, dentre eles sua composição. Na presente revisão, aspectos básicos

sobre a composição química do mosto e o metabolismo da levedura cervejeira na fermen-

tação, estão sucintamente apresentados de maneira seqüencial.

Palavras-chave: fermentação, cerveja, biotecnologia

Summary

Generically, beer is defi ned as a carbonated drink of low alcoholic content, prepared from

malt (usually of barley), hops, yeasts, water of good quality and some adjuncts. Many factors,

like composition, infl uence the wort fermentation. In the present revision, basic aspects on

the chemical composition of wort and the metabolism of the brewing yeast in the fermen-

tation, summarily are presented in sequential way.

Keywords: fermentation, beer, biotechnology

Elementos Biotecnológicos fundamentais no processo cervejeiro: 2º parte – A Fermentação

INTRODUÇÃO

A origem das primeiras bebidas alcoólicas é incerta. Estima-

se que o homem começou a utilizar bebidas fermentadas há 30

mil anos, sendo que a produção de cerveja deve ter se iniciado

por volta de 8.000 a.C. Essa bebida foi desenvolvida paralela-

mente aos processos de fermentação de cereais e difundiu-se

lado a lado com as culturas de milho, centeio e cevada nas

antigas sociedades estáveis. Há registros sobre a utilização da

cerveja, na antigüidade, entre os povos da Suméria, Babilônia e

Egito. Os egípcios fi zeram com que a cerveja fi casse conhecida

pelos outros povos orientais, fazendo com que ela chegasse à

Europa e daí para o resto do mundo, sendo uma das bebidas

mais apreciadas nos dias atuais. Assim, a produção de cerveja

é usualmente mencionada como um exemplo típico da biotec-

nologia “antiga”, devido à sua longa história.

Entende-se por Biotecnologia, o conjunto de conheci-

mentos, técnicas e métodos, de base científi ca ou prática, que

permite a utilização de seres vivos como parte integrante e

ativa do processo de produção industrial de bens e serviços.

*Giovani Brandão

Mafra de Carvalho,

Adriana Andréia Rossi e

João Batista de

Almeida e Silva

Universidade de

São Paulo – USP,

Escola de Engenharia

de Lorena – EEL,

Departamento de

Biotecnologia

*Autor para correspondência:

Estrada Municipal do

Campinho

Caixa Postal 116

CEP: 12602-810. Lorena. SP

Fone: (12) 3159-5107

E-mail: [email protected]

46 Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26

ArtigoArtigo

Ed 26 Fermentação.indd 2Ed 26 Fermentação.indd 2 20/12/2006 16:49:3820/12/2006 16:49:38

processo cervejeiro é consequentemente um processo de múl-

tiplos estágios envolvendo a conversão biológica de materiais in natura em produto fi nal (Walker, 2000; Carvalho et al., 2006a).

A cervejaria moderna aplica um amplo espectro de novas

invenções técnicas, bioquímicas, microbiológicas e genéticas.

Exemplos de progressos contemporâneos podem ser encon-

trados ao longo de toda cadeia de produção: como o desenvol-

vimento de novos cultivares de cevada, uso de bactérias lácticas

na fase de maltagem, obtenção de extratos de lúpulo com CO2

supercrítico, fermentação de mostos de alta densidade (high gravity), imobilização de leveduras no bioreator, modifi cação

genética de leveduras etc. (Carvalho et al., 2006b).

Segundo Virkajärvi (2001), o processo de produção de

cervejas do tipo lager, predominante em todo mundo nos dias

atuais, pode ser resumido em quatro fases, conforme descri-

to abaixo:

1) O primeiro passo consiste na obtenção do malte de ce-

vada através da germinação de grãos de cevada em condi-

ções especiais. Este malte é moído ou triturado e misturado

com água. As enzimas presentes no próprio malte, ativadas

de acordo com um perfi l de temperaturas controlado pelo

mestre cervejeiro, irão hidrolisar os polímeros presentes:

amido em dextrinas, mono, di e trissacarídeos e proteínas em

peptídeos e aminoácidos. Esta primeira fase do processo é

denominada mosturação. A fração insolúvel do mosto obtido

é então fi ltrada, normalmente utilizando-se a própria casca do

malte como camada fi ltrante.

2) O próximo passo consiste na fervura do mosto fi ltrado

por 1 a 2 horas, após a adição do lúpulo. A fervura (ou cozi-

mento) irá assegurar a assepticidade necessária e promoverá

a precipitação de complexos entre proteínas e polifenóis, a

solubilização/isomerização de componentes do lúpulo, a re-

moção de compostos que determinam sabores desagradáveis

no produto fi nal e a obtenção da concentração desejada de

açúcares. As enzimas presentes são inativadas durante a fer-

vura. O material precipitado, conhecido como trub, é então

removido. Após a remoção do trub, o mosto é resfriado,

transferido para o fermentador e aerado até a saturação na

concentração de oxigênio dissolvido.

