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ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 1

Apresentação ................................................................................................................................ 4

Aula 1: Codificações e o Mito da Completude .............................................................................. 6

Introdução ............................................................................................................................. 6

Conteúdo ................................................................................................................................ 7

Fontes do Direito ............................................................................................................... 7

Visão de Miguel Reale ....................................................................................................... 8

Código Civil de 2002 ....................................................................................................... 20

Encerramento ................................................................................................................... 27

Referências........................................................................................................................... 29

Notas ........................................................................................................................................... 34

Chaves de resposta ..................................................................................................................... 34

Aula 1 ..................................................................................................................................... 34

Exercícios de fixação ....................................................................................................... 34

Aula 2: Dicotomia Público-Privado .............................................................................................. 37

Introdução ........................................................................................................................... 37

Conteúdo .............................................................................................................................. 38

Distinção do Direito......................................................................................................... 38

Não Direito ........................................................................................................................ 39

Referências........................................................................................................................... 48

Notas ........................................................................................................................................... 52

Chaves de resposta ..................................................................................................................... 52

Aula 2 ..................................................................................................................................... 52

Exercícios de fixação ....................................................................................................... 52

Aula 3: Recodificação do Código Civil ......................................................................................... 55

Introdução ........................................................................................................................... 55

Conteúdo .............................................................................................................................. 56

Recapitulando ................................................................................................................... 56

Doutrina e jurisprudência .............................................................................................. 58

Recodificação - completa transformação .................................................................. 60

Resultado dessa descodificação?.................................................................................. 62

Referências........................................................................................................................... 68

Exercícios de fixação ......................................................................................................... 68

Notas ........................................................................................................................................... 73

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 2

Chaves de resposta ..................................................................................................................... 74

Aula 3 ..................................................................................................................................... 74

Exercícios de fixação ....................................................................................................... 74

Aula 4: Influências da CF/88 no Direito Civil ............................................................................... 77

Introdução ........................................................................................................................... 77

Conteúdo .............................................................................................................................. 78

Pilares fundamentais ....................................................................................................... 78

Princípios ........................................................................................................................... 79

O Constitucionalismo contemporâneo ...................................................................... 81

Correta interpretação do texto ..................................................................................... 86

Princípio, valor e regra .................................................................................................... 88

Referências........................................................................................................................... 94

Notas ......................................................................................................................................... 100

Chaves de resposta ................................................................................................................... 100

Aula 4 ................................................................................................................................... 100

Exercícios de fixação ..................................................................................................... 100

Aula 5: Princípios constitucionais gerais l ................................................................................. 103

Introdução ......................................................................................................................... 103

Conteúdo ............................................................................................................................ 104

Sistema igualitário e solidário...................................................................................... 104

Princípio da igualdade nas relações conjugais e união estável (art. 226, §5º, CF)

........................................................................................................................................... 110

Princípio da paternidade .................................................................................................. 113

Atividade proposta ........................................................................................................ 131

Referências......................................................................................................................... 132

Notas ......................................................................................................................................... 135

Chaves de resposta ................................................................................................................... 135

Aula 5 ................................................................................................................................... 135

Exercícios de fixação ..................................................................................................... 135

Aula 6: Princípios Constitucionais Gerais II ............................................................................... 137

Introdução ......................................................................................................................... 137

Conteúdo ............................................................................................................................ 138

Recapitulando ................................................................................................................. 138

Funções dos contratos ................................................................................................. 140

Princípios clássicos de direito contratual .................................................................. 140

Princípio da autonomia privada .................................................................................. 150

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 3

Princípio da intangibilidade dos contratos ............................................................... 152

Princípios contratuais contemporâneos ................................................................... 153

......................................................................................................................... 172 Referências

Notas ......................................................................................................................................... 178

Chaves de resposta ................................................................................................................... 178

................................................................................................................................... 178 Aula 6

Exercícios de fixação ..................................................................................................... 178

Aula 7: Funcionalização da propriedade privada ...................................................................... 181

......................................................................................................................... 181 Introdução

............................................................................................................................ 182 Conteúdo

O mistério do capital ..................................................................................................... 182

Conceito de posse ......................................................................................................... 185

Titular da posse .............................................................................................................. 186

Da funcionalização da posse e da propriedade ....................................................... 187

Interesse geral ................................................................................................................ 188

Função social da propriedade ..................................................................................... 189

Fundamento comum e essencial da aparência de bem ........................................ 190

Ordenamento positivo .................................................................................................. 191

Conflito interpretativo .................................................................................................. 191

O contrato ....................................................................................................................... 193

Opção progressista ........................................................................................................ 193

......................................................................................................................... 200 Referências

Notas ......................................................................................................................................... 204

Chaves de resposta ................................................................................................................... 204

................................................................................................................................... 204 Aula 7

Exercícios de fixação ..................................................................................................... 204

Aula 8: Sociedade de Risco e de Informação ............................................................................ 206

......................................................................................................................... 206 Introdução

............................................................................................................................ 207 Conteúdo

Revolução tecnológica ................................................................................................. 207

......................................................................................................................... 226 Referências

Notas ......................................................................................................................................... 229

Chaves de resposta ................................................................................................................... 231

................................................................................................................................... 231 Aula 8

Exercícios de fixação ..................................................................................................... 231

Conteudista ............................................................................................................................... 233

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 4

Nesta disciplina, estudaremos os elementos de Direito Civil Constitucional.

Iniciaremos o estudo com a formação histórica e sociológica da codificação civil

brasileira (CC/16 e CC/02).

A partir da análise das principais características dos códigos civis brasileiros

descreveremos os movimentos de constitucionalização, publicização,

despatrimonialização, repersonalização, descodificação e recodificação do

Direito Privado brasileiro.

Em seguida, discutiremos a influência desses movimentos sobre o sistema

privatístico brasileiro, dando ênfase especial à constitucionalização. Definiremos

a Constituição Federal como eixo central do ordenamento jurídico brasileiro

(inclusive das relações privadas) e, a partir dela, estudaremos os princípios

constitucionais gerais aplicáveis ao clássico tripé civil: família, contratos e

propriedade.

Definiremos todas as bases principiológicas do Direito Civil, consideradas

importantes, para o exercício profissional comprometido com as transformações

sociais.

Sendo assim, esta disciplina tem como objetivos:

1. Estudar a evolução histórica e sociológica da codificação brasileira;

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 5

2. Compreender os movimentos influenciadores do Direito Civil brasileiro e seus

reflexos na atual codificação;

3. Analisar a superação da clássica dicotomia do Direito Público e do Direito

Privado;

4. Descrever os princípios constitucionais no Código Civil de 2002 e a

consequente função social do Direito Civil;

5. Observar a constitucionalização do Direito Privado e seus reflexos no tripé

clássico do Direito Civil: família, propriedade e contrato;

6. Identificar os desafios dos impostos pela Era da Informação e pela

Sociedade de Risco ao Direito Privado.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 6

Introdução

Você está iniciando o módulo que abordará os Elementos de Direito Civil

Constitucional. Para compreender esses elementos, é preciso antes relembrar

aspectos importantes da codificação civil brasileira e os movimentos que deram

origem ao que se denomina atualmente de constitucionalização do Direito Civil.

Iniciaremos, então, relembrando a teoria das fontes e apresentando as

respectivas críticas; pontuando o caminho histórico legislativo dos códigos civis

brasileiros e suas principais características. Terminaremos nosso estudo com os

movimentos transformadores do Direito Privado.

Todos esses assuntos servirão de fundamento para as aulas que estão por vir,

dando-lhe a base para a compreensão do novo Direito Civil brasileiro e os seus

reflexos na jurisprudência.

Objetivo:

1. Compreender os aspectos e características da codificação civil brasileira;

2. Identificar os movimentos que influenciaram o Código Civil vigente e estudar

seus reflexos práticos.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 7

Conteúdo

Fontes do Direito

Você se recorda das fontes do Direito?

O vocábulo fonte designa origem, gênese. Portanto, seriam fontes do Direito os

fatos ou atos que lhe dão origem. Evidente, dessa forma, que as normas que

formam o Direito não têm uma origem única. Classicamente, costuma-se

classificar as fontes de Direito Positivo em fontes formais e fontes materiais.

Você consegue se recordar a que elas se referem?

Fontes formais

São as normas ou regras vigentes decorrentes de um processo

legislativo. São fontes formais do Direito Positivo: costume; a lei; a

jurisprudência; a doutrina; os negócios jurídicos.

Fontes materiais

São as necessidades sociais que impõem a elaboração de uma regra

ou norma. São valores sociais que orientam ou integram o conteúdo

da norma.

Fontes do Direito

Você se recorda das fontes do Direito?

O vocábulo fonte designa origem, gênese. Portanto, seriam fontes do Direito os

fatos ou atos que lhe dão origem. Evidente, dessa forma, que as normas que

formam o Direito não têm uma origem única. Classicamente, costuma-se

classificar as fontes de Direito Positivo em fontes formais e fontes materiais.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 8

Você consegue se recordar a que elas se referem?

Fontes formais

São as normas ou regras vigentes decorrentes de um processo

legislativo. São fontes formais do Direito Positivo: costume; a lei; a

jurisprudência; a doutrina; os negócios jurídicos.

Fontes materiais

São as necessidades sociais que impõem a elaboração de uma regra

ou norma. São valores sociais que orientam ou integram o conteúdo

da norma.

Visão de Miguel Reale

Fato é que as fontes decorrem sempre de uma necessidade social, ou seja, a

produção de normas resulta das transformações sociais que impõem o repensar

ou o atuar do Direito visando à manutenção e garantia da paz social.

Miguel Reale critica a teoria das fontes (teoria clássica) afirmando não ter ela

vinculação com a realidade jurídica, vez que a construção das normas se daria

sempre sobre uma base fática composta por valores preexistentes. O que isso

significa afirmar? Significa que a lei não cria nada novo, apenas determina o

comportamento humano de acordo com esses mesmos valores.

Fundamentada nesse raciocínio está a teoria tridimensional do Direito elaborada

por Miguel Reale com base no culturalismo, ou seja, reconhece-se que não

existe uma separação ou uma unificação absoluta entre fatos, valores e

normas.

Portanto, as fontes “são processos ou meios em virtude dos quais se positivam

com legítima formação obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 9

de uma estrutura normativa” (REALE, 2009, p. 140). Por isso, não se pode

considerar a lei como fonte exclusiva do Direito, reconhecendo-se também à

doutrina, à jurisprudência, aos costumes e aos negócios jurídicos também papel

importante na formação do Direito.

Codificação e Consolidação

A partir dessa visão, interessa-nos iniciar o nosso estudo analisando as

codificações civis brasileiras como fontes formais do Direito Privado. Por isso,

antes de estudarmos a codificação brasileira, é preciso retomar outra

diferenciação: será que você recorda a diferença entre Codificação e

Consolidação?

Codificar:

É o “o ato pelo qual se elabora a sistematização das diversas regras ou

princípios relativos à matéria que faz de um ramo do Direito” (PLÁCIDO; SILVA,

2008, p. 302). Código, portanto, é um sistema coordenado de regras reunidas

em um único texto e, assim sendo, o processo legislativo que o cria é

considerado mais complexo uma vez que exige a busca de valores e princípios

comuns.

Consolidar:

É o “ato de reunir em um único texto as diversas leis que se referem a um

determinado assunto ou que compõem a regulamentação a certa e

determinada atividade ou a certo e determinado serviço” (PLÁCIDO; SILVA,

2008, p. 302). Trata-se, portanto, de criação legislativa mais simples do que a

codificação, refletindo-se em uma justaposição organizada de leis já existentes

e vigentes sobre determinado assunto.

Construção legislativa do Código Civil de 1916

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 10

Lembradas essas diferenças, vamos estudar o histórico da codificação civil

brasileira para tentar compreender como os movimentos sociais e doutrinários

influenciaram na elaboração dessas leis.

O Direito Português foi uma das grandes fontes de Direito Privado brasileiro.

Vigente, mesmo após a Independência do Brasil, o Direito Português (em

especial as Ordenações Filipinas), no que se refere às relações privadas, só foi

definitivamente excluído do ordenamento brasileiro com a entrada em vigor do

Código Civil de 1916.

Linha do tempo: construção legislativa do Código Civil de 1916

Acompanhe, na linha do tempo abaixo, como se desenvolveu a construção

legislativa do código civil.

1824

Com a Independência do Brasil, ganhou espaço o movimento codificador do

Direito Civil, tarefa inclusive prevista na Constituição Federal de 1824 (art.179).

1845

Barão de Penedo

Visando promover essa tarefa em 1845, o advogado Francisco Inácio de

Carvalho Moreira (conhecido como Barão de Penedo) defendeu junto à Ordem

dos Advogados Brasileiros a necessidade da codificação das leis civis, incitando

o Legislativo a dar início aos trabalhos.

1858

Teixeira de Freitas

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 11

À época, o legislador optou por primeiramente realizar a consolidação das leis

civis vigentes. Para tanto, o Ministério da Justiça, em 15.02.1855, contratou o

Bacharel Augusto Teixeira de Freitas, concedendo-lhe o prazo de cinco anos

para finalizar e classificar todas as leis civis existentes até o momento. Teixeira

de Freitas, embora tenha realizado impressionante trabalho, não chegou a

concluir a sua classificação das leis, vez que optou o governo a dar início ao

trabalho de consolidação das leis civis, trabalho concluído em 1858 e aprovado

pelo Imperador em 24 de dezembro de 1858, com o nome de Consolidação das

Leis Civis, lei que permaneceu vigente até 1917.

A Consolidação apresentada por Teixeira de Freitas tinha mais de duzentas

páginas apenas de introdução, na qual o autor expunha o método, a seleção e

as classificações adotadas e, por isso, considerada como um dos mais

importantes documentos do Direito brasileiro. O corpo da lei continha 1333

artigos, todos com notas explicativas. Teixeira de Freitas também optou por

dividir seu trabalho em Parte Geral (a qual regulava as pessoas e as coisas) e

Parte Especial (que se destinava aos direitos pessoais e aos direitos reais),

adotando, portanto, o sistema pandectista alemão.

No mesmo ano em que a Consolidação foi aprovada, o Decreto n. 2318

autorizou a contratação de um jurista para apresentar o tão almejado Projeto

do Código Civil Brasileiro. Teixeira de Freitas foi contratado em 10.01.1859 e foi

realmente durante os trabalhos do código que seu notável conhecimento

acadêmico pôde ser desenvolvido. Em agosto de 1860, imprimiu-se a Primeira

Seção do que ficou conhecido como Esboço de Teixeira de Freitas, logo em

seguida, publicaram-se a Segunda e a Terceira Seções da Parte Geral e a

Primeira e a Segunda Seção da Parte Especial; a Terceira parte foi publicada

apenas em 1865 e, até aqui, o Esboço já contava com 3.702 artigos.

Já com os trabalhos bastante avançados, Teixeira de Freitas manifestou-se com

dificuldade de terminá-lo, não só porque seus vencimentos estavam atrasados

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 12

desde 1861 (quando seu contrato havia acabado), mas porque não estava

satisfeito com os rumos tomados pela Comissão revisora (Presidida por

Visconde de Uruguai). Em 1866, o autor desiste de acabar o projeto,

abandonando-o inacabado com 4.908 artigos.

Embora o Esboço não tenha sido concluído, acabou servindo de influência para

outros países: Código Civil Argentino de 1865; Código Civil do Paraguai e

Código Civil do Uruguai, países em que o autor ficou conhecido como o

“Savigny americano”. Suas ideias sobre a unificação do Direito Privado foram

recebidas por países como o Japão (1898) e a Itália (1942). No entanto, a

busca por um Código Civil brasileiro continuava.

1866

Em 1866, Teixeira de Freitas deu um novo rumo ao seu trabalho cedendo aos

apelos do movimento de unificação do Direito Privado que propunha a

unificação em uma única lei das normas civis e comerciais. No entanto, essa

ideia unificadora não foi bem recebida pela doutrina e pelo legislador que

tendia mais a aceitar a unificação do direito obrigacional do que a unificação de

todo o Direito Privado.

1872

Nabuco de Araújo

Em 1872, foi contratado Nabuco de Araújo, que tinha o prazo de cinco anos

para apresentar seu projeto. Findo o prazo, no entanto, o autor nada tinha feito

além de reunir material e elaborar a divisão que pretendia seguir. Foi-lhe

concedida prorrogação de prazo sem vencimentos. Diante da necessidade de

manter a si e à sua família, tomado pelas atividades profissionais, Nabuco de

Araújo acabou optando por conservar, no que fosse possível, o Esboço de

Teixeira de Freitas, imprimindo-lhe suas impressões e estudos pessoais. Nabuco

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 13

de Araújo faleceu em 1878 sem terminar sua obra, levando consigo seus

pensamentos e estudos, impossibilitando a qualquer um dar continuidade ao

projeto.

1881

Felício dos Santos

Assim, em 1881, o Governo contratou o jurista Felício dos Santos. O trabalho

intitulado “Apontamentos para o Projeto de Código Civil Brasileiro”, composto

por 2692 artigos, chegou a ser encaminhado a uma Comissão revisora (1889),

mas com o advento da República o trabalho não foi concluído.

1890

Antônio Coelho Rodrigues

Após a proclamação da República, assumiu os trabalhos do Projeto de Código

Civil Antônio Coelho Rodrigues (que já havia participado de comissões revisoras

anteriores) (em 15 de julho de 1890). Seu projeto foi finalizado em 11.01.1893,

em Genebra e, por isso, acabou contando com forte influência do Código de

Zurique. Nomeada Comissão revisora (Presidida por Torres Netto), o projeto foi

rejeitado por nele terem sido constadas graves imperfeições.

1896

Saldanha Marinho

No entanto, afirma-se que o projeto não teria sido recebido pela Comissão

porque Saldanha Marinho encabeçava o movimento que pretendia aprovar o

Projeto de Felício dos Santos. Diante dessa controversa situação política, Coelho

Rodrigues optou por oferecer seu projeto ao Senado, tendo recebido como

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 14

relator Gonçalves Chaves. A Comissão nomeada chegou a indicar a aprovação

do projeto após revisão. Remetido o projeto à Câmara em 1896, acabou sendo

esquecido.

1899

Carlos de Carvalho

A ansiedade por um Código Civil brasileiro aumentava e, em 1899, Carlos de

Carvalho publicou em Bruxelas a Nova Consolidação das Leis Civis Brasileiras

(ou Direito Civil Brasileiro Recopilado), que nada mais foi do que uma

atualização da Consolidação feita por Teixeira de Freitas e vigente na época.

1900

Clóvis Beviláqua

Então, no mesmo ano, foi contratado Clóvis Beviláqua que, com base nas leis

alemãs e francesas, no Esboço de Teixeira de Freitas e no Projeto de Coelho

Rodrigues, entregou no mesmo ano seu projeto. Em agosto de 1900, a

comissão revisora presidida por Epitácio Pessoa encerrou seus trabalhos e, em

17 de novembro de 1900, o projeto foi apresentado ao Congresso que, após

inúmeras discussões, apresentou seu parecer em 18 de janeiro de 1902,

apontando-se a necessidade de diversas alterações.

1902

Ruy Barbosa

Aprovado em Plenário da Câmara, em 1902, o projeto foi remetido ao Senado

onde recebeu como relator o Senador Ruy Barbosa, que fez questão de

elaborar sozinho o relatório e que acabou dando início a uma das mais

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 15

acirradas batalhas linguísticas já registradas no Brasil. Ruy Barbosa e Clóvis

Beviláqua (com auxílio do gramático Carneiro Ribeiro) trocaram inúmeras

correspondências que, embora sejam de conteúdo linguístico inestimável,

pouco representaram em discussões jurídicas.

Mais informações

Ruy Barbosa

Após inúmeras críticas sobre a demora em finalizar a apreciação do projeto e

uma tentativa de por si terminar os trabalhos, Ruy Barbosa acabou se

desligando das funções. O projeto, então, permaneceu no Senado até 1912,

tendo sido devolvido à Câmara com 1736 emendas. Apenas em 1915 as

emendas foram finalmente apreciadas pela Câmara, sendo 94 rejeitadas.

Remetido novamente ao Senado, 24 emendas das 94 rejeitas foram aprovadas.

Reapresentado à Câmara, 9 dessas emendas foram novamente rejeitadas.

Finalmente, aprovou-se, em 26 de dezembro de 1915, o Projeto 168-A. O

Projeto foi sancionado em 1 de janeiro de 1916, com vacatio legis de um ano.

O Código Civil (de 16 ou de 17 em virtude da data em que entrou em vigor -

Lei n. 3.071/16) é considerado o antepenúltimo código oitocentista. Devido à

demora de seu processo legislativo, o código representa em sua generalidade o

Estado Liberal, com grande proteção da propriedade, sendo, por isso,

considerado individualista, patrimonialista, patriarcal (extremante conservador

quanto às relações familiares) e latifundiário (proteção da propriedade

independente da sua função), representando a doutrina vigente no final do

século XIX; formalista e fechado, o que deixava pouco espaço à atuação dos

operadores do Direito na determinação do sentido das normas; privilegiou a

forma linguística ao invés da técnica jurídica.

Devido ao demorado processo legislativo logo após a sua entrada em vigor, já

se identificou a necessidade de sua atualização. A série de leis esparsas

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 16

alteradoras do Código Civil de 1916 tem início com a Lei n. 3.725 de 15 de

janeiro de 1919 e, depois disso, não mais parou.

Diante das constantes críticas apresentadas ao projeto em 1940, foi nomeada

uma nova Comissão composta por Orozimbo Nonato, Filadelfo Azevedo e

Hahnemann Guimarães. Essa Comissão apresentou, em 1941, um Anteprojeto

do Código das Obrigações, propondo o que se denominou de unificação do

direito obrigacional (inspirado no Código Suíço das Obrigações), movimento que

não encontrou grandes defensores no legislativo.

A partir do governo Jânio Quadros (1961), iniciou-se um movimento de reforma

dos códigos brasileiros. Então, em 1963, Orlando Gomes apresentou o

Anteprojeto de Código Civil. Os trabalhos da Comissão revisora terminaram em

15 de julho do mesmo ano. Em seguida, Caio Mário da Silva Pereira, Theophilo

Azevedo Santos e Sylvio Marcondes apresentaram Anteprojeto do Código das

Obrigações, anteprojeto que chegou a ser encaminhado ao Congresso Nacional

juntamente com o Projeto de Orlando Gomes, onde acabaram sendo

abandonados pelo governo.

O Brasil buscava, agora, uma legislação civil mais atualizada e que atendesse às

transformações impostas pela migração do Estado Liberal para o Estado Social.

Classicamente, os códigos sempre foram considerados um espaço de ausência

de valores o que, para a Modernidade, conferia-lhes segurança inabalável,

imune a qualquer subjetivismo. No entanto, contemporaneamente, percebeu-se

que essa ausência de valores acaba sendo excludente, uma vez que tudo que

está contido nas molduras classicamente construídas nem sempre representa o

que poderia nelas estar efetivamente contido. Assim, a realidade fática acabou

criando sociedades à margem do sistema jurídico classicamente construído,

uma vez que certas pessoas e/ou situações não conseguem ser enquadradas às

molduras institucionalizadas pela Modernidade o que pode, evidentemente,

causar um descompasso grave entre realidade social e tutela jurídica. Você

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 17

consegue identificar situações sociais que estão à margem da lei por não se

enquadrarem nas molduras clássicas?

Diante dessa constatação de distanciamento entre o Direito e a realidade social,

surgem movimentos recodificadores. Atualmente, será que podemos identificar

no Brasil um movimento recodificador?

Recodificar, explica Ricardo Luiz Lorenzetti (1998, p. 270-271), “consiste em

identificar os dogmas existentes nessa dispersão: na tendência jurisprudencial,

na lei especial, no costume”. Portanto, afirma o autor, “a recodificação não é

uma obra do legislador, mas da dogmática”, o que nos faz refletir se realmente

esse movimento está presente no Brasil.

Novo projeto de Código Civil

Em 1967, o governo nomeou o jurista Miguel Reale para coordenar a Comissão

que apresentaria um novo projeto de Código Civil. Os trabalhos da Comissão

foram distribuídos da seguinte forma:

José Carlos Moreira Alves (Parte Geral);

Sylvio Marcondes

(Direito de Empresa);

Clóvis do Couto e Silva (Direito de Família);

Agostinho de Arruda Alvim (Direito das Obrigações);

Ebert Vianna Chamoun (Direito das Coisas);

Torquato Castro

(Direito das Sucessões).

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 18

Cabendo a Miguel Reale sistematizar o trabalho final com base no que ele

denominou de normativismo jurídico concreto.

Construção legislativa do Código Civil de 2002

Acompanhe na linha do tempo abaixo a construção legislativa do Código Civil

de 2002:

1824

Em 1969, foi nomeada a Comissão revisora e elaboradora do Código Civil que

finalizou seus trabalhos em 1972.

1845

O Anteprojeto do novo Código Civil recebeu 700 emendas, sendo sua redação

definitiva finalizada em 1975. No mesmo ano, o então Presidente Ernesto Geisel

encaminhou o Projeto de Lei do Executivo (n. 634-B) ao Congresso Nacional.

1858

Em 1983, o Projeto foi aprovado na Câmara, sendo enviado ao Senado em

1984, onde ganhou o número 118. No Senado, foram apresentadas 360

emendas e, logo após, o projeto foi arquivado.

1991

Em 1991, o Senador Cid Sabóia de Carvalho desarquivou o Projeto e, após

parecer da Comissão Especial, designaram-se Miguel Reale e José Carlos

Moreira Alves como encarregados de apresentar a necessária reestruturação da

proposta.

1997

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 19

Apenas em 1997 o Projeto é aprovado pelo Senado e, no mesmo ano,

encaminhado à Câmara dos Deputados, onde se indicou a necessidade de sua

adequação ao texto constitucional vigente a partir de 1988.

2001

Feitas as adequações, o projeto foi aprovado em 15 de agosto de 2001,

retornando à Comissão Especial da Câmara dos Deputados para adequação de

sua redação. A Comissão era presidida pelo Deputado Ricardo Fiúza, que

aprovou o projeto em 20 de novembro de 2001.

2002

O projeto foi sancionado em 10 de janeiro de 2002 com 2.046 artigos,

publicado no dia seguinte com vacatio legis de um ano e, portanto, vigente a

partir de 11 de janeiro de 2003 - Lei n. 10.406/02).

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 20

Atenção

O Código Civil vigente manteve a divisão em Parte Geral e Parte

Especial, apenas adequando a ordem dos livros à nova

sistemática civilista; realizou a unificação do Direito Obrigacional,

revogando a Parte Primeira do Código Comercial e unificando as

obrigações civis e mercantis; optou por não abordar temas que à

época ainda eram considerados polêmicos, regulamentando

apenas o que já estava consolidado; adotou como princípio

orientador o princípio da socialidade (marca importante do

culturalismo), preocupando-se em dar prevalência a valores

coletivos sobre os valores individuais; impõe às relações privadas

o princípio da eticidade, para tanto utilizando cláusulas gerais e

conceitos jurídicos indeterminados, permitindo uma maior

abertura do sistema e impondo uma participação mais ativa dos

operadores do Direito na determinação do sentido e alcance das

normas.

Código Civil de 2002

Afirma-se que o Código Civil de 2002 representa o Estado Social, personalista,

embora nele ainda se possa encontrar alguns resquícios do patrimonialismo.

Nota-se que tanto o processo legislativo do Código Civil/16 quanto o processo

legislativo do Código vigente foram extremamente longos o que, por óbvio,

provocou críticas, ao ponto de se afirmar que o Código Civil de 2002 nasceu

velho. Será?

Código Civil

As codificações, por essência, são generalistas e não poderia ser diferente em

virtude do trabalho envolvido em sua elaboração. Embora alguns doutrinadores,

como Savigny, entendam ser este um ponto negativo que leva à fossialização

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 21

desses sistemas, não se pode de todo afastar a utilidade social e jurídica das

boas codificações.

Atividade proposta

Vamos fazer uma atividade!

Vários são os projetos de lei que visam retirar assuntos importantes do Código

Civil, dando-lhes tratamento próprio ou, até mesmo, codificando-os em

estatutos autônomos. Assim, por exemplo:

Projeto de Lei Complementar n. 1572/2011 e Projeto de Lei do Senado n.

487/2013- Propõem a criação de um novo Código para o Direito de Empresa

brasileiro. Projeto de Lei do Senado n. 470/2013 - Propõe a criação de um

Código das Famílias (ou Estatuto das Famílias), retirando todo o assunto Família

e Sucessões do Código Civil e criando um novo e específico código para esses

temas, trazendo regras de direito material e de direito processual.

Consulte esses projetos e reflita: será que realmente o movimento

descodificador não tem limitações para a criação dos denominados

microssistemas? Será que realmente é necessário criar novos códigos para

assuntos específicos ou seria mais adequado deixar que o Direito nacional se

desenvolva sem as amarras de uma codificação? Para lhe auxiliar a refletir leia:

AZEVEDO, Reinaldo. Atenção leitores! Eles criam 1.150 leis por dia para

infernizar a nossa vida e nos tornar, mas improdutivos, menos felizes, mais

pobres e menos inteligentes.

Chave de resposta: A resposta é livre. Porém, temos o seguinte comentário:

Nota-se que a centenária polêmica entre a manutenção das codificações e o

sistema de livre desenvolvimento de leis esparsas decorre de questões de alta

Filosofia legislativa que, diante de uma Sociedade de Massa e de Informação,

cada vez mais envolta em tecnologias, produz questionamentos cada vez mais

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 22

frequentes em virtude da incapacidade do Direito de acompanhar as constantes

transformações sociais.

Movimentos da constitucionalização

Afirma-se que o Código Civil de 2002 representa o Estado Social, personalista,

embora nele ainda se possa encontrar alguns resquícios do patrimonialismo.

Nota-se que tanto o processo legislativo do Código Civil/16 quanto o processo

legislativo do Código vigente foram extremamente longos o que, por óbvio,

provocou críticas, ao ponto de se afirmar que o Código Civil de 2002 nasceu

velho. Será?!

O Código Civil vigente foi fortemente influenciado pelos movimentos da

constitucionalização, repersonalização, despatrimonialização, publicização e

descodificação do Direito Privado.

Conceitos

Para compreender a influência desses movimentos no Código Civil de 2002,

vamos primeiro, conceituá-los.

Constitucionalização

No Brasil, a partir da Constituição de 1934 (influenciada pela Constituição de

Weimar - Alemanha), vários assuntos que até então eram tidos como

problemas exclusivamente de Direito Privado passaram também a ser uma

preocupação constitucional (ex.: família, contratos e propriedade). No entanto,

foi com a Constituição Federal de 1988 que a constitucionalização realmente se

evidenciou no Brasil, fazendo surgir o movimento denominado Direito Civil

Constitucional (objeto de estudo deste módulo).

Repersonalização

O Direito Civil Constitucional é fruto do processo de elevação ao plano

constitucional de princípios que até então eram considerados exclusivos do

Direito Privado. Impõe-se agora a análise das relações privadas a partir da

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 23

Constituição Federal e não exclusivamente a partir do Código Civil, não só no

que diz respeito à matéria civil constitucionalizada, mas também analisando-as

a partir dos direitos fundamentais, princípios e valores constitucionais.

Trata-se de movimento que procura valorizar o ser sobre o ter, reconhecendo-

se o indivíduo como ser coletivo; colocando-se a pessoa como o centro de

realização de seus interesses. É movimento que impõe ao Direito Privado a

observação a princípios como o da justiça distributiva e da solidariedade social,

priorizando-se a pessoa e a realização de seus interesses imediatos.

Depatrimonialização

Busca recolocar a pessoa como centro de proteção do Direito Privado,

valorizando-se a sua proteção em detrimento da propriedade e do patrimônio.

Visa à combinação de situações subjetivas patrimoniais com situações jurídicas

extrapatrimoniais, reconhecendo-se o patrimônio apenas como o suporte ao

livre desenvolvimento da pessoa.

Descodificação

É movimento que embora reconheça o Código Civil como eixo central do Direito

Privado, também compreende a necessidade de regulação de situações

especiais por leis específicas, inclusive por meio da criação de microssistemas

ou sistemas autônomos (CLT, CDC, ECA, Estatuto do Idoso...). O problema do

excesso da descodificação é que pode ela gerar um sistema fragmentado e até

mesmo lacunoso ou contraditório. Por isso, embora seja uma tendência, a

descodificação deve ser realizada com prudência dogmática e técnica para

evitar a perda da unidade do sistema.

Publicização

Favorece a extinção da dicotomia público-privado (que será estudada na

próxima aula), propondo a renovação da estrutura da sociedade e adaptação

do Direito a essas novas estruturas, aproximando a harmonização de interesses

públicos e privados (em detrimento da supremacia daquele sobre este). Além

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 24

desses movimentos, o Código Civil foi também influenciado pelos princípios da

eticidade, socialidade e operabilidade.

Eticidade

Promove a incorporação e aproximação de valores éticos aos institutos

jurídicos, promovendo uma valorização das regras básicas de comportamento

correto tanto nas relações patrimoniais quanto nas relações extrapatrimoniais.

Caracteriza-se pela valorização de pressupostos éticos na ação dos sujeitos,

impondo-se deveres jurídicos de conduta. Trata-se de princípio que pode ser

especialmente verificado nos arts. 113, 187 e 422, CC, que agregam a boa-fé

objetiva ao ordenamento civil, impondo-a como um dever jurídico positivo,

exigindo a conduta leal, honesta e proba, determinando a colaboração

intersubjetiva em todas as relações.

Socialidade

Promove a funcionalização de direitos subjetivos e a ampliação dos vínculos dos

indivíduos com a sociedade. Deixa a função social de ser apenas um limite à

autonomia privada, para agora impor um dever de consciência social às

relações privadas. Trata-se de princípio que pode ser verificado nos arts. 421 e

1228, CC.

Operabilidade

Impõe a adoção de conceitos mais claros (embora algumas imprecisões

técnicas ainda possam ser verificadas como a confusão entre rescisão,

resolução e resilição); a sintonia entre todas as Partes do Código.

Passado e presente

Embora influenciado por esses movimentos e princípios e considerado bem

mais flexível que Código Civil anterior, fato é que o Código Civil de 2002

representa a permanência do passado no presente (Luiz Edson Fachin),

mantendo dicotomias anacrônicas e dissociadas da realidade social. Percebe-se

que:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 25

Classicamente os Códigos sempre foram considerados um espaço de ausência

de valores.

Modernidade conferia-lhes segurança inabalável, imune a qualquer

subjetivismo.

Contemporaneamente percebeu-se que essa ausência de valores acaba

sendo excludente, uma vez que tudo que está contido nas molduras

classicamente construídas nem sempre representa o que poderia nelas estar

efetivamente contido.

A realidade fática acabou construindo sociedades à margem do sistema jurídico

classicamente construído, uma vez que certas pessoas e/ou situações não

conseguem ser enquadradas às molduras institucionalizadas pela Modernidade.

Por isso, a clássica lógica formal do Direito Civil que, por meio das categorias de

fatos jurídicos admite juízos de exclusão, acabou revelando um conformismo

racional com estruturas jurídicas absolutas que encontram-se hoje em pleno

questionamento justamente por estarem dissociadas da sociedade e da

realidade histórica. Ao definir o que é juridicamente relevante, o Direito

clássico moderno exclui fatos que acabam não sendo considerados jurídicos,

mas que socialmente possuem inquestionável relevância.

Pilares fundamentais

Os pilares fundamentais do Direito Privado clássico (contrato, propriedade e

família) não dão conta de outras possibilidades que surgem na

contemporaneidade como a ideia da cidadania e de coletividade.

Contrato

Propriedade

Família

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 26

O presente, já com vistas ao futuro, clama pela substituição do indivíduo-

centrismo (remanescente do século XVIII) pela pessoa concreta (o novo sujeito

do Direito contemporâneo), justamente porque tal racionalidade oitocentista

não consegue conviver bem com a ideia de coletivo, marcante na

contemporaneidade. Nesse contexto, há certas relações que são ditas não

jurídicas apenas por não se enquadrarem nas molduras clássicas e, portanto,

passam a pertencer ao não direito, embora acabem ingressando no Direito

como uma necessidade social.

Próximas aulas

Nas próximas aulas, abordaremos o fato de o Direito não dever reduzir as

relações sociais a categorias insulares que acabam não só dissociando

totalmente o Público do Privado como também formando juízos apriorísticos em

sua maioria includentes ou excludentes.

Público alvo

Também não se pode exigir que o Direito deva ter um comportamento

tipificador. Isso quer dizer que o Código Civil brasileiro, fruto da permanência

do discurso moderno no presente, não se coaduna mais com o contexto social,

podendo-se, então, falar em relações de direito e de não direito que acabam se

assentando em uma racionalidade excludente que compreende o sujeito apenas

abstratamente.

Estudo do direito civil

Dessa forma, nesta aula pretende-se realizar o estudo do Direito Civil

reconhecendo-se a travessia que se opera na contemporaneidade, ou seja, a

necessidade de reconhecer que o passado não é uma página virada, mas é

parte do presente e de um futuro que ainda não se consolidou (Luiz Edson

Fachin).

Nessa caminhada que se impõe, deve-se também reconhecer que a fórmula

insular classicamente imposta encontra-se dissociada da sociedade, não

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 27

correspondendo o estatuto jurídico vigente às necessidades de uma sociedade

plural. As molduras modernamente construídas não se adéquam à nova

proposta emancipatória, mais próxima das necessidades sociais e que têm por

ponto de partida o indivíduo como ser coletivo.

Atenção

Na busca por essa repersonalização do Direito Civil, veremos que

não se busca apagar totalmente os ensinamentos clássicos, mas

a superação de seu tecnicismo e neutralismo como forma de

fazer com que o Direito atenda mais rapidamente às demandas

sociais.

Trabalho que exige a transposição de grandes obstáculos

originados da permanência de significados clássicos e de seus

significantes que se pretendiam perenes, bem como a

compreensão de que o Direito é fruto de transformações sociais

e, hoje, essas estão ocorrendo tão rapidamente que o modelo

clássico já não dá mais conta de tutelá-las.