3) A fermentação da cerveja do tipo lager é dividida em duas

fases: Fermentação principal (ou primária) e fermentação se-

cundária. A fermentação principal dura entre seis e dez dias,

temperaturas entre 7 e 15ºC sendo utilizadas. Durante a fer-

mentação principal, a maior parte dos compostos responsá-

veis pelas características organolépticas do produto fi nal são

formados. Ao fi nal desta fase, a cerveja é resfriada para apro-

ximadamente 4ºC e a maior parte das leveduras são retiradas

pela base do fermentador. A fermentação secundária pode

ser realizada no mesmo tanque da fermentação principal ou

a cerveja pode ser transferida para um segundo tanque. O

principal objetivo da fermentação secundária é a remoção do

diacetil, que causa sabor desagradável no produto fi nal. Esta

fase dura entre uma e duas semanas.

4) Finalmente, a cerveja é estabilizada pelo resfriamento a

temperatura igual ou inferior a 0ºC por um período de até

três dias. Diferentes agentes estabilizantes, como sílica gel e

taninos, podem ser utilizados. Leveduras e complexos entre

proteínas e polifenóis irão precipitar, sendo fi ltrados poste-

riormente. A carbonatação, a pasteurização e o envase fi nali-

zam o processo de produção.

Cabe ressaltar a importância do fi nal da fase 2 e início da

fase 3 citados acima. De acordo com Munroe (1994), o oxi-

gênio é utilizado pela levedura para produzir esteróis e ácidos

carboxílicos insaturados, que são essenciais para a síntese da

membrana celular. Sem o oxigênio inicial, o crescimento celu-

lar fi ca restrito causando fermentação anormal e mudanças no

fl avour da cerveja. O oxigênio é consumido pela levedura geral-

mente em poucas horas e, como os açúcares do mosto não são

consumidos no início da fase lag, o glicogênio é essencial fonte

de energia para atividade celular. Segundo Venturini Filho & Ce-

reda (2001), no início da fermentação alcoólica a quantidade de

leveduras a ser utilizada deve ser tal que resulte numa concen-

tração de 5 a 15 milhões de células de levedura por mililitro de

mosto. Embora as circunstâncias variem de mostos para mos-

tos e de cepas para cepas, uma fermentação requererá 1 ppm

de oxigênio dissolvido e 106 cel/mL por cada 1ºP de extrato no

mosto (Almeida e Silva, 2005).

Nos últimos anos, muito se tem estudado sobre o au-

mento de produtividade do processo cervejeiro, bem como

o controle dos produtos formados durante o processo fer-

mentativo. A infl uência das condições de fermentação sobre

o fl avour da cerveja e o papel central do metabolismo da

levedura na produção de compostos ativos no fl avour têm

sido objeto de estudo de vários pesquisadores (Garcia et al., 1993; Almeida, 1999; Verstrepen et al., 2003, Guido et al., 2004; Vanderhaegen et al., 2006). O conhecimento geral do

processo cervejeiro, bem como das características químicas

do mosto e bioquímicas da fermentação são fundamentais ao

cervejeiro, na busca de estratégias de melhoramento da pro-

dutividade e da estabilidade sensorial da cerveja produzida.

A composição química do mosto cervejeiro e sua fermentação

Os açúcares

O metabolismo da levedura cervejeira, bem como de

qualquer ser vivo, pode ser dividido didaticamente em ana-

Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26 47

Ed 26 Fermentação.indd 3Ed 26 Fermentação.indd 3 20/12/2006 16:49:4020/12/2006 16:49:40

bolismo e catabolismo. O processo anabólico diz respeito a

reações de síntese de material celular, tais como proteínas,

gorduras, polissacarídeos etc., às custas de energia celular ar-

mazenada na molécula de ATP. No catabolismo o processo

se inverte, as moléculas são quebradas e oxidadas, sendo que

a energia química produzida nessas reações é acumulada nas

moléculas de ATP (Venturini Filho & Cereda, 2001).

A transformação do açúcar (glicose) em etanol e CO2 en-

volve 12 reações em seqüência ordenada, cada qual catalisada

por uma enzima específi ca. Tal aparato enzimático está con-

fi nado no citoplasma celular sendo, portanto, nessa região

da célula que a fermentação alcoólica se processa (Figura 1).

Essas enzimas, referidas como “glicolíticas”, sofrem ações de

diversos fatores (nutrientes, minerais, vitaminas, inibidores,

substâncias do próprio metabolismo, pH, temperatura e ou-

tros), alguns que estimulam e outros que reprimem a ação

enzimática, afetando o desempenho do processo fermentati-

vo conduzido pelas leveduras (Lima et al., 2001).

Convém ressaltar que a levedura Saccharomyces é um

aeróbio facultativo, ou seja, tem a habilidade de se ajustar

metabolicamente, tanto em condições de aerobiose como de

anaerobiose (ausência de oxigênio molecular). Os produtos

fi nais da metabolização do açúcar irão depender das condi-

ções ambientais em que a levedura se encontra. Assim, en-

quanto uma porção do açúcar é transformada em biomassa,

CO2 e H

2O em aerobiose, a maior parte é convertida em

etanol e CO2 em anaerobiose, processo denominado fermen-

tação alcoólica (Lima et al., 2001). Para o cervejeiro, o catabo-

lismo dos açúcares tanto em aerobiose como em anaerobio-

se são importantes. A via respiratória – energicamente mais

efi ciente – é utilizada no início do processo de fermentação,

com a fi nalidade de promover o crescimento e o reviramento

do fermento. A via fermentativa tem a função de promover

a transformação do mosto em cerveja, através da conversão

do açúcar em etanol e gás carbônico (Venturini Filho & Ce-

reda, 2001). Os carboidratos considerados substratos para a

fermentação, tanto podem ser endógenos (constituintes da

levedura, como glicogênio e trealose) como exógenos (sa-

carose, glicose, frutose e outros), estes últimos fornecidos a

levedura (Lima et al., 2001).

Segundo Azeredo (1999), o mosto cervejeiro é compos-

to em sua maior parte de carboidratos (cerca de 90%). O

mosto contém os açúcares: sacarose, frutose, glicose, mal-

tose e maltotriose além de dextrinas. De acordo com Hanns

Seidel (1995) citado por Almeida (1999), em mostos obtidos

apenas a partir de malte, os monossacarídeos representados

pela glicose e frutose constituem de 7 a 9% do total de car-

boidratos; os dissacarídeos, representados pela sacarose e

maltose, representam respectivamente 3% e 43-47% do total

de carboidratos; os trissacarídeos, representados pela malto-

triose, constituem de 11 a 13% do total; e os polissacarídeos,

representados pelas dextrinas, constituem de 17 a 36% do

total de carboidratos. O passo inicial na utilização dos açú-

cares fermentescíveis pela levedura pode ser tanto a passa-

gem intacta do açúcar através da membrana celular ou a sua

hidrólise fora da membrana celular, seguida pela entrada na

célula de alguns ou todos seus produtos de hidrólise. A mal-

tose e a maltotriose são exemplos de açúcares que passam

intactos através da membrana celular, enquanto a sacarose

(e as dextrinas com Saccharomyces diastaticus) é hidrolisada

por uma enzima extracelular, sendo seus produtos (glicose

e frutose) metabolizados pela célula (Ameida e Silva, 2005).

Em uma situação normal, as leveduras cervejeiras são capa-

zes de utilizar glicose, frutose, maltose e maltotriose, nesta

seqüência aproximada, embora algum grau de superposição

aconteça, sendo que as dextrinas somente são utilizadas por

S. diastaticus (Russel, 1994). A sacarose é convertida em gli-

cose e frutose pela enzima invertase produzida pela levedura

(Walker, 2000). Na Figura 2 é mostrado o fl uxo dos princi-

pais carboidratos presentes no mosto cervejeiro, do exterior

para o interior da levedura (Russel, 1994). Dos fatores am-

bientais que regulam a respiração e a fermentação em células

de leveduras, a disponibilidade de glicose e oxigênio é o mais

documentado (Walker, 2000). No caso de algumas leveduras,

48 Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26

Figura 1. Seqüência das reações enzimáticas pela fermentação alcoólica de carboidratos endógenos (glicogênio e trealose) ou exógenos (sacarose e maltose), conduzida por Saccharomyces cerevisiae (Lima et al., 2001)

ArtigoArtigo

Ed 26 Fermentação.indd 4Ed 26 Fermentação.indd 4 20/12/2006 16:49:4020/12/2006 16:49:40

Ed 26 Fermentação.indd 5Ed 26 Fermentação.indd 5 20/12/2006 16:49:4020/12/2006 16:49:40

50 Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26

ArtigoArtigo

entre elas a Saccharomyces cerevisiae, em presença de glicose

mesmo em condições estritamente aeróbias, o metabolismo

é do tipo respiro-fermentativo. Esse comportamento meta-

bólico é provocado por um efeito conhecido como efeito

Crabtree ou repressão catabólica. Esse efeito se pronuncia em

condições onde a concentração de glicose ultrapassa um va-

lor limite. O mecanismo responsável pela repressão catabó-

lica pode ser bastante complexo, mas estudos mostram que

ocorre principalmente através do forte efeito repressivo da

glicose sobre a atividade de enzimas respiratórias e também,

possivelmente, pela inibição da expressão genética de enzimas

constituintes da via respiratória, fazendo com que parte do

piruvato que não pode ser oxidado pelo ciclo de Krebs seja

reduzido a etanol pelo processo fermentativo (Bakker et al., 2001). Em contrapartida, um outro efeito conhecido como

efeito Pasteur relaciona o oxigênio com a cinética do catabo-

lismo de açúcar, estabelecendo que, sob condições anaeró-

bias, a glicólise aconteça mais rápido do que sobre condições

aeróbias. Este fenômeno é observado somente quando as

concentrações de glicose forem baixas (ex: cerca de 5nM em

S. cerevisiae) ou sob certas condições de nutrientes limitantes

(Walker, 2000). Segundo Nogueira & Venturine Filho (2005),

a principal diferença entre o efeito Pasteur e o efeito Crabtree

é que no primeiro, observa-se a tendência da levedura respi-

rar em meios anaeróbios, enquanto no segundo, constata-se

que a levedura pode fermentar mesmo na presença de oxigê-

nio. Sabe-se que a glicose e a frutose (ou qualquer açúcar que

forneça um destes açúcares por hidrólise), em concentração

elevada, reprimem a respiração da levedura alcoólica. Portan-

to, a respiração apenas é possível na presença de oxigênio e

baixa concentração de açúcar; em todas as outras possibilida-

des ambientais, a célula deverá fermentar preferencialmente.