Encerramento

Por fim, tem-se que as dicotomias tão fortemente presentes na formação da

racionalidade moderna devem ser, na atual realidade, reconhecidas como fator

de aproximação de todo o contexto social. Deve-se reafirmar a pessoa

concretamente, tomada em suas necessidades e aspirações, dissociada,

portanto, do conceito insular e totalmente excludente contido na categoria

clássica de “sujeito de direitos”.

Propõem-se novos limites e possibilidades sem que com isso se apague

totalmente o passado e se distancie prontamente do presente. A travessia,

portanto, deve ser constantemente refeita para que se possam repensar

significantes de acordo com as exigências do contexto social.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 28

Deve-se entender o indivíduo como expressão da forma de ingresso no mundo

jurídico e não mais apenas como um sujeito definido para um conjunto de

objetos.

Vamos entender como isso funciona nas próximas aulas.

Atividade proposta

Analise a charge e indique as principais diferenças entre o Código Civil de 1916

e o Código Civil de 2002.

Legenda: A balconista da loja de roupas diz: - Pela nova lei, sendo o seu mulher, o lojinha passa a ser

minha também!

Rapaz do outro lado do balcão diz: - E pela antiga você deveria ter casado virgem!

Lembradas essas diferenças, indique três dos maiores avanços da legislação em

vigor e responda: a maior ingerência do Estado nas relações privadas é

adequada? Justifique sua resposta.

Chave de resposta: Estudamos, nesta aula, que o Código Civil de 1916,

sendo fruto do Estado Liberal, era um código individualista, patrimonialista e

patriarcal; enquanto o Código Civil de 2002, fruto do Estado Social, é um código

personalista, solidarista e marcado pela igualdade. A maior ingerência do

Estado sobre as relações privadas é resultado da constatação de que pessoas

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 29

em condições de vulnerabilidade ou vítimas de desigualdades precisam de

proteção especial. Então, ainda que se possa criticar essa intervenção estatal,

fato é que ela se mostrou necessária para proteger vulneráveis e restabelecer o

equilíbrio em diversas relações jurídicas.

Material complementar

Para saber mais sobre as leis e normas, leia os artigos e matérias

disponíveis em nossa biblioteca virtual.

Referências

CAENEGEM, R.C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Trad.

Carlos Eduardo Lima Machado. Revisão Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1999.

DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do

direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2012.

FORMIGA, Armando Soares de Castro. Aspectos da codificação civil no

século XIX. Curitiba: Juruá, 2012.

GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do código civil

brasileiro. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1998.

MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz. Diretrizes teóricas do novo

código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

MIRANDA, Pontes. Fontes e evolução do direito civil brasileiro. 2. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 1981.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 30

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva,

2009.

Exercícios de fixação

Questão 1

Sobre o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002 é correto afirmar que:

I. O Código Civil de 1916 foi elaborado por Teixeira de Freitas e, por

representar o Estado Liberal, representa também uma sociedade paternalista,

patrimonialista e latifundiária.

II. O Código Civil de 2002 foi elaborado pela Comissão Miguel Reale e

representa o Estado Social, ou seja, trata-se de lei mais igualitária e que

prioriza a pessoa sobre o patrimônio.

III. O Esboço de Teixeira de Freitas não influenciou nenhuma legislação da

América Latina, sendo considerado obsoleto e distante da realidade social.

IV. O Código Civil de 2002 é considerado tão patrimonialista quanto o seu

antecessor, priorizando a proteção da propriedade e dos contratos em

detrimento da proteção da pessoa.

a) A opção I está correta

b) A opção II está correta

c) A opção III está correta

d) As opções III e IV estão corretas

Questão 2

Sobre as fontes do Direito é correto afirmar:

a) Apenas a lei pode ser considerada fonte do Direito.

b) A doutrina não constitui fonte do direito, pois não tem caráter de

imperatividade.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 31

c) Considerar que a jurisprudência não é fonte de direito corresponde a

afirmar que apenas a lei pode ser considerada fonte de direito

reconhecendo-se o poder do Estado acima de todas as demais

instituições sociais.

Questão 3

São características do Código Civil de 2002:

I. A manutenção do sistema familiar patriarcal.

II. A adoção do princípio da socialidade.

III. Dá preferência a valores individuais sobre os valores coletivos.

IV. Caracteriza-se por ser um sistema mais aberto do que o anterior por adotar

como técnica legislativa o uso de cláusulas gerais e conceitos jurídicos

indeterminados.

V. Ausência de qualquer influência do Código Civil de 1916.

a) Apenas I e II estão corretas.

b) Apenas II e III estão corretas.

c) Apenas II e IV estão corretas.

d) Apenas V e III estão corretas.

Questão 4

São características do Código Civil de 1916, exceto:

a) Prevalência da proteção da pessoa sobre o patrimônio.

b) Concentração do pátrio poder nas mãos do homem.

c) Sistema considerado fechado que deixava pouco espaço para a atuação

dos operadores do Direito.

d) Preferência pela forma ao invés da técnica jurídica.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 32

Questão 5

Sobre a codificação é correto afirmar:

a) A alteração de um código se dá simplesmente pela alteração formal de

seus dispositivos normativos.

b) São leis gerais que não admitem nenhum tipo de mudança ou

complementação por serem consideradas completos.

c) A rigidez dos Códigos apontada como por muitos doutrinadores como

uma de suas desvantagens, pode também ser uma vantagem uma vez

que garante uma maior unidade ao sistema evitando contradições.

Questão 6

Sobre os movimentos do Direito Privado é correto afirmar que:

a) A partir da constitucionalização do Direito Privado, vários institutos que

antes eram exclusivamente privados passam a ser institutos de Direito

Público.

b) O Direito Civil reconhece apenas o patrimônio da pessoa como garantia

de uma existência digna.

c) A publicização do Direito Privado favorece a extinção da dicotomia

público-privado, promovendo a harmonização desses interesses.

Questão 7

O Direito Civil Constitucional é criação meramente doutrinária, não se podendo

falar em análise das relações privadas a partir dos direitos fundamentais,

princípios e valores constitucionais.

a) Certo

b) Errado

Questão 8

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 33

Sobre os princípios da eticidade, socialidade e operabilidade pode-se afirmar

que:

a) O Código Civil vigente difere da resilição, rescisão e resolução contratual,

realizando, dessa forma, o princípio da operabilidade.

b) A socialidade apenas se verifica abstratamente no Código Civil de 2002,

não tendo sido expressamente prevista.

c) A eticidade promove a aproximação de valores éticos e jurídicos criando

um dever jurídico positivo de conduta leal.

d) A eticidade trouxe à legislação civil o princípio da boa-fé subjetiva,

impondo-se essa como norma de conduta entre as partes contratantes.

Questão 9

Sobre a codificação civil brasileira, é correto afirmar que:

I. A manutenção da lógica formal do Código Civil permite sua aproximação da

realidade social e histórica.

II. O Código Civil precisa aproximar-se da realidade social entendendo o

indivíduo como ser coletivo, garantindo-lhe o mínimo existencial.

III. Os pilares clássicos do Direito Civil contrato, propriedade e família sofreram

pouquíssimas alterações no Código Civil vigente em virtude da prevalência

necessária do indivíduo-centrismo.

IV. Os novos movimentos do Direito Civil propõem que todos os institutos

clássicos privados sejam substituídos por novas categorias e institutos,

protegendo o sujeito de direitos definido para um conjunto de objetos.

a) Apenas II está correta

b) Apenas II e III estão corretas

c) Apenas I está correta

d) Apenas V e III estão corretas

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 34

Questão 10

Os institutos e categorias adiante são fruto da influência da Constituição

Federal de 1988 na elaboração do Código Civil de 2002, EXCETO:

a) O poder familiar igualmente compartilhado entre o homem e a mulher.

b) A boa-fé objetiva em todas as fases da relação contratual.

c) A função social da propriedade.

d) A manutenção da distinção entre filhos gerados na relação matrimonial e

filhos extramatrimoniais.

Contemporaneidade: Quando se trata de um conceito, uma prática ou

referencial ainda adotado por uma sociedade ou parte desta.

Aula 1

Exercícios de fixação

Questão 1 - B

Justificativa: O Código Civil de 1916 foi elaborado por Clóvis Beviláqua e não

por Teixeira de Freitas. O Esboço de Teixeira de Freitas, embora não utilizado

no Brasil, foi influenciador de diversas legislações civis, especialmente, o Código

Civil Argentino. O Código Civil de 2002 foi influenciado pelo movimento de

repersonalização do Direito e, embora ainda guarde alguns aspectos

patrimonialistas, garante mais proteção à pessoa do que o Código anterior.

Questão 2 - C

Justificativa: A lei não deve ser considerada a única fonte do direito sob pena

de se afirmar que apenas existe Direito legislado (projeto de redução do

pluralismo).

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 35

Questão 3 - C

Justificativa: O Código Civil vigente abandona o sistema patriarcal, substituindo-

o pelo sistema igualitário; dá preferência a valores coletivos sobre os individuais

e manteve, no que foi possível, a estrutura e institutos do Código Civil de 1916.

Questão 4 - A

Justificativa: O Código Civil de 1916 era patrimonialista e não personalista.

Questão 5 - C

Justificativa: A alteração de um código não se dá apenas pela alteração formal

dos seus dispositivos normativos, mas decorre também dos processos de

interpretação e das alterações sociais.

Questão 6 - C

Justificativa: O fato de vários institutos de Direito Privado passarem à categoria

de direitos constitucionais não os torna institutos de Direito Público. O Direito

Civil embora também se destine a regular a relação da pessoa com seus bens,

não se restringe apenas a essas e, a partir do movimento de

despatrimonialização, determina-se a realização de seus interesses a partir da

proteção e valorização do ser e não do ter. O patrimônio deve ser suporte ao

livre desenvolvimento da pessoa mas não é garantia de existência digna.

Questão 7 - B

Justificativa: O Direito Civil Constitucional é fruto da constitucionalização do

Direito Privado e impõe a análise das relações privadas a partir dos direitos,

princípios e valores constitucionais.

Questão 8 - C

Justificativa: Embora o CC/02 tenha adotado distinções mais claras e precisas,

ainda há confusões conceituais e, entre elas, está a confusão entre as formas

de extinção dos contratos. A socialidade pode ser expressamente constada

como, por exemplo, nos arts. 421 e 1228, CC. A eticidade trouxe à legislação

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 36

civil o princípio da boa-fé objetiva (norma de conduta) e não a boa-fé subjetiva

(forma de conduta).

Questão 9 - A

Justificativa: A manutenção da lógica formal do Código Civil o distancia da

realidade social e histórica. Os pilares clássicos do Direito Civil sofreram

grandes alterações no Código Civil vigente, especialmente em virtude da

repersonalização do sistema provocada pelo movimento de constitucionalização.

Deve-se entender o indivíduo como expressão da forma de ingresso no mundo

jurídico e não mais apenas como um sujeito definido para um conjunto de

objetos.

Questão 10 - D

Justificativa: A CF/88 veda qualquer distinção aos filhos, especialmente se

decorrente da origem da filiação.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 37

Introdução

Na aula anterior, discutiram-se os movimentos e princípios influenciadores do

Direito Privado contemporâneo, apontando-se para a necessidade de

reformulação de categorias e institutos clássicos que já não dão mais conta de

diversas situações sociais, especialmente as decorrentes das novas tecnologias.

Nesta aula, você estudará como a publicização do Direito Privado vem

provocando o fim da clássica dicotomia público-privado impondo a

harmonização entre esses interesses e o reconhecimento de que a dignidade da

pessoa humana deve ser o ponto de equilíbrio entre interesses individuais e

coletivos.

Objetivo:

1. Compreender a dicotomia Direito Público-Privado e a publicização do Direito

Privado;

2. Estudar a superação do princípio da supremacia do interesse público sobre o

particular.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 38

Conteúdo

Distinção do Direito

Você deve recordar que, classicamente, divide-se o Direito Objetivo em Direito

Público e Direito Privado, distinção feita desde o Direito Romano.

No Direito Romano, fixou-se a distinção em virtude da necessidade de fixação

de regras capazes de diferenciar os bens do Império Romano do patrimônio

particular do Imperador; e sobre a necessidade de conceder alguns direitos

subjetivos aos estrangeiros.

Então, dessa ideia inicial, firmaram-se as seguintes molduras:

Direito Público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da coletividade

ou interesses públicos;

Direito Privado é o conjunto de preceitos que regulam as relações

interprivadas, o locus normativo privilegiado do indivíduo.

Mais tarde, essa dicotomia romana público-privado foi encampada pelo modelo

liberal que viu nas codificações uma forma eficaz de organização e regulação da

sociedade e do Estado, mas que, desvirtuando a sua natureza inicial de direito

do cidadão, concebe o Direito Privado como destinado a proteção de direitos

individuais. Então, no século XIX, o liberalismo jurídico consagrou a completude

e unicidade do Direito, que passou a ter como única fonte o Estado e firmou a

concepção de homem como sujeito abstrato (sujeito de direitos). O Código Civil

passa a ser considerado a “Constituição do Direito Privado”, eixo central das

relações privadas tendo como referência apenas o cidadão dotado de

patrimônio.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 39

Não Direito

Com o enfraquecimento do Estado Liberal e a evolução das relações sociais, a

compartimentação do Direito em Público e Privado mostrou-se atemporal,

desideologizada, ineficiente e distante da nova realidade social; a prevalência

do ter sobre o ser impediu a valorização da dignidade humana, o respeito à

justiça distributiva e à igualdade material. O exercício de direitos vinculados à

apropriação de bens resultou na criação de paradoxos: como a existência de

pessoas que não são sujeitos de direitos por não se enquadrarem na moldura

classicamente imposta e, por consequência, a não regulação de diversas

relações sociais (não Direito).

Esse é o caso, por exemplo, dos embriões excedentários (embriões congelados

e obtidos para realização de técnicas de reprodução humana assistida). Os

embriões excedentários não se enquadram na clássica moldura de sujeito de

direitos, como também não se pode tratá-los como objetos. Como tutelá-los,

então?

Compreensão da publicização

Em virtude dessa revisão de categorias clássicas do Direito Privado, manifesta-

se importante a compreensão da publicização do Direito Privado como

movimento que compreende o processo de crescente intervenção estatal nas

relações privadas (especialmente por meio de normas de ordem pública),

característica do Estado Social.

É nesse contexto que surgem microssistemas que tentam regular relações

específicas e teorias que visam acabar com tal dicotomia, como é o caso:

Do Direito do Consumidor (CDC)

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Estatuto do Idoso.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 40

A publicização do Direito Privado deu-se, num primeiro momento, com a

denominada descodificação que, no Brasil, operou-se com a edição de um

número significativo de leis extravagantes, o que provocou indubtavelmente a

descentralização do Direito Privado (antes centralizado na ideia de

monossistema do Código Civil) para atender às necessidades sociais.

Também reflexo dessa nova concepção do Direito Civil foi a recepção na

Constituição Federal de temas antes classificados pela dicotomia clássica como

afetos apenas ao Direito Privado como, por exemplo, o direito à privacidade.

A constitucionalização do Direito Privado provoca transformações substanciais

na forma de se compreender as relações interprivadas. Deixa-se de se buscar

espaços distintos para se buscar uma unidade hermenêutica, harmonizando-se

interesses públicos e privados na busca da proteção e promoção da dignidade

da pessoa humana.

Publicização do Direito Privado

Assim, a publicização do Direito Privado tornou mais nítido o pretenso fim da

dicotomia Direito Público e Direito Privado.

Tal fenômeno traz em si a renovação da estrutura da sociedade e a adaptação

do Direito à nova realidade econômico-social, o que não pode ser tido, no

entanto, apenas como uma adaptação do modelo vigente para atender à

realidade que se apresenta.

Direito Público

Direito Privado

Intimamente vinculado à publicização do Direito Privado, outro princípio se

mostrou importante: a sua despatrimonialização. Não há mais sentido em se

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 41

manter a proteção ao direito de propriedade na forma concebida no modelo

liberal, ou seja, a prevalência do ter sobre o ser. Busca-se a valorização do ser,

do conhecimento e da educação. A despatrimonialização do Direito Privado

frise-se, não significa retirar-lhe o seu conteúdo patrimonial, mas, sim, a

funcionalização do próprio sistema econômico valorizando-se a dignidade da

pessoa humana.

Modelo liberal clássico

A neutralidade do Direito como fruto do conjunto de relações lógicas impostas

pelo modelo liberal clássico não encontra mais respaldo social. Busca-se a

funcionalização e vinculação ao contexto histórico o que provoca um pluralismo

jurídico que reconhece na perspectiva interdisciplinar a convivência e

intersecção de relações públicas e privadas, vinculando-se lei e realidade social.

Na superação da dicotomia, busca-se a preservação dos interesses coletivos e

da dignidade da pessoa humana, valorizando-se o ser sobre o ter

(repersonalização do Direito Privado), numa verdadeira inversão dos valores

clássico-liberais, não se podendo, nesse contexto, falar em produção normativa

definitiva e final, mas, sim, em produção normativa intimamente ligada à

realidade e necessidades sociais.

Supremacia do interesse público sobre o particular

Compreendida a superação da dicotomia público-privado como fruto da

publicização do Direito Privado, vamos entender o que é a “supremacia do

interesse público sobre o particular”.

Interesse público

O reconhecimento da supremacia do interesse público sobre o particular

sempre foi um dos axiomas do Direito Público moderno, proclamando em

qualquer situação a prevalência do interesse público (ou coletivo) sobre o

privado. No entanto, quando se fala em publicização do Direito Privado, propõe-

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 42

se a harmonização entre interesses públicos e interesses privados,

reconhecendo-se que a exarcebação do coletivo também pode ser fonte de

injustiças, de programas autoritários, de desarmonia social.

Coletividade

Daniel Sarmento (2007, p. 30) ensina que costuma-se associar o público à

esfera dos interesses gerais da coletividade, que dizem respeito à pessoa

humana não como particular, encerrado no seu microcosmo de relações, mas

como cidadão, membro e partícipe da comunidade política. Já o privado

corresponde ao perímetro das vivências experimentadas em recesso, fora do

alcance da polis, que não concernem à sociedade em geral, mas a cada um,

como indivíduo. De acordo com a bela metáfora de Nelson Saldanha, público e

privado seriam “o jardim e a praça”, cada um com princípios e lógicas próprias.

Estado e sociedade

Com o advento do Estado Social, reconheceu-se que Estado e sociedade não

poderiam estar rigidamente separados e delimitados por categorias estanques,

daí, o fenômeno da publicização do Direito Privado. No entanto, a sua crise e a

complexidade das relações sociais e jurídicas da sociedade contemporânea,

embora incapazes de anular aquele processo, passaram a exigir novos estudos

para conferir outros contornos ao “jardim” e à “praça” delineados e definidos,

agora, pelos múltiplos espaços da vida humana que se cruzam constantemente.

Pare e reflita

Como pode o Direito Privado, por meio de categorias clássicas, dar conta, por

exemplo, do fenômeno das redes sociais? Você é capaz de perceber que as

redes sociais, na metáfora de Nelson Saldanha, seriam o “jardim”? Ou seja,

tratam-se de espaços privados, mas abertos aos olhos públicos em que o

Direito de privacidade de feição liberal não dá mais conta de tutelar.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 43

Compreende-se, então, que o espaço público deixa de ser associado

exclusivamente à atividade estatal e o privado exclusivamente a interesses

particulares. Os espaços, agora, entrecruzam-se!

Para tentar determinar o ponto de equilíbrio, sustenta-se que se a pessoa

humana é o valor-fonte de todo o ordenamento jurídico e de toda sociedade e,

por isso, é necessário identificar elementos para a construção de uma proteção

a zonas de autodeterminação da pessoa capazes de tutelá-la nos múltiplos

espaços de sua atuação.

Par público/privado

O par público/privado, então, deve ser entendido como constitutivo de uma

ordem jurídica única, orientada pela Constituição Federal, cujos valores

são igualmente importantes para a realização da pessoa e do seu respectivo

mínimo existencial.

É em relação a esta múltipla importância da esfera pública que o termo

“privado”, em sua acepção original de “privação”, tem significado. Para o

indivíduo, viver uma vida inteiramente privada significa, acima de tudo, ser

destituído de coisas essenciais à vida verdadeiramente humana: ser privado da

realidade que advém do fato de ser visto e ouvido por outros, privado de uma

relação “objetiva” com eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se deles

mediante um mundo comum de coisas, e privado da possibilidade de realizar

algo mais permanente que a própria vida.

A privação da privatividade reside na ausência de outros; para estes, o homem

privado não se dá a conhecer, e, portanto, é como se não existisse. O que quer

que ele faça permanece sem importância ou consequência para os outros, e o

que tem importância para ele é desprovido de interesse para os outros. [...].

Uma vez que a nossa percepção da realidade depende totalmente da aparência

e, portanto, da existência de uma esfera pública na qual as coisas possam

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 44

emergir da treva da existência resguardada, até mesmo a meia-luz que ilumina

a nossa vida privada e íntima deriva, em última análise, da luz muito mais

intensa da esfera pública. [...]. O termo “público” significa o próprio mundo, na

medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro

dele. Esse mundo, contudo, não é idêntico à terra ou à natureza como espaço

limitado para o movimento dos homens e condição geral da vida orgânica.

Antes, tem a ver com o artefato humano, com o produto de mãos humanas,

com os negócios realizados entre os que, juntos, habitam o mundo feito pelo

homem. Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas

interposto entre os que nele habitam em comum [...].

Somatório de interesses gerais

Pode-se, então, concluir que o homem necessita de um espaço público para

definir sua própria existência, comprovar a própria realidade, o que possibilita o

desenvolvimento de uma “condição objetiva da vida”.

Nesse contexto, não se pode negar a existência de interesses públicos, mas

esses devem ser compreendidos como um somatório de interesses gerais

(coletivos e particulares) cuja satisfação a sociedade confere ao Estado,

representando, então, o verdadeiro bem comum (princípio da ética comunitária

e da política jurídica).

No entanto, frise-se, “não se trata de absorver o individual no público, mas sim

de adotar uma perspectiva pública que permita a convivência social,

estabelecendo competências e limites”. O problema não é, portanto, de

prevalência a priori entre interesses, mas sim, determinar o conteúdo que deve

prevalecer e quando deve ter primazia. Por isso, parte-se da noção entre

interesse público primário e secundário.

O interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins

que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. Estes são os

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 45

interesses de toda a sociedade. O interesse público secundário é o da pessoa

jurídica de direito público que seja parte em uma determinada relação jurídica

[...]. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário, que é

o de maximizar a arrecadação e minimizar as despesas. [...]. Os recursos

financeiros provêem os meios para a realização do interesse primário, e não é

possível prescindir deles. [...]. Mas, naturalmente, em nenhuma hipótese será

legítimo sacrificar o interesse público primário com o objetivo de satisfazer o

secundário (BARROSO, 2007, p. 13-14).

Por isso ampla, anacrônica e equivocada ideia da “supremacia do interesse

público”. Afirma Humberto Ávila (2007, p. 190-191) que o interesse privado e o

interesse público estão de tal forma instituídos pela Constituição brasileira que

não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de

seus fins. Elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado [...].

Em vez de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há,

em verdade, uma “conexão estrutural”. Se eles – o interesse público e o

privado – são conceitualmente inseparáveis, a prevalência de um sobre o outro

fica prejudicada, bem como a contradição entre ambos. [...].

Interesse público como finalidade fundamental da atividade estatal e

supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o mesmo

significado. O interesse público e os interesses privados não estão

principalmente em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência. Daí a

afirmação de Häberle: “eles comprovam a nova, aberta e móvel relação entre

ambas as medidas”.

Impossível, então, identificar um único interesse público universal em uma

sociedade complexa como a contemporânea. Há tantos interesses públicos

quanto forem as situações que exigirem a sua identificação. Bem como, é

impossível pensar a total dissociação de elementos privados dos fins conferidos

ao Estado, já que esses interesses também devem fazer parte do que se

considera “bem comum”.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 46

Portanto, a mera referência a valores metajurídicos contidos numa ideia geral

de existência de um único interesse público universal não pode justificar a

prevalência absoluta desses sobre interesses privados. Conclui Gustavo

Binenbojm (2007, p. 167) que o melhor interesse público só pode ser obtido a

partir de um procedimento racional que envolve a disciplina constitucional de

interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de

ponderação que permita a realização de todos eles na maior extensão possível.

O instrumento desse raciocínio ponderativo é o postulado da proporcionalidade.

Veja-se que não se nega, de forma alguma, o conceito de interesse público,

mas tão somente a existência de um princípio de supremacia do interesse

público [...].

Encerramento

Por isso, o que se pretende agora é o reconhecimento que o interesse

individual também é capaz de realizar, um interesse não egoísta que terá tanta

proteção quanto teria o interesse público.

Você é capaz de identificar no seu dia a dia outras situações (além das redes

sociais) em que as noções de interesse público e de interesse privado podem se

confundir?

Atividade proposta

Observe a charge e responda: Por que no Brasil o senso comum ainda parece

acreditar na supremacia do interesse público sobre o privado?

Para confirmar essa afirmação, pergunte a pelo menos dez pessoas que você

conheça (independente da formação escolar) e anote: quantas delas afirmaram

que interesses públicos sempre prevalecerão sobre privados e peça uma

simples explicação.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 47

Legenda: Rapaz diz: Sou daltônico. Não consigo distinguir o vermelho do verde!

Político diz: Sou político brasileiro. Não consigo distinguir o público do privado!

Observe a charge e responda: Por que no Brasil o senso comum ainda parece

acreditar na supremacia do interesse público sobre o privado?

Chave de resposta: A clássica distinção entre interesse público e privado é

muito mais antiga do que a concepção de que esses interesses podem ser

analisados de forma harmoniosa, por isso, a impressão geral de que os

interesses públicos necessariamente se sobrepõem aos particulares. Lembre-se

de que, com o advento do Estado Social, reconheceu-se que Estado e

sociedade não poderiam estar rigidamente separados e delimitados por

categorias estanques, daí, o fenômeno da publicização do Direito Privado.

Portanto, juridicamente, não se justifica a manutenção da supremacia do

interesse público sobre o privado, devendo se reconhecer que nos fins do

Estado também estão incluídos elementos privados. Assim, deve-se reconhecer

que interesses individuais também podem realizar fins não egoístas, conforme

se estudou ao longo desta aula.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 48

Material complementar

Para saber mais sobre os movimentos e princípios influenciadores do

direito privado, leia os artigos disponíveis em nossa biblioteca virtual.

Referências

ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2000.

FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil

brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar: 2000.

SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça. São Paulo: EdUSP, 1993.

SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses

privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

SCHAEFER, Fernanda. Proteção de dados de saúde na sociedade de

informação. Curitiba: Juruá, 2010.

Exercícios de fixação

Questão 1

Sobre a dicotomia público-privado é correto afirmar que:

a) Tem origem no Direito Romano decorrente da necessidade de diferenciar

os bens do Império do patrimônio particular do Imperador.

b) O Direito Público foi inicialmente pensado para disciplinar interesses

particulares do Estado.

c) O Direito Privado foi concebido como o direito destinado a tutelar

interesses gerais das coletividades.

d) O modelo liberal negou a existência da dicotomia, promovendo a

harmonização entre interesses públicos e privados.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 49

Questão 2

O embrião excedentário:

a) Possui personalidade jurídica de acordo com a teoria natalista.

b) Pode ser descartado, uma vez que se trata de mero objeto de direto.

c) Enquadra-se na clássica categoria de sujeito de direitos.

d) Necessita de proteção especial mesmo não conseguindo se enquadrar na

categoria de sujeito de direitos.

Questão 3

Para o Estado Social, é correto afirmar que:

a) Em virtude da valorização econômica das relações jurídicas, impede o

reconhecimento da dignidade da pessoa humana como limitadora da

atuação privada.

b) A dicotomia público-privado mostrou-se anacrônica, uma vez que impede

o reconhecimento de que interesses particulares também podem realizar

interesses não egoístas.

c) Não é necessário intervir em relações privadas, garantindo-se dessa

forma a ampla autonomia privada.

d) É importante valorizar o ter, permitindo-se o que se denomina de justiça

distributiva.

Questão 4

A publicização do Direito Privado não permite a intervenção do Estado em

relações privadas por meio de normas de ordem pública. Assim, por exemplo, o

art. 1.513, CC, veda “a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir

na comunhão de vida instituída pela família”, reconhecendo-se dessa forma a

impossibilidade de intervenção do Estado no casamento.

a) Certo

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 50

b) Errado

Questão 5

Sobre a publicização do Direito Privado, é correto afirmar que:

a) Foi movimento que teve início com a descodificação que culminou com a

descentralização do Direito Privado e criação de diversos microssistemas

para atender às demandas sociais.

b) A publicização não permite a renovação da estrutura do Direito Privado,

mantendo intactas as suas estruturas clássicas.

c) A publicização determina obrigatoriamente a prevalência de interesses

coletivos sobre interesses privados.

Questão 6

Sobre a supremacia do interesse público é correto afirmar que:

a) É reconhecida como um dos axiomas do Direito Público moderno que

determina a prevalência absoluta dos interesses coletivos sobre os

particulares.

b) Tratando-se de axioma do Direito Público não pode ser relativizada.

c) É fruto do Estado Social que determina a perfeita separação entre Estado

e sociedade.

d) Determina que o espaço público não pode ser dissociado do espaço

privado.

Questão 7

Diante da publicização do Direito Privado e do reconhecimento da dignidade da

pessoa humana como valor-fonte do ordenamento jurídico brasileiro, é correto

afirmar que:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 51

a) O direito à saúde é apenas um direito subjetivo, porque se destina

apenas a realizar direitos individuais.

b) O direito à privacidade não pode ser invocado em face de situações que

versem sobre interesses públicos.

c) A dignidade da pessoa humana deve ser considerada princípio

harmonizador entre interesses públicos e interesses privados.

Questão 8

Nelson Saldanha utiliza metáforas para designar espaços públicos e privados,

de acordo com o autor:

a) A casa é considerada um espaço público.

b) O jardim é considerado um espaço particular.

c) A praça e a rua são espaços públicos.

d) As redes sociais seriam, segundo essa metáfora, um espaço público.

Questão 9

Analise as assertivas:

I. A dignidade da pessoa humana deve ser considerada o ponto de equilíbrio

entre os interesses públicos e os interesses privados.

II. Faz parte do reconhecimento da dignidade da pessoa humana a construção

da proteção da autodeterminação.

III. Interesses públicos e privados não possuem valores igualmente importantes

para a realização da pessoa e, por isso, aqueles devem prevalecer sobre estes.

IV. A publicização do Direito Privado impede o reconhecimento de que o

homem precisa de espaços públicos para definir sua própria existência e

comprovar sua própria realidade.

a) Estão corretas I e II

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 52

b) Estão corretas I, II e III

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 10

Analise as assertivas e marque a alternativa correta:

a) Interesse público primário é o interesse da pessoa jurídica de direito

público que seja parte em determinada relação jurídica.

b) Interesse público secundário relaciona-se com os fins a serem

promovidos pelo Estado (justiça, segurança e bem-estar).

c) Modernamente, entende-se não ser possível identificar um único

interesse público universal, pois há tantos interesses públicos quanto

forem as situações que exigem a sua determinação.

Desideologizada: Depurado de elementos ideológicos (texto desideologizado,

agremiação desideologizada). [Antôn.: ideologizado.].

Aula 2

Exercícios de fixação

Questão 1 - A

Justificativa: O Direito Público foi concebido para disciplinar interesses coletivos;

enquanto o Privado destina-se à tutela de interesses privados. O modelo liberal

aprofundou a dicotomia, desenvolvendo, inclusive, o axioma da supremacia do

interesse público sobre o interesse privado.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 53

Questão 2 - D

Justificativa: O embrião excedentário não possui personalidade jurídica de

acordo com a teoria natalista, porque segundo esta a personalidade se adquire

com o nascimento com vida. A Lei de Biossegurança proíbe o descarte de

embriões excedentários. O embrião congelado não consegue se enquadrar na

categoria de sujeito de direitos.

Questão 3 - B

Justificativa: O Estado Social deixa de se preocupar exclusivamente com o

aspecto econômico das relações privadas, colocando a dignidade da pessoa

humana como valor-fonte de todo o sistema jurídico, limitando-se a autonomia

privada. Para o Estado Social, é importante a valorização do ser, esse sim,

capaz de se realizar na justiça distributiva.

Questão 4 - B

Justificativa: A publicização do Direito Privado permite a intervenção do Estado

em relações privadas a fim de se garantir a harmonia social, o respeito à lei, à

moral e aos bons costumes.

Questão 5 - A

Justificativa: A publicização promove uma reestruturação do sistema privado

visando adequá-lo às novas demandas sociais. A publicização do Direito Privado

propõe a reformulação do modelo de propriedade, agora preocupando-se com

a sua funcionalização. A publicização determina a harmonização de interesses

públicos e privados e não a prevalência de um sobre o outro.

Questão 6 - A

Justificativa: A supremacia do interesse público deve ser relativizada a fim de se

harmonizar interesses públicos e interesses privados. A supremacia é fruto do

Estado Liberal, este sim, reconhece a completa separação entre Estado e

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 54

sociedade. A supremacia impõe que os espaços públicos sejam completamente

dissociados dos interesses particulares.

Questão 7 - C

Justificativa: O direito à saúde não é apenas um direito subjetivo, mas também

um direito social. O direito à privacidade pode ser invocado mesmo em face de

situações que versem sobre interesses públicos, porque já não se pode mais

falar de prevalência absoluta destes sobre os interesses privados.

Questão 8 - C

Justificativa: A casa é considerada um espaço privado; o jardim aquilo que está

entre o público e o privado, como seria o caso das redes sociais; a praça é um

espaço público.

Questão 9 - A

Justificativa: Os interesses públicos e privados possuem valores igualmente

importantes para a realização da pessoa. A publicização do Direito Privado

impõe o reconhecimento de que o homem precisa de espaços públicos para

definir sua existência e comprovar sua própria realidade.

Questão 10 - C

Justificativa: Os conceitos nas alternativas A e B estão invertidos. Elementos

privados podem ser verificados entre os próprios fins do Estado determinando-

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 55

Introdução

Após discutirmos as características das codificações privadas e a publicização do

Direito Privado, vamos nesta aula estudar os movimentos de descodificação e

recodificação e suas consequências para o Código Civil vigente.

Das lições anteriores, concluímos que a legislação civil não pode ser

individualista e muito menos imutável. Vamos estudar, nesta aula, como se

podem realizar as necessárias mudanças em uma codificação para que ela

consiga atender aos anseios e transformações sociais.

Objetivo:

1. Compreender os movimentos de descodificação e recodificação do Direito

Privado;

2. Estudar os efeitos e expectativas da recodificação do Direito Civil brasileiro.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 56

Conteúdo

Recapitulando

Nas aulas anteriores, estudamos o desenvolvimento da codificação civil

brasileira e os efeitos dos movimentos de constitucionalização,

repersonalização, despatrimonialização e publicização sobre o Direito

Privado vigente. Nesta aula, buscaremos compreender o movimento de

recodificação do Direito Civil e seus reflexos na legislação privada.

A (r)evolução das relações sociais, especialmente a partir do desenvolvimento

da Sociedade de Informação e o advento das tecnologias, impulsionou a revisão

do modelo clássico de legislar, principalmente no que concerne às relações

privadas.

Vimos nas aulas anteriores que os séculos XVIII e XIX foram marcados pelo

movimento codificador, movimento que trouxe com ele a ideia de que, por sua

generalidade e abrangência, os códigos seriam completos (“o mito da

completude dos códigos”), juridicamente seguros, mas, principalmente,

estáveis.

O mito da completude dos códigos

No entanto, o caminhar do século XX demonstrou serem os códigos incapazes

de acompanhar com a necessária rapidez e eficiência as transformações sociais,

revelando também a total inépcia de diversas categorias clássicas do Direito, o

que acabou gerando uma grande quantidade de legislação esparsa (também

denominada extravagante).

Legislação esparsa

A legislação esparsa, embora tenha tentado conciliar a codificação com as

necessidades sociais, apresentou novos problemas:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 57

As contradições e paradoxos existentes entre as normas constantes nos códigos

e a nova legislação.

O excesso de dispersão não permitia que o Direito fosse adequadamente

conhecido pela sociedade ou até mesmo corretamente aplicado pelos tribunais.

Para o operador do Direito, sem dúvida, o excesso não pode gerar conflitos,

como também insegurança jurídica. Então, um dilema na doutrina se

apresenta: o melhor é legislar livremente (como imaginou o civilista Natalino

Irti) ou codificar e recodificar?

Ponto de saturação

Mário Luiz Delgado (2011, p. 222) esclarece que se chega a um ponto

de saturação no qual os operadores do Direito já não sabem mais quais

normas estão em vigor e começam a reclamar bases claras e regras de jogo

estáveis.

A legislação especial vem, em diversas situações, derrogar princípios gerais

codificados, sem que isso implique, necessariamente, na melhoria ou no

aprimoramento de sua eficiência.

Leis específicas, muitas contraditórias e incoerentes, dirigidas a um

compartimento da sociedade. O Código Civil passa a se dividir em vários

microssistemas, estes, por sua vez, com os seus subsistemas. Deixa de ser a

reunião das leis civis, passando a exercer um papel meramente residual.

No Brasil, essa confusão conceitual e principiológica imposta por um código

desatualizado e um excesso de leis esparsas pôde ser observada

especialmente após a Constituição Federal de 1988, enquanto ainda

estava vigente o Código Civil de 1916.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 58

Você é capaz de recordar leis esparsas que tentavam adequar o Código Civil à

nova ordem constitucional, mas que geraram muita confusão?

Constituição Federal de 1988

Uma dessas confusões pôde ser acompanhada nas regras que tentaram regular

a união estável. Lembrando: o Código Civil de 1916 previa apenas o casamento

como forma de constituir família (legítima).

A Constituição Federal de 1988 reconheceu expressamente a união estável e as

famílias monoparentais (além do casamento) como forma de constituição de

família. Diante dos inúmeros conceitos, características e discussões que se

apresentaram na doutrina e jurisprudência, o legislador resolveu publicar a Lei

n. 8971/94, conhecida como lei do concubinato.