O objetivo primordial da levedura, ao metabolizar anae-

robicamente o açúcar, é gerar uma forma de energia (ATP,

adenosina trifosfato) que será empregada na realização de di-

versos trabalhos fi siológicos (absorção, excreção e outros) e

biossínteses, necessários à manutenção da vida, crescimento

e multiplicação, para perpetuar a espécie. O etanol e o CO2

resultantes se constituem tão somente de produtos de ex-

creção, sem utilidade metabólica para a célula em anaero-

biose. Entretanto, o etanol, bem como outros produtos de

excreção (como o glicerol e ácidos orgânicos) podem ser

oxidados metabolicamente, gerando mais ATP e biomassa,

mas apenas em condição de aerobiose (Walker, 2000; Lima

et al., 2001).

Na seqüência de reações enzimáticas de produção de

ATP, e intrínsecas à formação de etanol, rotas metabólicas

alternativas aparecem para propiciar a formação de mate-

riais necessários à constituição da biomassa (polissacarídeos,

lipídeos, proteínas, ácidos nucléicos e outros), bem como

para a formação de outros produtos de interesse metabó-

Tabela 1. Aminoácidos na cervejaria

Figura 2. Metabolismo de carboidratos por Saccharomyces ssp (Russel, 1994)

Classe Grupo A Grupo B Grupo C Grupo D

I

Ácido glutâmico

Glutamina

Ácido aspártico

Asparagina

Treonina

Prolina

II Valina

Isoleucina

Glicina

Fenilalanina

Tirosina

Alanina

IIILisina

Arginina

Leucina

Histidina

Maltose

Maltose Maltotriose

Maltotrise

α-glicosedase Glicose α-glicosedaseFrutose

Glicose Glicose + Frutose

Sacarose

Glicoamolase

Amido/Dextrina

Invertase

PermeasePermease

Ed 26 Fermentação.indd 6Ed 26 Fermentação.indd 6 20/12/2006 16:49:4320/12/2006 16:49:43

lico, relacionados direta e indiretamente com a adaptação e

sobrevivência. Assim, juntamente com o etanol e o CO2, o

metabolismo anaeróbio permite a formação e excreção de

glicerol, ácidos orgânicos (succínico, acético, pirúvico e ou-

tros), álcoois superiores, acetaldeído, acetoína, butilenoglicol,

além de outros compostos de menor signifi cado quantitativo

(Lima et al., 2001). Simultaneamente ocorre o crescimento

das leveduras (formação de biomassa).

A formação do glicerol, o mais abundante dos compostos

orgânicos secundários da fermentação, está acoplada à manu-

tenção do equilíbrio redox celular, o qual é alterado quando

da formação de ácidos orgânicos, biomassa e da presença de

sulfi to no mosto. A formação de glicerol também está re-

lacionada a uma resposta ao estresse osmótico, quando de

concentrações elevadas de açúcares ou de sais no mosto

(Walker, 2000; Lima et al., 2001).

Fermentações de mostos cervejeiros com concentrações

de sólidos solúveis acima de 18% têm apresentado problemas

relacionados principalmente à viabilidade celular, com uma

fermentação lenta e incompleta. A toxidade do etanol e a alta

pressão osmótica têm sido relatados como fatores limitan-

tes (Casey et al., 1984). Dragone et al. (2003a), verifi caram

experimentalmente que um aumento na concentração do

mosto cervejeiro de 15 para 20 ºP resultou na diminuição da

produtividade em etanol (Qp) em 0,08 g.l-1.h-1. Segundo Van

Haecht et al. (1995), as leveduras produzem também sulfi to

em uma quantidade que geralmente está relacionada com o

total de açúcares fermentescíveis no mosto. Cervejas produ-

zidas através de meio de concentração usual (cerca de 12 ºP)

contêm menos que 10 mg/L de SO2. Em contrapartida, cer-

vejas elaboradas pelo método de alta concentração do meio

(superiores á 12 ºP) podem conter sulfi to em níveis acima de

10 mg/L. Estes autores também afi rmam que mostos com a

Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26 51

mesma concentração de sólidos solúveis, mas com alteração

na proporção entre os tipos de carboidratos, podem pro-

duzir cervejas com diferentes quantidades de sulfi to. Phawe-

ni et al. (1993), citado por Van Haecht et al. (1995), usando

diferentes mostos elaborados com 65% de malte e 35% de

vários tipos de adjuntos, mostrou que um aumento na quanti-

dade de substrato fermentescível aumenta signifi cativamente

a quantidade de SO2 fi nal.

São discutíveis as razões fi siológicas que levam a levedura a

produzir e excretar o ácido succínico (o segundo produto or-

gânico secundário mais abundante na fermentação alcoólica).

Admite-se que sua formação se deve a um meio fermentativo

inadequado, pois não há evidência de necessidade metabólica

desse ácido pela levedura, na proporção que é produzido.

Entretanto, parece que sua formação e excreção conferem

às leveduras maior competitividade com as bactérias conta-

minates, numa fermentação industrial. O ácido succínico em

ação sinérgica com o etanol exerceria uma intensa atividade

antibacteriana, o que é notado durante uma fermentação al-

coólica (Lima et al., 2001).

O acetaldeído é o precursor imediato da síntese do eta-

nol. Quantidades signifi cativas passam para o mosto fermen-

tado e são reabsorvidas, no fi nal da fermentação. Presente

em excesso (25 mg/L) proporciona um fl avor de “amônia”

na cerveja. A fermentação em altas temperaturas e a super

dosagem de fermento podem ocasionar um aumento no teor

de acetaldeído (Schimdt, 1996 citado por Azeredo, 1999).

Os íons inorgânicos

Além de carbono e nitrogênio, os microrganismos exigem

uma série de outros elementos, sob a forma de compostos

inorgânicos. Alguns são necessários em quantidades apreciá-

veis – macronutrientes- enquanto que, de outros, bastam tra-

ços – micronutrientes. Dentre os primeiros temos o fósforo,

sob a forma de fosfatos, importante no metabolismo energé-

tico e na síntese de ácidos nucléicos: o enxofre, necessário

por fazer parte de aminoácidos como cistina e cisteína e para

a síntese de vitaminas com a biotina e tiamina; o potássio, ati-

vador de enzimas e regulador da pressão osmótica; o magné-

sio, ativador de enzimas extracelulares e fator importante na

esporulação; o ferro, necessário para a síntese dos citocro-

mos e de certos pigmentos. O papel dos micronutrientes não

é tão bem conhecido, dadas as difi culdades de seu estudo.

Tem-se, todavia, demonstrado, em casos específi cos, a neces-

sidade de elementos como cobre, cobalto, zinco, manganês,

sódio, boro e muitos outros (Alterthum, 2001).

Sabe-se que a levedura cervejeira S. cerevisiae requer tra-

ços de alguns minerais, como cobre (0,012 ppm), ferro (0,075

ppm) e zinco (0,5 ppm). Entretanto, o excesso desses metais

pode levar a alguns problemas. A maioria dos mostos forne-

piruvato

α- acetolactatositase

α- acetolactatovalina

α- acetolactatodescarboxilase

reação não enzimática

diacetil

diacetil redutaseNADH

acetoína

2, 3- butanodiol

Figura 3. Esquema metabólico envolvendo o α-acetolactato (Yamauchi et al., 1995a)

Ed 26 Fermentação.indd 7Ed 26 Fermentação.indd 7 20/12/2006 16:49:4320/12/2006 16:49:43

52 Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26

ArtigoArtigo

ce esses elementos em proporção adequada, porém algumas

cervejarias adicionam zinco, para corrigir eventuais defi ciên-

cias oriundas da adição de uma grande quantidade de adjun-

tos (Azeredo, 1999).

De acordo com Fix (1989) citado por Azeredo (1999),

os íons magnésio desempenham um importante papel no

crescimento da levedura, como co-fator em muitas reações

metabólicas. O malte geralmente fornece um suprimento

adequado desse íon. Ao contrário, o íon cálcio, que é alta-

mente benéfi co à mosturação, tende a inibir o crescimento

da levedura, em quantidades excessivas, sendo seu limite de

100 ppm.

O nitrogênio

Segundo Azeredo (1999), o conteúdo de nitrogênio no

mosto cervejeiro representa 5% dos sólidos solúveis totais.

A principal fonte de nitrogênio para a síntese de proteínas,

ácidos nucléicos e outros componentes nitrogenados é a va-

riedade de aminoácidos formados a partir da proteólise das

proteínas do malte. O mosto contém 19 aminoácidos e, sob

condições fermentativas de uma cervejaria, as leveduras os

consomem de uma maneira ordenada, sendo que diferentes

aminoácidos são removidos em vários estágios do ciclo fer-

mentativo (Russel, 1994). Conforme relatado por Fix (1989)

citado por Azeredo (1999), os aminoácidos são absorvidos

pela levedura na seguinte seqüência:

Grupo A: Aminoácidos que são rapidamente absorvidos no

meio e são eliminados do mosto no fi nal da fase de crescimen-

to da levedura. São eles: Ácido glutâmico, Glutamina, Ácido

aspártico, Asparagina, Serina, Treonina, Lisina e Arginina.

Grupo B: Aminoácidos que são absorvidos mais lentamente.

São eles: Valina, Leucina, Isoleucina e Histidina.

Grupo C: Aminoácidos que são absorvidos somente após a fase

lag e somente após a eliminação dos aminoácidos do Grupo A do

mosto. São eles: Glicina, Felilalanina, Tirosina, e Alanina.

Grupo D: Aminoácidos que permanecem presentes por

toda a fermentação. A saber: Prolina.

É comum, classifi car os aminoácidos de acordo com seu

papel na fermentação e sua contribuição como nutriente para

a levedura (Tabela 1):

Classe I – Esses aminoácidos podem ser sintetizados pela

levedura durante a atividade metabólica normal. Não é ne-

cessária sua presença no mosto.

Classe II – Esses aminoácidos são vitais para o metabolismo

da levedura, devendo ser fornecidos pelo mosto. A sua remo-

ção do mosto pode levar a alteração do fl avor da cerveja.

Classe III – Esses aminoácidos são cruciais no metabolismo

da levedura. O mosto cervejeiro constitui a sua única fonte. A

remoção desses aminoácidos pode alterar signifi cativamente

o fl avour fi nal da bebida.