Atenção

Dada a imperfeição conceitual em vários aspectos dessa lei,

acabou sendo ela rapidamente substituída dois anos depois pela

Lei n. 9278/96, conhecida como lei dos conviventes, que embora

tenha solucionado algumas imperfeições técnicas da lei anterior,

não conseguiu regular adequadamente o instituto. Passados

alguns anos, a matéria passou a ser regulamentada pelo então

novo Código Civil, também não sem receber diversas críticas,

especialmente porque repetindo o conceito constitucional apenas

se referiu à união estável entre pessoas de sexos diferentes.

Doutrina e jurisprudência

Agora, a doutrina e a jurisprudência tinham um problema de direito

intertemporal para resolver: que lei aplicar à união estável? Firmou-se o

entendimento de que a lei deve ser aquela vigente no momento da dissolução

da união.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 59

Antes da CF/88 sem revisão Uniões cessadas depois de 29.12.94 Lei

8971/94 a partir de 30.12.94 Lei 9278/96 a partir de 13.05.96 Código Civil

a partir de 10.01.03

Vê-se, desse breve relato fático, que nem sempre descodificar é suficiente para

regular adequadamente um assunto. Nota-se que, embora ao longo do século

XX o movimento descodificador tenha ganhado vozes na doutrina e no

Legislativo, fato é que ao final deste e início do século XXI, um movimento

recodificador se apresentou impondo a revisão dos antigos códigos de acordo

com as exigências sociais, doutrinárias e jurisprudenciais. Assim também

ocorreu no Brasil pretensamente com a publicação do Código Civil de 2002.

Código Civil x Constituição Federal

Cabe-nos, então, analisar se há realmente um movimento recodificador capaz

de integrar fontes heteronômicas do Direito, mantendo um sistema aberto e

plural ou se o que este movimento propõe é tão somente a atualização do:

Código Civil, mantendo-o distante da realidade social.

E da Constituição Federal, revivendo-se o mito da completude

do código.

Para que um sistema seja considerado realmente aberto, não basta que nele

estejam contidas cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, é

preciso também garantir mecanismos que permitam a eficácia da lei a partir da

Constituição Federal. Gustavo Tepedino esclarece que o legislador de hoje deve

obrigatoriamente recorrer à técnica narrativa, da retórica e dos sentimentos

subjetivos da sociedade, determinando, dessa forma, o conteúdo axiológico das

cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados, orientando-se, por

óbvio, a partir dos princípios constitucionais.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 60

Recodificação - completa transformação

Pois bem. Para que realmente se possa falar em recodificação, é preciso

compreender que nessa nova realidade os princípios constitucionais fixam os

critérios de interpretação, evitando-se a racionalização estática e imutável da

lei. Então, recodificar não é simplesmente repaginar ou atualizar um código. O

movimento de recodificação impõe uma completa transformação.

Do que você conhece do Direito Civil brasileiro e com base naquilo que já

estudamos até aqui, será que é possível afirmar que o Código Civil de 2002 é

fruto de uma recodificação?

Parece que a resposta deva ser negativa. O próprio coordenador da Comissão,

Miguel Reale, afirmou que sua intenção não é reconstruir algo novo, mas sim,

manter no que era possível e adequado o Código Civil de 1916, adaptando-o à

nova realidade.

Portanto, embora não se possa afirmar que o código vigente nasceu velho, uma

vez que comparado ao anterior é mais aberto, fato é que também não atendeu

aos anseios da sociedade e, muito menos, pode-se afirmar ser ele fruto de uma

efetiva recodificação.

Gustavo Tepedino afirma que uma reforma legislativa só se justifica com a

adoção de princípios normativos e de cláusulas gerais que não sejam meras

estruturas formais e neutras, mas vinculados a critérios expressamente

definidos, exprimam a tábua de valores da sociedade consagrada na

Constituição Federal.

Percebe-se que, atualmente, quanto ao Direito Civil brasileiro atual, há certa

mobilização de parte da doutrina e do legislador buscando a descodificação de

assuntos específicos (como vimos na aula 1). Mas será que ao descodificar não

estamos correndo o risco de novamente cairmos na desordem, num

emaranhado de leis que não conversam entre si, que geram contradições

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 61

insolúveis e, especialmente, que acabam esculhambando toda a tábua

axiológica?

O envelhecimento dos códigos é natural, é inevitável e até porque não dizer

desejável. As transformações sociais são cada vez mais rápidas (para não dizer

impressionantes), o que sem dúvida impõe a revisão de valores e princípios.

Mas não parece ser o caminho da dispersão das leis o mais adequado a

atualizar os códigos, embora, sem dúvida, seja o caminho mais rápido. O fato

de envelhecer, no entanto, não deve ser de imediato considerado uma

justificativa para acabar com a codificação. Ao contrário, “um bom

envelhecimento, no caso identificado com perenidade, representa uma prova de

qualidade” (DELGADO, 2011, p. 222). O que isso significa?

Significa que, para atualizar, para atender aos anseios sociais, não é

mandatório que se extinga totalmente o código anterior. É possível amadurecê-

lo, adaptá-lo aos anseios sociais, mas, especialmente, reestruturá-lo à luz da

nova escala de princípios e de valores articulando-os com os mandamentos

constitucionais.

Era dos microssistemas

Vimos até aqui que o envelhecimento de um código pode dar origem à criação

de microssistemas que nem sempre representam um efetivo avanço legislativo.

Durante a segunda metade do século XX, o Código Civil de 1916 passou por

uma enorme pressão descodificante.

Nesse período histórico, que pode ser chamado de “Era dos Microssistemas”,

entraram em vigor verdadeiros apanhados legislativos que possuíam uma lógica

jurídica própria, completamente dissociada do código então vigente. Leis que

tratavam de assuntos complexos cuja codificação civil já não dava mais conta

de tutelar.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 62

Atenção

Não há dúvidas de que esse movimento de descodificação era

necessário. A subtração de temas privados do âmbito de atuação

do Código Civil sem dúvida representava uma necessidade de

adaptação da lei à nova realidade social. Os microssistemas (ou

sistemas autônomos, como preferem alguns) representavam o

reconhecimento de que alguns assuntos já não poderiam mais

ser tratados sob a ótica liberal e individualista. E assim o foi,

com a criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT -

Decreto-Lei n. 5.452/43), do Código de Defesa do Consumidor

(CDC - Lei n. 8.078/90), Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA - Lei n. 8.069/90), Estatuto do Idoso (EI - Lei n.

10.741/03), Estatuto do Torcedor (ET - Lei n. 10.671/03), Lei de

Locações de Imóveis Urbanos (Lei n. 8.245/91), Estatuto da

Cidade (Lei n. 10.257/01).

Resultado dessa descodificação?

A especialização cartesiana das relações privadas. Ou seja, o zeloso profissional

que atua na área trabalhista, não atua na área de família, que não atua na área

de contratos e assim por diante; o que também levou à criação das respectivas

Justiças e Varas especializadas.

Essa especialização, do ponto de vista profissional, não parece ser ruim, afinal,

quanto mais se conhece uma área, menor é a chance de causar prejuízo, de

aplicar erroneamente o Direito. No entanto, do ponto de vista dialético, a

ausência de comunicação entre as áreas isola-as, deixando-as alheias às

discussões globais, criando-se verdadeiras ilhas de pensamentos incapazes de

se comunicar entre si.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 63

O zeloso profissional que atua na área trabalhista, não atua na área de família,

que não atua na área de contratos e assim por diante.

Direito Privado

A compreensão cartesiana dos ramos do Direito Privado evita que os ramos

dialoguem entre si e, pior, impede a própria interação com a Constituição

Federal. Por isso, no século XXI, no Brasil, retomaram-se as discussões que

apontam a necessidade de interação sistemática de todos os ramos do Direito

Privado, bem como, da necessária recodificação do Direito Civil.

Um novo Código Civil, agora, deveria assumir função diversa da anterior (eixo

central das relações privadas). Os códigos assumiriam função residual, ou seja,

a eles caberia regular apenas as relações jurídicas privadas que por sua

generalidade não se enquadrariam nos estatutos especiais.

Não precisam, portanto, absorver as matérias regidas por leis especiais, basta

que enumerem princípios que permitam a integração completa de todo o

sistema privado, reconhecendo-se, quando necessário, a especialidade de

determinados assuntos.

Lei Geral (Código) e as leis especiais

Nesse sentido, destaca Mário Luiz Delgado (2011, p. 252) que a verdade é que

determinados institutos jurídicos, mesmo teoricamente enquadráveis em ramo

do direito objeto de codificação, são marcados por originalidades e

singularidades, quer de ordem substantiva ou de ordem subjetiva, que exigem

regulação apartada, sem prejuízo da submissão ao processo de uniformização

sistêmica que a codificação supõe.

Processo de recodificação

Portanto, em um processo de recodificação não seria obrigatório ao novo

código abarcar todas as situações reguladas em lei especial, bastaria que com

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 64

elas conversasse, estabelecendo-se coerência dogmática e principiológica entre

a Lei Geral (Código) e as leis especiais.

Nova função das codificações

A essa nova função das codificações se impõe o que se chama de diálogo de

fontes. Explica Bruno Miragem (2013) que o diálogo das fontes decorre do

pluralismo pós-moderno que trouxe o aumento significativo de fontes

legislativas na atualidade e, consequentemente, no conflito entre elas, não se

podendo puramente adotar o critério hierárquico, cronológico e da

especialidade para resolver tais conflitos.

Normas

1. Diálogo sistemático e coerência

Diálogo sistemático e coerência

Busca a aplicação simultânea de duas leis à mesma situação concreta, sendo

um diploma fundamento conceitual ao outro. Busca a aplicação complementar

de uma lei em relação à outra.

2. Diálogo sistemático de complementaridade em antinomias

aparentes

Diálogo sistemático de complementaridade em antinomias aparentes

ou reais

Visa ao alcance tanto de normas quanto dos princípios de forma subsidiária ou

complementar de uma lei em relação à outra, quando ambas têm o mesmo

campo de incidência.

3. Diálogo de coordenação e adaptação sistemática

Diálogo de coordenação e adaptação sistemática ou das influências

recíprocas sistemáticas

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 65

Prima pela possibilidade de mudança no campo de aplicabilidade legal por meio

da análise dos conceitos e sujeitos definidos nos diplomas legais.

Sistema mais amplo

Assim, pensar em qualquer recodificação é pensar em um sistema mais amplo e

flexível, plural (multidisciplinar) capaz de promover o diálogo de fontes. Pensar

em um novo Código Civil capaz de regular as modernas e complexas relações

privadas implica necessariamente em pensá-lo como instrumento integrador (e

não aglutinador) de todo o sistema privado. Deve-se abdicar do modelo de

totalidade que informava as codificações do século XIX para se pensar em um

modelo sistemático, de coordenação axiológica.

O movimento recodificador é tão importante, que Mário Luiz Delgado (2011, p.

261) chega a afirmar ser uma exigência do Estado Democrático de Direito,

garantidor da legalidade e da segurança jurídica, sendo os códigos

instrumentos importantes de concreção constitucional, devendo o risco da

imobilidade do sistema ser afastado pela previsão de reformas periódicas.

A recodificação deve representar uma ruptura com o passado a fim de atender

as demandas do presente. No entanto, ao mesmo tempo que representa essa

ruptura não pode simplesmente ignorar o passado que agora se pretende

mudar. Os erros e acertos do passado podem e devem ser considerados pela

nova codificação, associando-os aos novos paradigmas rompidos ou criados

pela própria sociedade (uma vez que não deve ser fruto exclusivo da razão

teórica).

A recodificação pode ser total ou parcial, ocorrendo a primeira ou a segunda

opção de acordo com as necessidades apresentadas. No primeiro caso ter-se-ia

a completa substituição do código velho por um novo, sendo necessário um

processo legislativo mais amplo e complexo; na segunda hipótese, apenas a

atualização ou revitalização de um código já existente; exigindo-se um processo

legislativo mais simples e pretensiosamente mais rápido. Como optar por uma

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 66

ou outra? Não há, obviamente, fórmula mágica e apenas a análise da situação

concreta poderia definir o rumo a ser tomado, ressalvada, no entanto, a

necessidade de se manter uma unidade lógica e axiológica em qualquer uma

das situações.

Dessa forma, qualquer que seja a opção, deve ela necessariamente ter por

paradigmas: o eixo central do Direito Privado é a Constituição Federal; qualquer

modelo que se adote, deve ser aberto e plural, informado pela dignidade da

pessoa humana; deve-se eliminar as dúvidas existentes e evitar espaços

lacunosos que criem novas dúvidas; deve-se reconhecer as transformações

sociais como sua fonte primordial

Passados mais de dez anos de vigência do Código Civil de 2002 você acha que

ele precisa passar pelo processo de recodificação total ou parcial? Reflita sobre

as discussões que vêm se apresentando na doutrina e na jurisprudência para

tomar uma posição.

Paradigmas

Dessa forma, qualquer que seja a opção, deve ela necessariamente ter por

paradigmas:

O eixo central do Direito Privado é a Constituição Federal;

Deve-se reconhecer as transformações sociais como sua fonte primordial;

Qualquer modelo que se adote deve ser aberto e plural, informado pela

dignidade da pessoa humana.

Deve-se reconhecer as transformações sociais como sua fonte primordial.

Passados mais de dez anos de vigência do Código Civil de 2002, você acha que

ele precisa passar pelo processo de recodificação total ou parcial? Reflita sobre

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 67

as discussões que vêm se apresentando na doutrina e na jurisprudência para

tomar uma posição.

Atividade proposta

Assista à palestra do Prof. Miguel Reale em que ele explica a visão de sua

Comissão ao elaborar o Código Civil vigente e faça a atividade.

Resumindo o que o professor Miguel Real fala:

Como se sabe, o novo Código Civil teve uma longa tramitação no Congresso

Nacional, pois foi no longínquuo de 1975 que o Presidente Costa e Silva

submeteu à apreciação da Câmara dos Deputados o Projeto de lei n. 634-D,

com base em trabalho elaborado por uma Comissão de sete membros, da qual

tive a honra de ser o Coordenador Geral. Coube-me a missão inicial de

estabelecer a estrutura básica do Projeto, com uma Parte Geral e cinco Partes

Especiais, convidando para cada uma delas o jurista que me pareceu mais

adequado, tendo todos em comum as memas idéias gerais sobre as diretrizes a

serem seguidas. Como se vê, não estamos perante uma obra redigida por um

legislador solitário, por um Sólon ou Licurgo, como se deu para Atenas e

Esparte, mas sim perante uma "obra transpessoal", submetida que foi a

sucessivas revisões.

Após refletir sobre a fala do Prof. Miguel Reale, analise a seguinte notícia:

“Projeto de lei obriga o comércio a devolver o troco em centavos”. Agora pense

no seu dia a dia: quantas vezes você já deixou de receber o troco ou de exigi-

lo? Cada vez que deixou de exigi-lo ou de recebê-lo, você deixou de exercer um

direito já previsto no Código de Defesa do Consumidor. Pergunta-se: será

mesmo necessária a elaboração de uma lei (ainda que municipal) para regular

o direito ao troco ou basta efetivar os princípios da defesa do consumidor e do

Direito Obrigacional? Você concorda com essa prática brasileira de criar

continuamente novas leis ao invés de dar efetividade às leis que já existem?

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 68

Chave de resposta:

Tratando-se de atividade que propõe reflexão do próprio aluno a partir dos

conceitos estudados, não há uma única resposta ou uma resposta correta. No

entanto, o que se percebe é que a prática brasileira de descodificar assuntos,

criando um emaranhado de leis esparsas acaba impedindo o conhecimento do

Direito pela população em geral e, com isso, impedindo o exercício adequado

dos direitos. Então, conforme foi discutido nesta aula, descodificar não é

necessariamente a melhor forma de atualizar a legislação ou de adequá-la às

novas demandas sociais.

Material complementar

Para saber mais sobre o novo código civil e novas mudanças, leia os

artigos disponíveis em nossa biblioteca virtual.

Referências

DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do

direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.

DUQUE, Marcelo Schenk. Direito privado e constituição. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2013.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2012.

MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013.

MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013.

Exercícios de fixação

Questão 1

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 69

Assinale a alternativa correta:

I. As relações sociais, especialmente as privadas, não devem influenciar a

criação ou reformulação de um Código Civil.

II. O movimento codificador do século XIX é muito semelhante ao movimento

codificador do século XXI, ambos propondo a centralidade de certos temas em

códigos fechados e inflexíveis.

III. A existência de legislação esparsa representa a necessidade de atualização

de um código, mas não causa, necessariamente, insegurança jurídica.

IV. No Brasil, embora o movimento descodificador tenha ganhado força ao

longo do século XX, hoje vem sendo substituído pelo movimento recodificador.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa IV

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 2

Sobre o movimento recodificador é correto afirmar que:

a) Não se pode distanciar o novo código da Constituição Federal, devendo

ser esta considerada o eixo central do sistema.

b) A recodificação é movimento que visa tão somente atualizar o código

vigente, uma vez que este por sua natureza já é considerado completo.

c) Para que um sistema codificado seja considerado aberto, basta que nele

se utilizem as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados.

d) Descodificar e recodificar são sinônimos. Fenômenos que buscam apenas

atualização de um código sem necessariamente romper as estruturas

consideradas velhas.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 70

Questão 3

Analise as assertivas:

I. O envelhecimento dos códigos não é algo esperado quando estes códigos

correspondem a um sistema aberto de princípios e valores.

II. O fato dos códigos envelhecerem por si só já é justificativa suficiente para

acabar com os sistemas codificados.

III. É possível reestruturar um código para atender às demandas sociais, sem

que para isso seja necessário extingui-lo.

a) Apenas o item I está correto

b) Apenas o item II está correto

c) Apenas o item III está correto

d) Apenas os itens I e III estão corretos

Questão 4

O Direito só pode ser compreendido por meio de sua estreita vinculação com os

valores éticos e sociais.

a) Certo

b) Errado

Questão 5

Quanto ao movimento de descodificação, pode-se afirmar que:

a) Não pôde ser observado no Brasil, uma vez que o Código Civil de 1916

foi imediatamente substituído pelo Código Civil de 2002.

b) Trata-se de movimento que pode causar extrema dispersão legislativa

trazendo antinomias e incongruências para o sistema.

c) A descodificação traz mais segurança ao operador do Direito do que a

recodificação.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 71

d) O Código de Defesa do Consumidor é fruto do processo de recodificação.

Questão 6

Certo ou Errado? A Lei n. 9.656/98 regulamenta os contratos de planos de

saúde no Brasil. Sendo lei especial, afasta a aplicabilidade do Código de Defesa

do Consumidor a essas relações contratuais.

a) Certo

b) Errado

Questão 7

Analise as assertivas:

I. Codificação pressupõe a inexistência de código anterior sobre o assunto.

Trata-se de processo ideológico de concentração de normas em um único texto

sobre determinado tema.

II. Recodificação pressupõe a existência de dispersão legislativa sobre um

determinado assunto. Recodificar significa construir um novo código que levará

em conta os avanços da legislação anterior.

III. Havendo lei especial sobre determinado assunto, obrigatoriamente deixa-se

de aplicar a este a lei geral.

IV. Um novo Código Civil obrigatoriamente deveria ser pensado para ocupar o

papel de eixo central de todo o sistema privado.

a) Estão corretas I e II

b) Estão corretas II e III

c) Estão corretas III e IV

d) Estão corretas I, II e III

Questão 8

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 72

Assinale a alternativa correta:

a) Um microssistema é um sistema normativo dotado de uma lógica jurídica

própria que pode estar associada ou não a um código vigente.

b) O movimento descodificador do século XX foi impulsionado pela

transformação do Estado Social em Estado Liberal que impunha uma

lógica individualista às relações privadas.

c) A CLT em nada se relaciona ao movimento de descodificação do Código

Civil de 1916, uma vez que trata de matérias relacionadas às relações

trabalhistas.

Questão 9

Analise as assertivas:

I. A principal função de um Código Civil hoje deve ser considerada a de ser o

eixo central da regulamentação das relações privadas.

II. A Constituição Federal não é considerada fonte de direitos e de princípios de

Direito Privado.

III. Em um processo de recodificação, é obrigatório que o novo código civil

encampe todas as relações jurídicas privadas previstas em leis esparsas.

IV. No processo de recodificação, o código deve ser considerado uma lei geral

que estabelece coerência dogmática e principiológica com as leis especiais.

a) Apenas a assertiva I está correta

b) Apenas a assertiva II está correta

c) Apenas a assertiva III está correta

d) Apenas a assertiva IV está correta

Questão 10

Sobre o diálogo de fontes é correto afirmar que:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 73

I. O diálogo sistemático de complementaridade em antinomias aparentes busca

a aplicação simultânea de duas leis à mesma situação concreta, sendo um

diploma fundamento conceitual ao outro. Busca a aplicação complementar de

uma lei em relação à outra.

II. O diálogo sistemático de coordenação e adaptação sistemática visa ao

alcance tanto de normas quanto dos princípios de forma subsidiária ou

complementar de uma lei em relação à outra, quando ambas têm o mesmo

campo de incidência.

III. Ao pensar em um novo código, o legislador deve obrigatoriamente pensar

como a nova lei dialogará com as demais leis especiais, buscando-se uma

unidade hermenêutica de todo o sistema.

IV. O diálogo sistemático de coerência prima pela possibilidade de mudança no

campo de aplicabilidade legal por meio da análise dos conceitos e sujeitos

definidos nos diplomas legais

a) Apenas a assertiva I está correta

b) Apenas a assertiva II está correta

c) Apenas a assertiva III está correta

d) Apenas a assertiva IV está correta

Constitucionalização: É fruto do processo de elevação ao plano

constitucional de princípios que até então eram considerados exclusivos do

Direito Privado.

Despatrimonialização: Busca recolocar a pessoa como centro de proteção do

Direito Privado, valorizando-se a sua proteção em detrimento da propriedade e

do patrimônio. Visa à combinação de situações subjetivas patrimoniais com

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 74

situações jurídicas extrapatrimoniais, reconhecendo-se o patrimônio apenas

como o suporte ao livre desenvolvimento da pessoa.

Publicização: Favorece a extinção da dicotomia público-privado (que será

estudada na próxima aula), propondo a renovação da estrutura da sociedade e

adaptação do Direito a essas novas estruturas, aproximando a harmonização de

interesses públicos e privados (em detrimento da supremacia daqueles sobre

estes).

Repersonalização: Trata-se de movimento que procura valorizar o ser sobre

o ter, reconhecendo-se o indivíduo como ser coletivo; colocando-se a pessoa

como o centro de realização de seus interesses.

Aula 3

Exercícios de fixação

Questão 1 - B

Justificativa: As relações sociais, sem dúvida, podem e devem influenciar na

criação ou revisão da codificação civil. O movimento codificador do século XX

não se baseia no mito da completude dos Códigos, distanciando-se das

propostas de sistemas fechados do movimento do século XIX. A legislação

esparsa pode causar insegurança jurídica em virtude das contradições que

podem aparecer entre as diversas leis, mas nem sempre sua existência

representa a necessidade de atualização do código ou traz consigo insegurança

jurídica.

Questão 2 - A

Justificativa: Os movimentos contemporâneo do Direito Privado não mais

consideram os códigos completos, o mito foi quebrado. A recodificação não se

resume apenas a atualizar o código vigente, mas, sim, aproximá-lo da realidade

social e da Constituição Federal. Não basta a inserção de cláusulas gerais e de

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 75

conceitos jurídicos indeterminados, é preciso que esses mecanismos garantam

unidade e eficácia da lei. Descodificar e recodificar não são sinônimos por todos

os motivos apontados na aula.

Questão 3 - D

Justificativa: O envelhecimento dos códigos é algo esperado, mesmo quando

ele é composto por um sistema de princípios e valores, uma vez que ele é

influenciado pelas transformações sociais. O fato dos códigos envelhecerem não

justifica por si só a extinção das codificações.

Questão 4 - A

Justificativa: A frase é de Miguel Reale e denota a preocupação em manter o

Direito intimamente ligado às necessidades e transformações sociais.

Questão 5 - B

Justificativa: O fato de o Código Civil de 1916 só ter perdido eficácia com a

entrada em vigor do Código Civil vigente em nada se relaciona ao movimento

de descodificação que esteve presente durante toda a vigência daquele. A

descodificação, embora possa servir de forma mais célere a atender os anseios

sociais, pode consigo trazer insegurança jurídica em virtude da quantidade de

normas que não dialogam entre si. O Código de Defesa do Consumidor é fruto

do processo de descodificação.

Questão 6 - B

Justificativa: A Lei n. 9.656/96, embora seja uma lei que visa especificamente

tutelar as relações contratuais decorrentes de contratos de planos de saúde,

não afasta a aplicabilidade do CDC. Ambas as leis subordinam-se ao que se

denomina diálogo de fontes, diálogo inclusive determinado pelo art. 35-G da Lei

n. 9.656/96, que determina a aplicação subsidiária do CDC às relações

decorrentes de planos de saúde.

Questão 7 - A

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 76

Justificativa: O diálogo de fontes faz pressupor uma interação entre a lei geral e

a lei especial. Portanto, essa não exclui totalmente e obrigatoriamente aquela.

O eixo central de qualquer sistema deve ser a Constituição Federal e, por isso,

um novo Código deveria assumir uma função residual e conciliadora.

Questão 8 - A

Justificativa: O movimento descodificador do século XX foi impulsionado pela

transformação do Estado Liberal em Estado Social, reconhecendo-se que

algumas relações privadas já não podiam mais ser tratadas apenas pela ótica

individualista. A CLT é fruto do movimento descodificador do CC/16 que cuidava

das relações de trabalho a partir da regulamentação dada pelo contrato de

prestação de serviços. A lógica descodificadora acabou criando sistemas que

não conversam entre si, fragmentando a regulamentação das relações privadas.

Questão 9 - D

Justificativa: A Constituição Federal deve ser considerada o eixo central de toda

e qualquer regulamentação jurídica, sendo inclusive fonte de direitos e

princípios de Direito Privado. Em um processo de recodificação, não é

obrigatório que o novo Código Civil encampe todas as relações jurídicas

previstas em leis esparsas.

Questão 10 - C

Justificativa: Os conceitos constantes nas demais questões estão trocados.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 77

Introdução

Nas aulas anteriores, estudamos os movimentos que vêm auxiliando na

transformação do Direito Privado brasileiro. Nesta aula, estudaremos a

constitucionalização do Direito Civil e fixaremos como nosso ponto de partida a

dignidade da pessoa humana.

Após compreendermos a dimensão da proteção da pessoa em nosso

ordenamento, estudaremos os princípios constitucionais gerais de Direito

Privado, cujos reflexos serão importantes para o estudo do clássico tripé do

Direito Civil: família, contratos e propriedade; estudo que faremos

pormenorizadamente nas próximas aulas.

Objetivo:

1. Compreender a influência do princípio da dignidade da pessoa humana sobre

o Direito Privado brasileiro;

2. Estudar os princípios constitucionais de Direito Privado e seus reflexos na

normatização da família, da propriedade e dos contratos.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 78

Conteúdo

Pilares fundamentais

O Direito Clássico Moderno foi construído sobre três pilares considerados

inabaláveis: propriedade, família e contrato.

Propriedade

Família

Contrato

A sociedade contemporânea percebeu que tais pilares não podem ser estáticos

e abstratos e tão pouco emoldurados em significados dissociados da realidade

social. Diante de tal constatação, os juristas vêm sendo instados a contestar

molduras secularmente impostas pelo Direito Moderno, bem como a procurar

respostas a outras possibilidades que hoje se apresentam. Ao sistema jurídico

contemporâneo, não é mais admitido o simples embasamento no indivíduo-

centrismo (próprio do século XVIII), sob pena de permitir que muitas situações

fáticas não recebam a tutela adequada do Direito.

Portanto, não se pretende uma mera revisão do que está aplicado atualmente,

mas, sim, um redimensionamento a partir da realidade e necessidades sociais

para que supere efetivamente o servilismo burocrata instaurado pelo Estado

Moderno. Propõe-se uma emancipação que seja compatível com o

questionamento contínuo do sistema e com a apresentação de respostas

rápidas e satisfatórias que possam abranger as sociedades que estão sendo

construídas à margem da dimensão classicamente engessada em molduras

individualistas.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 79

Princípios

Contemporaneamente, para atingir o objetivo imposto pela travessia, fala-se

em:

Repersonalização + Despatrimonialização + Descentralização + Publicização +

Constitucionalização do Direito Civil = Princípios que se somam na busca da

transformação de um Direito que foi essencialmente construído sobre pilares

dissociados da realidade social e dos quais os juristas ainda apresentam forte

resistência para sua superação.

Para que o Direito Privado possa se adequar às situações coletivas que hoje se

apresentam, faz-se mister o reconhecimento do diverso como tarefa essencial,

além, é claro, da compreensão de que o ser deve prevalecer sobre o ter.

O jurista

1

Ora, se o Direito é um fenômeno profundamente social, não se pode admitir

que continue dissociado da realidade que o compõe. A travessia que hoje se

apresenta traz em si a síntese do passado, evidencia a complexidade das

relações presentes e apresenta as diretrizes para um futuro que ainda não

chegou.

2

Nesse contexto, o importante é que o jurista não se acomode em repetir ou

revisar velhos significados, mas, sim, aceite os riscos da transformação e

trabalhe na busca de conceitos e institutos que possam atender efetivamente a

realidade social que se apresenta, superando o modelo clássico tecnicista e

excessivamente neutro.

3

Vimos nas aulas anteriores que os movimentos do Direito Privado

contemporâneo determinam que o seu eixo central seja deslocado do Código

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 80

Civil para a Constituição Federal. Diante desse necessário, o deslocamento

toma papel de fonte central de todo o ordenamento jurídico à dignidade da

pessoa humana.

Sistema constitucional

A lei fundamental de um país tem por característica ser reflexo do momento

histórico da sociedade que pretende regulamentar. Nesse sentido, Paulo

Bonavides (2001) ensina que o sistema constitucional consiste em expressão

que permite perceber o verdadeiro sentido tomado pela Constituição Federal

em face da ambiência social que ela reflete, e cujos influxos está cada vez mais

sujeita.

Assim como a maioria das atuais constituições latino-americanas, a Constituição

Federal Brasileira de 1988 é fruto da luta contra o autoritarismo do regime

militar, surgindo em um contexto de busca da defesa e da realização de direitos

fundamentais do indivíduo e da coletividade nas mais diferentes áreas

(econômica, social, política, etc.).

Seguindo a tendência do constitucionalismo contemporâneo, incorporou

expressamente ao seu texto o princípio da dignidade da pessoa humana (art.

1º, inciso III, CF), definindo-o como fundamento da República e do Estado

Democrático de Direito.

Atenção

Sobre a decisão do Constituinte de 1988 em positivar o princípio

da dignidade da pessoa humana, destaca Ingo Wolfgang Sarlet

(2002, p. 68): consagrando expressamente, no título dos

princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como

um dos fundamentos do nosso Estado Democrático (e Social) de

Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a

exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha -,

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 81

além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do

sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder

estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o

Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário, já

que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da

atividade estatal.

O Constitucionalismo contemporâneo

O Constitucionalismo contemporâneo define a Constituição Federal como uma

ordem objetiva de valores, ou seja, como o reflexo dos anseios da sociedade

em um determinado momento histórico.

Essa nova ordem permite que valores que se constroem ao longo da História da

sociedade aos poucos se incorporem ao texto constitucional, preservando-o,

sempre, de acordo com as necessidades sociais, políticas e jurídicas de seu

tempo.

Valores constitucionais

Afirma Flademir Jerônimo Belinati Martins (2003, p. 55) que os valores

constitucionais são a mais completa tradução dos fins que a comunidade

pretende ver realizados no plano concreto (da vida real) mediante a

normatização empreendida pela Constituição [...].

Com efeito, enquanto ordem objetiva de valores, a Constituição cumpre o

importante papel de transformar os valores predominantes em uma

comunidade histórica concreta em normas constitucionais, com todos os efeitos

e implicações que esta normatização possa ter.

Princípio da dignidade da pessoa humana

Desse entendimento do Constitucionalismo contemporâneo, depreende-se a

necessidade de se compreender a positivação do princípio da dignidade da

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 82

pessoa humana, não só como uma consequência histórica e cultural, mas como

valor que, por si só, agrega e se estende a todo e qualquer sistema

constitucional, político e social. Portanto, reconhece-se que o ser humano

passou a ser o centro de todo o ordenamento constitucional, devendo este

trabalhar em prol do indivíduo e da coletividade e não o contrário.

A formulação principiológica da dignidade da pessoa humana, embora não lhe

determine um conceito fixo, atribui-lhe a máxima relevância jurídica, cuja

pretensão é a de ter plena normatividade, visto que foi colocada pelo

Constituinte brasileiro em um patamar axiológico-normativo superior e, por

isso, a importância do estudo desse princípio como valor-fonte, não apenas do

sistema constitucional brasileiro e latino-americano, mas como fonte da

hermenêutica constitucional contemporânea. Por isso, a importância do

princípio também para o Direito Privado.

A Constituição Federal de 1988 destaca Flademir Jerônimo Belinati MARTINS

(2003, p. 50) quando cotejada com as Constituições anteriores não deixa de ser

uma ruptura paradigmática a solução adotada pelo Constituinte na formulação

do princípio da dignidade da pessoa humana. A Constituição brasileira de 1988

avançou significativamente rumo à normatividade do princípio quando

transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem

jurídica [...].

Nesse sentido, também destaca Ingo Wolfgang SARLET (2001, p. 111-112) que

a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental

traduz a certeza de que o art. 1o., inciso III, de nossa Lei Fundamental não

contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última

análise, não deixa de ter), mas que constitui uma norma jurídico-positiva com

‘status’ constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal

sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental

da comunidade.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 83

Assim, a dignidade da pessoa humana ingressou no ordenamento jurídico

brasileiro como uma norma que engloba noções valorativas e principiológicas,

tornando-se preceito de observação obrigatória, fundamento da República

Federativa do Brasil cujo valor no ordenamento constitucional deve ser

considerado superior e legitimador de toda e qualquer atuação estatal e

privada, individual ou coletiva.

A Constituição brasileira de 1988 atribuiu plena normatividade à dignidade da

pessoa humana, projetando-a para todo o sistema jurídico, político e social,

tornando-a o alicerce principal da República e do Estado Democrático de Direito

e permitindo que possua proeminência axiológica-normativa sobre os demais

princípios. Conclui Cármen Lúcia Antunes Rocha, citada por Flademir Jerônimo

Belinati MARTINS (2003, p. 78) que a positivação do princípio como

fundamento do Estado do Brasil quer significar, pois, que esse existe para o

homem, para assegurar condições políticas, sociais, econômicas e jurídicas que

permitam que ele atinja seus fins: que o seu fim é o homem, como fim em si

mesmo que é, quer dizer, como sujeito de dignidade, de razão digna e

supremamente posta acima de todos os bens e coisas, inclusive do próprio

Estado.

Percebe-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana deixou de ser uma

mera manifestação conceitual do Direito Natural, para se converter em um

princípio autônomo intimamente conectado à realização e concretização dos

direitos.

Embora seja muito fácil identificar situações em que a dignidade é

desrespeitada, maior dificuldade se encontra em definir o princípio da dignidade

da pessoa humana, pois, tratando-se de um princípio aberto e não taxativo,

possui múltiplos significados e efeitos. Será que você é capaz de defini-la?

A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva

de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração

por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 84

de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo

e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir

as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e

promover a sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria

existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Por ser incerto o conceito jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana,

o intérprete assume importante valor na sua construção como valor fonte do

sistema constitucional brasileiro e reflexo da sociedade em que está inserido,

uma vez que o ordenamento jurídico não concede a dignidade, pois esta é

inerente ao ser humano, mas reconhece-a e compromete-se a promovê-la e

protegê-la.

Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana não é o único parâmetro de

interpretação e sequer pode ser considerado absoluto, mas por força de sua

proeminência axiológica-normativa deve ser considerada a principal fonte da

hermenêutica constitucional. Assim, para uma correta interpretação do texto é

necessário que o intérprete conheça todo o sistema constitucional e a realidade

histórica e cultural em que está inserido, bem como, é essencial a leitura

sistemática de todo o ordenamento jurídico.

O princípio da dignidade da pessoa humana é, portanto, um princípio

fundamental do sistema constitucional brasileiro que confere racionalidade ao

ordenamento jurídico e fornece ao intérprete uma pauta valorativa essencial ao

correto entendimento e aplicação da norma. Trata-se, portanto, de uma valor-

guia de toda a ordem jurídica, sendo que o caráter instrumental desse princípio

evidencia-se na possibilidade de ser utilizado como parâmetro objetivo de

aplicação, interpretação e integração de todo o sistema jurídico.

O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula aberta, de

contornos ambíguos, que respalda o surgimento de novos direitos

(não

expressos, mas implícitos na Constituição Federal) e, por isso, necessita de

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 85

constante concretização e delimitação pela práxis constitucional. Assim, deverá

o intérprete trabalhar com a noção de que se trata de qualidade inerente a todo

e qualquer ser humano, e com a perspectiva em que se reconhece a existência

de uma pauta de valores constitucionais reflexos da História da sociedade, em

cujo centro está, inafastável e inderrogável, a dignidade da pessoa humana.

Será que analisando as relações privadas você consegue identificar situações

em que o princípio da dignidade da pessoa humana se evidencia?

Direito natural

Percebe-se, portanto, que a dignidade da pessoa humana deixou de ser uma

mera manifestação conceitual do Direito Natural para se converter em um

princípio autônomo intimamente conectado à realização e concretização dos

direitos.

Embora seja muito fácil identificar situações em que a dignidade é

desrespeitada, maior dificuldade se encontra em definir o princípio da dignidade

da pessoa humana, pois, tratando-se de um princípio aberto e não taxativo,

possui múltiplos significados e efeitos.

Será que você é capaz de defini-la?

Conceito: dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e

distintiva de cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e

consideração por parte do Estado e da comunidade. Nesse sentido, implica-se

um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa

tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano quanto

venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida

saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e

corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com

os demais seres humanos.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 86

Correta interpretação do texto

Por ser incerto o conceito jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana,

o intérprete assume considerável importância na sua construção como valor-

fonte do sistema constitucional brasileiro e reflexo da sociedade em que está

inserido, uma vez que o ordenamento jurídico não concede a dignidade, pois

esta é inerente ao ser humano, mas reconhece-a e compromete-se a promovê-

la e protegê-la.

Dessa maneira, a dignidade da pessoa humana não é o único parâmetro de

interpretação e sequer pode ser considerado absoluto, mas, por força de sua

proeminência axiológica-normativa, deve ser considerada a principal fonte da

hermenêutica constitucional.

Resumo

Assim, para uma correta interpretação do texto, é necessário que o intérprete

conheça todo o sistema constitucional e a realidade histórica e cultural em que

está inserido, bem como, é essencial a leitura sistemática de todo o

ordenamento jurídico.

O princípio da dignidade da pessoa humana é, portanto, um princípio

fundamental do sistema constitucional brasileiro, que confere racionalidade ao

ordenamento jurídico e fornece ao intérprete uma pauta valorativa essencial ao

correto entendimento e aplicação da norma.

Trata-se, portanto, de uma valor-guia de toda a ordem jurídica, sendo que o

caráter instrumental desse princípio evidencia-se na possibilidade de ser

utilizado como parâmetro objetivo de aplicação, interpretação e integração de

todo o sistema jurídico.

O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula aberta, de

contornos ambíguos, que respalda o surgimento de novos direitos (não

expressos, mas implícitos na Constituição Federal) e, por isso, necessita de

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 87

constante concretização e delimitação pela práxis constitucional. Assim, deverá

o intérprete trabalhar com a noção de que se trata de qualidade inerente a todo

e qualquer ser humano, e com a perspectiva em que se reconhece a existência

de uma pauta de valores constitucionais (reflexos da história da sociedade) em

cujo centro está inafastável e inderrogável, a dignidade da pessoa humana.

Constituição Federal de 1988

Será que analisando as relações privadas você consegue identificar situações

em que o princípio da dignidade da pessoa humana se evidencia? Veja:

Nas aulas anteriores, vimos que a Constituição Federal de 1988 elevou à

categoria de direitos constitucionais temas que antes eram considerados

problemas exclusivos do Direito Privado. Com isso, o Direito Civil deixa de ser o

‘locus’ privilegiado do indivíduo para se aproximar agora do Direito

Constitucional.

Esse movimento de constitucionalização do Direito Civil impulsionou o

desenvolvimento do Direito Civil Constitucional, “fruto do processo de elevação

ao plano constitucional dos princípios fundamentais do Direito Civil, que passam

a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da

legislação infraconstitucional” (LÔBO, 1999, p. 100).

Portanto, além da aplicação vertical da Constituição Federal às relações

privadas, torna-se também possível a aplicação horizontal dos princípios e

direitos constitucionais (considerados autoaplicáveis), sendo a Constituição o

filtro axiológico de toda e qualquer interpretação das relações civis, acolhendo-

se, assim, a ideia de unidade do ordenamento. Por isso, Gustavo Tepedino

(2009, p. 27) afirma que “o Código Civil passa a ser o que a ordem pública

constitucional permite que possa sê-lo”, devendo, dessa forma, ser sempre

interpretado de acordo com as normas constitucionais, colocando-se a pessoa e

sua dignidade como centro de toda tutela.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 88

Princípio, valor e regra

Entendido o movimento de constitucionalização do Direito Privado e a

centralização do sistema na Constituição Federal, tendo por pressuposto o

valor-fonte dignidade da pessoa humana, vamos agora estudar alguns

princípios constitucionais de Direito Privado que serão importantes para as

próximas aulas.

Antes de iniciarmos, vale lembrar a diferença entre princípio, valor e regra.

Princípios

Os princípios constituem expressão dos valores fundamentais que informam o

sistema jurídico, conferindo harmonia e unidade às normas que o compõem.

Valores

Se é verdade que os valores são dotados de menor normatividade que os

princípios...

Regras

...não se pode negar que as regras possam também ser utilizadas como fontes

de interpretação, ainda que de forma mediata ou reflexa, principalmente

quando se procede à análise de situações concretas.

O sistema constitucional constitui instrumento de realização de valores

reconhecidos pela sociedade, e este caráter instrumental do sistema jurídico

constitucional permite que valores, como a dignidade da pessoa humana,

ganhem, ao menos indiretamente, certo grau de normatividade. Nesse sentido,

Cármen Lúcia Antunes Rocha, citada por Flademir Jerônimo Belinati Martins

(2003, p. 57), ensina que os princípios constitucionais são os conteúdos

intelectivos dos valores superiores adotados em dada sociedade política,

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 89

materializados e formalizados juridicamente para produzir uma regulação

política no Estado. Aqueles valores superiores encarnam-se nos princípios que

formam a própria essência do sistema constitucional, dotando-o, assim, para

cumprimento de suas funções de normatividade jurídica. A sua opção ético-

social antecede a sua caracterização normativo-jurídica. Quanto mais coerência

guardar a principiologia constitucional com aquela opção, mais legítimo será o

sistema jurídico e melhores condições de ter efetividade jurídica e social.

Valores

Valores constitucionais possuem três funções:

1

Fundamento do ordenamento jurídico e informador do sistema jurídico-político.

2

Orientador dos fins a serem perseguidos na execução de atos públicos ou

particulares.

3

Crítica de fatos ou condutas.

Os valores constitucionais, como diretivas gerais que são, constituem o

contexto axiológico-fundamentador da interpretação do ordenamento jurídico e,

desse entendimento, não se afasta o papel jurídico-constitucional atribuído à

dignidade da pessoa humana, ainda que tal previsão possa ser apenas implícita

ou indireta.

Princípios

São normas dispostas em linguagem normativa (deôntica) e que não

determinam expressamente as condições que tornam sua aplicação necessária.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 90

Estabelecem um fundamento que marcam uma direção ao intérprete e,

conforme ensina Antonio Enrique Pérez Luño (1999, p. 292), diference-se dos

valores por apresentarem um maior grau de concreção e especificação do que

estes, sendo capazes de ser fonte imediata e direta de soluções jurídicas.

Os princípios, portanto, possuem grande significado hermenêutico (são

mandados de otimização, ou seja, “dever-ser”) e atuam como fontes do direito

ou determinações de valor, recebendo especial orientação daqueles valores que

concretizam. São, assim, vinculantes e dotados de plena juridicidade. O

princípio da dignidade da pessoa humana possui inquestionável componente

axiológico-normativo e, por isso, a doutrina, de maneira geral, ao se referir a

ele, o faz sem distinguir princípio ou valor.

Regras

Regras são espécies de normas jurídicas que possuem um suporte fático-

hipotético mais fechado e limitado do que os princípios. As regras são aplicadas

pela técnica de subsunção, ou seja, na forma do tudo ou nada (ou o fato se

enquadra na hipótese descrita na lei, ou a norma a ele não se aplica).

Diferente dos princípios que se apresentam mais amplos e abertos, podendo

apontar para várias soluções, as regras, por serem fechadas, apresentam

soluções mais limitadas. Enquanto os princípios admitem ponderação, as regras

não a permitem.

De qualquer forma, independente se princípio, regra ou valor, sendo

constitucional, deverão ser obrigatoriamente observados na análise das

relações privadas, independente de estarem contemplados no Código Civil ou

não.

A partir dessas diferenças, passamos agora à análise de alguns princípios

constitucionais que tiveram grande impacto no Direito Civil brasileiro.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 91

Mínimo existencial (patrimônio mínimo)

Não se trata de princípio expresso na Constituição Federal, mas que pode ser

deduzido da própria dignidade da pessoa humana. Ensina Luiz Edson FACHIN

(2008, p. 271-281) que “’mínimo’ e ‘máximo’ podem não ser duas espécies do

gênero ‘extremo’. São as barreiras que fixam a essência de cada coisa e

delimitam o seu poder e as propriedades. A sustentação do mínimo não

quantifica nem qualifica o objeto. [...]. É de equilíbrio que se vale este texto. De

uma quantidade suscetível de diferentes grandezas ou de uma grandeza

suscetível de vários estados, em que o mínimo não seja o valor menor, ou o

menor possível, e o máximo não seja necessariamente o valor maior, ou o

maior possível. Próximos ou distintos, os conceitos jurídicos e as categorias não

jurídicas podem dialogar. [...]. É um conceito apto à construção do razoável e

do justo ao caso concreto, aberto, plural e poroso ao mundo contemporâneo.”

Por isso, quando se fala do núcleo mínimo referente ao princípio da dignidade

da pessoa humana, além da saúde, também compõem o seu conteúdo: a

educação, a assistência aos desamparados e o acesso à Justiça. Não há

dúvidas, então, de que o mínimo existencial também se aplica às relações

privadas e, embora se possa afirmar que o conteúdo do que é vida digna é

subjetivo, apreciando-se o contexto em que ela é exercida, pode-se observar e

apurar características objetivas.

Princípio da Solidariedade (solidarismo ou socialidade)

Decorre dos valores éticos previstos recebidos pelo ordenamento jurídico. A

solidariedade, segundo Paulo Luiz Netto Lôbo, “significa um vínculo de

sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que compele à

oferta de ajuda, apoiando-se em uma mínima similitude de certos interesses e

objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade”. É

princípio que impõe o atuar responsável em relação ao próximo, ou seja, cada

um é responsável pela existência social do outro. Trata-se de impor a

harmonização entre interesses individuais e interesses coletivos ou sociais,

realizando-se uma verdadeira igualdade social. No âmbito civil, pode ser

verificada na imposição de tutela especial às crianças, adolescentes, idosos e

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 92

pessoas portadoras de necessidades especiais; às relações decorrentes de

parentesco e de afetividade; à proteção especial conferida ao consumidor

(vulnerável).

Princípio da Igualdade

Trata-se, aqui, de igualdade material e igualdade formal, estabelecendo-se a

todos o direito ao mesmo tratamento legal (tratar igualmente os iguais e

desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades). É princípio que

veda as distinções arbitrárias, o tratamento injustificadamente desigual, sejam

decorrentes da própria lei ou da aplicação desta. Admitem-se, no entanto, as

discriminações positivas, ou seja, os tratamentos diferenciados que compensem

desigualdades sociais, econômicas e culturais, assegurando-se a igualdade

material. Pode ser observado na determinação da igualdade entre os gêneros;

da proibição de qualificações diferentes aos filhos; desaparecimento das

relações familiares hierarquizadas entre os cônjuges e companheiros.

Intimamente ligado ao princípio da igualdade, encontra-se o princípio da justiça

distributiva, que se traduz na máxima “dar a cada um o que é seu”.

Princípio da Liberdade

Refere-se ao livre poder de escolha ou, simplesmente, à autonomia e

decorrente do próprio princípio do pluralismo democrático. Zulmar FACHIN

(2012, p. 261) explica que “a liberdade negativa, tomada no sentido político,

significa ausência de impedimento ou de constrangimentos, uma situação na

qual um sujeito tem a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir

sem ser obrigado por outros sujeitos. A liberdade positiva, tomada em sentido

político, deve ser entendida como a situação na qual um sujeito tem a

possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de uma finalidade, de

tomar decisões sem ser determinado pelo querer dos outros. Essa forma de

liberdade é também chamada de autodeterminação ou, ainda mais

propriamente, de autonomia”.

Evidente não se tratar de princípio absoluto, porque encontrará limites em

outros princípios ou regras constitucionais. Pode ser verficado no direito ao livre

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 93

planejamento familiar; na liberdade de contratar; na liberdade de escolher a

forma de constituição de família; na liberdade de definição dos modelos

educacionais; na liberdade de escolha religiosa...

Princípio da Função Social

“Em latim, a palavra ‘functio’ é derivada do verbo ‘fungor’ (‘functus sem’, fungi),

cujo significado é de cumprir algo, desempenhar uma tarefa, ou seja, cumprir

uma finalidade, funcionalizar” (Guilherme CALMON, 2008. p. 4). No

ordenamento constitucional, trata-se de princípio de conteúdo aberto, que

deverá ser analisado no caso concreto com base em valores éticos, sociais e

econômicos.

Portanto, falar em função social é impor a determinados institutos e categorias

que desempenhem um fim social, estando, assim, intimamente ligada ao

princípio da solidariedade. Compreende não só um limite externo a direitos

subjetivos, mas é destes parte integrante, desempenhando, assim, dupla

função: a) instrumento coativo ao aproveitamento do objeto; b) imposição de

sanções pelo não aproveitamento do objeto.

Pode ser verificada na expressa previsão da função social da propriedade (que

conduz também à função social dos contratos e da empresa); função social da

família. Esse conjunto de princípios gerais constitucionais influenciaram de

forma determinante todo o Direito Privado, como veremos nas próximas aulas.

Atividade proposta

Assista ao vídeo a seguir, cuja discussão trazida por este episódio de Justice (da

Harvard University), opõe-se utilitarismo e personalismo. Em linhas bastante

genéricas, o utilitarismo se resume na máxima “os fins justificam os meios”,

enquanto o personalismo coloca como centro de toda a atuação a pessoa,

limitando, dessa forma, os meios para se alcançar determinados fins.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 94

Com base no que você estudou nesta aula e nas discussões constantes no

vídeo, é possível afirmar que há no Brasil um direito absoluto à liberdade? Você

seria capaz de identificar na codificação ou na legislação civil princípios que

confirmem ou neguem sua resposta?

Chave de resposta: Não há um direito absoluto à liberdade, embora seja ela

um direito fundamental. O direito à liberdade é limitado no Brasil pelo princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana, fonte de todo o ordenamento.

Portanto, parece ter optado o legislador brasileiro pelo personalismo.

As discussões com relação à liberdade e a intervenção do Poder Público na

esfera privada voltaram ao centro das atenções em maio/junho de 2014 com a

aprovação do Projeto de Lei nº 58/2014 (conhecido como Lei da Palmada).

Trata-se de lei que limita a liberdade dos pais com relação aos direitos e

deveres decorrentes do exercício do poder familiar, criminalizando o castigo

físico e psicológico. Os defensores da lei invocam a proteção da dignidade da

criança e do adolescente, enquanto os opositores defendem a liberdade de

educar conforme seus próprios preceitos de moralidade. Reflita sobre o assunto

e tome um posicionamento jurídico sobre ele: você concorda com a limitação?

Material complementar

Para saber mais sobre o princípio da dignidade humana e o direito

privado, leia os artigos e matérias disponíveis em nossa biblioteca

virtual.

Referências

BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 11.ed. São Paulo:

Malheiros, 2001.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 95

DELGADO, Mário Luiz. Codificação, descodificação e recodificação do

direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.

DUQUE, Marcelo Schenk. Direito privado e constituição. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2013.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2012.

______. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar,

2008.

FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 5a ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2012.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord.). Função social no direito civil.

2.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. In: Revista

de Informação Legislativa. Brasília, n. 141, jan./mar. 1999. Disponível em:

http://olibat.com.br/documentos/Constitucionalizacao%20Paulo%20Lobo.pdf

Acesso em: 26 ago. 2014.

MARTINS, Flademir J. B. Dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá,

2003.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 2. ed.

rev. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

Exercícios de fixação

Questão 1

Assinale a alternativa correta:

I. O Direito Civil clássico foi construído sobre três pilares considerados estáticos:

família, contrato e propriedade.

II. A família prevista no Código Civil vigente corresponde aos arranjos familiares

presentes na sociedade brasileira atual.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 96

III. O Direito não é considerado um fenômeno social. Por isso, deve o Direito

Civil preocupar-se apenas com categorias e institutos jurídicos.

IV. Para adequar o Direito Civil brasileiro à nova realidade social, basta a

revisão de conceitos e significados clássicos, como os próprios conceitos de

família, propriedade e contrato.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa I

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 2

Sobre a dignidade da pessoa humana, é correto afirmar que:

I. É fonte apenas do Direito Constitucional, não influenciando os demais ramos

do Direito.

II. Não é prevista expressamente na Constituição Federal, sendo apenas fruto

da interpretação teleológica da Constituição Federal.

III. A dignidade da pessoa humana consagrada constitucionalmente obriga que

o Estado reconheça que ele existe em função da pessoa e não o contrário.

IV. A previsão constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana não

permite concluir ser a pessoa o centro de todo o ordenamento, devendo o

Estado trabalhar apenas em prol de coletividades e não do indivíduo.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa III

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 97

Questão 3

Analise as assertivas adiante:

I. O reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana pelo

Constituinte de 1988 representa uma declaração apenas de conteúdo ético.

II. A dignidade da pessoa humana no ordenamento brasileiro é mera

manifestação do Direito Natural.

III. A dignidade da pessoa humana não é o único parâmetro de interpretação,

mas deve ser considerada a principal fonte da hermenêutica civil-constitucional.

IV. O princípio da dignidade da pessoa humana fornece ao intérprete do Direito

uma pauta valorativa essencial ao correto entendimento e aplicação da norma.

a) As assertivas I e II estão corretas

b) As assertivas II e III estão corretas

c) As assertivas I e IV estão corretas

d) As assertivas III e IV estão corretas

Questão 4

Certo ou errado? O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula

aberta de contornos perfeitamente delimitados pela própria Constituição

Federal, que não deixa espaço ao intérprete.

a) Certo

b) Errado

Questão 5

É situação privada que afronta o princípio da dignidade da pessoa humana:

a) O pai que castigar fisicamente uma criança para ensinar-lhe a se

comportar.

b) Exercer igualmente a direção da sociedade conjugal.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 98

c) Agir com probidade e boa-fé em todas as fases da relação contratual.

d) Reconhecer a união homoafetiva como forma de constituição de família.

Questão 6

Certo ou errado? O princípio da autonomia privada para a realização de

negócios jurídicos se fundamenta no valor da liberdade, embora possa este

possa estar limitado por normas de ordem pública e natureza cogente.

a) Certo

b) Errado

Questão 7

Assinale a alternativa correta:

I. Regras constitucionais só podem ser aplicadas às relações civis se tiverem

sido expressamente repetidas pelo Código Civil.

II. A constitucionalização do Direito Civil corresponde ao processo de elevação

ao plano constitucional de categorias e institutos que antes eram considerados

problemas apenas do Direito Privado.

III. Na análise das relações privadas, aplica-se subsidiariamente a Constituição

Federal.

IV. A centralização de todo ordenamento civil na Constituição Federal tem por

pressuposto a proteção do patrimônio.

a) Está correta a opção II

b) Estão corretas II e III

c) Estão corretas III e IV

d) Estão corretas I, II e III

Questão 8

Sobre a diferença entre princípios, regras e valores é correto afirmar:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 99

a) Princípios são mandados de definição com tipicidade fechada e

generalidade.

b) Regras são mandados de otimização que se aplicam na forma do tudo ou

nada e, por isso, possuem tipicidade aberta.

c) Valores têm menor normatividade que princípios, mas isso não significa

que não tenham a mesma relevância, podendo ser aplicados como

fontes de interpretação.

Questão 9

Analise as assertivas adiante:

I. Pelo princípio da solidariedade, opõe-se a obrigação de prestar alimentos.

II. Em virtude do princípio da igualdade, manteve-se a distinção entre homem e

mulher na condução da sociedade conjugal, concentrando-se a direção familiar

nas mãos do homem.

III. Em virtude do princípio da liberdade, entende-se ser absoluta a autonomia

privada nas relações contratuais.

IV. Em virtude da função social, reconhece-se o direito à desapropriação de

terras.

a) Estão corretos os itens I e II

b) Estão corretos os itens III e IV

c) Estão corretos os itens I e III

d) Estão corretos os itens II e IV

Questão 10

São princípios constitucionais que se aplicam às relações privadas, exceto:

a) Princípio da igualdade

b) Independência de poderes

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 100

c) Mínimo existencial e dignidade da pessoa humana

d) Princípio da liberdade

Emancipação: Significa o ato de tornar livre ou independente. O termo é

aplicado em muitos contextos como emancipação de menor, emancipação da

mulher, emancipação política, etc.

Aula 4

Exercícios de fixação

Questão 1 - B

Justificativa: A família prevista no CC/02 não dá conta dos novos arranjos

familiares, como, por exemplo, as uniões e casamentos homoafetivos. O Direito

é um fenômeno social e, por isso, as transformações sociais também devem ser

consideradas fontes de Direito. Para adequar o Direito Civil às novas realidades

sociais, não basta revisar conceitos e significados clássicos, é preciso superar o

modelo clássico tecnicista.

Questão 2 - B

Justificativa: A dignidade da pessoa humana, expressamente prevista no art.

1o, III, CF, é valor-fonte de todo o ordenamento jurídico brasileiro,

reconhecendo-se a pessoa o centro de proteção e de atuação do Estado.

Questão 3 - D

Justificativa: O reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana

pelo Constituinte de 1988 não representa uma declaração apenas de conteúdo

ético, mas constitui uma norma jurídico-positiva constitucional, sendo, portanto,

muito mais do que mera manifestação do Direito Natural.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 101

Questão 4 - B

Justificativa: O princípio da dignidade da pessoa humana é uma cláusula

aberta, cujos contornos não estão delineados na CF/88, deixando-se ao

intérprete amplo espaço de atuação.

Questão 5 - A

Justificativa: Embora educar o filho seja um dever decorrente do poder familiar,

entende-se que o castigo físico é uma forma de agressão à dignidade da

criança.

Questão 6 - A

Justificativa: A questão trabalha a diferença entre princípio (mandado de

otimização) e valor.

Questão 7 - A

Justificativa: Regras, princípios e valores constitucionais são sempre aplicáveis

às relações privadas, independente de estarem previstos expressamente no

Código Civil. Os princípios, regras e valores previstos na Constituição Federal

devem ser aplicados vertical e horizontalmente, e não apenas subsidiariamente.

A centralização na Constituição Federal tem por pressuposto a dignidade da

pessoa humana.

Questão 8 - C

Justificativa: Princípios são mandados de otimização com tipicidade aberta e

generalidade, e regras são mandados de definição com tipicidade fechada e

descrição de condutas. O princípio da dignidade da pessoa humana possui

normatividade, embora seja também considerado um valor.

Questão 9 - D

Justificativa: O princípio da igualdade veda qualquer tipo de diferenciação na

direção da sociedade conjugal. Além disso, não é absoluto e, por isso, a

autonomia contratual pode ser limitada por outras normas.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 102

Questão 10 - B

Justificativa: A independência entre os poderes em nada se associa às relações

privadas.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 103

Introdução

Sabe-se que a Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas para o

Direito de Família brasileiro, determinando-se o fim jurídico das famílias

patriarcais, hierarquizadas e dirigidas pelo homem (“cabeça do casal”).

O novo modelo familiar é informado pela dignidade da pessoa humana, pela

igualdade entre seus membros e pelo solidarismo, princípios cujas concepções

gerais você estudou na aula anterior.

Nesta aula, serão estudados os princípios gerais de Direito de Família, princípios

de ordem constitucional que servirão para fundamentar as discussões dos

módulos:

Desafios da Família na Contemporaneidade e Tópicos Avançados de Direito

Sucessório.

Objetivo:

1. Compreender os reflexos dos princípios constitucionais gerais de Direito de

Família.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 104

Conteúdo

Sistema igualitário e solidário

Você já sabe: a Constituição Federal de 1988 é considerada um divisor de

águas do Direito de Família brasileiro. Definiu ela o fim jurídico do sistema

patriarcal de família, determinando a adoção de um sistema igualitário e

solidário. É esse novo sistema que iremos estudar agora, por meio de seus

principais princípios.

Censo 2010 (IBGE)

O último Censo 2010 (IBGE) revela a atual constituição da família brasileira. A

pesquisa demonstra o aumento da participação da mulher no mercado de

trabalho, o que leva também à mudança nas relações familiares. O gráfico

adiante resume essa nova realidade:

Legenda: 54,9% Das famílias do Brasil são formadas por casais com filhos

16,3% Desses grupos – Os filhos são sód e um dos parceiros ou de ambos em relacionamentos anteriores,

um indicativo de aumento das uniões reconstituídas.

37,3% das mulheres são responsáveis pelas famílias e 62,7% dos lares. O rendimento delas ajuda no

sustento da casa.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 105

Fonte do quadro: <http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-nova-familia-brasileira-

ibge#Segue%20texto>.

As mulheres tem cada vez menos filhos sendo 1,9 por muher. E engravidam mais tarde, aos 26,8 anos de

idade.

Princípio da paternidade (ou parentalidade) responsável (art. 226,

§ 7º, CF)

Alguns autores afirmam que o constituinte, ao adotar a expressão paternidade

responsável, teria sido influenciado erroneamente pela tradução da expressão

parental responsability, que no Direito inglês tem significado distinto.

Certo é que o termo paternidade utilizado no art. 226, § 7º, CF, foi adotado em

seu sentido amplo, ou seja, refere-se tanto à paternidade em sentido estrito,

quanto à maternidade.

Trata-se de impor aos genitores responsabilidade individual e social

com relação aos filhos, priorizando-se a criação, educação, o bem-estar

(físico e psíquico) e convívio familiar.

Princípio da liberdade restrita e da beneficência

Trata-se de princípio com dupla função:

preventiva:

informação, ensino e educação das pessoas a respeito dos métodos, recursos e

técnicas para o exercício dos direitos reprodutivos e sexuais;

promocional:

emprego de recursos e conhecimentos científicos para que as pessoas possam

exercer seus direitos reprodutivos e sexuais (CALMON, 2008, p. 78-79).

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 106

Entende-se, dessa forma, que o planejamento familiar é livre (Lei n. 9.263/96),

mas impõe a obrigatoriedade de observação da parentalidade responsável e

dignidade da pessoa humana.

Não se trata, portanto, de ter liberdade sexual, de se escolher quando, como e

com quem serão gerados os filhos, mas de se ter plena responsabilidade com a

prole que está sendo gerada, sendo, dessa forma, responsabilidade do casal e

não do Estado o sustento, o desenvolvimento e a educação da prole.

Princípio da solidariedade familiar

Trata-se de princípio que impõe deveres à família tanto como ente coletivo,

quanto aos seus membros individualmente considerados. Paulo Lôbo (2009, p.

331-332) afirma que “o princípio da solidariedade, no plano das famílias,

apresenta duas dimensões:

1

a primeira, no âmbito interno das relações familiares, em razão do respeito

recíproco e dos deveres de cooperação entre seus membros;

2

a segunda, nas relações do grupo familiar com a comunidade, com as demais

pessoas e com o meio ambiente em que vive”.

É em virtude deste princípio que algumas normas se impuseram no Direito Civil,

entre elas, destacam-se:

Responsabilidade objetiva dos pais por atos dos filhos menores (art. 932, I,

CC).

Comunhão de vida instituída pela família (art. 1513, CC).

Adoção como resultante do sentimento de solidariedade.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 107

Poder familiar reconhecido como um múnus (art. 1630, CC).

Mútua assistência entre cônjuges e companheiros (arts. 1.566 e 1.724, CC).

Dever de prestar alimentos (art. 1.694, CC).

Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (art.

227, CF)

É princípio que decorre da doutrina da proteção integral, bem como da doutrina

dos Direitos Humanos, que não só orienta o livre planejamento familiar, mas

tem alcance muito mais amplo. Veja:

Trata-se de diretriz de observação obrigatória que impõe a defesa da criança e

adolescente em qualquer que seja a relação social. Durante a vigência da

sociedade patriarcal, os filhos (enquanto crianças e adolescentes) eram

considerados meros objetos de direito, sendo os poderes com relação a eles

concentrados especialmente nas mãos do pai.

A Constituição Federal de 1988 determina que não só crianças e adolescentes

sejam considerados sujeitos de direitos, como se lhes reconhece proteção

especial em virtude da sua condição de vulnerabilidade. Confere-se absoluta

proteção e prioridade à criança e ao adolescente com relação aos demais

membros da família, justamente por ser considerado um ser em processo de

desenvolvimento físico, moral e psíquico.

É princípio que determinou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente

(Lei n. 8.069/90), que não só dirige a sua proteção à criança e ao adolescente,

mas também determina a proteção do nascituro.

Trata-se de diretriz de observação obrigatória que impõe a defesa da criança e

adolescente em qualquer que seja a relação social. Durante a vigência da

sociedade patriarcal, os filhos (enquanto crianças e adolescentes) eram

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 108

considerados meros objetos de direito, sendo os poderes com relação a eles

concentrados especialmente nas mãos do pai.

Princípio da afetividade

Embora não seja um princípio constitucional expresso, pode ser extraído dos

arts. 226, §§ 3º e 6º; 227, caput e § 1º CF, que determina a todas as relações

familiares a affectio.

A afeição exige estabilidade das relações familiares, impondo a

afetividade como sentimento que deve prevalecer sobre elementos materiais,

jurídicos e, principalmente, materiais ou biológicos.

Tal é a importância desse princípio que Paulo Lôbo (p. 47) chega a diferenciar o

princípio da afetividade do afeto, explicando ser aquele um dever dos pais em

relação aos filhos e vice-versa e este um elemento subjetivo, psicológico.

Afirma o autor que ainda que não haja afeição, o dever se impõe. Já nas

relações entre cônjuges e entre companheiros, o princípio se impõe enquanto

houver afetividade, elemento estruturante do casamento e da união estável.

Extinto o afeto, extinto o princípio.

Assim: Na relação paterno-filial o princípio aparece, por exemplo, no art. 1.593,

CC, estabelecendo que o parentesco civil (decorrente, por exemplo, da adoção

e da posse do estado de filhos) tem por fundamento a relação de afeto (por

isso, se diz paternidade socioafetiva).

No casamento, é princípio que pode ser observado no art. 1511, CC, que afirma

que a finalidade do casamento é a constituição de comunhão plena de vida

(cláusula aberta), que existirá enquanto afeto entre os cônjuges houver.

No Estatuto da Criança e do Adolescente aparece, por exemplo, no art. 28,

§2º., que estabelece a noção de família extensa, impondo que na apreciação de

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 109

pedido de colocação do menor em família substituta deva ser apreciado

primeiramente o grau de parentesco e a relação de afinidade e afetividade.

Princípio do pluralismo das entidades familiares

Embora a Constituição Federal de 1988 reconheça expressamente apenas o

casamento, a união estável entre pessoas de diferentes sexos e a família

monoparental (constituída por dois genitores e sua prole), fato é que doutrina,

bem como, STF e STJ entendem que essa enumeração não é taxativa, mas sim,

meramente enunciativa.

Ao assim interpretar a Constituição Federal, o STF reconheceu a união estável

entre pessoas do mesmo sexo (ADPF 132/RJ e ADI 4.277/DF – julgadas em

maio de 2011 e Resolução n. 175/2013, CNJ) e o STJ (Resp n. 1183378/RS)

autorizou a habilitação para o casamento de pessoas do mesmo sexo.

Trata-se, portanto, de princípio que decorre do pluralismo democrático previsto

no art. 1º, V, CF, que permite a cada pessoa escolher o modelo de entidade

familiar que pretende constituir.

Princípio da convivência familiar (art. 227, caput, CF)

Estabelece que, especialmente, crianças e adolescentes têm direito à

convivência diária e duradoura com os integrantes de sua família, conferindo-

lhe também direito ao espaço físico (lar).

Com base nesse princípio, reconhece-se como direito da criança e do

adolescente o direito de visitação não apenas do genitor que não detém a

guarda, mas também, dos avós.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 110

Princípio da igualdade nas relações conjugais e união estável (art.

226, §5º, CF)

É princípio que decorre diretamente do princípio da igualdade entre homem e

mulher estabelecido no art. 5º, I, CF. Impõe tratamento igualitário, vedando-se

tratamentos desiguais injustificadamente.

Casamento

Portanto, com relação ao desempenho de papéis decorrentes do casamento ou

da união estável, as funções entre homem e mulher devem ser igualitariamente

distribuídas e atribuídas, o que leva, também, à equiparação de direitos e

deveres entre homens e mulheres nas relações matrimoniais e de

companheirismo.

Princípio

Desse princípio decorrem, entre outros:

A possibilidade de qualquer dos cônjuges (art. 1.565, CC) ou

companheiro acrescer o sobrenome do outro.

• A direção da sociedade conjugal e da união estável sendo exercida em

igualdade de condições (extingue-se o poder marital ou pátrio poder).

• A fixação do domicílio conjugal por ambos os cônjuges.

• Administração conjunta do bem de família instituído voluntariamente

(art. 1.720, CC).

• Igual responsabilidade na guarda, manutenção e educação dos filhos.

Igualdade

Fato é que, embora seja um direito e uma garantia constitucional, socialmente

ainda há muito a ser realizado para se atingir a igualdade material nas relações

familiares.

DIREITO CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE HOMENS E

MULHERES. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. FORO COMPETENTE. ART. 100, I

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 111

DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ART. 5º, I E ART. 226, § 5º DA CF/88.

RECEPÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. O inciso I do artigo 100 do Código de

Processo Civil, com redação dada pela lei 6.515/1977, foi recepcionado pela

Constituição Federal de 1988. O foro especial para a mulher nas ações de

separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende

o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os

cônjuges. Recurso extraordinário desprovido. (STF - RE: 227114 SP, Relator:

Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 22/11/2011, Segunda Turma,

Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-034 DIVULG 15-02-2012

PUBLIC 16-02-2012).

Princípio da igualdade entre os filhos (art. 227, §6º, CF)

A Constituição Federal veda qualquer tratamento diferenciado entre os filhos,

independente de sua origem ou do vínculo afetivo (in)existente. É princípio que

impõe a igualdade de qualificações entre os filhos (extinguindo-se as

discriminatórias divisões:

filhos legítimos e ilegítimos ou espúrios - estes ainda qualificados como

adulterinos e incestuosos) e, principalmente, estabelecendo-se a igualdade de

direitos decorrentes da filiação e da sucessão.

Princípio da não equiparação entre o casamento e o

companheirismo

Embora muitos autores se esforcem em apontar argumentos para estabelecer a

equiparação entre casamento e companheirismo, fato é que se tratam de

institutos diferentes que, embora possam se equiparar em alguns aspectos, não

se confundem.

A Constituição Federal os trata de maneira diferenciada, bem como, o Código

Civil mantém a distinção. Se distintos não o fossem, por que autorizar a

conversão da união estável em casamento?

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 112

Nesse sentido, ensina Guilherme Calmon (2008, p. 98) que “não se pode

concordar com posição doutrinária no sentido de que não se mostra justificável

que o Código Civil de 2002 tenha atribuído deveres distintos para cônjuges e

companheiros; a circunstância de não existir hierarquia entre as entidades

familiares não se confunde com equiparação dos conteúdos das relações

jurídicas fundadas no casamento e no companheirismo”.

Função social

Por tudo isso, pode-se afirmar ter a família função social, sendo, dessa forma,

considerada base do Estado e gozando de proteção especial (art. 226, CF),

fruto das transformações econômicas e sociais. Por função social da família

deve-se entender ser ela o centro de formação do indivíduo e de sua

personalidade.

Afirma Ricardo Alves de Lima (2013, p. 118) que reconhecer a função social da

família é entendê-la como “a primeira célula social, vocacionada, funcionalizada

pelo ordenamento jurídico para ser espaço de realização das pessoas que a

compõem. Funciona, assim, não como um princípio, mas para a plena

realização dos princípios já existentes, em suas cargas normativas e, sobretudo,

para a efetividade do fundamento maior da Constituição: a dignidade”.

Relações familiares

Serve a expressão “função social da família” para efetivamente demonstrar a

alteração funcional das relações familiares a partir da Constituição Federal de

1988, convertendo-se agora a família em espaço destinado à formação,

desenvolvimento e amparo aos seus membros.

Trata-se de lhe conferir uma base solidarista e igualitária reconhecendo-se a

sua importância para a formação e manutenção da sociedade.

Encerramento

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 113

A família deixa de ser um fim em si mesmo, sendo agora considerada um locus

privilegiado para o desenvolvimento da personalidade de cada um de seus

membros, tendo por base a dignidade, o afeto e a solidariedade. Vamos ver

como todos os princípios vêm aparecendo na jurisprudência:

Princípio da paternidade

TJ-RJ-APELAÇÃO APL 00285062220128190208 RJ 0028506-22.2012.8.19.0208

Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA. REVISÃO DE ALIMENTOS. Ação em que o

alimentante pretende a redução do encargo, fundado em alteração de sua

situação financeira. Nascimento de filha de segunda união que não enseja a

redução do pensionamento relativo à prole preexistente, mormente quando a

nova filha conta dois anos de idade e frequenta creche municipal. Aplicação do

princípio da paternidade responsável. Conjunto probatório pelo qual se verifica

possuir o alimentante outra fonte de renda além daquela por ele alegada.

Incomprovada a diminuição da capacidade financeira do recorrente.

Desprovimento do recurso. Data de publicação: 07/02/2014. APELAÇÃO CÍVEL -

FAMÍLIA - NASCIMENTO - REGISTRO CIVIL - RECONHECIMENTO DE

PATERNIDADE - SIMULAÇÃO - FALSIDADE -PATERNIDADE BIOLÓGICA -

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - ADOÇÃO DEVIDO PROCESSO - VÍNCULO

AFETIVO - INEXISTÊNCIA - EFEITOS - PATERNIDADE SOCIAL - ASSISTÊNCIA

MATERIAL - PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA -

PATERNIDADE RESPONSÁVEL - "ADOÇÃO À BRASILEIRA": CONSEQUÊNCIAS

PERSISTENTES.

1. É nulo o ato de reconhecimento de filiação alheia como própria, se

dolosamente simulada a declaração de paternidade. 2. Embora nulo o negócio

jurídico simulado, o que se dissimulou subsiste se válido no conteúdo e na

forma. 3. Processo e sentença proferida em ação de adoção são requisitos

formais de validade do ato de registro da paternidade socioafetiva. 4. O afeto é

elemento de consolidação da relação parental, mas sua ausência não a

descaracteriza. 5. Só a extinção do vínculo afetivo entre pais e filhos não os

exime das obrigações e direitos legais derivados do poder/dever familiar. 6.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 114

Ainda que não haja afeto, subsiste a relação de parentalidade social, fundada

nos princípios constitucionais da dignidade humana e da paternidade

responsável, orientados à preservação da família. 7. O dever de prestação de

alimentos é expressão da paternidade social de que se investe aquele que

voluntariamente reconheceu como próprio filho de outrem, ainda que ao

arrepio do devido processo ("adoção à brasileira"). V. V.P. APELAÇÃO CÍVEL.

FAMÍLIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. PATERNIDADE.

AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO CONFESSADO PELOS LITIGANTES.

DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DE INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO

SOCIOAFETIVO. RECURSO DESPROVIDO. I - Sabendo-se que o registro público

goza de presunção "juris tantum" de veracidade, sua desconstituição é

perfeitamente possível. II - Comprovada a inserção da paternidade no

assentamento civil mediante alegação de falso (inveracidade da declaração do

perfilhante), justificável a relativização da irrevogabilidade do reconhecimento

preconizada no art. 1.610 do CCB/2002, como autorizam os arts. 1.604 e 1.608,

ambos também do CCB/2002. III - Se as partes não controvertem quanto à

inexistência da paternidade biológica e se revelado inequivocamente nos autos

a inexistência da paternidade socioafetiva, inexorável concluir que o

assentamento civil que a estampa não prestigia a verdade real, o que suficiente

a seu desfazimento. (TJ-MG - AC: 10362100016314001 MG, Relator: Peixoto

Henriques, Data de Julgamento: 28/01/2014, Câmaras Cíveis/ 7ª CÂMARA

CÍVEL, Data de Publicação: 07/02/2014)

É em virtude desse princípio que, por exemplo, o Código Civil prevê as causas

de destituição do poder familiar - art. 1638, CC c/c art. 155 e ss., ECA.

TJ-PR - 9072068 PR 907206-8 (Acórdão) Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. GENITORES QUE NÃO OSTENTAM

CONDIÇÕES DE EXERCER A MATERNIDADE/PATERNIDADE DE FORMA

RESPONSÁVEL. CONTEXTO PROBATÓRIO CONCLUSIVO. APLICAÇÃO DO

PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE E DA PROTEÇÃO INTEGRAL. ART. 3º DA

CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA E ART. 1º

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 115

DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO CONHECIDO E

NÃO PROVIDO. Data de publicação: 22/08/2012.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. ESTATUTO

DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ESTUDO SOCIAL A RATIFICAR A

NECESSIDADE DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. Verificado que a

apelante não apresenta condições psicológicas de cumprir com os deveres

decorrentes da maternidade, é de ser destituído o poder familiar, confirmada a

sentença do Juízo a quo. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº

70059564310, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge

Luís Dall'Agnol, Julgado em 11/06/2014) (TJ-RS - AC: 70059564310 RS,

Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 11/06/2014, Sétima

Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/06/2014).

Princípio da liberdade restrita e da beneficência

TRF-2 - APELAÇÃO CÍVEL AC 398948 RJ 2005.51.01.004958-3 (TRF-2) Ementa:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ART. 226 DA CF E LEI Nº 9.263 /96.

DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL.

TRATAMENTO. DIREITO SUBJETIVO CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA.

URGÊNCIA. INOCORRÊNCIA. I - A norma constitucional que cuida do

planejamento familiar (art. 226, da CF), bem como a Lei nº 9.263 /96, que o

regula em nível infraconstitucional, determinam o respeito à liberdade de

decisão do casal acerca da prole e, abarcados nessa seara, o dever estatal de

propiciar recursos (educacionais e científicos) para o exercício desse direito,

assim como, por consectário lógico, a vedação de qualquer mecanismo

coercitivo por parte das instituições oficiais ou privadas que impeçam a

implementação do planejamento familiar. II - Nessa esfera de respeito e

garantia à liberdade de planejamento familiar assegurados constitucionalmente,

que se insere o dever estatal (educacional e científico) previsto no tratamento

normativo. Não se olvida que ao Estado incumbe, em seu papel solidarista e

humanista, dispensar a assistência necessária ao exercício do direito de

planejamento familiar, inserida nesse contexto a assistência à concepção e à

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 116

contracepção. Tal dever de assistência, todavia, não inclui nem autoriza direito

subjetivo constitucional à reprodução in vitro. III - Não se vislumbra

imprescindibilidade à saúde da Autora do tratamento pleiteado (inseminação

artificial), de forma a comprometer a sua integridade física, não obstante

respeitar-se a louvável pretensão deduzida, a maternidade. Data de publicação:

24/07/2007.

TJ-SP - Apelação APL 4730799820108260000 SP 0473079-98.2010.8.26.0000

(TJ-SP) Ementa: MEDICAMENTO. Disponibilização de tratamento gratuito para

a reprodução assistida pela rede pública de saúde. Não fornecimento de

medicamentos prescritos para o tratamento. Dever de ponderação entre o

direito ao planejamento familiar e o direito à vida. Aplicação, no presente caso,

do princípio da reserva do possível. Recurso improvido. Encontrado em: 7ª

Câmara de Direito Público 04/07/2011 - 4/7/2011 Apelação APL

4730799820108260000 SP 0473079-98.2010.8.26.0000 (TJ-SP) Moacir Peres.

Data de publicação: 04/07/2011 TJ-SC - Inteiro Teor. Apelação Cível: AC

20120530555 SC 2012.053055-5 Decisão: do planejamento familiar de forma

conjugada com os princípios da paternidade responsável... ao planejamento

familiar, tendo alcance bem mais amplo. Não se trata de mera recomendação

ética,... Familiar. Sentença de procedência. Insurgência da genitora, sob o

argumento de desejar mais uma chance... mudar de vida e para se adaptar aos

deveres decorrentes da maternagem. Evidência de maus tratos reiteirados e de

subnutrição, além de outras condutas incompatíveis com o munus. Infantes

que, além de sofrerem abuso físico por parte da mãe e de outros parentes

maternos, padecem diante da falta de condições básicas de saúde e higiene.

Crianças que apresentam severas cicatrizes de surras e castigos imoderados,

escabiose, pediculose e outras condições, características do abandono do qual

são vítimas. Circunstâncias aviltantes da especial dignidade do ser em

formação. Direito à infância plena que deve prevalecer, a despeito do desejo

materno de recuperar os filhos. Princípio do melhor interesse da criança

observado. Menores que se encontram já colocados, e bem adaptados, em

família substituta, visando à adoção. Recurso conhecido e desprovido. Data de

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 117

publicação: 29/08/2012.

Embora alguns julgados tenham negado o direito às técnicas de reprodução

humana assistida, fato é que o Estado reconheceu o acesso a essas técnicas

como direito fundamental intimamente ligado ao livre planejamento familiar.

Por isso, com base nesse princípio que, por exemplo, introduziu-se a pílula do

dia seguinte no Sistema Único de Saúde ou se garantiu acesso às técnicas de

reprodução humana assistida também pelo SUS (Portaria n. 3.149/2012).

• Receberão verba para realizar os procedimentos de Reprodução Humana

Assistida pelo SUS:

• Centro de Reprodução Assistida do Hospital Regional da Asa Sul

(HRAS), antigo HMIB, em Brasília, vinculado à Secretaria de Saúde do

DF.

• Centro de Referência em Saúde da Mulher, antigo Hospital Pérola

Byington, em São Paulo, vinculado à secretaria de saúde do Estado

de São Paulo.

• Hospital das Clínicas de São Paulo.

• Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP).

• Hospital das Clínicas da UFMG, de Belo Horizonte (MG).

• Hospital Nossa Senhora da Conceição, Porto Alegre (RS).

• Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS).

• Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira – IMIP, em

Recife (PE).

Embora não seja um direito absoluto, entende-se que é vedado a qualquer

instituição pública ou privada intervir coercitivamente nas escolhas pessoais

referentes ao livre planejamento familiar. Mas vamos pensar: pessoas

internadas em instituições para tratamento de transtornos mentais: pode essa

instituição obrigá-las a tomar anticoncepcional? Qual deveria ser o princípio

aqui protegido: livre planejamento familiar ou dignidade da pessoa humana?

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 118

Princípio da solidariedade familiar

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. DESCENDENTE EM FAVOR DO

ASCENDENTE. DEVER DE SOLIDARIEDADE ENTRE OS FAMILIARES. Situação

dos autos que não comprova a necessidade da genitora em receber os

alimentos, nem as possibilidades do filho em alcançá-los. Apelação Cível

desprovida. (Apelação Cível Nº 70056668759, Sétima Câmara Cível, Tribunal de

Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 18/12/2013) (TJ-RS -

AC: 70056668759 RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento:

18/12/2013, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia

20/01/2014).

ALIMENTOS ENTRE CÔNJUGES. DEVER DE MÚTUA ASSISTÊNCIA.

SOLIDARIEDADE FAMILIAR. DEPENDÊNCIA FINANCEIRA. BINÔMIO

NECESSIDADE-POSSIBILIDADE. O artigo 1694 do Código Civil prevê a

obrigação de prestar alimentos entre cônjuges, a qual se funda no dever de

mútua assistência e no Princípio Constitucional da Solidariedade. Comprovada a

necessidade da apelada, bem como a possibilidade do apelante, este tem o

dever de prestar alimentos àquela. Preliminares afastadas. Sentença Mantida.

Recurso Improvido. (TJ-BA - APL: 00006251820088050235 BA 0000625-

18.2008.8.05.0235, Relator: Augusto de Lima Bispo, Data de Julgamento:

25/06/2012, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 17/11/2012) AÇÃO DE

CONHECIMENTO - PRETENSÃO AO RECEBIMENTO DE PENSÃO VITALÍCIA POR

MORTE DE FILHA QUE ERA SERVIDORA PÚBLICA (MÉDICA) DA SECRETARIA

DE ESTADO DA SAÚDE - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA

ECONÔMICA DO SERVIDOR - ARTS. 215 E 217, I, D DA LEI 8.112/90. - AJUDA

FINANCEIRA DECORRENTE DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR

SEGUNDO O QUAL OS PARENTES DEVEM AJUDAR UNS AOS OUTROS, QUE

NÃO SE CONFUNDE COM DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. RECEBIMENTO DE

EXPRESSIVA PENSÃO DO EX-MARIDO. 1. A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DOS

PAIS EM RELAÇÃO AOS FILHOS NÃO É PRESUMIDA, DEVENDO SER

COMPROVADA DE FORMA ESTREME DE DÚVIDAS, SENDO AINDA CERTO QUE

A APELANTE USUFRUI DE RAZOÁVEL PENSÃO DO EX-MARIDO E SE A FILHA

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 119

QUE VEIO A ÓBITO LHE PRESTAVA AJUDA FINANCEIRA TAL FATO, POR SI SÓ,

NÃO PODE CONDUZIR À INTELECÇÃO NO SENTIDO DE QUE A APELANTE

FOSSE SUA DEPENDENTE, ATÉ PORQUE CONSTITUI DEVER DOS PARENTES,

EM NOME DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR, SOCORRER UNS AOS

OUTROS. 1.1 É DIZER AINDA: PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO

INSTITUÍDO NO ART. 217, II, D, DA LEI 8.112/90, AFIGURA-SE NECESSÁRIA A

COMPROVAÇÃO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. 2. "ASSIM, A AUTORA, POR

MOTIVOS QUE NÃO MERECEM ATENÇÃO NESSA DEMANDA, ASSUMIU

INJUSTIFICADAMENTE O SUSTENTO DE TODA A SUA FAMÍLIA, E DE ALGUMA

FORMA QUER DIVIDIR O FARDO EXCESSIVO QUE LHE FOI IMPOSTO COM OS

COFRES PÚBLICOS, SEM OSTENTAR CONDIÇÕES LEGAIS PARA TANTO". 3.

PRECEDENTE DA CASA. 3.1 "PARA SER BENEFICIÁRIA DE PENSÃO VITALÍCIA

PELA MORTE DO SERVIDOR FALECIDO, A SUA MÃE DEVE COMPROVAR QUE

DELE DEPENDIA ECONOMICAMENTE, DEPENDÊNCIA ESSA QUE NÃO SE

CONFUNDE COM O REFORÇO QUE O FILHO DAVA AO ORÇAMENTO

DOMÉSTICO, TAMBÉM INTEGRADO POR OUTRAS FONTES DE RENDA".

(DESEMBARGADOR FERNANDO HABIBE, 4ª TURMA CÍVEL, APELAÇÃO

20060110161500APC). 4. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS IRRESPONDÍVEIS

FUNDAMENTOS. (TJ-DF - APL: 59241320068070001 DF 0005924-

13.2006.807.0001, Relator: JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 29/09/2010,

5ª Turma Cível, Data de Publicação: 05/10/2010, DJ-e Pág. 147).

Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REVERSÃO.

NETO INVÁLIDO QUE ESTAVA SOB GUARDA DA AVÓ PENSIONISTA.

EQUIPARAÇÃO A FILHO PREVISTA EM LEI ESTADUAL. INTERPRETAÇÃO

COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE

PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A dignidade da

pessoa humana, alçada a princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico,

é vetor para a consecução material dos direitos fundamentais e apenas estará

assegurada quando for possível ao homem uma existência compatível com uma

vida digna, na qual estão presentes, no mínimo, saúde, educação e segurança.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 120

2. Esse princípio, tido como valor constitucional supremo, é o próprio núcleo

axiológico da Constituição, em torno do qual gravitamos direitos fundamentais,

auxiliando na interpretação e aplicação de outras normas. 3. Não é dado ao

intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da

pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e

preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do

Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o

ordenamento jurídico. 4. O art. 33, § 3º, da Lei 8.069/90 determina que "a

guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos

os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários". 5. No caso, a avó paterna,

pensionista de membro do Ministério Público de Minas Gerais, por decisão

judicial transitada em julgado, obteve a tutela do impetrante, ante a ausência

de condições financeiras dos pais biológicos. 6. O art. 149, § 1º, da Lei

Complementar Estadual n.º 34/94, determina que a parcela da pensão

destinada ao cônjuge sobrevivente reverterá em benefício dos filhos, em caso

de morte da pensionista. Essa norma, em momento algum, limitou o instituto

da reversão aos filhos do segurado. É plenamente possível, e mesmo

recomendável, em face dos princípios já declinados, interpretá-la de modo a

abarcar, também, os filhos da cônjuge sobrevivente, para evitar que fiquem

desamparados materialmente com o passamento daquela que os mantinha. 7.

Ademais, a tutela do impetrante concedida judicialmente à avó transferiu à

tutora o pátrio poder, de modo que o neto tutelado, pelo menos para fins

previdenciários, pode e deve ser equiparado a filho da pensionista, o que

viabiliza a incidência da norma. 8. A Lei Complementar Estadual n.º 64/2002,

que "institui o regime próprio de previdência e assistência social dos servidores

públicos do Estado de Minas Gerais", no art. 4º, § 3º, II, equipara a filho o

menor sob tutela judicial. 9. Na espécie, é fato incontroverso que o impetrante

teve sua tutela deferida à avó, que durante anos foi responsável por seu

sustento material. Assim, impõe-se a observância da regra contemplada no art.

4º, § 3º, II, da Lei Complementar Estadual n.º 64/2002, devendo o impetrante

ser equiparado a filho sem as limitações impostas pelo acórdão recorrido. 10.

Havendo regra a tutelar o direito perseguido em juízo, não deve o julgador

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 121

adotar exegese restritiva da norma, de modo a mesquinhar o postulado da

dignidade da pessoa humana e inibir a plena eficácia do princípio da proteção

integral do menor, sobretudo quando comprovada a sua invalidez permanente.

11. Recurso ordinário provido. (STJ - RMS: 33620 MG 2011/0012823-2, Relator:

Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 06/12/2011, T2 - SEGUNDA

TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2011).

DIREITO CIVIL. CRIANÇA E ADOLESCENTE. GUARDA DE MENORES EM

SITUAÇÃO DE RISCO. GENITORES QUE LITIGAM PELA CUSTÓDIA DOS

FILHOS. INFÂNCIA E JUVENTUDE. PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE. ART. 227 DA CF/88 E ART. 1º DO ECA. PRINCÍPIO DA

PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ESTUDO DE CASO

EFETIVADO ANTERIORMENTE PELA SECRETARIA PSICOSSOCIAL DO

TRIBUNAL. RELATÓRIO DO CONSELHO TUTELAR INCONCLUSIVO.

CONTRADIÇÃO INSUPERÁVEL ENTRE AMBOS. MELHOR INTERESSE DOS

INFANTES. NÃO OBSERVÂNCIA. PROVA INSUFICIENTE PARA GARANTIR QUE

OS MENORES ESTARIAM PROTEGIDOS NA COMPANHIA DOS PAIS. AUSÊNCIA

DE ESTUDO DE CASO MAIS ATUALIZADO. DIREITOS INDISPONÍVEIS.

CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO. NULIDADE DA SENTENÇA

SUSCITADA DE OFÍCIO. SENTENÇA CASSADA. APELAÇÃO DA RÉ

PREJUDICADA. 1. Segundo a aplicação da doutrina da absoluta primazia dos

interesses dos menores, o instituto da guarda constitui instrumento hábil para

resguardar a proteção integral que deve ser dispensada aos infantes e mais se

aproxima de um direito da criança, do adolescente e do jovem do que dos pais.

2. Os pais possuem o poder-dever da guarda, cabendo-lhes assistir, criar e

educar os filhos, além de cumprir e fazer cumprir as ordens judiciais, conforme

impõe o art. 229 da Carta Magna e art. 22 do ECA. Por isso, os genitores que

não atenderem à função e aos propósitos desse instituto, intrínsecos à

dignidade da pessoa humana, como medida punitiva, dentre outras, podem

perder esse poder-dever, nos termos dos art. 35 e 129, VIII, do ECA, sempre

que restar verificado que não possuem condições para atenderem às

necessidades essenciais dos filhos. 3. Na espécie, percebe-se que não há como

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 122

respaldar a proteção integral que deve ser destinada aos menores em questão

apenas na percepção de determinado conselheiro tutelar. Não se pode

esquecer por completo do relatório apresentado pela Sepsi, o qual, diante do

que restou apurado acerca dos responsáveis pelos infantes cerca de quatro

meses antes, ressaltara que era imperiosa a adoção imediata de medidas

protetivas em favor das crianças haja vista que elas estariam perigosamente

expostas à vulnerabilidade social na companhia do genitor, sem olvidar que a

genitora também não reunia as condições necessárias para abrigá-los. 4.

Lastreado no melhor interesse das crianças, com absoluta primazia, tal como

determina a lei maior, nota-se que, segundo o constatado por profissionais

altamente capacitados para elucidar questões como esta, embora existissem

mais indícios de que os genitores não poderiam ter a guarda dos filhos, optou-

se por abrir mão dessas conclusões em razão da percepção, não muito

esclarecida, do conselheiro tutelar que acompanhava a situação, sem ao menos

obter um laudo conclusivo sobre as circunstâncias vividas pelos infantes que

estavam até então em estado de perigo social, o que se mostra desarrazoado.

5. Não há como assegurar, na hipótese, que o resultado da lide tenha

observado, suficientemente e com absoluta prioridade, o princípio do melhor

interesse da criança e do adolescente, uma vez que até aqui há uma

contradição insuperável entre o que restou verificado pela equipe técnica deste

tribunal e o conselheiro tutelar que ficou com a atribuição de acompanhar o

caso. Situação esta que infringe de morte a sentença proferida, na medida em

que os autos necessitam de maior dilação probatória a fim de que essas

questões antagônicas sejam perscrutadas com apoio na participação da equipe

multidisciplinar desta casa com formulação de novo laudo de estudo de caso

mais atual. Com isso, busca-se garantir, em sua plenitude, especialmente aos

desprotegidos, uma apuração mais eficaz dos fatos, em consonância com a

ampla defesa e o contraditório. 6. Tratando-se de direito indisponível a envolver

o melhor interesse de menores hipoteticamente em situação de risco, a questão

merece ser apurada com mais afinco, por meio de estudo de caso atual e

conclusivo. Nesse passo, a sentença é nula posto que baseada em prova

insuficiente para atestar com segurança se as crianças estariam protegidas na

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 123

companhia paterna. Por essa razão o "decisum" ofendeu o princípio

constitucional da proteção integral da criança e do adolescente, uma vez

ausente prova cabal no sentido de garantir aos infantes uma tutela judicial

adequada às circunstâncias em que eles de fato estão inseridos. Por sua vez,

essa irregularidade pode e deve ser conhecida de ofício pelo julgador, por se

tratar de questão de ordem pública. 7. Por conseguinte, impõe-se a cassação

da sentença a fim de que outra seja proferida em seu lugar não sem que antes

se determine a regularização do feito para se pesquisar, efetivamente, com

apoio de profissionais competentes do quadro deste tribunal, se o genitor ou

mesmo a genitora, atualmente, em ordem à mencionada regra fundamental,

possuem condições de receber a guarda da prole ou, ao contrário, se devem

ser tomadas medidas protetivas em favor dos filhos. 8. Recurso conhecido.

Preliminar de nulidade da sentença suscitada de ofício. Sentença cassada.

Apelação da ré prejudicada. (TJ-DF - APC: 20120130035030, Relator:

Desembargador não cadastrado, Data de Julgamento: 26/02/2014, Órgão não

cadastrado, Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/03/2014 . Pág.: 71)

TJ-RJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO AI 101846420108190000 RJ 0010184-

64.2010.8.19.0000 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA

PROVISÓRIA. REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA. CRIANÇA SOB A

GUARDA DOS AGRAVADOS DESDE O NASCIMENTO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. 1. A questão se refere à discordância do

Ministério Público quanto ao deferimento da guarda provisória da criança Oliver

Bulhões aos agravados, a qual já vinha sendo exercida por estes, ao argumento

de que deveria ter sido respeitada a lista de antiguidade do cadastro de

pessoas habilitadas. 2. Mãe biológica do menor que elegeu os agravados para

entregar seu filho em adoção, sendo certo que tal modalidade não é vedada

pelo ordenamento jurídico. 3. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem

como alicerce os princípios do melhor interesse, paternidade responsável e

proteção integral. 4. A criança encontra-se sob a guarda dos agravados desde o

nascimento e os documentos acostados demonstram que os agravados vêm

adotando os cuidados necessários ao desenvolvimento sadio do menor. 5. Em

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 124

sede de cognição perfunctória, não se pode desprezar a circunstância fática que

delineia cada caso, desconsiderando a vontade da mãe e a relação afetiva que

já envolveu o menor e a nova família que o acolheu, provocando sofrimento

desnecessário e sem qualquer justificativa legítima em que se possa apoiar. 6.

É evidente que a análise do pleito deve ser norteada pela proteção ao melhor

interesse da criança, sendo certo que, nesse momento processual, a

manutenção do menor sob os cuidados dos agravados atenderá melhor seus

interesses. 7. Desprovimento do recurso. Data de publicação: 17/11/2010.

Princípio da afetividade

DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA DE MENOR PLEITEADA POR AVÓS.

POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA ABSOLUTA DO INTERESSE DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE OBSERVADA. 1. É sólido o entendimento segundo qual mesmo

para fins de prequestionamento, a oposição de embargos de declaração não

prescinde de demonstração da existência de uma das causas listadas no art.

535 do CPC, inocorrentes, no caso. 2. No caso em exame, não se trata de

pedido de guarda unicamente para fins previdenciários, que é repudiada pela

jurisprudência. Ao reverso, o pedido de guarda visa à regularização de situação

de fato consolidada desde o nascimento do infante (16.01.1991), situação essa

qualificada pela assistência material e afetiva prestada pelos avós, como se pais

fossem. Nesse passo, conforme delineado no acórdão recorrido, verifica-se uma

convivência entre os autores e o menor perfeitamente apta a assegurar o seu

bem-estar físico e espiritual, não havendo, por outro lado, nenhum fato que

sirva de empecilho ao seu pleno desenvolvimento psicológico e social. 3. Em

casos como o dos autos, em que os avós pleiteiam a regularização de uma

situação de fato, não se tratando de “guarda previdenciária”, o Estatuto da

Criança e do Adolescente deve ser aplicado tendo em vista mais os princípios

protetivos dos interesses da criança. Notadamente porque o art. 33 está

localizado em seção intitulada “Da Família Substituta”, e, diante da expansão

conceitual que hoje se opera sobre o termo “família”, não se pode afirmar que,

no caso dos autos, há, verdadeiramente, uma substituição familiar. 4. O que

deve balizar o conceito de “família” é, sobretudo, o princípio da afetividade, que

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 125

“fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na

comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial

ou biológico”. (STJ - REsp: 945283 RN 2007/0079129-4, Relator: Ministro LUIS

FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 15/09/2009, T4 - QUARTA TURMA,

Data de Publicação: DJe 28/09/2009).

AÇÃO DE GUARDA. SENTENÇA QUE CONCEDE A GUARDA COMPARTILHADA

DO MENOR PARA SUA MÃE E BISAVÓ MATERNA. INSURGÊNCIA DO

MINISTÉRIO PÚBLICO SOB O ARGUMENTO DE GUARDA PARA FINS

PREVIDENCIÁRIOS. INSUBSISTÊNCIA. ELEMENTOS SUFICIENTES A

DEMONSTRAR O COMPARTILHAMENTO DO MUNUS NA PRÁTICA, ALÉM DO

COMPROMETIMENTO DE AMBAS AS MULHERES NA CRIAÇÃO, CUIDADOS E

EDUCAÇÃO DO MENOR. CRIANÇA QUE, JUNTAMENTE COM SUA MÃE, RESIDE

E CONVIVE, DESDE O NASCIMENTO, COM A BISAVÓ, PESSOA

PREPONDERANTEMENTE RESPONSÁVEL PELO SEU SUSTENTO. PROVIDÊNCIA

QUE DENOTA A PREOCUPAÇÃO COM O FUTURO DO INFANTE, PRIORIZANDO-

O. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. É de se destacar, a propósito, que o

atual paradigma familiar segue os princípios da afetividade e da solidariedade,

encontrando respaldo constitucional em suas mais variadas feições e abrigando

juridicamente arranjos pouco convencionais. Cabe, então, ao julgador, sob a

óptica do melhor interesse da criança, reconhecer legalmente tais entidades

familiares, a fim de garantir-lhe o atendimento de suas necessidades mais

básicas, como segurança, saúde, educação, convivência familiar e comunitária,

entre outros tantos. (TJ-SC - AC: 20120802418 SC 2012.080241-8 (Acórdão),

Relator: Ronei Danielli, Data de Julgamento: 19/06/2013, Sexta Câmara de

Direito Civil Julgado, Data de Publicação: 09/07/2013 às 08:51. Publicado Edital

de Assinatura de Acórdãos Inteiro teor Nº Edital: 6351/13 Nº DJe:

Disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1667 -

<www.tjsc.jus.br>)

Princípio do pluralismo e entidade humana

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 126

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. SEGURO DE

VIDA EM GRUPO. INSTITUIÇÃO QUE, DIANTE DO FALECIMENTO DO

SEGURADO SEM EXPRESSA MENÇÃO DE BENEFICIÁRIO, PAGA METADE DO

PRÊMIO AOS FILHOS E CONSIGNA A OUTRA METADE. DISPUTA ENTRE

CÔNJUGE E COMPANHEIRA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 792 DO CC.

SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO, RECONHECENDO, AO FINAL, O

DIREITO DA CONVIVENTE AO LEVANTAMENTO DA VERBA DEPOSITADA.

INSURGÊNCIA DA EX-MULHER. APRESENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE

CASAMENTO. ALEGAÇÃO DE RELAÇÃO ADÚLTERA, SEM INTENÇÃO DE

CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. SEPARAÇÃO MERAMENTE DE FATO QUE NÃO

AFASTA A CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL (ART. 1.723, § 1º DO

CC/02). RELAÇÃO AFETIVA PÚBLICA, CONTÍNUA E DURADOURA, ALÉM DE

FARTAMENTE DOCUMENTADA. INTERPRETAÇÃO QUE MELHOR CONCRETIZA

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PLURALIDADE DAS ENTIDADES

FAMILIARES E DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR E CONJUGAL. SENTENÇA

MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJ-SC - AC: 20100269423

SC 2010.026942-3 (Acórdão), Relator: Ronei Danielli, Data de Julgamento:

15/08/2012, Sexta Câmara de Direito Civil Julgado).

CIVIL E CONSTITUCIONAL. ECA. SUPRIMENTO DE IDADE PARA CASAMENTO.

GRAVIDEZ. IDADE COMO CRITÉRIO NÃO EXCLUSIVO DE CAPACIDADE CIVIL.

ESTADO LIBERDADE E PLURALIDADE DE CREDO. ISONOMIA DAS ENTIDADES

FAMILIARES. 1. NÃO OBSTANTE A IDADE NÚBIL DEFINIDA PELO ART. 1.517

DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 HAVER SIDO DEFINIDA EM DEZESSEIS ANOS,

EXIGINDO-SE A AUTORIZAÇÃO DOS REPRESENTANTES, ESSE DIPLOMA

PERMITE, EXCEPCIONALMENTE, EM SEU ART. 1.520, O CASAMENTO DE

ADOLESCENTES MENORES DE DEZESSEIS ANOS GRÁVIDAS, DESDE QUE

GRÁVIDAS OU PARA EVITAR CUMPRIMENTO DE PENA CRIMINAL. 2. O

CÓDIGO CIVIL DE 2002 OBSERVOU CRITÉRIOS OUTROS, QUE NÃO SOMENTE

IDADE, PARA AFERIR TAL MATURIDADE DA PESSOA, CONSUBSTANCIANDO O

CASAMENTO APENAS UMA DAS CINCO SITUAÇÕES DESCRITAS NO

PARÁGRAFO ÚNICO DE SEU ART. 5º 3. A CAPACIDADE NÚBIL ENCONTRA-SE

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 127

EM PERFEITA CONSONÂNCIA COM A CAPACIDADE CIVIL E O ESTATUTO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, UMA VEZ QUE A IDADE É SOMENTE UM DOS

VÁRIOS REQUISITOS PARA AFERIR MATURIDADE PARA PRÁTICA E

RESPONSABILIDADE PELOS ATOS DA VIDA CIVIL. 4. UM ESTADO LAICO NÃO

CONFIGURA UM ESTADO ATEU, IMPEDINDO SEUS CIDADÃOS DE PRATICAR

QUAISQUER CULTOS OU RELIGIÕES. TRATA-SE, APENAS, DE UM ESTADO EM

QUE, NO CONTEXTO POLÍTICO-JURÍDICO DEMOCRÁTICO, NENHUMA CRENÇA

ORIENTA, OFICIALMENTE, O GOVERNO DE DETERMINADO PAÍS. UM ESTADO

LAICO É AQUELE QUE DEFENDE A LIBERDADE E A PLURALIDADE DE CREDOS,

CONFORME O INCISO VI DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

PORTANTO, EMBORA O ART. 1.520 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 POSSA

CONTER ORIGEM HISTÓRICO-CATÓLICA, CONSUBSTANCIA UM DISPOSITIVO

LAICO, POIS NÃO OBRIGA A ADOLESCENTE GRÁVIDA A SE CASAR, APENAS

POSSIBILITA À GESTANTE MENOR ESSA OPÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE

SOCIEDADE MATRIMONIAL, OBEDECIDOS OS REQUISITOS LEGAIS. 5. DA

MESMA FORMA QUE NÃO SE PODE CONFUNDIR FAMÍLIA E CASAMENTO, O

SIMPLES RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL E DA COMUNIDADE

FORMADA POR QUALQUER DOS PAIS E SEUS DESCENDENTES - ART. 226 DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - COMO ENTIDADES FAMILIARES NÃO

TERIA O CONDÃO DE EQUIPARÁ-LAS AO MATRIMÔNIO, HAVENDO, CADA UM

DESSES INSTITUTOS, CARACTERÍSTICAS PRÓPRIAS E DIFERENCIADAS,

PODENDO O CIDADÃO, DE ACORDO COM SEU INTERESSE E LIBERDADE,

ESCOLHER PELA FORMA DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA QUE MAIS LHE

CONVÉM. 6. APELO PROVIDO, PARA, COM A MAIS RESPEITOSA VÊNIA À

DOUTA MAGISTRADA A QUO, REFORMAR A R. SENTENÇA, AUTORIZANDO O

CASAMENTO DA APELANTE COM O NUBENTE, SOB O REGIME DE SEPARAÇÃO

OBRIGATÓRIA DOS BENS, NOS TERMOS DO INCISO III DO ART. 1.641 DO

CÓDIGO CIVIL DE 2002. (TJ-DF - APL: 694582320098070001 DF 0069458-

23.2009.807.0001, Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Data de Julgamento:

16/12/2009, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 25/01/2010, DJ-e Pág. 53).

Princípio da convivência familiar

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 128

AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA MENOR VISITAR PAI RECOLHIDO EM

ESTABELECIMENTO PRISIONAL - DIREITO DE VISITA COMO FORMA DE

GARANTIR A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO -

APLICAÇÃO DO ARTIGO 41, X, DA LEI Nº 7.210/84 - PRINCÍPIO DO MELHOR

INTERESSE DA CRIANÇA - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CAPAZES DE

CARACTERIZAR O ALEGADO RISCO À SEGURANÇA E À INTEGRIDADE FÍSICA

DOS MENORES - MANUTENÇÃO DA DECISÃO. 1 - O direito de visitas previsto

no art. 41, X, da Lei nº 7.210/84 configura importante instrumento para

garantir a convivência familiar e o processo de ressocialização do reeducando,

somente podendo ser restringido em hipóteses excepcionais, devidamente

fundamentadas em fatos capazes de indicar a inconveniência do exercício da

faculdade legal e que evidenciem riscos à integridade física e moral do visitante.

2 - Para deferimento da autorização judicial para os filhos menores visitar o pai

recolhido em estabelecimento prisional deve-se levar em conta o princípio

constitucional do melhor interesse da criança, que decorre do princípio da

dignidade humana, centro do nosso ordenamento jurídico atual. 3 - Não

evidenciado, em concreto, motivo suficiente a caracterizar risco à segurança e à

integridade física dos menores, a autorização para os filhos visitarem seu

genitor no estabelecimento prisional deve ser concedida, em razão da proteção

constitucional da entidade familiar através do afeto e da garantia de

convivência, ainda que no ambiente carcerário. (TJ-MG - AC:

10521130036549001 MG, Relator: Sandra Fonseca, Data de Julgamento:

17/09/2013, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:

27/09/2013).

Princípio da igualdade entre os filhos

APELAÇÃO CÍVEL. ALIMENTOS. BINÔMIO POSSIBILIDADE-NECESSIDADE.

PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS. RELATIVIZAÇÃO.

POSSIBILIDADE. MENOR QUE APRESENTA NECESSIDADES ESPECIAIS. Reza o

§ 1º do art. 1.694 do Novo Código Civil que "os alimentos devem ser fixados na

proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada".

Logo, o quantum da verba alimentar deve ser fixado com arrimo no binômio

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 129

possibilidade/necessidade, respectivamente do alimentante e do alimentando.

Caso concreto em que o princípio da igualdade entre os filhos deve ser

relativizado, tendo em vista que o autor possui necessidades especiais, sendo

incontroversa a possibilidade financeira do alimentante de prestar auxílio ao

filho no patamar fixado na sentença. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº

70054567789, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra

Brisolara Medeiros, Julgado em 05/06/2013) (TJ-RS - AC: 70054567789 RS,

Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Data de Julgamento: 05/06/2013, Sétima

Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 07/06/2013).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE REVALIDAÇÃO DA ADOÇÃO.

ANULAÇÃO/REVOGAÇÃO DA ADOÇÃO. ATO INEFICAZ. PRINCÍPIO DA

IGUALDADE ENTRE OS FILHOS. 1. A adoção de pessoa maior de idade, ainda

que realizada sob a égide do Código Civil de 1916, que previa a possibilidade de

dissolução do vínculo (art. 374), não pode ser anulada/revogada em face do

princípio da igualdade entre os filhos, instituído pela Constituição Federal de

1988, em seu art. 227, § 6º, preceito que retroage no tempo, alcançando todo

o ordenamento jurídico e as relações estabelecidas. 2. Vedada qualquer

discriminação, independente da origem da filiação - legítima, legitimada,

adulterina ou adotiva, previstas no diploma civil revogado -, não pode haver

distinção no respeitante à idade no momento da adoção - maior ou menor de

idade -, aplicando-se a regra insculpida no art. 39, § 1º, do ECA, que dispõe ser

a adoção ato irrevogável. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70057352114,

Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara

Medeiros, Julgado em 07/05/2014) (TJ-RS - AC: 70057352114 RS, Relator:

Sandra Brisolara Medeiros, Data de Julgamento: 07/05/2014, Sétima Câmara

Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 09/05/2014).

Princípio de não equiparação entre o casamento e o companheirismo

DIREITO CIVIL. CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO. PRINCÍPIO

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - ARTIGO 1º, III; VEDAÇÃO A

QUALQUER FORMA DE DISCRIMINAÇÃO - ARTIGO 3º, IV; PRINCÍPIO DA

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 130

IGUALDADE - ARTIGO 5º, CAPUT; PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL ÀS

ENTIDADES FAMILIARES EM SUAS MAIS DIVERSAS MODALIDADES DE

CONSTITUIÇÃO - ARTIGO 226, § 3º, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

INDEFERIMENTO DO PEDIDO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU.

INTERPRETAÇÃO CONFORME O ARTIGO 1723 DO CÓDIGO CIVIL CONFERIDA

PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ADIN 4277/DF) PARA EXCLUIR

QUALQUER SIGNIFICADO QUE IMPEÇA O RECONHECIMENTO DAS UNIÕES

HOMOAFETIVAS COMO ENTIDADES FAMILIARES, DESDE QUE CONFIGURADA

A CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA, DURADOURA E ESTABELECIDA COM O

OBJETIVO DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA E

SISTEMÁTICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA, INSTITUIÇÃO PROTEGIDA PELO

ESTADO. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. Vencida a Des. Marilia de

Castro Neves. (TJ-RJ - APL: 00124834320128190000 RJ 0012483-

43.2012.8.19.0000, Relator: DES. MYRIAM MEDEIROS DA FONSECA COSTA,

Data de Julgamento: 22/08/2012, VIGÉSIMA CAMARA CÍVEL, Data de

Publicação: 17/10/2012 10:30).

APELAÇÃO VOLUNTÁRIA AÇÃO DECLARATÓRIA - COMPANHEIRA - ORDEM DE

VOCAÇÃO HEREDITÁRIA - IGUALDADE AO CÔNJUGE - RECURSO CONHECIDO

E IMPROVIDO. 1 - Independentemente de qualquer discussão sobre a questão

sucessória, deve ser destacada a intenção do legislador em incluir a

companheira na ordem da vocação hereditária, igualando-a ao cônjuge. 2 -

Assim, não se pode perder de vista o avanço desse posicionamento, aplaudido

pela melhor doutrina e consolidado pela jurisprudência pátria. 3 - Assim,

nenhuma modificação merece a sentença, que bem examinou a questão, até

mesmo em razão de tratar-se de uma ação declaratória. 4 - Recurso conhecido

e improvido. (TJ-ES - AC: 69980004647 ES 69980004647, Relator: ARIONE

VASCONCELOS RIBEIRO, Data de Julgamento: 19/05/2004, PRIMEIRA CÂMARA

CÍVEL, Data de Publicação: 12/08/2004).