A formação de álcoois superiores e diacetil (2,3 butano-

diona), como subprodutos da fermentação está intimamente

relacionada com o metabolismo dos aminoácidos (Almei-

da,1999). O diacetil é uma cetona produzida tanto pelas leve-

duras cervejeiras como por bactérias lácticas (contaminates),

é capaz de conferir odor (desagradável) de manteiga rançosa

a bebida, em concentração igual ou superior a 0,10 ppm (Ven-

turini Filho & Cereda, 2001). Cabe ressaltar, a importância

do aminoácido valina para a levedura cervejeira. Na ausên-

cia desse composto, a levedura vai sintetizá-lo, produzindo

a partir do piruvato, α-acetolactato, que é reduzido à valina,

conforme demonstrado na Figura 3 (Yamauchi et al., 1995a).

O excesso de α-acetolactato é excretado pela célula e no

mosto, de acordo com o pH do meio, temperatura, presen-

ça de oxigênio etc. esse composto será reduzido a diace-

til (Figura 4). Na fase de maturação, a levedura reincorpora

esse diacetil, metabolizando-o até acetoína, que não altera

o fl avour da cerveja. Entretanto, em presença de grandes

quantidades de diacetil, devido à produção do mesmo por

bactérias contaminantes como Lactobacillus sp e Pediococcus sp, a levedura não consegue metabolizar todo o diacetil e este

permanecerá no mosto, afetando a qualidade do produto fi -

nal, promovendo o já citado fl avour de manteiga rançosa (Ya-

mauchi et al., 1995b). O controle efi ciente da concentração

de diacetil pode ser obtido com estratégias para a prevenção

da formação do precursor (α-acetolactato), ou de aumento

da taxa de descarboxilação química do precursor (Carvalho

et al., 2006b). Segundo Munroe (1994), tanto o diacetil como

a 2,3 pentanodiona (ambos dicetonas vicinais) são importan-

piruvato

α- acetolactatoα- acetolactato

valina diacetil

acetoína

diacetil

EXTRATO(Açúcar fermentescível)

Figura 4. Excreção do da célula de levedura α-acetolactato (Yamauchi et al., 1995b)

Ed 26 Fermentação.indd 8Ed 26 Fermentação.indd 8 20/12/2006 16:49:4320/12/2006 16:49:43

Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26 53

prilato de etila e acetato de fenil etila. A síntese dos ésteres,

durante a fermentação da cerveja, ocorre pela reação entre

álcoois e intermediários metabólicos da biossíntese de lipíde-

os, conforme detalhado na Figura 6 e pode ser infl uenciada

por vários fatores, como o conteúdo de lipídeos no mosto, o

teor de oxigênio dissolvido no mosto, a cepa de levedura, etc.

Isso ocorre porque a produção de acetato de etila e acetato

de isoamila é catalisada pela enzima álcool-ecetiltransferase,

enzima ligada a parede celular, que é inibida por ácidos graxos

insaturados. Muitos fatores que aumentam o teor de ácidos

graxos instaurados podem reprimir a biossíntese dos ésteres

(Yamauchi et al., 1994 citados por Azeredo, 1999).

Os ácidos graxos são formados pela biossíntese de lipídeos

ou excesso de intermediários do metabolismo de carboidratos.

As cadeias carbônicas longas de ácidos graxos de C14 a C

18 são

encontradas no mosto. As cadeias pequenas de C4 a C

12 são for-

madas pela levedura. A autólise da levedura pode contribuir, em

grande parte para o aumento de ácidos graxos no mosto. Outros

fatores estão ainda associados, como valores elevados de pH e

de extrato inicial no mosto (Verstrepen et al., 2003).

As vitaminas

Denominam-se fatores de crescimento os compostos or-

gânicos indispensáveis a um determinado microorganismo,

mas que ele não consegue sintetizar. Tais fatores, portanto,

devem estar presentes no meio para que o microrganismo

possa crescer. Muitos desses fatores são vitaminas, em espe-

cial do complexo B; outras vezes são aminoácidos, nucleotí-

deos e ácidos graxos. As necessidades dos microrganismos,

nesse particular, são variadíssimas (Alterthum, 2001).

A cevada e o malte são fontes ricas de muitas vitaminas,

dentre elas, as do complexo B, importante fator de cresci-

mento para levedura, durante a fermentação. Nesse grupo,

biotina, inositol e pantotenato são importantes. Um mosto

com um alto conteúdo extrato de malte irá suprir essas vita-

minas, em pelo menos duas vezes mais, do que a necessidade

da levedura (Azeredo, 1999).

Verifi ca-se na literatura que efeitos de estresse tais como

elevadas pressões osmóticas e a falta de nutrientes em mos-

tos cervejeiros de alta densidade, afetam negativamente o

tes para o controle da maturação, porém, o diacetil tem um

maior impacto no fl avour da cerveja. Uma série de reações

similares à formação do diacetil ocorre para a formação da

2,3 pentanodiona, cujo precursor é o α-acetohidroxibutira-

to, produzido pela levedura quando se processa a síntese do

aminoácido isoleucina.

O metabolismo dos aminoácidos isoleucina, leucina e valina

liberam a maior parte dos álcoois superiores. Estes reforçam a

atividade fi siológica do etanol, diminuindo a tolerância à bebi-

da, estando associados à dor de cabeça. Os álcoois superiores

juntamente com os ésteres são componentes essenciais para a

caracterização do fl avour da cerveja. Os principais álcoois supe-

riores formados durante a fermentação são o álcool isoamílico,

o isobutanol e o n-propanol. Na formação dos álcoois superio-

res, os aminoácidos presentes no mosto são primeiramente

desaminados para a formação dos oxi-ácidos correspondentes

e então os aminoácidos são biossintetizados na célula da le-

vedura. O pool de oxi-ácidos é derivado, principalmente, da

absorção de aminoácidos do mosto e parte é derivada do me-

tabolismo dos carboidratos, conforme demonstrado na Figura

5. Os principais fatores que aumentam a produção de álcoois

superiores na fermentação cervejeira são: elevado teor de ami-

noácidos no mosto, altas temperaturas, altas concentrações de

etanol e uma alta dosagem de levedura (Yamauchi et al., 1994

citados por Azeredo, 1999).