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 131

Atividade proposta

Na discussão trazida por este episódio de Justice (da Harvard University),

questiona-se a validade dos contratos de maternidade de substituição. No

Brasil, a prática da maternidade de substituição é autorizada pela resolução

n.2013/2013, do Conselho Federal de Medicina, norma de conteúdo ético que

não tem força de lei.

Com base no que você estudou nesta aula e nas discussões constantes no

vídeo, é possível afirmar que no Brasil esses contratos podem ser considerados

válidos à luz da legislação civil e constitucional? Havendo recusa da mãe

gestacional em entregar a criança após o nascimento, como deveria o juiz

decidir?

Chave de resposta: A maternidade de substituição é um tema polêmico e

sobre o qual não há regulamentação legal específica no Brasil. Embora o CFM

autorize essa prática em contratos gratuitos e realizados entre parentes, fato é

que notícias dão conta de que a técnica e a contratação estão ocorrendo de

forma onerosa e entre não parentes.

Quanto à validade, parte da doutrina manifesta-se pela impossibilidade jurídica

do objeto, alguns porque o objeto seria a criança e, por óbvio, pessoa não pode

ser objeto de relação jurídica; outros pela impossibilidade de cessão do útero

(parte do corpo humano). Sob esses pontos de vista, o contrato seria inválido

(nulidade absoluta).

No entanto, outros tantos autores, invocando a autonomia privada e o princípio

do livre planejamento familiar, sustentam ser admissível essa forma de

contratação, sendo, portanto, negócio jurídico válido.

Não há, ainda, um posicionamento que se possa dizer majoritário. Quanto ao

inadimplemento contratual com a não entrega da criança pela mãe gestacional,

à luz dos princípios constitucionais, deverá o juiz decidir com base no melhor

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 132

interesse da criança, também não havendo ainda um posicionamento unânime

ou majoritário.

Em decisão de maio deste ano, o STJ reconheceu a um pai o direito de

permanecer com o filho gerado por uma prostituta. O caso não trata

especificamente do tema maternidade de substituição como decorrente de uma

técnica de reprodução humana assistida, mas sim, assemelha-se mais à

hipótese de adoção à brasileira.

De qualquer forma, a decisão tomada pelo STJ dá pistas sobre a tendência do

tribunal na análise de casos de maternidade de substituição, considerando

como válidos os contratos nesse sentido firmados e outorgando a paternidade e

a maternidade aos pais contratantes, observando-se a afetividade e o melhor

interesse da criança.

Material complementar

Para saber mais sobre o novo código civil e novas mudanças, leia os

artigos disponíveis em nossa biblioteca virtual.

Referências

FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2012.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord.). Função social no direito civil.

2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

______. Princípios constitucionais de direito de família. São Paulo: Atlas,

2008.

LIMA, Ricardo Alves. Função social da família. Curitiba: Juruá, 2013.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 133

SILVA, Marcos Alves. De filho para pai: uma releitura da relação paterno-filial a

partir do Estatuto da Criança e do Adolescente. In: Revista brasileira de

direito de família, Porto Alegre, a. 2, n. 6, jul./set. 2000.

Exercícios de fixação

Questão 1

Sobre o princípio da parentalidade responsável, é correto afirmar que:

a) Apenas os pais possuem responsabilidade com relação à sua prole, não

podendo se estender o princípio às mães.

b) É princípio que não pode ser invocado para determinar os alimentos

devidos aos filhos.

c) O princípio impõe a ambos os genitores responsabilidade individual e

social com relação aos filhos.

d) O princípio previsto constitucionalmente é nominado de paternidade

responsável, sendo um equívoco denominá-lo de parentalidade

responsável.

Questão 2

Sobre o princípio do livre planejamento familiar é correto afirmar que:

I. Sendo livre o planejamento familiar, veda-se ao Poder Público a realização de

campanhas informativas sobre métodos contraceptivos.

II. Sendo livre o planejamento familiar, não se impõe aos genitores a

parentalidade responsável, já que essa só pode se exigir de quem convive com

a criança ou adolescente.

III. Trata-se de princípio relacionado exclusivamente com a liberdade sexual.

IV. Embora não seja um princípio absoluto, veda-se a qualquer instituição

pública ou privada intervir coercitivamente nas escolhas pessoais referentes ao

planejamento familiar.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 134

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa IV

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 3

Certo ou errado? Admitir a função social da família é admitir, assim como se

faz com os contratos, que a família tem apenas função econômica.

a) Certo

b) Errado

Questão 4

São repercussões do princípio da solidariedade familiar, EXCETO:

a) Responsabilidade subjetiva dos pais por atos dos filhos menores.

b) Comunhão plena de vida como finalidade do casamento.

c) Dever de prestar alimentos dos filhos em relação aos pais.

d) Mútua assistência material e moral entre os companheiros.

Questão 5

Sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, é correto

afirmar que:

I. O Estatuto da Criança e do Adolescente apenas destina sua proteção aos

menores de 18 anos, em nada protegendo o nascituro.

II. É princípio que determina especial proteção da criança e do adolescente,

agora considerados sujeitos de direitos.

III. Não deve ser considerado princípio limitador do livre planejamento familiar.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 135

IV. Não deve ser invocado para determinar a quem o juiz deferirá a guarda.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa II

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Parentalidade: (Parental + -idade) substantivo feminino

1. Qualidade do que é parental.

2. Estado ou condição de quem é pai ou mãe (ex.: direitos de parentalidade).

Aula 5

Exercícios de fixação

Questão 1 - C

Justificativa: Trata-se de princípio que impõe a ambos os genitores a

responsabilidade individual e social com relação aos filhos, sendo melhor

denominá-lo de parentalidade responsável.

Questão 2 - B

Justificativa: O livre planejamento familiar tem função preventiva, que

comporta o direito à informação sobre métodos contraceptivos. Embora livre,

não dispensa os genitores da paternidade responsável, ainda que não convivam

diariamente com a criança e adolescente. Não é princípio que se relaciona

exclusivamente com a liberdade sexual, mas, sim, com a responsabilidade dos

genitores pelo sustento, desenvolvimento e educação da prole.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 136

Questão 3 - B

Justificativa: A família, após a Constituição Federal de 1988, perde seu caráter

econômico (família patriarcal) para se reconhecer que possui função social, ou

seja, o locus de desenvolvimento da personalidade de cada um de seus

membros.

Questão 4 - A

Justificativa: A responsabilidade dos pais por atos dos filhos menores é objetiva

no Código Civil de 2002.

Questão 5 - B

Justificativa: O ECA também protege o nascituro. O melhor interesse da criança

deve ser considerado orientador do livre planejamento familiar. Deve ser

invocado para fundamentar as decisões com relação à guarda.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 137

Introdução

Nesta aula, serão estudados os princípios gerais de Direito Contratual. Nosso

estudo terá início com a análise dos princípios contratuais clássicos para, em

seguida, confrontá-los com os princípios contemporâneos, compreendendo-se a

nova realidade doutrinária e jurisprudencial contratual.

Esta aula lhe dará subsídios para a compreensão do módulo: Tópicos Especiais

de Obrigações e Contratos.

Objetivo:

1. Compreender os princípios clássicos contratuais: autonomia privada,

relatividade dos efeitos dos contratos, pacta sunt servanda e intangibilidade;

2. Estudar os princípios contratuais contemporâneos: boa-fé objetiva,

probidade, dirigismo contratual, função social.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 138

Conteúdo

Recapitulando

Estudamos nas aulas anteriores os impactos da Constituição Federal de 1988

sobre o Direito Privado brasileiro. Nesta aula, mais uma dessas transformações

será estudada: o abandono da visão patrimonialista imposta pelo Estado

Liberal, para a adoção de uma visão mais personalista trazida pelo Estado

Social, verificando o reflexo dessa transição na teoria contratual brasileira. Para

iniciar o nosso estudo, precisamos recordar o que é contrato. Você é capaz de

definir?

Conceito de contrato

Para darmos início ao nosso estudo sobre princípios gerais de direito contratual,

é importante entender o conceito deste assunto. Veja:

Contrato vem do latim contrahere, cuja inflexão conduz à contractus, que

significa ajuste, convenção ou pacto. Expressa, na sua origem, a ideia de

acordo de vontades para a realização de um fim desejado pelas partes

contratantes. Além do ajuste de vontades, a expressão contrato também é

comumente utilizada para designar o próprio instrumento contratual,

documento escrito pelo qual se realiza o ajuste.

Classicamente, contrato é definido como um instrumento de circulação de

riquezas, tendo função puramente econômica. Trata-se de negócio jurídico

bilateral que decorre de acordo de vontades que tem por finalidade modificar,

adquirir, resguardar, transferir ou extinguir direitos. Na sua acepção clássica, as

partes contratantes eram livres para pactuar o seu conteúdo, vez que seu

fundamento era puramente individualista, restringindo-se o seu teor às

questões patrimoniais ou econômicas.

Contemporaneamente, contrato “é a relação jurídica subjetiva, nucleada na

solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 139

existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação,

como também perante terceiros” (NALIN, 2002, p. 255). Deixa-se de se lhe

reconhecer que tenha função puramente econômica, o que permite que tenha

por conteúdo, inclusive, direitos de personalidade. O contrato é definido como

um instrumento destinado à satisfação de necessidades humanas, sendo, por

isso, considerado instrumento de inclusão ou exclusão social estando, dessa

forma, intimamente ligado à noção de dignidade da pessoa humana.

Dois processos distintos

Embora não conceituado pelo Código Civil de 2002, entende-se que deve

prevalecer o entendimento contemporâneo, uma vez que o contrato possui,

sem dúvidas, raízes constitucionais. Reconhece-se, dessa forma, que o contrato

decorre de dois processos distintos:

Processo interno

decorre do exercício da liberdade de contratar, ou seja, a decisão de contratar.

Processo externo

decorre da exteriorização da vontade de contratar, é a liberdade contratual.

Atenção

Sobre esses processos, afirma Giorgio Oppo que a verdade é que

no contrato em geral se identifica um comportamento de espera

e de exigência diversa: não é apenas o momento de formação

da vontade que é tutelado. Trata-se de espera e de exigência

que devem ser conciliadas com todos; nessa conciliação que é

posta pelo interesse geral, fixada na essencialidade do acordo, a

limitação dos efeitos entre as partes, as regras de interpretação,

a equidade das partes no plano patrimonial, a aplicação do dar e

do ter (sinalagma) do direito geral das obrigações.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 140

Funções dos contratos

Já quanto às funções dos contratos, a doutrina costuma indicar três:

a função econômica (instrumento de circulação de riquezas);

a função regulatória (conjunto de direitos e obrigações assumidas pelas partes

contratantes);

a função social (satisfação de interesses sociais - sendo esta a mais recente das

funções).

É nesse sentido que o contrato deve ser visto como instrumento de circulação

econômica (porque não há como se desvincular dessa característica) cujo

conteúdo não pode, ou pelo menos não deve, se contrapor a interesses gerais

(como vimos especialmente na aula 2).

E, ainda, que em tempos de reconstrução do Direito não seja aconselhável

formular novos conceitos, vale reforçar que o contrato, contemporaneamente,

deve ser considerado uma relação complexa solidária e não mero acordo de

vontades que apenas gera efeitos entre as partes contratantes.

Por isso, os princípios contratuais que estudaremos nesta aula, não há dúvidas,

aplicam-se à vontade exteriorizada, pois a vontade interna não tem como ser

verificada pelo Direito.

Princípios clássicos de direito contratual

Vimos em aulas anteriores que os princípios representam valores socialmente

amadurecidos e reconhecidos pela ordem jurídica.

• Autonomia Privada

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 141

• Relatividade dos Efeitos

• Obrigatoriedade

• Intangibilidade

Diante de sua importância, em especial, a partir do momento em que o

ordenamento civil passou a trabalhar com cláusulas gerais e conceitos jurídicos

indeterminados, iniciaremos o nosso estudo analisando os princípios clássicos

de Direito contratual: autonomia privada, relatividade dos efeitos dos contratos,

pacta sunt servanda e intangibilidade, princípios que sem dúvida representam

toda a ideologia do Estado Liberal quanto às relações privadas contratuais.

Princípio da autonomia privada

Interessa-nos, pois, estudar a autonomia privada cujo fundamento ou

pressuposto é, em termos imediatos, a liberdade como valor jurídico, e,

mediatamente, a concepção de que a pessoa é a causa do sistema social e

jurídico e de que a sua vontade, livremente manifestada, pode ser instrumento

de realização da justiça.

Vale ressaltar que, sob o ponto de vista jurídico, a liberdade é o poder de

praticar ou não, ao arbítrio do sujeito, todo ato-ordenado nem proibido por lei

e, de modo positivo, é o poder que as pessoas têm de optar entre o exercício e

o não exercício de seus direitos subjetivos. Permite ao indivíduo a atuação com

eficácia jurídica, que se concretiza em duas manifestações fundamentais: uma

subjetiva, que é o estabelecimento, modificação ou extinção de relações

jurídicas e outra objetiva, que é a normatização ou regulação jurídica dessas

mesmas relações.

Sendo a autonomia privada, esse poder de autorregulamentação das partes

contratantes, decorrente da liberdade individual, a autonomia acabou sendo

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 142

supervalorizada pelo Estado Liberal (Estado da intervenção mínima nas relações

privadas). O Direito Canônico já havia estabelecido a declaração de vontade

como fonte de obrigações; o Estado Liberal a valorizou ainda mais a tornando

absolutamente vinculante, reconhecendo-a como verdadeiro poder jurídico dos

particulares, que exercido nos limites da lei e dos bons costumes não poderia

estar sujeito à intervenção estatal.

Não há dúvidas, portanto, de que a concepção teórica da autonomia privada é

fruto do individualismo liberal, cujo principal fundamento era a liberdade como

poder jurídico que levou à construção do dogma da igualdade formal

contratual: o sujeito é livre para contratar, escolher com quem contratar e

estabelecer o conteúdo de seu contrato, não devendo o Estado intervir nessa

relação. Trata-se de dogma muito útil ao Estado Liberal, mas que, à medida

que se massificam as relações sociais e jurídicas, a absolutização da autonomia

privada revelou situações de abusividade que exigiram intervenção direta do

Estado a fim de se garantir a harmonia dessas relações e proteger a dignidade

da pessoa humana.

Com a intervenção estatal, a autonomia privada perdeu seu caráter de princípio

absoluto (liberal), persistindo, no entanto, como princípio básico da ordem

econômica-social, observados os limites estabelecidos pelo interesse social e

pela justiça social como orientadores fundamentais da liberdade contratual.

Vamos ver como esse princípio tem aparecido na jurisprudência?

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE

SERVIÇOS. EXPANSÃO DE SHOPPING CENTER. REVISÃO DO CONTRATO.

QUANTIFICAÇÃO DOS PRÊMIOS DE PRODUTIVIDADE CONSIDERANDO A

SITUAÇÃO DOS FATORES DE CÁLCULO EM ÉPOCA DIVERSA DA PACTUADA.

INADMISSIBILIDADE. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA.

NECESSIDADE DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE

("PACTASUNT SERVANDA") E DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS ("INTER

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 143

ALIOSACTA"). MANUTENÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS LIVREMENTE

PACTUADAS. Pedido de pagamento de prêmios de produtividade formulado por

sociedade contratada para a prestação de serviços de gerenciamento e de

comercialização relativos à expansão de Shopping Center. Ausência de

prequestionamento dos arts. 302 e 533 do CPC (Súmula211 do STJ).

Inexistência de dissídio jurisprudencial ou de violação ao art. 178, § 9º, V, b, do

CC/16, porque não determinada a anulação ou a rescisão do contrato, e de

contrariedade ao art. 556, par. único, do CPC, porque o pedido de vista não

obriga o magistrado a juntar voto escrito. Alegação em torno dos arts. 435, 436

e 535, II, do CPC inclusive o dissídio jurisprudencial, relativas ao mérito.

Revisão, pelo Tribunal de origem, em sede de embargos infringentes, das

cláusulas contratuais relativas aos prêmios de produtividade a fim de que a sua

quantificação considerasse a situação dos fatores de cálculo, como o valor dos

aluguéis dos lojistas, verificada após a data estipulada para o pagamento e a

extinção do contrato. Inaplicabilidade, neste aspecto, das Súmulas 5 e 7 deste

STJ. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito

Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em

face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre

concorrência e da função social da empresa. Reconhecimento da contrariedade

aos princípios da obrigatoriedade do contrato (art. 1056 do CC/16) e da

relatividade dos efeitos dos pactos, especialmente relevantes no plano do

Direito Empresarial, com a determinação de que o cálculo dos prêmios

considere a realidade existente na data em que deveriam ser pagos. Doutrina.

VIII - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE,

PROVIDO, RESTABELECENDO-SE O ACÓRDÃO PROFERIDO EM SEDE DE

APELAÇÃO. (STJ - REsp: 1158815 RJ 2009/0195426-0, Relator: Ministro PAULO

DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 07/02/2012, T3 - TERCEIRA

TURMA, Data de Publicação: DJe 17/02/2012).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. CONTRATO.

CLÁUSULA RESOLUTIVA EXPRESSA. AUTONOMIA PRIVADA. 1. Deve-se

prestigiar a autonomia da vontade dos contratantes, que livre e expressamente

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 144

pactuaram cláusula resolutiva, pela qual qualquer das partes pode resilir

unilateralmente o contrato, mediante denúncia prévia. 2. A ocorrência de

eventual hipótese de mitigação de tal princípio deve se encontrar

inequivocamente comprovada pela parte que a sustenta, sob pena de

indeferimento do pedido de tutela antecipada. (TJ-MG - AI:

10024122954159001 MG, Relator: Wagner Wilson, Data de Julgamento:

23/01/2014, Câmaras Cíveis/ 16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:

03/02/2014).

RECURSO INOMINADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. NEGATIVA DE CONCESSÃO DE

CRÉDITO. DANO MORAL INOCORRENTE. ÃMBITO DE DISCRICIONARIEDADE E

AUTONOMIA PRIVADA. SENTENÇA MANTIDA. Não enseja dano moral a mera

negativa de concessão de crédito em estabelecimento comercial. Ato que se

encontra no âmbito de discricionariedade e autonomia das relações privadas.

Ademais, inexistem provas no sentido de que o agir da demandada acarretou

lesão a direito de personalidade da demandante, não ultrapassando o mero

dissabor. Trata-se, com efeito, de mera contingência da vida moderna em

sociedade. Do mesmo modo, não se pode considerar como ilícita a conduta do

estabelecimento réu, que visa resguarda-se de futuro inadimplemento. Nestes

termos, não há se falar em dever indenizatório. Sentença mantida pelos

próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei 9.099/95. RECURSO

IMPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004205639, Segunda Turma Recursal Cível,

Turmas Recursais, Relator: Ketlin Carla Pasa Casagrande, Julgado em

16/08/2013) (TJ-RS - Recurso Cível: 71004205639 RS, Relator: Ketlin Carla

Pasa Casagrande, Data de Julgamento: 16/08/2013, Segunda Turma Recursal

Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/08/2013).

Princípio da Relatividade dos Efeitos dos Contratos

Vamos ver como esse princípio tem aparecido na jurisprudência?

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (telefonia) AÇÃO DE COBRANÇA. A ré não provou o

fato impeditivo do direito da autora: a transferência da linha telefônica com a

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 145

devida anuência da prestadora dos serviços. Responsabilidade da ré pelos

débitos. Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos. Recurso provido.

(TJ-SP - APL: 9147127132005826. SP 9147127-13.2005.8.26.0000, Relator:

Antônio Benedito Ribeiro Pinto, Data de Julgamento: 28/09/2011, 25ª Câmara

de Direito Privado, Data de Publicação: 01/10/2011).

SEGURO DE VEÍCULO - AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS - A franquia é a

parte que o segurado paga, em caso de acidente com o automóvel segurado,

diretamente ao prestador de serviço. Se a seguradora concede desconto no

valor da franquia ao segurado, deve abater do montante da indenização o valor

correspondente cobrado do causador do dano Princípio da relatividade dos

efeitos do contrato - Recurso provido em parte. (TJ-SP - APL:

265685920058260590. SP 0026568-59.2005.8.26.0590, Relator: Antônio

Benedito Ribeiro Pinto, Data de Julgamento: 14/12/2011, 25ª Câmara de

Direito Privado, Data de Publicação: 19/12/2011).

AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. PRELIMINAR DE

ILEGITIMIDADE PASSIVA. Constando cláusula expressa que prevê a

responsabilidade exclusiva dos vendedores de pagamento de qualquer débito

trabalhista, devem os demandados arcar com o pagamento das despesas

decorrentes do débito trabalhista objeto da cobrança pelo autor, uma vez que

era anterior à contratação. Impossibilidade de imputar a empresa estranha à

lide a responsabilidade por eles assumida, por força do princípio da relatividade

dos efeitos dos contratos. Agravo retido e apelação improvidos. (TJ-RS - AC:

70038419446 RS, Relator: Guinther Spode, Data de Julgamento: 30/08/2011,

Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia

05/10/2011).

Princípio da Intangibilidade dos Contratos

Vamos ver como esse princípio tem aparecido na jurisprudência?

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 146

CIVIL E PROCESSO CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO. ARRENDAMENTO

MERCANTIL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA

INTANGIBILIDADE DOS CONTRATOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. NOS

CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, HÁ UMA SIMBIOSE DE

LOCAÇÃO E COMPRA E VENDA, ONDE NÃO HÁ ESTIPULAÇÃO DE JUROS

REMUNERATÓRIOS NA REMUNERAÇÃO DEVIDA AO AGENTE FINANCEIRO.

LOGO, NÃO HÁ SE FALAR EM CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. 2. É SABIDO QUE A

INTANGIBILIDADE DOS CONTRATOS NÃO É REGRA ABSOLUTA, MAS SUA

FLEXIBILIZAÇÃO SOMENTE OCORRERÁ NAS HIPÓTESES LEGAIS QUE

EXPRESSAMENTE ADMITAM MITIGAÇÃO DO RIGOR CONTRATUAL. NO CASO

DOS AUTOS, NÃO SE REVELA SITUAÇÃO QUE TRANSPAREÇA A EXISTÊNCIA

DE QUALQUER VÍCIO CAPAZ DE INFIRMÁ-LO OU ALTERÁ-LO. 3. RECURSO

DESPROVIDO. (TJ-DF - APC: 20100110182417 DF 0009968-36.2010.8.07.0001,

Relator: CARLOS RODRIGUES, Data de Julgamento: 21/08/2013, 3ª Turma

Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 18/09/2013. Pág.: 132).

APELAÇÃO - LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - CONTRATO DE SEGURO FIANÇA

LOCATÍCIA - PEDIDO INDENIZATÓRIO - IMPROCEDÊNCIA - SEGURO COM

COBERTURA DE FALTA DE PAGAMENTO DE ALUGUEL - COBERTURA NÃO

PREVISTA PARA ENCARGOS DE CONDOMÍNIO, IPTU E LUZ - VALIDADE -

COBERTURA BÁSICA FIXADA EM R$ 72.000,00 - VALOR EQUIVALENTE AO

ALUGUEL MENSAL DE R$ 6.000,00 PELO PERÍODO DE UM ANO - FORÇA

VINCULANTE DOS CONTRATANTES - SEGURANÇA JURÍDICA -

OBRIGATORIEDADE DO RESPEITO AO PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE DOS

CONTRATOS - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - REFORMA. É preciso sempre

destacar a importância para a segurança jurídica, o respeito à força vinculante

dos contratos. Esse princípio da intangibilidade dos contratos é tão

impressionante, que alguns civilistas equiparam a sua força à força da lei. O

seguro é um fundo administrado por quem se propõe a pagar uma indenização

na hipótese de um sinistro, no qual todos os segurados participam para a sua

constituição, mediante o pagamento de um prêmio, a fim de que na

eventualidade do sinistro, o dano possa ser reparado, ou pelo menos diminuído.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 147

É o espírito de comunidade que inspira a ideia do seguro. É a reunião de todos

os que participam daquele fundo administrado pelo seguro, no momento em

que um de seus integrantes sofre o sinistro, que se faz presente no momento

do pagamento da indenização. Por isso mesmo, o cálculo atuarial, efetuado

com base nas leis da estatística, ampara o administrador daquele fundo, a

Seguradora, para estabelecer os valores que compõem as duas principais

âncoras de um seguro: o valor do prêmio e o valor do capital garantido. A partir

desses dados, descabe na hipótese o pedido de pagamento além dos valores da

locação, considerados os termos da apólice de seguro fiança anexado nestes

autos, excluindo expressamente a cobertura dos referidos encargos. RECURSO

PROVIDO. (TJ-SP - APL: 9137348632007826 SP 9137348-63.2007.8.26.0000,

Relator: Amorim Cantuária, Data de Julgamento: 15/03/2011, 25ª Câmara de

Direito Privado, Data de Publicação: 17/03/2011).

EMPRÉSTIMO BANCÁRIO - REVISÃO CONTRATUAL. Possibilidade de revisão de

cláusulas inseridas em contrato de empréstimo bancário. Contrato de adesão,

com desequilíbrio entre as partes, sendo o princípio da intangibilidade mitigado

à luz da sua função social, da cláusula geral da boa-fé objetiva, e das normas

protetivas de defesa do consumidor, que preveem nulidade das cláusulas que

coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. Requerida prova pericial,

a instituição financeira não trouxe aos autos os documentos necessários à sua

realização, tendo, por isso, a consequência desfavorável de ter a questão

decidida contra si. Manutenção da sentença. Negado seguimento ao recurso.

(TJ-RJ - APL: 02123635220088190001 RJ 0212363-52.2008.8.19.0001, Relator:

DES. EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS, Data de Julgamento: 19/03/2014,

DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 16/04/2014 10:14).

Pacta Sunt Servanda (princípio da obrigatoriedade)

É princípio que ainda se impõe às relações contratuais, pois, se assim não o

fosse, estaríamos autorizando o cumprimento voluntário (moral) das relações

obrigacionais. No entanto, veremos que os novos princípios contratuais

estabelecem certa flexibilização à obrigatoriedade, ou seja, os contratos são

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 148

vinculantes e devem ser cumpridos, desde que observada função social, boa-fé,

probidade e normas de ordem pública.

Vamos ver como esse princípio tem aparecido na jurisprudência?

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO.

INCIDÊNCIA DO CDC. POSSIBILIDADE. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA

SUNT SERVANDA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INVIABILIDADE DE

CUMULAÇÃO COM OS DEMAIS ENCARGOS MORATÓRIOS. AGRAVO NÃO

PROVIDO. 1. No pertinente à revisão das cláusulas contratuais, a legislação

consumerista, aplicável à espécie, permite a manifestação acerca da existência

de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta

sunt servanda. Precedentes. 2. "A importância cobrada a título de comissão de

permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e

moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média

de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período

de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e

c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52,

§ 1º, do CDC". (REsp nº 1.058.114/RS e REsp nº 1.063.343/RS, Segunda

Seção, Rel. p/ acórdão o Min. João Otávio de Noronha, DJe de 16/11/2010). 3.

Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 1422547

RS 2013/0397031-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de

Julgamento: 20/02/2014, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe

14/03/2014).

LOCAÇÃO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO.

CLÁUSULA CONTRATUAL RESOLUTIVA. OBSERVÂNCIA. PRINCÍPIO PACTA

SUNT SERVANDA. ALUGUERES. DESCUMPRIMENTO PELA LOCATÁRIA.

FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 283/STF. INCIDÊNCIA. 1. O

locatário, durante o prazo determinado, poderá devolver o imóvel alugado

mediante o pagamento da multa pactuada, ex vi do disposto no art. 4º da Lei

n. 8.245/91. Por sua vez, o art. 56 da referida norma legal dispõe que "o

contrato por prazo determinado cessa, de pleno direito, findo prazo estipulado,

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 149

independentemente de notificação ou aviso". 2. Havendo previsão contratual de

liberação de eventuais ônus da rescisão em face da natureza do negócio

avençado, este deve ser respeitado, em homenagem ao princípio pacta sunt

servanda. 3. Embora o Tribunal estadual tenha consignado que, durante a

vigência do contrato, houve descumprimento da cláusula quarta pela

recorrente, esta deixou de enfrentar o tema em suas razões. Incidência da

Súmula n. 283/STF. 4. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no Ag:

1277790 SP 2010/0027109-3, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de

Julgamento: 23/11/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe

13/12/2010).

"CONTRATO COMERCIAL". RELAÇÃO JURÍDICA DE NATUREZA CIVIL.

INCIDÊNCIA DAS REGRAS DE DIREITO CIVIL. PACTA SUNT SERVANDA. As

cláusulas contratuais têm força vinculante entre os contraentes, eis que

expressão de vontade dos mesmos. Por isso, não é permitido a qualquer um

deles a liberação unilateral, mas apenas se decorrente do desejo mútuo. Código

Civil, art. 427 e 472. (TRT-2 - RO: 15527120105020 SP

00015527120105020065 A28, Relator: SERGIO WINNIK, Data de Julgamento:

10/09/2013, 4ª TURMA, Data de Publicação: 20/09/2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. POSSE (BENS

IMÓVEIS) ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. PACTA SUNT SERVANDA.

O acordo realizado pelas partes há mais de 4 (quatro) anos tem cláusula

expressa com relação a sua duração, bem como a desnecessidade de

notificação da parte agravada, devendo ser cumprido nos seus termos. Decisão

mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (Agravo

de Instrumento Nº 70056806243, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de

Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 14/10/2013) (TJ-RS -

AI: 70056806243 RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento:

14/10/2013, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça

do dia 17/10/2013).

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 150

Todos esses princípios clássicos foram tratados como (praticamente) absolutos

durante quase todo o Estado Liberal. A igualdade apenas formal acabou por

impedir, por exemplo, o reconhecimento da possibilidade de intervenção estatal

nos contratos, de revisão contratual ou até mesmo da resolução por

onerosidade excessiva, o que sem dúvida acabou gerando práticas abusivas,

contratos desiquilibrados e efeitos econômicos e sociais bastante desastrosos.

A rigidez demasiada desses princípios e sua inflexibilidade decorriam da

compreensão de que o contrato era fruto de ajustes de vontades de partes que

atuavam em condições de igualdade formal e substancial e, portanto, a vontade

manifestada era suficiente para determinar o efeito vinculativo. Inimaginável,

portanto, qualquer forma de intervenção que se destinasse a corrigir eventuais

falhas dessas manifestações de vontade o que, sem dúvida, deu origem a

inúmeras injustiças escondidas sob o falso manto da dita segurança jurídica.

Princípio da autonomia privada

Embora muitos autores utilizem autonomia privada e autonomia da vontade

como expressões sinônimas, tecnicamente não se confundem. Ensina Francisco

Amaral (2008) que vontade psicológica e vontade jurídica não são sempre

coincidentes. A Psicologia estuda a vontade no campo do ser e dos meios

eficientes para realizá-la. O Direito aprecia a vontade no campo do dever ser,

reconhecendo-a como fatos de eficácia jurídica nos limites e na forma por ele

mesmo estabelecidos. Daí a diferenciação entre autonomia da vontade e

autonomia privada.

A autonomia da vontade decorre da manifestação de liberdade individual; já

a autonomia privada é o poder de criar, nos limites da lei, normas contratuais.

Dessa forma, a expressão autonomia da vontade tem conotação subjetiva,

psicológica; enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no

Direito de um modo objetivo e concreto.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 151

Autonomia privada “é o poder que os particulares têm de regular pelo

exercício de sua própria vontade, as relações de que participam, estabelecendo-

lhes o conteúdo e a respectiva disciplina jurídica” (AMARAL, 2011, p. 347). É,

portanto, fundamento para a realização de contratos atípicos (art. 425, CC).

Podemos resumir as diferenças entre autonomia da vontade e autonomia

privada da seguinte forma:

Autonomia da Vontade

• Ser

• Conotação subjetiva

• Manifestação da liberdade individual

• Liberdade de contratar

• Não exige capacidade de fato

Autonomia Privada

• Dever ser

• Conotação objetiva

• Poder de autorregulamentação

• Liberdade Contratual

• Exige capacidade de fato

Princípio da relatividade dos efeitos dos contratos

Princípio de origem romana (em virtude do caráter personalíssimo das

obrigações) que reconhecia que os contratos apenas geravam efeitos entre as

partes contratantes (res inter alios acta aliis neque nocere neque prodesse

potest - os atos concluídos por uns não podem beneficiar ou prejudicar a

outrem), não atingindo terceiros e, tão pouco, operando efeitos no meio social.

Por meio desse princípio reconhecia-se que o contrato era mero instrumento de

realização de interesses pessoais, não lhe conferindo nenhum valor social.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 152

É princípio que se refere à eficácia do contrato que, segundo afirma-se, só é

apto a produzir efeitos em relação às partes e ao objeto que fazem diretamente

parte do ajuste.

Com base nesse princípio, não se autoriza a terceiro (estranho à relação

contratual): exigir o conhecimento da existência ou do conteúdo do contrato;

exigir atuação (positiva ou negativa) das partes contratantes em relação ao

contrato.

Atenção

No entanto, o próprio Código Civil reconhece duas figuras

contratuais que produzem efeitos com relação a terceiros:

promessa de fato de terceiro (arts. 439 e 440, CC) e estipulação

em favor de terceiro (arts. 436 a 438, CC). Como também

reconhece-se eficácia externa ao se estipular a função social dos

contratos como princípio orientador da prática contratual (art.

421, CC).

Princípio da intangibilidade dos contratos

Reconhecido que o contrato era mero instrumento de satisfação de interesses

particulares das partes contratantes, o princípio da intangibilidade (intimamente

associado ao da obrigatoriedade) impedia qualquer intervenção (inclusive

estatal) sobre o conteúdo das avenças. Em sua concepção liberal, era o que

tornava o conteúdo dos contratos obrigatório, independente do equilíbrio ou da

justiça de seus resultados.

Pacta Sunt Servanda (princípio da obrigatoriedade)

Conhecido pelo brocardo “o contrato faz lei entre as partes”, por longo período

de tempo, foi princípio determinante das relações contratuais, o que significava

que uma vez que as partes se vinculassem por meio de um contrato, a ele

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 153

deveriam dar cumprimento, independente de estarem suas prestações

equilibradas ou não. Tratava de dar amplo reconhecimento à liberdade

contratual (autonomia privada), tendo por fundamentos: a necessidade de

segurança jurídica e a intangibilidade dos contratos.

O pacta sunt servanda à luz do modelo liberal se justificava em virtude do

reconhecimento da ampla liberdade contratual e a compreensão de que os

contratos só geravam efeitos entre as partes contratantes.

Partia-se do pressuposto de que todos os contratos eram paritários, atuando as

partes em plena igualdade de condições, sendo, portanto seu conteúdo

obrigatório uma vez preenchidos os requisitos de existência, validade e eficácia

estabelecidos em lei. Em resumo: tratava-se de atribuir ampla vinculatividade

ao ajuste pela simples manifestação volitiva das partes contratantes.

Função dos princípios

Sabemos que a função dos princípios é tornar compreensível o sistema jurídico

a partir de preceitos já estabilizados. No entanto, os princípios não podem e

não devem ser considerados imutáveis, seu conteúdo pode ser alterado de

acordo com as necessidades e evolução social. Assim ocorreu com os princípios

clássicos contratuais, cuja centralização na valorização do voluntarismo acabou

permitindo e fomentando inúmeras injustiças contratuais.

Princípios contratuais contemporâneos

Agora que você já estudou os princípios contratuais clássicos e os efeitos de

sua absolutização, vamos iniciar o estudo dos princípios contratuais

contemporâneos, fruto do Estado Social e do reconhecimento de que as

relações privadas, por poderem gerar também reflexos sociais, não poderiam

mais continuar livremente regulamentadas pela vontade das partes. São

princípios contratuais do Estado Social:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 154

• Boa-fé Objetiva

• Probidade

• Função Social

• Dirigismo Contratual

Princípio da Função Social dos Contratos (princípio da

socialidade)

Vimos nas aulas anteriores que o Código Civil de 2002 manteve, no que foi

possível, as disposições da codificação anterior, mas, agora, preocupando-se

com os interesses sociais, incorporou a socialidade como elemento norteador.

“A função social dos contratos consiste em abordar a liberdade contratual em

seus reflexos sobre a sociedade (terceiros) e não apenas no campo das

relações entre as partes que o estipulam (contratantes)” (Humberto Theodoro

Júnior), valorizando-se, dessa forma, não apenas o desenvolvimento econômico

(como o fazia o Estado Liberal), mas impondo também a observação do

desenvolvimento social (Estado Social).

Tem por finalidade, portanto, legitimar a liberdade contratual e não extingui-la.

A partir da imposição da função social pela ordem jurídica, reconhece-se que a

liberdade negocial não pode ser absoluta, devendo ser exercida de acordo com

o bem-estar social e os valores éticos e jurídicos reconhecidos pela legislação.

Trata-se, portanto, de limite externo (negativo - ampla oponibilidade a terceiros

e ao meio social) e interno (positivo - finalidade da atividade contratual em

relação às partes contratantes) à autonomia privada, ou seja, a função social

do contrato serve não apenas de garantia individual aos contratantes, mas

também impõe o atendimento a interesses sociais.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 155

Princípio da boa-fé objetiva (princípio da eticidade) x boa-fé

subjetiva

Intimamente ligada ao princípio da socialidade está o princípio da eticidade. No

entanto, antes de a analisarmos como princípio e cláusula geral, é preciso

lembrar que a boa-fé pode ser:

Subjetiva: é forma de conduta (psicológica) que diz respeito ao estado mental

subjetivo dos contratantes. Cria apenas deveres de conduta moral negativos

(não prejudicar o outro), uma vez que de concepção exclusivamente moral.