Os lipídeos

A fração de lipídeos no mosto está entre 5 a 7 mg por

100 mL. Eles são derivados de três fontes: um grupo é prove-

niente do metabolismo da levedura e é tipicamente saturado.

O lúpulo oxidado, também constitui outra fonte. O grupo de

maior interesse, no entanto, são os ácidos graxos insatura-

dos, derivados do malte. Eles são tipicamente encontrados

no trub do mosto, o qual consiste em mais de 50% de lipíde-

os. Quantidades consideráveis desses lipídeos são extraídos

no mosto, durante o processo de mosturação. Durante o

processo fermentativo, o metabolismo dos lipídeos prove-

nientes do mosto ocorre somente na fase aeróbia. Células

mais velhas de levedura cervejeira costumam conter muitas

gotículas de gordura no citoplasma. Os lipídeos possuem efei-

to negativo sobre a qualidade sensorial da cerveja, afetan-

do ainda e estabilidade da espuma. O aspecto positivo é que

participam de muitas reações no metabolismo da levedura,

dentre elas, contribuem para inibir a formação de ésteres de

acetato, durante a fermentação. Os ésteres são os principais

responsáveis pelo fl avour da cerveja. Altos teores de ésteres

aumentam a ação fi siológica do etanol e diminuem o paladar

da cerveja (Azeredo, 1999). De acordo com Verstrepen et al. (2003), os principais ésteres ativos no fl avour da cerveja são:

acetato de etila, acetato de isoamila, caproato de etila, ca-

Acil-CoA s Acetil-CoA

Álcooissuperiores Aminoácidos

Carboidratofermentescível

Ésteres

Levedura

Figura 5. Síntese metabólica dos Álcoois Superiores (adaptado por Azeredo, 1999)

Ed 26 Fermentação.indd 9Ed 26 Fermentação.indd 9 20/12/2006 16:49:4320/12/2006 16:49:43

1- ALMEIDA E SILVA, JB. Cerveja. In: Venturini Filho, G. W. Tecnologia de

Bebidas, pp.347-380. Edgar Blücher, Brasil, 2005.2- ALMEIDA, RB. Avaliação dos Fatores que Infl uenciam na

Concentração de Dicetonas Vicinais na Cerveja Produzida pelo

Processo de Altas Densidades com Utilização de Planejamento

de Experimentos. 1999. 96f. Dissertação (Mestrado em Biotecnologia Industrial) – Faculdade de Engenharia Química de Lorena, Lorena, 1999. 3- ALTERTHUM, F. Elementos em Microbiologia. In: Almeida lima, U., Aquarone, E., Borzani, W., Schmidell, W. Biotecnologia Industrial (Fundamentos v.1), pp. 01-32. Edgar Blücher, Brasil, 2001.4- AZEREDO, DRP. Síntese e Degradação de Glicogênio e Viabilidade

de Levedura Cervejeira. 1999. 103f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.5- BAKKER, BM; OVERKAMP, KM; van MARIS, AJA; KÖTTER, P; LUTTIK, AH; van DIJKEN, JP; PRONK, JT. Stoichiometry and Compartimentation of NADH Metabolism in Saccharomyces cerevisiae. FEMS Microbiol Rev, v. 25, pp. 15-37, 2001.6- CARVALHO, GBM; DRAGONE, G; BENTO, CV; SANTOS, DT; SARROUH, BF; FELIPE, MGA; ALMEIDA E SILVA, JB. Utilização da banana como adjunto na obtenção de mosto cervejeiro de alta densidade: um estudo para fi m biotecnológico clássico inédito. In: Congresso Mineiro

de Propriedade Intelectual, Agosto 9-11, UFJF, Juiz de Fora - MG, 2006a. 7- CARVALHO, W; CANILHA, L; SILVA, SS. Uso de biocatalisadores imobilizados: uma alternativa para a condução de bioprocessos. Revista Analytica, n 23, pp. 60-70, 2006b.8- CASEY, GP; MAGNUS, CA; INGLEDEW, WM. High Gravity Brewing: Effects of Nutrition on Yeast Composition, Fermentative Ability, and Alcohol Production. Applied and Environmental Microbiology, v.48, n.3 p.639-646, 1984. 9- DRAGONE, G; SILVA, DP; ALMEIDA E SILVA, JB. Infl uência da Concentração do Mosto na Produção em Escala Piloto de Cervejas pelo Processo “High Gravity”. Engarrafador Moderno, Março, pp. 30-35, 2003b. 10- DRAGONE, G; SILVA, DP; ALMEIDA E SILVA, JB; LIMA, UA. Improvement of the ethanol productivity in a high gravity brewing at pilot plant scale. Biotechnology Letters, v.25, pp. 1171-1174, 2003a. 11- GARCIA, AI; GARCIA, LA; DIAZ, M. Caracteristicas del crecimiento durante la fermentacion de cerveza. Alimentacion Equipos y