Representa o estado de consciência e de convencimento individual e subjetivo

com relação ao ato que se está a praticar, ou seja, destina-se a tutelar a

confiança de quem acredita em uma situação fática aparente. É, por exemplo,

critério de classificação da posse (art. 1.201, CC) e de ressarcimento de

benfeitorias úteis e necessárias (art. 1.219, CC).

Objetiva: é norma de conduta que determina relações de cooperação entre as

partes contratantes, que devem se conduzir de forma leal e honesta, agindo

com retidão. Cria, portanto, deveres de conduta positiva (cooperação) e

negativa (não lesar a outra parte), ou seja, tutela a confiança de quem

acreditou no comportamento exteriorizado pela outra parte. Por ter conceito

aberto e vago, o intérprete deverá se valer da análise da situação concreta para

estabelecer se a conduta foi realizada conforme um padrão (médio) e objetivo

de conduta leal.

Princípio da probidade

Também expresso no art. 422, CC, ao lado do princípio da boa-fé objetiva, com

ele não se confunde, sendo considerado um dos aspectos objetivos da boa-fé.

Pelo princípio da eticidade, avalia-se o comportamento das partes contratantes

entre si; já pelo princípio da probidade se analisa o comportamento das partes

contratantes em conformidade com o meio social em que o contrato foi

realizado.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 156

A probidade traz consigo a noção de justiça, de equilíbrio e comutatividade das

prestações avençadas.

Resulta, portanto, do confronto entre o comportamento do contratante e o

padrão de homem médio leal e honesto e, por isso, só pode ser verificada na

análise do caso concreto.

Princípio do dirigismo contratual

A partir do momento em que se reconheceu que os contratos também podem

gerar efeitos para terceiros ou no meio social, determinou-se, também, a

possibilidade de intervenção do Poder Público em relações contratuais, por

meio de normas de ordem pública, natureza cogente e interesse social e por

meio do Judiciário a fim de se controlar o individualismo contratual.

Normas de ordem pública: são as que disciplinam instituições jurídicas

fundamentais e tradicionais com o objetivo de garantir segurança das relações

jurídicas.

Normas cogentes: são as que estabelecem um único sistema de conduta

para tutelar interesse social.

Normas de interesse social: são as que disciplinam relações sociais

marcadas pela desigualdade entre as partes que se relacionam.

Tipos de dirigismo contratual

O dirigismo consiste, então, na regulação do conteúdo do contrato por

disposições imperativas e pode ocorrer das seguintes formas:

Dirigismo jurisprudencial - o juiz, respaldado pela lei, tem o poder de rever

acordos ou declarar sua extinção.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 157

Dirigismo legislativo - ocorre na fase pré-contratual como as limitações

impostas pela Lei da Usura (Decreto n. 22.626/33), Lei dos Crimes contra a

Economia Popular (Lei n. 1.521/51), Lei de Luvas (Decreto n. 24.150/34),

Código de Defesa do Consumidor, Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91), etc.

Esse conjunto de normas visa garantir a igualdade substancial entre as partes

contratantes, impedindo a estipulação de prestações desequilibradas,

excessivamente onerosas, contrárias à lei ou à moral...

São normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, limitando-

se, dessa forma, a liberdade contratual em virtude da necessidade de

manutenção e proteção da ordem pública (ordem considerada indispensável à

organização estatal e à sociedade).

O dirigismo contratual é, portanto, uma resposta do Estado às injustiças

decorrentes de relações contratuais, limitando-se a autonomia privada a partir

dos preceitos de igualdade formal e justiça social.

Visão geral - princípios contemporâneos

Os princípios contemporâneos: função social, boa-fé objetiva, probidade e

dirigismo contratual, portanto, não extinguem os princípios clássicos contratuais

e a compreensão não poderia ser diferente.

função social

boa-fé objetiva

probidade

dirigismo contratual

Os princípios coexistem, sendo os clássicos agora relativizados ou harmonizados

pelos princípios contemporâneos, o que lhes confere maior flexibilidade a fim de

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 158

atender às noções de dignidade da pessoa humana, igualdade (formal e

material) e justiça social.

Princípio da Função Social dos Contratos (princípio da socialidade)

Então, embora não previsto expressamente na Constituição Federal, entende-se

ser princípio decorrente da função social da propriedade, esta sim, prevista nos

arts. 5o. e 170, CF. Tratando-se o patrimônio de uma pessoa de um conjunto

de relações jurídicas ativas e passivas com valor econômico, natural é concluir

que o contrato faz parte desse patrimônio e, portanto, também deve ter função

social. A propriedade, diz-se, é a parte estática da atividade econômica,

enquanto o contrato é a parte dinâmica. É por isso que o art. 421, CC, o prevê

expressamente como uma cláusula geral (do tipo restritivo e regulativo) e um

princípio contratual, representando, assim, o que a doutrina convencionou

chamar de contrato constitucionalizado.

Antes de tentarmos definir o que seria a função social dos contratos, é

necessária uma advertência: a função social não exclui a função econômica dos

contratos, apenas a mitiga, passando-se a valorizar a ideia constitucional de

solidariedade social, reconhecedo-se também nos contratos uma função de

desenvolvimento social.

Nesse sentido, Giorgio Oppo afirma que o interesse geral aqui não opera como

dever de ação nem como pretensa ação, mas como sobrecarga. Assim, a

relação com o interesse geral não se exaure nos termos da proclamada função

social, mas é nela mesma estimada, no seu exercício e na acessibilidade

correspondente, o que a faz absorver uma síntese de outros valores, em

especial a utilidade social. Nesse sentido, é a função assegurada pela lei, não

decorrendo de sua adoção as noções de assistencialismo ou de amparo aos

desvalidos.

Então, este é o nosso ponto de partida: a função social dos contratos não lhe

retira a função econômica. Ao contrário, a mantém, no entanto, harmonizando

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 159

os interesses particulares das partes contratantes aos interesses sociais (efeitos

sociais decorrentes dos contratos). É princípio que se preocupa com os efeitos

junto à ordem econômica, pois as preocupações com o comportamento ético

das partes contratantes é problema de outro princípio (o da eticidade ou boa-fé

objetiva).

Embora reconhecidamente de definição imprecisa, Caio Mário da Silva Pereira

(p. 14) afirma ser a função social do contrato “um princípio moderno que vem a

se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da autonomia da

vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da

relatividade de seus efeitos. Como princípio novo ele não se limita a se justapor

aos demais, antes pelo contrário, vem desafiá-los e em certas situações impedir

que prevaleçam, diante do interesse social maior”.

Destaca Mônica Bierwagen (2003, p. 47) que “o atendimento à função social do

contrato, portanto, oberva-se tanto da ótica individual-coletiva, uma vez que a

garantia de igualdade de condições aos contratantes ao permitir a justa

circulação de riquezas resulta num bem-estar coletivo, quanto da ótica coletivo-

individual, em que a proteção do grupo social é, em última instância, o

asseguramento da igualdade e da liberdade individuais”.

Humberto Theodoro Junior elenca como exemplos de função social do contrato

prejudicada pelo abuso da liberdade de contratar:

- Induzir a massa de consumidores a contratar a prestação ou aquisição de

certo serviço ou produto sob influência de propaganda enganosa;

- Alugar imóvel em zona residencial para fins comerciais incompatíveis com o

zoneamento da cidade;

- Ajustar contrato simulado para prejudicar terceiros;

- Qualquer negócio de disposição de bens em fraude de credores;

- Qualquer contrato que, no mercado, importe o exercício de concorrência

desleal;

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 160

- Desviar-se a empresa licitamente estabelecida em determinado

empreendimento, para a contratação de operações legalmente permitidas,

como, por exemplo, uma fatorizadora que passa a contratar depósitos,

como se fosse uma instituição bancária;

- Agência de viagens que sob a aparência de serviço de seu ramo, contrata

na realidade o chamado turismo sexual, ou a mediação no contrabando ou

em atividades de penetração ilegal em outros países;

- Qualquer tipo de contrato que importe desvio ético ou econômico de

finalidade, com prejuízo para terceiros.

Vamos ver como esse princípio vem se apresentando na jurisprudência?

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. LITISDENUNCIAÇÃO.

SEGURADORA. CONDENAÇÃO E EXECUÇÃO DIRETA E SOLIDÁRIA.

POSSIBILIDADE. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE SEGURO. SÚMULA

83/STJ. 1. Comparecendo a seguradora em juízo, aceitando a denunciação da

lide feita pelo réu e contestando o pedido principal, assume a condição de

litisconsorte passiva. 2. Possibilidade de ser condenada e executada, direta e

solidariamente, com o réu. 3. Por se tratar de responsabilidade solidária, a

sentença condenatória pode ser executada contra qualquer um dos

litisconsortes. 4. Concreção do princípio da função social do contrato de seguro,

ampliando o âmbito de eficácia da relação contratual. 5. Precedentes

específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ. 6. AGRAVO REGIMENTAL

DESPROVIDO. (STJ - AgRg no REsp: 474921 RJ 2002/0133060-1, Relator:

Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 05/10/2010,

T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/10/2010).

RESCISÃO CONTRATUAL - IMÓVEL - APLICAÇÃO TEORIA DO ADIMPLEMENTO

SUBSTANCIAL - POSSIBILIDADE - BOA-FÉ - FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS

- SENTENÇA MANTIDA. Quando há comprovação do pagamento da maioria da

dívida, não cabe resolução contratual, sob pena de ferir os princípios da função

social dos contratos e boa-fé dos contratantes. A boa-fé objetiva, face ao

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 161

pequeno valor do débito remanescente, obstaculariza o exercício do direito

resolutório do contrato, diante do sacrifício excessivo do devedor, que já pagou

a maior parte do bem adquirido à moradia dele. A impossibilidade da rescisão

não obsta a obtenção do restante do valor devido, em ação própria. (TJ-MG -

AC: 10024101258671001 MG , Relator: Newton Teixeira Carvalho, Data de

Julgamento: 16/01/2014, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de

Publicação: 24/01/2014).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - PURGA DA

MORA SUPOSTAMENTE FORA DO PRAZO - POSSIBILIDADE - FUNÇÃO SOCIAL

DO CONTRATO. - As normas e os princípios da lei civil buscam a preservação

dos contratos, e a quebra do vínculo contratual pode ser mitigada para que o

contrato cumpra sua função social. AGRAVO DE INSTRUMENTO

1.0625.13.008573-5/001 - COMARCA DE SÃO JOÃO DEL-REI - AGRAVANTE:

AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A - AGRAVADA:

ANALINE TEREZINHA DO AMARAL (TJ-MG - AI: 10625130085735001 MG,

Relator: Batista de Abreu, Data de Julgamento: 24/04/2014, Câmaras Cíveis /

16ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/05/2014).

DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. IMISSÃO NA POSSE. COMPRA E VENDA

DE IMÓVEL. POSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA. PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO

SOCIAL DO CONTRATO E DA PROPRIEDADE. 1. O CANCELAMENTO

AUTOMÁTICO DA VENDA DO IMÓVEL AO AUTOR, SEM OPORTUNIZAR-LHE A

REGULARIZAÇÃO, FERE OS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E

DA PROPRIEDADE. 2. EM FACE DOS COMANDOS CONSTITUCIONAIS QUE

IMPRIMEM PROPÓSITO MAIS AMPLO AOS NEGÓCIOS JURÍDICOS, NÃO SE

PODE ATRIBUIR SENTIDO ABSOLUTO ÀS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. AINDA

MAIS SE ACRESCENTANDO O FATO DE, NO CASO DOS AUTOS, TER

INCORRIDO A ADMINISTRAÇÃO EM ERROS DE PROCEDIMENTOS POR ELA

PRÓPRIA RECONHECIDOS. 3. CONSOANTE DISPOSIÇÃO DOS ARTIGOS 421 E

422 DO CÓDIGO CIVIL, OS CONTRATANTES SÃO OBRIGADOS A GUARDAR,

ASSIM NA CONCLUSÃO DO CONTRATO COMO EM SUA EXECUÇÃO, OS

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 162

PRINCÍPIOS DE PROBIDADE E BOA-FÉ. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJ-DF - APC: 20130110249547 DF 0001306-27.2013.8.07.0018, Relator:

SEBASTIÃO COELHO, Data de Julgamento: 19/02/2014, 5ª Turma Cível, Data

de Publicação: Publicado no DJE : 26/02/2014 . Pág.: 147).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE MANUTENÇÃO DO CONTRATO.

PLANO DE SAÚDE COLETIVO. REAJUSTE DA MENSALIDADE. SINISTRALIDADE.

ABUSIVIDADE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 421, 422 E 423 DO CCB. DENÚNCIA

POR PARTE DA SEGURADORA. DESCABIMENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA

BOA-FÉ OBJETIVA E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. DERAM PROVIMENTO

AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70052011038, Sexta Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em

08/05/2014) (TJ-RS - AC: 70052011038 RS, Relator: Luís Augusto Coelho

Braga, Data de Julgamento: 08/05/2014, Sexta Câmara Cível, Data de

Publicação: Diário da Justiça do dia 15/05/2014).

Assim, para se ter como cumprida a função social do contrato, não basta se

restringir a observar os modernos princípios do direito contratual – a autonomia

privada, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual – porque tais princípios têm

eminentemente uma relação com o conteúdo do contrato. Para que se conceba

um conceito adequado de função social do contrato, é preciso que se busque

também um elemento externo ao contrato, ou seja, o elemento social - o bem

comum.

Princípio da Boa-Fé Objetiva (princípio da eticidade)

Ensina Caio Mário da Silva Pereira (p. 21) que “a boa-fé objetiva serve como

elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres

jurídicos (dever de correção, de cuidado e segurança, de informação, de

cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e

ruptura de direito (proibição do venire contra factum proprium, que veda que a

conduta da parte entre em contradição com conduta anterior, do inciviliter

agere, que proíbe comportamentos que violem o princípio da dignidade da

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 163

pessoa humana, e da tu quoque, que é a invocação de uma cláusula ou regra

que a própria parte já tenha violado)”. Em resumo, a boa-fé tem por funções:

interpretação e integração; criação de deveres jurídicos e limitação a exercício

de direitos. Por isso, a boa-fé objetiva enseja, também, a caracterização de

inadimplemento mesmo quando não haja mora ou inadimplemento absoluto do

contrato. É o que a doutrina chama de violação positiva da obrigação ou do

contrato. Ex.: deixar de cumprir um dos deveres anexos ou secundários: dever

de esclarecimento, de proteção, de conservação, de lealdade, de cooperação...,

bastante comum em contratos que decorrem de relações de consumo. Lembre-

se, a boa-fé, prevista no art. 422, CC, como princípio contratual é a boa-fé

objetiva, cláusula geral e princípio contratual que deve ser aplicada a todas as

fases: pré, contratual e pós-contratual, obrigando aos contratantes agirem

entre si com lealdade e transparência, garantindo segurança à relação jurídica.

Por isso, afirma-se: a boa-fé se presume, a má-fé se prova.

Realiza-se, por exemplo, no reconhecimento de que o sentido literal da

linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifesta das partes

contratantes (art. 112, CC). Ou na vedação de valer-se da própria torpeza (arts.

150 e 180, CC).

Humberto Theodoro Junior elenca como exemplos da quebra da boa-fé

objetiva: venda de aparelho elétrico que se queima em pouco prazo; ou de

mecanismo que se estraga por falta de instruções acerca de seu manuseio

correto; a recusa de assistência e orientação quando o aparelho novo ainda

apresenta falhas ou defeitos; o emprego, no conserto de automóvel de peças

recondicionadas sem esclarecimento ao proprietário, etc.

A boa-fé objetiva também cria o que a doutrina chama de deveres anexos

(laterais, secundários, instrumentais ou acessórios) que, nas palavras de Teresa

Negreiros (1998, p. 440), são “deveres que se referem ao exato processamento

da relação obrigacional, isto é, à satisfação dos interesses globais envolvidos,

em atenção a uma identidade finalística, constituindo o complexo conteúdo da

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 164

relação que se unifica funcionalmente”. São deveres diretamente decorrentes

do princípio da boa fé-objetiva que se destinam ao bom desempenho da

relação contratual.

Assim, por exemplo, o princípio da confiança seria realizado juntamente com os

deveres instrumentais (anexos ou laterais) como o de cooperação mútua, de

informação e aviso, de colaboração recíproca, de esclarecimentos, de cuidado,

de previdência, de proteção e cuidado, de segurança, de sigilo, deveres que

atuam autonomamente em relação à obrigação principal, mas que devem

obrigatoriamente ser sempre observados pelas partes contratantes, como forma

de manter íntegro o contrato e os fins a que se destina.

Vamos ver como esse princípio vem se apresentando na jurisprudência?

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL

PRÉ-CONTRATUAL. NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES. EXPECTATIVA LEGÍTIMA

DE CONTRATAÇÃO. RUPTURA DE TRATATIVAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA

BOA-FÉ OBJETIVA. JUROS DE MORA. TERMO A QUO. DATA DA CITAÇÃO. 1.

Demanda indenizatória proposta por empresa de eventos contra empresa

varejista em face do rompimento abrupto das tratativas para a realização de

evento, que já estavam em fase avançada. 2. Inocorrência de maltrato ao art.

535 do CPC quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia

com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, não estando o

magistrado obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pelas

partes. 3. Inviabilidade de se contrastar, no âmbito desta Corte, a conclusão do

Tribunal de origem acerca da expectativa de contratação criada pela empresa

varejista. Óbice da Súmula 7/STJ. 4. Aplicação do princípio da boa-fé objetiva

na fase pré-contratual. Doutrina sobre o tema. 5. Responsabilidade civil por

ruptura de tratativas verificada no caso concreto. 6. Inviabilidade de se

analisar, no âmbito desta Corte, estatutos ou contratos de trabalho, para se

aferir a alegada inexistência de poder de gestão dos prepostos participarem das

negociações preliminares. Óbice da Súmula 5/STJ. 7. Controvérsia doutrinária

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 165

sobre a natureza da responsabilidade civil pré-contratual. 8. Incidência de juros

de mora desde a citação (art. 405 do CC). 9. Manutenção da decisão de

procedência do pedido indenizatório, alterando-se apenas o termo inicial dos

juros de mora. 10. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA

PARTE, PARCIALMENTE PROVIDO. (STJ - REsp: 1367955 SP 2011/0262391-7,

Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento:

18/03/2014, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2014).

PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

CIVIL. PLANO DE SAÚDE. NÃO RENOVAÇÃO. FATOR DE IDADE. OFENSA AOS

PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA COOPERAÇÃO, DA CONFIANÇA E DA

LEALDADE. AUMENTO. EQUILÍBRIO CONTRATUAL. CIENTIFICAÇÃO PRÉVIA DO

SEGURADO. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE

ANÁLISE EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO

COMPROVAÇÃO. 1. Na hipótese em que o contrato de seguro de vida é

renovado ano a ano, por longo período, não pode a seguradora modificar

subitamente as condições da avença nem deixar de renová-las em razão do

fator de idade, sem que ofenda os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação,

da confiança e da lealdade. 2. A alteração no contrato de plano de saúde

consistente na majoração das prestações para o equilíbrio contratual é viável

desde que efetuada de maneira gradual e com a prévia cientificação do

segurado. 3. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria de

competência do STF, ainda que para prequestionar matéria constitucional, sob

pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Lei

Maior. 4. A comprovação do dissídio jurisprudencial viabilizador do recurso

especial requer bases fáticas e contextos jurídicos semelhantes com desfechos

jurídicos diversos. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no AREsp:

218712 RS 2012/0172829-0, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,

Data de Julgamento: 03/10/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação:

DJe 10/10/2013).

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 166

RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL.

JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. PROTESTO LEGÍTIMO.

SUPERVENIÊNCIA DE PAGAMENTO. ENTREGA DA CARTA DE ANUÊNCIA. NÃO

COMPROVAÇÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. INÉRCIA DO CREDOR. CONDUTA

INCOMPATÍVEL COM A BOA-FÉ OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS

MORAIS. CABIMENTO. 1. Inocorrência de julgamento extra petita. 2. Constitui

ônus do próprio devedor a baixa do protesto de título representativo de dívida

legítima. Precedentes desta Corte. 3. Dever do credor, porém, após receber

diretamente o valor da dívida, de fornecer ao devedor os documentos

necessários para a baixa do protesto. 4. Desnecessidade de requerimento

formal do devedor. 5. Concreção do princípio da boa-fé objetiva. Doutrina sobre

o tema. 6. Inércia do credor que configurou, no caso, ato ilícito, reconhecido

pelas instâncias ordinárias, gerando obrigação de indenizar. 7. "A pretensão de

simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Súmula 7/STJ). 8.

RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (STJ - REsp: 1346428 GO 2011/0186059-0,

Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento:

09/04/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/04/2013).

AÇÃO DE COBRANÇA - DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL - QUEBRA DA BOA-FÉ

OBJETIVA. - Tendo uma das partes contratuais atuado de forma contrária à

boa-fé objetiva, descumprindo sua obrigação contratual, deve haver

acolhimento da pretensão inicial, para que ela seja compelida a cumprir o

ajuste feito. (TJ-MG - AC: 10145120235448001 MG, Relator: Pedro Bernardes,

Data de Julgamento: 10/09/2013, Câmaras Cíveis / 9ª CÂMARA CÍVEL, Data de

Publicação: 16/09/2013).

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROGRAMA TELEVISIVO DE

PERGUNTAS E RESPOSTAS - BOA-FÉ OBJETIVA DO PARTICIPANTE -

CONTRATO QUE ESTABELECIA OBRA-BASE COMPOSTA DE DUAS PARTES, UMA

REAL E OUTRA FICTÍCIA - CONTRATO QUE NÃO OBRIGAVA A RESPONDER

ERRADO DE ACORDO COM PARTE FICTÍCIA DA OBRA-BASE - PERDA DE UMA

CHANCE - PECULIARIDADES DO CASO - PREQUESTIONAMENTO INEXISTENTE

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 167

- APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 5, 7, 282 e 356 DO STF. 1. - Programa "Vinte e

Um", de que participante candidato cujo contrato de participação com a

emissora televisiva, como firmado pelo Acórdão, "continha cláusula expressa no

sentido de que a bibliografia básica para a formulação das perguntas seria uma

determinada obra - 'Corinthians é Preto no Branco', a qual continha uma parte

verdadeira, de cor preta, e uma parte fictícia, de cor branca, tendo o candidato

sido desclassificado por responder o resultado correto de uma partida, que não

se encontrava na parte correta, de cor preta, mas que constava, com resultado

errado diverso, na parte fictícia de cor branca. 2. - Acórdão que reconhece

direito à indenização por perda de uma chance de passagem à etapa seguinte,

sob o fundamento de que "o que está implícito na cláusula contratual, a ser

interpretada segundo o princípio da boa-fé objetiva e a causa do negócio

jurídico, é que os dados reais, contidos na parte preta do livro, é que seriam

levados em conta para a aferição da correção das respostas", de modo que,

não constando, a resposta correta, da parte verdadeira, "eventual dubiedade,

imprecisão ou contradição da cláusula deve ser interpretada contra quem a

redigiu, no caso o réu STB", sendo que o julgamento "somente admitiria a

improcedência da ação caso constasse da cláusula contratual o seguinte: I) a

bibliografia que serviria como base das perguntas e respostas abrangerá a

parte branca e a parte preta do livro; II) o programa de televisão versasse

sobre o livro, e não sobre a história real do Corinthians". 3. - Acórdão que, por

fim, funda-se também em "direito difuso à informação exata, desinteressada e

transparente", ao passo que, "no caso concreto, o que foi vendido ao público

telespectador é que um candidato responderia questões variadas sobre o

Corinthians, e não sobre uma obra de ficção sobre o Corinthians", de modo

que, não constando regência contratual do caso pela parte ficcional do livro-

base, "é evidente que se na parte ficcional do livro (parte branca) constasse

que o Corinthians venceu por dez vezes a Taça Libertadores da américa, e por

dez vezes foi campeão do mundo" e se se "formulasse questão a respeito, a

resposta do autor não poderia ser irreal, sob pena de comprometer o formato

do programa e frustrar o próprio interesse do público". 4. - Inocorrência de

violação do disposto no art. 859 e parágrafos do CC/2002 pela procedência da

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 168

ação. 5. - Interpretação do contrato dada pelo Tribunal de origem, após

julgamento em Embargos Infringentes, a qual não pode ser alterada por esta

Corte, sob pena de infringência da Súmula 5/STJ; fatos ocorridos, que

igualmente não podem ser reexaminados, por vedado pela Súmula 7/STJ;

ausência, ademais, de prequestionamento, sem interposição de Embargos de

Declaração, o que leva à incidência das Súmulas 282 e 356/STF. 6. - Recurso

Especial improvido. (STJ - REsp: 1383437 SP 2012/0079391-7, Relator: Ministro

SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 27/08/2013, T3 - TERCEIRA TURMA,

Data de Publicação: DJe 06/09/2013).

Princípio da Probidade

Vamos ver como esse princípio vem se apresentando na jurisprudência?

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO

CONTRATUAL. IMÓVEL DE INVENTÁRIO. QUEBRA DO DEVER DE LEALDADE,

BOA-FÉ E PROBIDADE. OMISSÃO DE DÍVIDAS DA TITULAR DO BEM. A omissão

da existência de pedido de habilitação de crédito, bem como a reserva do bem

averbada no registro de imóveis após a venda deste, tudo com o conhecimento

prévio da promitente vendedora, resulta na quebra dos deveres de lealdade,

boa-fé e probidade que devem reger todas as fases de uma relação contratual.

Inteligência do art. 422 do CC. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº

70058373309, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Gelson Rolim Stocker, Julgado em 27/03/2014) (TJ-RS - AC: 70058373309 RS,

Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento: 27/03/2014, Décima

Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 31/03/2014).

DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO.

OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO

MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO

CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL.

RECURSO IMPROVIDO. 1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância

pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade,

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 169

cooperação e lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes.

Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins.

Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento

jurídico. 3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o

dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas

necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a

perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano.

Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos

deveres de cooperação e lealdade. 4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob

de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter

deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este

cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao

contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do

credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que

a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão

do dano. 5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de

inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte

originária, (exclusão de um ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido.

(STJ - REsp: 758518 PR 2005/0096775-4, Relator: Ministro VASCO DELLA

GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento:

17/06/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2010

REPDJe 01/07/2010).

Princípio do Dirigismo Contratual

Vamos ver como esse princípio vem se apresentando na jurisprudência?

DIREITO ADMINISTRATIVO. INSTITUIÇÃO PRIVADA DE ENSINO. DÉBITO DE

MENSALIDADES. RETENÇÃO DE DIPLOMA COMO MEIO COERCITIVO DE

COBRANÇA. ILEGALIDADE. INTERESSE PÚBLICO NA EDUCAÇÃO. DIRIGISMO

CONTRATUAL. 1. Em face do interesse público que envolvem as relações em

que são partes instituições privadas de educação, na atividade-fim de ensino,

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 170

sujeitam-se a forte dirigismo, que restringe a autonomia da vontade. 2.

Consolidando disposição de sucessivas Medidas Provisórias, estabeleceu a Lei

nº 9.870/99 que são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de

documentos ou a aplicação de quaisquer penalidades pedagógicas por motivo

de inadimplemento do aluno (art. 6º). 3. Remessa oficial a que se nega

provimento. (TRF-1 - REO: 2445 GO 0002445-80.2006.4.01.3503, Relator:

DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento:

19/07/2010, QUINTA TURMA, Data de Publicação: 30/07/2010 e-DJF1 p.153).

AGRAVO INTERNO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. REVISÃO DE

CLÁUSULAS CONTRATUAIS. Critério de reajuste das prestações e do saldo

devedor. Adoção expressa do Plano de Equivalência Salarial (PES) como fator

de correção. Existência de cláusula de aplicação dos índices de reajuste da

caderneta de poupança ao saldo devedor. Previsões contratuais colidentes.

Ineficácia do critério dúplice de reajuste. Contrato de adesão. Interpretação

mais favorável ao mutuário aderente. Inobservância dos deveres de

transparência e lealdade, aplicáveis aos contratos em geral. Dirigismo

contratual harmonizado com a vulnerabilidade do mutuário e o direito

constitucional à moradia. Precedentes deste Tribunal e do STJ. Provimento

parcial do apelo. Sucumbência recíproca reconhecida no julgado monocrático e

em sede de aclaratórios. Decisões mantidas. Recurso a que se nega

provimento. (TJ-RJ - APL: 01472777620048190001 RJ 0147277-

76.2004.8.19.0001, Relator: DES. CARLOS EDUARDO DA ROSA DA FONSECA

PASSOS, Data de Julgamento: 04/02/2014, DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL,

Data de Publicação: 27/02/2014 15:52).

APELAÇÃO - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - RELAÇÃO DE CONSUMO -

CÓDIGO CIVIL - REVISÃO CONTRATUAL - POSSIBILIDADE - JUSTIÇA

GRATUITA - PESSOA FÍSICA - CONCESSÃO. - A intervenção do Estado nas

relações contratuais tornou-se necessária à manutenção da integridade e

eficácia dos direitos fundamentais de segunda geração (direitos sociais,

culturais e econômicos). - O fundamento para o dirigismo contratual e, por

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 171

conseguinte, da revisão do contrato pelo Judiciário, depende do regime jurídico

a que estão vinculados os contratantes. Se houver relação de consumo, aplicar-

se-á o Código de Defesa do Consumidor. Assim, a revisão do contrato ocorrerá

em função da teoria da lesão (art. 6º, V, primeira parte) ou em razão da

cláusula rebus sic stantibus - onerosidade excessiva - (art. 6º, V, 2ª parte).

Todavia, não sendo relação de consumo, utilizar-se-á o Código Civil. Neste

caso, a revisão contratual funda-se na função social do contrato (art. 421) ou

na onerosidade excessiva (arts. 317 e 479). - Nos termos da Lei 1.060/50 e

seguindo o entendimento dos referidos tribunais superiores, basta a simples

declaração de pobreza para que seja deferida a assistência judiciária. Todavia,

se tal instituto não fora apreciado em primeira instância, a sua concessão

aplicar-se-á, somente, em segundo grau, sob pena de supressão de instância.

(TJ-MG - AC: 10702120673729001 MG, Relator: Tibúrcio Marques, Data de

Julgamento: 25/04/2013, Câmaras Cíveis/ 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de

Publicação: 03/05/2013).

Encerramento

Assim, por exemplo, reconhece o Enunciado n. 23, da I Jornada de Direito Civil:

a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não

elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance

desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse

individual relativo à dignidade da pessoa humana.

O que permite a Eroulths Cortiano Junior (2000, p. 33) concluir que “revolta-se

o direito contra as concepções que o colocavam como mero protetor de

interesses patrimoniais, para postar-se agora como protetor direto da pessoa

humana” e, por óbvio, o contrato como parte do tripé clássico do Direito Civil

não poderia passar incólume a esse movimento.

Atividade Proposta

Analise a charge e reflita: por que na prática contratual (em especial nos

contratos de adesão) ainda se pode verificar um grande número de cláusulas

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 172

abusivas que afrontam princípios como o da boa-fé e da função social dos

contratos?

Após a reflexão, você deverá analisar um contrato que tenha assinado

recentemente (faculdade, seguro, plano de saúde, etc.) e da leitura desse

contrato deve ser capaz de identificar no mínimo três cláusulas que afrontem a

boa-fé objetiva ou a função social. Identificadas as cláusulas, justifique de que

maneira elas caracterizam quebra positiva do contrato.

Chave de resposta: De fato, o que se percebe nas práticas comerciais

cotidianas é um grande número de cláusulas abusivas que contrariam preceitos

jurídicos fundamentais, em especial, determinando a inversão dos riscos do

negócio para a parte mais vulnerável. Portanto, ainda que os novos princípios

contratuais estudados nesta aula (boa-fé, probidade, função social, dirigismo

contratual) visem coibir essas práticas, a ausência de punições eficazes a quem

as pratica acaba as perpetuando.

Material complementar

Para saber mais sobre os princípios contratuais, leia os artigos e as

matérias disponíveis em nossa biblioteca virtual.

Referências

AMARAL, Francisco. Direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BAGGIO, Andreza. Teoria contratual pós-moderna. Curitiba: Juruá, 2007.

BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos

contratos no novo código civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2012.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 173

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord.). Função social no direito civil.

2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GODOY, Claudio Luiz Bueno. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva,

2004.

NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2002.

OPPO, G. Diritto privato e interessi pubblici. In: Rivista di Diritto Civile.

Padova: CEDAM, ano XL, n˚ 1, 1994. p. 25-41.

ROSENVALD, Nelson. A função social do contrato. In: EHRHARDT JUNIOR,

Marcos; BARROS, Daniel Conde (Coords.). Temas de direito civil

contemporâneo. Salvador: Podivm, 2009. p. 185-218.

THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. 2. ed. Rio

de Janeiro: Forense, 2004.

Exercícios de fixação

Questão 1

Sobre o conceito de contrato, é correto afirmar que:

I. Segundo a doutrina contemporânea, o contrato é negócio jurídico bilateral

que tem apenas por conteúdo direitos de natureza patrimonial.

II. Segundo a doutrina contemporânea, o contrato é negócio jurídico bilateral

que tem apenas por conteúdo direitos de natureza extrapatrimonial.

III. Contrato é relação jurídica subjetiva destinada à produção de efeitos

jurídicos existenciais e patrimoniais.

IV. Contrato é sinônimo exclusivamente de instrumento contratual, documento

escrito pelo qual se realiza o ajuste.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa III

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 174

Questão 2

Sobre o conceito de contrato, é correto afirmar que:

I. O princípio da função social dos contratos extingue completamente a

liberdade contratual.

II. Autonomia privada e autonomia da vontade são sinônimos que podem ser

utilizados para indicar indistintamente a liberdade contratual.

III. A autonomia privada é princípio de origem personalista que reconhece que

todo indivíduo é livre para contratar e estabelecer o conteúdo contratual.

IV. A negativa de crédito é ato considerado discricionário e que resulta da

autonomia privada, por isso, a mera negativa não é suficiente para causar

danos morais.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa IV

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 3

São princípios contratuais clássicos, EXCETO:

a) Boa-fé objetiva

b) Autonomia privada

c) Pacta sunt servanda

d) Intangibilidade

Questão 4

Sobre o pacta sunt servanda, é correto afirmar que:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 175

I. Em virtude de princípios como a boa-fé e a função social dos contratos, não

se pode mais falar em força obrigatória dos contratos.

II. Classicamente se identifica com o brocardo “o contrato faz lei entre as

partes”.

III. O princípio da obrigatoriedade dos contratos garante em qualquer situação

contratual segurança jurídica.

IV. É princípio que decorre do amplo reconhecimento da liberdade contratual e

que parte do pressuposto que todos os contratos são necessariamente de

adesão.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa II

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 5

Sobre os princípios contratuais clássicos, é correto afirmar que:

I. O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos afirma que os efeitos dos

contratos são necessariamente relativos, não obrigando as partes ao seu

cumprimento.

II. O princípio da autonomia da vontade representa o poder que as partes

contratantes possuem de regular a sua própria vontade, estabelecendo o

conteúdo da relação contratual.

III. O princípio da intangibilidade dos contratos foi concebido completamente

dissociado do princípio da obrigatoriedade dos contratos.

IV. O princípio da obrigatoriedade dos contratos à luz do modelo liberal se

justificava em virtude do reconhecimento da ampla liberdade contratual.

a) Estão corretas I e II

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 176

b) Estão corretas III e IV

c) Está correta a alternativa IV

d) Todas estão corretas

Questão 6

São princípios contratuais contemporâneos, EXCETO:

a) Dirigismo contratual

b) Função social

c) Boa-fé objetiva

d) Autonomia privada

Questão 7

Aplicando-se os princípios contratuais contemporâneos, pode-se afirmar que:

I. O seguro captado em agência bancária sob pena de não renovação do

contrato de conta-corrente com cheque especial caracteriza quebra da boa-fé

objetiva na figura da venda casada.

II. Não caracteriza venire contra factum proprium quando a vendedora de

pequena loja de vestuário auxilia o comprador do estabelecimento assinando os

pedidos de novas mercadorias para viabilizar a continuidade do negócio e os

cancela dias depois sem justo motivo.

III. O cumprimento do contrato de financiamento com a falta apenas do

pagamento da última prestação autoriza o credor a realizar ação de busca e

apreensão do bem em nome do princípio da função social dos contratos.

IV. Negativa de cobertura de procedimento médico coberto obrigatoriamente

por plano de saúde decorre da autonomia privada e, portanto, não caracteriza

quebra do princípio da confiança.

a) Está correta a alternativa I

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 177

b) Está correta a alternativa IV

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 8

Sobre os princípios contratuais contemporâneos, é correto afirmar que:

I. A boa-fé prevista como princípio de direito contratual é a subjetiva, forma de

conduta entre as partes contratantes.

II. A probidade é um dos aspectos objetivos da boa-fé objetiva e traz consigo a

noção de justiça, de equilíbrio e comutatividade das prestações.

III. Os deveres anexos são deveres que decorrem diretamente da função social

dos contratos.

IV. A função social dos contratos retira-lhes a função econômica fazendo

prevalecer de forma absoluta o interesse geral sobre o interesse das partes

contratantes.

a) Está correta a alternativa I

b) Está correta a alternativa II

c) Está correta a alternativa IV

d) Todas estão corretas

Questão 9

Certo ou errado? Os novos princípios contratuais, em especial, a função social

do contrato e a boa-fé objetiva, extinguem os princípios contratuais clássicos,

limitando de forma absoluta a autonomia privada.

a) Certo

b) Errado

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 178

Questão 10

Analise as assertivas abaixo:

I. A função social dos contratos tem por finalidade legitimar a liberdade

contratual harmonizando-a com os interesses sociais.

II. A boa-fé objetiva tem por funções: interpretação e integração contratual;

criação de deveres jurídicos e limitação do exercício de direitos.

III. A probidade é o aspecto subjetivo da boa-fé que exige a observação do

comportamento das partes contratantes entre si.

IV. O dirigismo contratual representa a intervenção do Estado em relações

privadas por meio de normas dispositivas.

a) Apenas I, II e III estão corretas

b) Apenas III e IV estão corretas

c) Apenas I e II estão corretas

d) Todas estão corretas

Incólume: adj.m e adj.f. Ausente de ferimentos, sem lesões corporais ou

morais: a criança sobreviveu incólume à tragédia.