Tecnologia, Jun, p.69-75,1993.12- GUIDO, LF; RODRIGUES, PG; RODRIGUES, JÁ; GONÇALVES, CR;

BARROS, AA. The Impact of the Pitching Yeast on Beer Flavour Stability: An Industrial Approach. Food Chemistry, v.87, pp. 187-193, 2004. 13- LIMA, U. de A; BASSO, LC; AMORIM, HV. Produção de Etanol. In: Almeida Lima, U., Aquarone, E., Borzani, W., Schmidell, W. Biotecnologia Industrial (Processos Fermentativos e Enzimáticos v.3), pp. 01-43. Edgar Blücher, Brasil, 2001. 14- MUNROE, JH. Fermentation. In: HARDWICK, W.A. Handbook of

Brewing: New York: Marcel Dekker, 1994. p.323-353.15- NOGUEIRA, AMP; VENTURINI FILHO, WG. Aguardente de

Cana. Universidade Estadual Paulista - UNESP (Faculdade de Ciências Agronômicas-Botucatu/SP), Livro, Abril, 2005.

16- RUSSELL, I. Yeast In: HARDWICK, W.A. Handbook of Brewing. New York: Marcel Dekker, 1994. p.169-202.17- VAN HAECHT, JL; DUFOUR, JP. The production of Sulfur Compound by Brewing Yeasts: A Review. Cerevesia, v.20, n.1, 1995. 18- VANDERHAEGEN, B; DELVAUX, F; DAENEN, L; VERACHTERT, H; DELVAUX, FR. Aging Characteristics of Different Beer Types. Food Chemistry, 2006 (in press). 19- VENTURINI FILHO, WG; CEREDA, MP. Cerveja. In: Almeida lima, U., Aquarone, E., Borzani, W., Schmidell, W. Biotecnologia Industrial (Biotecnologia na produção de alimentos v.4), pp. 91-144. Edgar Blücher, Brasil, 2001. 20- VERSTREPEN, KJ; DERDELINCKX, G; DUFOUR, JP; WINDERICKX.; THEVELEIN, JM; PRETORIUS, IS; DELVAUX, FR. Flavor – Active Esters: Adding Fruitiness to Beer. Journal of Bioscience and Bioengineering. v. 96, n. 02, pp. 110-118, 2003. 21- VIRKAJÄRVI, I. Feasibility of continuous main fermentation of beer

using immobilized yeast, 2001. 137f. Tese (Doutorado em Tecnologia) – Helsinki University of Tecnology, Helsinki, Finlândia, 2001. 22- WALKER, GM. Yeast Metabolism. In: Yeast Physiology and Biotechnology (ed. John Wiley & Sons), pp. 203-264, Wiley, Scotland, 2000.23- YAMAUCHI, Y; OKAMOTO, T; MURAYAMA, H; KAJINO, K; AMIKURA, T; HIRATSU, H; NAGARA, A; KAMIYA, T; INOUE, T. Rapid Maturation of Beer Using an Immobilized Yeast Bioreactor. 1. Heat Conversion of α-acetolactate. Journal of Biotechnology, v.38, pp. 101-108, 1995a. 24- YAMAUCHI, Y; OKAMOTO, T; MURAYAMA, H; KAJINO; NAGARA, A; NOGUCHI, K. Rapid Maturation of Beer Using an Immobilized Yeast Bioreactor. 2. Balance of total diacetyl reduction and regeneration. Journal

of Biotechnology, v.38, pp. 109-116, 1995b.

R e f e r ê n c i a s

desempenho fermentativo da levedura cervejeira S. cerevisiae.

Para alcançar as vantagens da elaboração de cervejas por este

processo (high gravity), devem ser consideradas algumas es-

tratégias para acelerar as fermentações. Uma das soluções

propostas para reduzir o tempo de fermentação e aumentar

a concentração de etanol é a suplementação nutricional do

meio com fontes de nitrogênio assimilável, vitaminas, esteróis

e ácidos graxos insaturados (Casey et al., 1984; Dragone et al., 2003b).

CONCLUSÃO

Conclui-se que a busca na melhora da produtividade e da

estabilidade sensorial da cerveja depende do conhecimento e

controle de vários fatores que infl uenciam o processo biotec-

nológico cervejeiro (temperatura de fermentação; concen-

trações de substratos, células de leveduras, etanol etc.). De-

talhes como a composição química do mosto, o metabolismo

e a regulação metabólica da levedura cervejeira no decorrer

da fermentação, são primordiais ao pesquisador cervejeiro

na elaboração de estratégias de controle e aperfeiçoamento

deste processo.

Agradecimento

Os autores agradecem o apoio fi nanceiro recebido da

Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FA-PESP, para o desenvolvimento de projetos de pesquisa.

54 Revista Analytica • Dezembro 2006/Janeiro 2007 • Nº26

ArtigoArtigo

Ed 26 Fermentação.indd 10Ed 26 Fermentação.indd 10 20/12/2006 16:49:4320/12/2006 16:49:43

Ed 26 Fermentação.indd 11Ed 26 Fermentação.indd 11 20/12/2006 16:49:4620/12/2006 16:49:46