Que se preserva igual, que não sofre modificações: seu talento continua

incólume.

Aula 6

Exercícios de fixação

Questão 1 - B

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 179

Justificativa: A alternativa correta indica o conceito contemporâneo de contrato.

A alternativa A refere-se apenas ao conceito clássico de contrato. Contrato não

é tão somente o instrumento contratual.

Questão 2 - B

Justificativa: A função social dos contratos apenas mitiga a liberdade contratual,

não a extinguindo. Autonomia privada e da vontade não se confundem

conforme estudado em aula; aquela se refere à liberdade contratual, enquanto

esta à liberdade de contratar. A autonomia privada é fruto do individualismo

liberal e não do personalismo.

Questão 3 - A

Justificativa: A boa-fé objetiva é considerada um princípio contratual

contemporâneo.

Questão 4 - B

Justificativa: A obrigatoriedade dos contratos foi mitigada pela boa-fé objetiva e

pela função social dos contratos, mas ainda é princípio que se impõe nas

relações contratuais. É princípio que garante segurança jurídica quanto à

exigibilidade dos contratos realizados em conformidade com a lei, a moral e os

bons costumes, no entanto, em contratos desiquilibrados ou abusivos pode

gerar insegurança. Partia do pressuposto de que todos os contratos eram

paritários.

Questão 5 - C

Justificativa: O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos afirma que o

contrato vincula as partes contratantes, não gerando efeitos a terceiros ou

efeitos sociais. A alternativa B define o princípio da autonomia privada e não da

vontade. Intangibilidade e obrigatoriedade contratual são princípios que estão

intimamente ligados.

Questão 6 - D

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 180

Justificativa: A autonomia privada é considerada um dos princípios clássicos

contratuais.

Questão 7 - A

Justificativa: Caracteriza venire contra factum proprium e, portanto, afronta à

boa-fé a vendedora que auxilia o comprador do estabelecimento assinando os

pedidos de novas mercadorias e os cancela dias depois sem justo motivo. O

cumprimento de financiamento com a falta apenas do pagamento da última

prestação não autoriza o credor a realizar ação de busca e apreensão do bem,

pois não houve inadimplemento substancial do contrato. A negativa de

cobertura de procedimento médico coberto obrigatoriamente por plano de

saúde caracteriza quebra do princípio da confiança.

Questão 8 - B

Justificativa: A boa-fé prevista como princípio de direito contratual é a objetiva,

norma de conduta entre as partes contratantes. Os deveres anexos decorrem

do princípio da boa-fé objetiva. A função social dos contratos não lhes retira a

função econômica, mas impõe a necessidade de estar o interesse individual

harmonizado com o interesse geral.

Questão 9 - B

Justificativa: Os novos princípios contratuais não extinguem os princípios

contratuais clássicos, nem tão pouco limitam de forma absoluta a autonomia

privada. Conforme estudado na aula, os novos princípios apenas relativizam os

princípios clássicos que continuam existindo e continuam sendo aplicáveis.

Questão 10 - C

Justificativa: O item III está errado, porque a probidade é o aspecto objetivo da

boa-fé e impõe a análise do comportamento das partes contratantes em

conformidade com o meio social em que praticaram o ato. O item IV está

errado, porque o dirigismo contratual representa a intervenção do Estado em

relações privadas por meio de normas impositivas (cogentes).

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 181

Introdução

Nesta aula, será estudada a funcionalização da propriedade privada a partir da

Constituição Federal de 1988 como reflexo da repersonificação e

despatrimonialização do Direito Privado brasileiro.

Esta aula lhe dará subsídios para a compreensão da disciplina “Teoria Geral dos

Direitos Reais”.

Objetivo:

1. Compreender a funcionalização da propriedade privada a partir da

Constituição Federal de 1988 e seus reflexos no Direito Civil brasileiro.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 182

Conteúdo

O mistério do capital

Vamos iniciar nosso estudo com algumas informações retiradas do texto de

Rodrigo Constantino.

O mistério do capital: o Brasil é medíocre na defesa do direito de

propriedade.

Índice Internacional de Direito de Propriedade

O Índice Internacional de Direito de Propriedade (IIDP) é um índice que mede a

importância dos direitos de propriedade nos países. Trata-se de índice

composto por dez variáveis. Veja:

Ambiente jurídico e político

1. Independência judicial;

2. Confiança nos tribunais;

3. Estabilidade política;

4. Corrupção.

Direitos de propriedade física

5. Proteção dos direitos de propriedade;

6. Registros de propriedade;

7. Acesso ao crédito.

Direitos de propriedade intelectual

8. Proteção da propriedade intelectual;

9. Força das patentes;

10. Pirataria de direitos autorais.

1

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 183

Segundo esse índice, o Brasil aparece na “rabeira” da defesa da propriedade ao

lado de países cuja economia é bem inferior à brasileira, como Filipinas.

Segundo o autor, no Brasil, há uma clara distorção da defesa da propriedade

privada (tanto física quanto intelectual), o que causa um impacto direto nos

índices de desenvolvimento social, econômico e industrial.

Diante dessa assertiva, vamos analisar a funcionalização da propriedade privada

no Brasil para tentar entender como ela impactou no índice antes indicado.

Antes de estudarmos a funcionalização da propriedade, devemos lembrar dois

conceitos: posse e propriedade (conceitos que serão aprofundados na disciplina

“Teoria Geral dos Direitos Reais”).

Propriedade

O direito de propriedade sofre, sem dúvidas, influência direta do momento

histórico e da forma social em que está inserido. Assim, por exemplo, em suas

origens, a propriedade era coletiva. Posteriormente, o direito de propriedade

passou à ideia de presente de divindades e, finalmente, no Direito Romano,

ganhou o status de núcleo central da ordem jurídica, passando a ser

individualizado.

No período feudal, tornou-se um direito praticamente absoluto e, após a

revolução burguesa, ainda com forte característica individual, passa a ser

inviolável (a lógica proprietária se apresenta individualizada). A propriedade

moldada no Estado Liberal acaba se revelando nas mais diversas codificações

oitocentistas (inclusive no Código Civil de 1916), sendo agora excludente.

Classicamente, então, a propriedade decorre do poder de sujeição que uma

pessoa exerce sobre uma coisa; semanticamente, trata-se de algo que é

próprio de alguém.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 184

Afirma Orlando Gomes (2006, p. 30) que a codificação civil brasileira de 1916 é

resultado de uma racionalidade contraditória em que havia evidentes aspirações

de uma sociedade capitalista, porém cercada de obstáculos impostos pela

estrutura agrária que ainda se impunha à época, o que refletirá diretamente

nas noções jurídicas de propriedade, que era extremamente individualista,

seletiva e excludente, sendo o bem (especialmente o imóvel) considerado uma

mercadoria. Conferia-se, então, mais garantias à propriedade (direito subjetivo

por excelência) do que à posse ou à detenção (estas tratadas de maneira

secundária, até mesmo com desprezo, pelo legislador).

Apenas com o advento do Estado Social, o direito à propriedade passa a ser

novamente uma preocupação, agora como direito fundamental e devendo ser

exercido de acordo com os interesses sociais, o que levou à funcionalização da

propriedade, que estudaremos mais adiante. Então, o Código Civil de 2002

promove um novo contorno a um velho instituto: a propriedade continua sendo

um dos tripés do Direito Civil brasileiro, mas, agora, informada pelo princípio da

socialidade, deve ser analisada também sob a perspectiva social, mitigando-se

o absolutismo individual típico do Estado Liberal.

Assim, o art. 1.228, caput, CC, determina: “o proprietário tem a faculdade de

usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer

que injustamente a possua ou detenha”. Deixa de afirmar que a lei se limita a

reconhecer o poder a ela preexistente, vinculando o exercício do direito de

propriedade à finalidade econômica e social limitada pela tutela constitucional

(art. 1.228, §1º, CC).

Propriedade – conclusão

Como se vê, o Código Civil de 2002 mantém o modelo proprietário baseado na

atribuição de poderes ao titular da propriedade, sendo a posse mero exercício

material do direito de propriedade, e a detenção em pouco representando para

o Direito.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 185

Atenção

No entanto, em virtude da constitucionalização da propriedade,

esse modelo mantido pelo Código Civil passou a ser visto com

novos olhos, valorizando-se a posse e a detenção, conferindo-

lhes também proteção. São exemplos dessa nova visão: a

Súmula 84, a Súmula 239, a Súmula 308, todas do STJ,

reconhecendo a função social da posse, considerada agora de

forma autônoma à propriedade.

Conceito de posse

1

O art. 1.196, CC, indiretamente dá o conceito de posse: “é possuidor todo

aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes

inerentes à propriedade”. Claramente, adotou o legislador a teoria de Ihering

(teoria objetiva da posse) para a qual a posse é a conduta de dono, portanto,

situação de fato.

2

Para Ihering, posse e detenção não se distinguem pela existência, na primeira,

de um animus específico. Ambas se constituem dos mesmos elementos: corpus

e animus, os quais se acham intimamente ligados, de modo indissociável, e se

revelam pela conduta do dono. Posse é a exterioridade, a visibilidade do

domínio.

3

Tem posse todo aquele que se comporta como proprietário. A detenção

encontra-se em último lugar na escala das relações jurídicas entre a pessoa e a

coisa.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 186

Na linha de frente, estão a propriedade e seus desmembramentos; em

segundo lugar, a posse de boa-fé; em terceiro, a posse; e, por fim, a

detenção.

Atenção

Em decorrência da consideração do corpus como elemento da

posse, surgiu o uso corrente da expressão “exercício do poder”

para designar a manifestação exteriorizada do poder de fato

correspondente à propriedade ou outro direito real. Todavia, a

caracterização da posse prescinde do exercício de atos,

bastando, em qualquer hipótese, a existência de poder sobre um

bem. Por isso, por exemplo, é admissível a posse de um imóvel

sem que o possuidor o cultive, explore ou visite.

No entanto, em virtude da funcionalização, a posse não deve ser

considerada exercício do poder, mas, sim, o poder propriamente

dito, que tem o titular da relação fática sobre um determinado

bem, caracterizando-se tanto pelo exercício como pela

possibilidade de exercício. A posse é a disponibilidade e não a

disposição; é a relação potestativa e não, necessariamente, o

efetivo exercício.

Titular da posse

O titular da posse tem o interesse potencial em conservá-la e protegê-la de

qualquer tipo de moléstia que, porventura, venha a ser praticada por outrem,

mantendo consigo o bem numa relação de normalidade capaz de atingir a sua

efetiva função socioeconômica.

A posse, implicando exercício de poderes de fato, não pode recair sobre um

direito, que é uma entidade normativa, uma abstração.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 187

A referência ao direito serve apenas para delimitar o animus da posse: possui-

se nos termos da propriedade, nos termos do usufruto, nos termos de uma

servidão, etc.

Função social

Embora a função social da propriedade já tivesse sido prevista pelas

Constituições Brasileiras de:

1934 / 1937 / 1946 / 1967 / e a Emenda nº de 1969

...como normas programáticas, foi a Constituição Federal de 1988...

...que absorveu o ideal de uma ordem fundiária mais justa, reconhecendo

expressamente nos arts. 5o, XXIII e 170, III, a funcionalização do direito à

propriedade não só como direito fundamental, mas também como princípio da

ordem econômica, conferindo-lhe, agora, um caráter normativo (autoaplicável)

considerado cláusula pétrea pelo art. 60, §4o, IV, CF. Avance a tela e veja o

que a funcionalização da posse e da propriedade representou.

Da funcionalização da posse e da propriedade

A funcionalização da propriedade prevista na Constituição Federal de 1988, sem

dúvida, representou um marco na forma como se deve entender a propriedade

no Brasil, o que não significa afirmar que alterou o modo de produção

capitalista. No entanto, frise-se, a mera previsão constitucional não seria

suficiente para alterar a mentalidade individualista vigente à época. Para isso,

seria necessário operacionalizar a função social da propriedade.

A pretendida operacionalização impôs a “redução significativa dos prazos de

usucapião pela criação de uma modalidade especial, voltada a garantir a

propriedade de possuidores que, até aquele momento, não são proprietários; a

definição de prazos para que os Municípios regulem de modo objetivo a função

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 188

social da propriedade urbana, assim como para estabelecer mecanismos de

indução ao aproveitamento de terras ociosas.

Do ponto de vista da propriedade rural, o texto constitucional repetiu, em

grande medida, os institutos do Estatuto da Terra (Lei Federal 4.504 de 1964)

no que diz respeito aos critérios de verificação do cumprimento da função social

da propriedade, o que, na prática, foi pouco significativa, se considerados os

índices de concentração da terra em 1988” (Daniele Pontes et al, 2011, p. 298).

Atenção

Assim, a funcionalização da propriedade pela Constituição

Federal de 1988 representou muito mais uma mudança de

mentalidade quanto à propriedade privada do que propriamente

um esvaziamento do poder do proprietário. A partir da

funcionalização, obriga-se a analisar o direito de propriedade,

não apenas sob a perspectiva do seu titular, mas, também, sob

o ponto de vista dos sujeitos não proprietários, devendo o direito

de propriedade não servir apenas ao seu titular, mas também a

toda a sociedade (como um valor existencial). Nesse sentido,

destaca Luiz Edson Fachin (1988, p. 20), que “a função social da

propriedade corresponde a limitações fixadas no interesse

público e tem por finalidade instituir um conceito dinâmico de

propriedade em substituição ao conceito estático, representando

uma projeção da reação anti-individualista”.

Interesse geral

Analisando os bens e os direitos sobre eles, em especial a propriedade, Giorgio

Oppo afirma que o interesse geral assume uma nova colocação e função,

segundo convencimento difuso de limite:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 189

Limite da fruição Limite da disposição

O interesse geral aqui não opera como dever de ação, nem como pretensa

ação, mas como sobrecarga. Assim, a relação com o interesse geral não se

exaure nos termos da proclamada função social, mas é nela mesma estimada,

no seu exercício e na acessibilidade correspondente, o que a faz absorver uma

síntese de outros valores, em especial a utilidade social. Nesse sentido, é a

função assegurada pela lei, e a propriedade garantida pela lei, porque

consideradas como fruição geral dos bens pela coletividade e forma de

promoção do ser humano em sociedade.

Atenção

No entanto, frise-se, reconhecer a função social da propriedade

não é, de forma alguma, extinguir a propriedade privada, nem

tampouco estabelecer formas de propriedade coletivas conforme

o modelo comunista. É, sim, reconhecer que a propriedade gera

um relevância muito maior que apenas o interesse privado,

reconhecendo-se como direito tendente a realizar a dignidade da

pessoa humana.

Função social da propriedade

Nesse sentido, entendem Guilherme Calmon e Andrea Leite (2008, p. 38) que

“função social não significa socializar a propriedade, e, sim, atender às

diretrizes e postulados do plano diretor – no caso da propriedade imóvel urbana

– ou de leis especiais, como o Estatuto da Terra e o Estatuto da Cidade.

A expressão função social da propriedade deve ser vinculada a objetivos

de justiça social, ou seja, o uso da propriedade deve estar comprometido com

um projeto de sociedade mais igualitária e menos desequilibrada.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 190

Na qual o acesso e o uso da propriedade sejam orientados no sentido de

proporcionar novas oportunidades aos cidadãos, independentemente da

utilização produtiva que porventura já esteja tendo”. Por isso, resultarão da

funcionalização da propriedade dois tipos de intervenção do Estado:

Intervenção limitadora (proibição ao abuso de direito).

Intervenção impulsionadora (fomento ao atingimento de resultados socialmente

úteis).

Atenção

A função social da propriedade não legitima a sobreposição de

qualquer interesse social sobre o interesse privado. Busca, sim,

harmonizá-los, o que significa afirmar que o direito do titular da

propriedade é tão protegido quanto à função social desta, e que,

portanto, não pretendeu nem o Constituinte, nem o legislador do

Código Civil de 2002 realizar uma reforma marxista com a

consequente proletarização do Direito Privado; realizaram, sim,

uma adequação do Direito Privado à realidade que se impunha,

compondo interesses individuais e coletivos na busca da

realização da pessoa humana.

Fundamento comum e essencial da aparência de bem

O fundamento comum e essencial da aparência de bem (público ou privado)

depende da diversa incidência, que, em um ou outro momento histórico, possa

causar um interesse geral sobre uma ou outra categoria de bem. E, por isso, os

bens de consumo, que se situam como centrais e não tocados pela função

social, serão funcionalizados em certas conjunturas.

É daí, segundo Giorgio Oppo, que emerge uma possível polivalência do instituto

privatístico (propriedade) sobre o plano da correspondência entre os interesses

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 191

individual e geral junto com o diverso valor que o mesmo instituto pode assumir

em mão pública ou em mão privada (correspondência que estudamos na nossa

segunda aula).

Por isso, ao se analisar a função social da propriedade, conclui-se ser ela fruto

de uma preocupação com os interesses existenciais humanos que, por óbvio,

não se limitam ao aproveitamento econômico da terra, mas que também

podem ser relacionados às limitações decorrentes dos direitos ambientais,

trabalhistas, de consumo, de saúde, etc.

Ordenamento positivo

Confere-se ao ordenamento positivo o dever de estabelecer e graduar a relação

entre a propriedade privada e a pública...

...considerando-se minimamente que a propriedade privada é também

enriquecimento do valor da pessoa, reconhecimento de sua legitimação e de

sua operação social, além de meio de incrementar uma e outra forma de

reconhecimento do trabalho. Em outras palavras, contrariaria o respeito ao

homem se se pudesse reter a exclusão de cada um na participação dos bens,

não pela participação de todos.

Assim, em certo sentido, é excessivo considerar a propriedade coexistente com

a liberdade ou necessária garantia desta, ou seja, o bem concorre com o

exercício e desenvolvimento da liberdade das pessoas, além de atuar como um

interesse geral. Portanto, é esta que deve ser a escolha constitucional.

Conflito interpretativo

Pode-se analisar se a escolha constitucional deve incidir entre o direito sobre o

bem e o direito (ou liberdade) de exercitar uma atividade econômica sobre o

bem ou com o bem, em particular com outros bens. A intervenção do interesse

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 192

geral não deve ser diretamente limitativa do direito privado à propriedade, mas

é resolutiva dos seguintes conflitos interpretativos:

Conflito entre propriedade e atividade

Conflito entre propriedade e empresa

A prevalência da segunda sobre a primeira, em particular na relação entre

proprietário e empreendedor, refletiria, segundo Giorgio Oppo, em termos

privatísticos, numa escolha de interesse geral e aceitável apenas enquanto a

reflete.

Aulas anteriores

Nas aulas anteriores, afirmamos diversas vezes que o Direito Contemporâneo

tem por foco a valorização da pessoa sobre o patrimônio. Então, ao proteger

(ou regular) o patrimônio, deve-se fazê-lo apenas e de acordo com o que ele

significa: suporte ao livre desenvolvimento da pessoa (CORTIANO JUNIOR,

Eroulths, 2000, p. 33).

Prevalência da dignidade

Ora, na busca da prevalência da dignidade da pessoa humana, necessário é

também garantir-lhe o seu livre desenvolvimento, e isto só é possível na

combinação de situações subjetivas patrimoniais com situações subjetivas

extrapatrimoniais.

Daí a opção constitucional e infraconstitucional pela funcionalização da

propriedade e do contrato, uma vez que, na atual sociedade, o Direito Privado

(em especial o Direito Civil) não pode mais restringir-se a possibilitar a

apropriação de bens.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 193

O contrato

Afirma Paulo Nalin (2002, p. 215) que, quando primeiramente se aborda o tema

da funcionalização, não se pode ignorar que a busca é, em verdade, por uma

nova função singular do contrato (e da propriedade).

O contrato, assim como a propriedade e a família, sempre tiveram suas

respectivas funções atribuídas (funzione attributiva atrelada ao princípio

proprietário), ora em conservação do poder econômico em favor de

alguma classe social (propriedade à burguesia), ora em tutela da família

legalmente permitida (matrimônio) e não de qualquer outra.

Atenção

Assim, continua Paulo Nalin (2001, p. 217), “funcionalizar, na

perspectiva da Constituição de 1988, significa oxigenar as bases

(estruturas) fundamentais do Direito com elementos externos à

sua própria ciência. [...]. É romper com a autossuficiência do

Direito, hermético em sua estrutura e tecnicismo, outrora mais

preocupado com os aspectos formais das regras, do princípio e

do instituto, que com sua eficácia social. Por isso, a função

perseguida é a social. Funcionalizar, sobretudo, em nosso

contexto, é atribuir ao instituto jurídico uma utilidade ou impor-

lhe um papel social [...]”.

Opção progressista

Obviamente, a opção progressista pela funcionalização não se impõe

facilmente, em especial, nos países ainda fortemente influenciados

pela tradição oitocentista (Moderna).

A funcionalização do contrato e da propriedade consiste em abordar a liberdade

de ”ter” seus reflexos sobre a sociedade, e não apenas no campo das relações

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 194

interprivadas, opção que, portanto, se coaduna com a valorização dos

interesses gerais face aos interesses meramente privados, em franca

observância ao princípio constitucional da solidariedade.

Propriedade como direito fundamental

Afirma João Luis Nogueira que o direito de propriedade evolui em marcha que

tende à humanização, entendendo-se a propriedade como direito

fundamental para a realização de diversas necessidades básicas humanas, é,

portanto, importante instrumento para o desenvolvimento de atividades em

conformidade com o bem-estar coletivo.

Encerramento

Não é outra a perspectiva que aqui devemos adotar: atribuir interesses gerais a

institutos considerados próprios do Direito Privado é conferir-lhes utilidade

social e, portanto, aproximar-lhes da realidade e das necessidades sociais.

Assim, o direito de “ter” não deve mais ser encarado apenas em sua

perspectiva indivíduo-centrista, mas, em especial, como forma de realização do

homem em sociedade.

Então, sendo a função social da propriedade standard para realização da

cidadania material e da justiça social, vamos ver como a funcionalização vem se

apresentando na jurisprudência:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Administrativo. Imóvel destinado

à reforma agrária. Repasse a terceiros. Irregularidade. Pretensão de

reintegração de posse pelo INCRA. Circunstâncias fáticas que nortearam a

decisão da origem em prol dos princípios da função social da propriedade e da

boa-fé. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A Corte de

origem concluiu, em razão de circunstâncias fáticas específicas, que embora

tenha sido irregular a alienação das terras pelo assentado original aos ora

agravados, esses deram efetivo cumprimento ao princípio constitucional da

função social da propriedade, com a sua devida exploração, além de terem

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 195

demonstrado boa-fé, motivos pelos quais indeferiu a reintegração de posse ao

INCRA, assegurando-lhe, contudo, o direito à indenização. 2. Ponderação de

interesses que, in casu, não prescinde do reexame dos fatos e das provas dos

autos, o qual é inadmissível em recurso extraordinário. Incidência da Súmula nº

279/STF. 3. Agravo regimental não provido. (STF - AI: 822429 SC, Relator: Min.

DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 09/04/2014, Primeira Turma, Data de

Publicação: DJe-104 DIVULG 29-05-2014 PUBLIC 30-05-2014)

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXTINÇÃO DE USUFRUTO.

PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO

JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REEXAME DE FATOS E PROVAS.

INADMISSIBILIDADE. NÃO USO OU NÃO FRUIÇÃO DO BEM GRAVADO COM

USUFRUTO. PRAZO EXTINTIVO. INEXISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO POR

ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO

SOCIAL DA PROPRIEDADE. 1- A ausência de decisão acerca de dispositivos

legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de

declaração, impede o exame da insurgência quanto à matéria. 2- O dissídio

jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos

que versem sobre situações fáticas idênticas. 3- O reexame de fatos e provas

em recurso especial é inadmissível. 4- O usufruto encerra relação jurídica em

que o usufrutuário - titular exclusivo dos poderes de uso e fruição - está

obrigado a exercer seu direito em consonância com a finalidade social a que se

destina a propriedade. Inteligência dos arts. 1.228, § 1º, do CC e 5º, XXIII, da

Constituição. 5- No intuito de assegurar o cumprimento da função social da

propriedade gravada, o Código Civil, sem prever prazo determinado, autoriza a

extinção do usufruto pelo não uso ou pela não fruição do bem sobre o qual ele

recai. 6- A aplicação de prazos de natureza prescricional não é cabível quando a

demanda não tem por objetivo compelir a parte adversa ao cumprimento de

uma prestação. 7- Tratando-se de usufruto, tampouco é admissível a

incidência, por analogia, do prazo extintivo das servidões, pois a circunstância

que é comum a ambos os institutos - extinção pelo não uso - não decorre, em

cada hipótese, dos mesmos fundamentos. 8- A extinção do usufruto pelo não

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 196

uso pode ser levada a efeito sempre que, diante das circunstâncias da hipótese

concreta, se constatar o não atendimento da finalidade social do bem gravado.

9- No particular, as premissas fáticas assentadas pelo acórdão recorrido

revelam, de forma cristalina, que a finalidade social do imóvel gravado pelo

usufruto não estava sendo atendida pela usufrutuária, que tinha o dever de

adotar uma postura ativa de exercício de seu direito. 10- Recurso especial não

provido. (STJ - REsp: 1179259 MG 2010/0025595-2, Relator: Ministra NANCY

ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/05/2013, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de

Publicação: DJe 24/05/2013)

ADMINISTRATIVO. IMÓVEL ARRENDADO NO ÂMBITO DO PAR.

REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INADIMPLÊNCIA. FUNÇÃO SOCIAL DA

PROPRIEDADE. 1. O Programa de Arrendamento Residencial, instituído pela Lei

n.º 10.188/01, visa a atender a necessidade de moradia da população de baixa

renda, sendo que a sustentabilidade do referido programa depende do

pagamento, pelos arrendatários, dos encargos mensais, e, assim, dos reduzidos

níveis de inadimplência. 2. A função social da propriedade é desviada quando

se mantém no Programa arrendatário inadimplente, em detrimento de outros

cidadãos que almejam participar do Programa de Arrendamento Residencial. 3.

A inadimplência do arrendatário é causa suficiente a rescindir o contrato, nos

termos da previsão legal e contratual. (TRF-4 - AC: 50660318520124047100 RS

5066031-85.2012.404.7100, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de

Julgamento: 30/04/2014, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E.

05/05/2014)

AQUEDUTO. SERVIDÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. Os demandantes

têm direito à utilização do aqueduto, como expressão da função social da

propriedade, pagando justa remuneração aos demandados, a ser arbitrada em

liquidação de sentença. (Apelação Cível Nº 70037226446, Vigésima Câmara

Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em

17/11/2010) (TJ-RS - AC: 70037226446 RS , Relator: Carlos Cini Marchionatti,

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 197

Data de Julgamento: 17/11/2010, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação:

Diário da Justiça do dia 18/01/2011)

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PATENTE PIPELINE.

PRAZO DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO

EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA.

INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS

INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS

PATENTES. APLICAÇÃO DA LEI. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL. 1. O

regime de patente pipeline, ou de importação, ou equivalente é uma criação

excepcional, de caráter temporário, que permite a revalidação, em território

nacional, observadas certas condições, de patente concedida ou depositada em

outro país. 2. Para a concessão da patente pipeline, o princípio da novidade é

mitigado, bem como não são examinados os requisitos usuais de

patenteabilidade. Destarte, é um sistema de exceção, não previsto em tratados

internacionais, que deve ser interpretado restritivamente, seja por contrapor ao

sistema comum de patentes, seja por restringir a concorrência e a livre

iniciativa. 3. Quando se tratar da vigência da patente pipeline, o termo inicial de

contagem do prazo remanescente à correspondente estrangeira, a incidir a

partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que foi realizado o

depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro depósito no

exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção

ao invento (v.g.: prioridade unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e

230, § 4º, da Lei 9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da CUP. 4. Nem sempre a

data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a

mesma da correspondente no exterior. Incidência do princípio da independência

das patentes, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das

causas de nulidade e de caducidade patentárias como do ponto de vista da

duração normal. 5. Consoante o art. 5º, XXIX, da CF, os direitos de propriedade

industrial devem ter como norte, além do desenvolvimento tecnológico e

econômico do país, o interesse social. Outrossim, na aplicação da lei, o juiz

deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 198

comum (art. 5º da LICC). 6. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ -

REsp: 1145637 RJ 2009/0130146-2, Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA

(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 15/12/2009,

T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/02/2010)

Atividade Proposta

O Brasil é apresentado como exemplo de como o "uso célere e eficaz" da

licença compulsória, ou quebra de patente, pode ser útil para negociar preços

mais baixos de medicamentos com a indústria farmacêutica em um amplo

estudo de três organizações internacionais, a Organização Mundial do Comércio

(OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Mundial de

Propriedade Intelectual (OMPI). O documento mostra a interação entre saúde,

propriedade intelectual e comércio e o acesso a remédios.

O seu objetivo é "desmistificar" a complexidade de leis e políticas e torná-las

mais acessíveis para os países poderem de fato usar as flexibilidades

autorizadas nos acordos internacionais para tornar os medicamentos aceitáveis

globalmente a quem necessita. Um exemplo é a quebra de patentes, ou licença

compulsória, no jargão oficial. Conforme o estudo, experiências práticas

mostram que o poder de barganha criado somente pela possibilidade legal de

licença compulsória pode beneficiar países em desenvolvimento mesmo onde a

patente não está garantida.

Ele exemplifica com o caso do Brasil, que quebrou a patente do produto

Efavirenz, para tratamento da aids. Dois meses depois, recebeu o primeiro

carregamento de genérico procedente da Índia. A dose do produto original

custava US$ 15,90, e a do genérico importado, US$ 0,43. Segundo o estudo, o

Brasil poupou cerca de US$ 1,2 bilhão com a compra desse genérico. Mas ele

nota que somente a ameaça de quebrar patente já fez o governo brasileiro

induzir a baixa de preços de remédios. Para fazer licença compulsória, um país

precisa seguir uma série de regras.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 199

As entidades notam que o uso da licença compulsória na saúde não é limitado a

países em desenvolvimento. Nos desenvolvidos, incluindo os Estados Unidos, a

quebra de patente é garantida, por exemplo, para combater práticas

anticompetitivas que tiveram impacto no aceso e inovação no campo da

tecnologia médica.

O Brasil é um dos maiores importadores de insumos para laboratórios e

hospitais. O déficit na balança comercial é de vários bilhões de dólares.

Enquanto isso, China e Índia tornam-se cada vez mais exportadores. O

levantamento da OMC, OMS e OMPI surge num cenário em que os governos

adotam diferentes meios para baixar os custos da saúde, incluindo controle ou

preço de referência dos remédios, limitação dos reembolsos etc. Os genéricos

são considerado um fator chave na derrubada dos preços. Ainda assim, o

estudo nota que esses remédios mais baratos continuam a ser inacessíveis para

ampla parte da população de países pobres.

Uma pesquisa mostra que na média a disponibilidade de medicamentos

essenciais no setor público em 46 países de baixa e média renda é de apenas

42%. No setor privado, 72%. A indústria farmacêutica se apoia fortemente nos

direitos exclusivos de patente para recuperar os investimentos milionários feitos

em pesquisa e desenvolvimento de remédios. Mas também estão surgindo

novos modelos para acesso a remédios essenciais, como a parceria público-

privada, que resulta em acordos "criativos" de licença de patentes.

Mais atenção vem sendo dada também a incentivos para a produção de vacinas

ou equipamentos médicos. Brasil, China e Índia estão entre os que poderão

produzir novas vacinas no futuro.

Sem surpresa, o estudo defende que os governos reduzam significativamente

as tarifas de importação sobre os remédios. Ao mesmo tempo mostra que o

impacto de provisões sobre setor farmacêutico em alguns acordos de livre

comércio resultam em alta de preços para os consumidores.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 200

"Acesso a medicamentos exige a mistura correta de políticas de saúde, direitos

de propriedade intelectual e políticas comerciais", diz Pascal Lamy, da OMC.

Fonte: Valor Econômico

Fonte: <http://idisa.jusbrasil.com.br/noticias/100331126/pais-e-elogiado-por-

quebrar-patente-de-remedio>. Acessado em: 11 set. 2014

Analise a notícia e reflita: a quebra de patentes de medicamentos pode ser

justificada pela função social da propriedade?

Chave de resposta: Tratando-se de atividade que propõe reflexão do próprio

aluno a partir dos conceitos estudados, não há uma única resposta ou uma

resposta correta. Parece, no entanto, que a quebra de patentes de

medicamentos, dentro dos parâmetros realizados pelo Brasil, preenche, sem

dúvida, a função social da propriedade, visando à promoção de interesses

sociais e a garantia da dignidade da pessoa humana, princípios que prevalecem

sobre a propriedade privada nos termos estudados na aula.

Material complementar

Para saber mais sobre a função social, leia os artigos disponíveis em

nossa biblioteca virtual.

Referências

CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Para além das coisas: breve ensaio sobre o

direito, a pessoa e o patrimônio mínimo. In: RAMOS, C.L.N. et al (orgs.).

Diálogos sobre direito civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio

de Janeiro: Renovar, 2002.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 201

FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2012.

______. A função social da posse e a propriedade contemporânea: uma

perspectiva da usucapião imobiliária rural. Porto Alegre: Fabris, 1988.

______. Para além das coisas: breve ensaio sobre o direito, a pessoa e o

patrimônio mínimo. In: RAMOS, C.L.N. et al (orgs.). Diálogos sobre direito

civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar,

2002.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira (Coord.). Função social no direito civil.

2a ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do código civil

brasileiro. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Curitiba: Juruá, 2002.

OPPO, G. Diritto privato e interessi pubblici. In: Rivista di Diritto Civile.

Padova: CEDAM, ano XL, n˚ 1, 1994. p. 25-41.

PONTES, Daniele; MILANO, Giovanna Bonilha; IWASAKI, Micheli Mayumi.

Reflexões sobre a codificação da propriedade fundiária moderna brasileira:

diálogos entre direito e economia política. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN,

Luiz Edson (Orgs.). Pensamento crítico do direito brasileiro. Curitiba:

Juruá, 2011. p. 283-304.

Exercícios de fixação

Questão 1

Sobre a propriedade no ordenamento jurídico brasileiro, é correto afirmar

que:

a) O direito de propriedade não sofre influências do momento histórico e

social.

b) O Estado Liberal promoveu a defesa da propriedade coletiva em

detrimento da propriedade individual.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 202

c) O Estado Liberal conferia mais proteção à posse e à detenção do que

para a defesa da propriedade.

d) Classicamente, a posse decorre do poder de sujeição que uma pessoa

exerce sobre uma coisa.

Questão 2

Sobre a posse no ordenamento jurídico brasileiro, é correto afirmar que:

I. O Código Civil de 2002 define a posse como mera detenção de um bem.

II. O Código Civil de 2002 adotou a teoria de Savigny quanto à posse, dando

grande relevância ao animus.

III. Em decorrência da consideração do corpus para o conceito de posse, é que

surgiu o uso da expressão “exercício do poder” para designar a manifestação

exteriorizada do poder de fato sobre o bem.

IV. O titular da posse não tem qualquer interesse em conservá-la e protegê-la,

não lhe sendo conferido o direito de defendê-la.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa III

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 3

Assinale a alternativa correta:

I. Dependendo da análise da situação fática, embora a alienação de terras

destinadas à reforma agrária tenha sido irregular, se o comprador de boa-fé

deu cumprimento à função social da propriedade realizando sua adequada

exploração, a transmissão da propriedade deve ser considerada regular,

indeferindo-se a reintegração de terra ao INCRA.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 203

II. Ainda que o usufrutuário não atenda à função social do bem gravado com o

usufruto, não poderá ser este extinto caso não tenha prazo determinado.

III. O arrendatário inadimplente pode ser mantido no Programa de

Arrendamento Residencial, pois o fato de morar no imóvel faz com que cumpra

sua função social.

IV. Aquedutos não se sujeitam à funcionalização da propriedade.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa I

c) Estão corretas III e IV

d) Todas estão corretas

Questão 4

Analise as assertivas adiante sobre função social da propriedade:

I. A função social da propriedade repele qualquer função econômica do direito

de propriedade.

II. A Constituição Federal de 1988 foi a primeira constituição brasileira a

abordar expressamente o tema função social da propriedade.

III. Na Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade tem

caráter meramente programático.

IV. A partir da funcionalização da propriedade, obriga-se a analisar o direito de

propriedade, não apenas sob a perspectiva do seu titular, mas, também, sob o

ponto de vista dos interesses sociais.

a) Apenas o item I está correto

b) Apenas o item II está correto

c) Apenas o item III está correto

d) Apenas o item IV está correto

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 204

Questão 5

Certo ou Errado? Sob o argumento da função social da propriedade, não é

possível realizar a quebra de patentes (propriedade intelectual), uma vez que a

função social só se aplica à propriedade imóvel.

a) Certo

b) Errado

Inerente: Significa o que está ligado de forma inseparável ao ser. É aquilo

que está intimamente unido e que diz respeito ao próprio ser.

Aula 7

Exercícios de fixação

Questão 1 - D

Justificativa: O direito de propriedade sobre influência direta do momento

histórico e social. O Estado Liberal promoveu a defesa da propriedade

individual, pouco importando os interesses sociais sobre o exercício deste

direito. Ao Estado Liberal, pouco importava a posse e a detenção, a elas se

conferindo pouca tutela se comparada à tutela destinada ao direito de

propriedade.

Questão 2 - B

Justificativa: A posse é uma situação fática de exercício de alguns poderes

inerentes à propriedade, portanto, não se confunde com a mera detenção. O

Código Civil de 2002 adotou a teoria de Ihering quanto à posse, dando

relevância ao corpus. O titular da posse tem interesse em conservá-la e

protegê-la, sendo-lhe conferidos direitos de defendê-la.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 205

Questão 3 - B

Justificativa: Caso o usufrutuário não atenda à função social do bem gravado

com o usufruto, poderá ser este judicialmente extinto ainda que não tenha

prazo determinado. O arrendatário inadimplente não pode ser mantido no

Programa de Arrendamento Residencial em detrimento de outros cidadãos que

desejam ingressar no programa. A utilização de aquedutos também se sujeitam

à função social da propriedade.

Questão 4 - A

Justificativa: I. A função social da propriedade não repele a sua função

econômica, harmoniza-a com os interesses gerais. II. A Constituição Federal de

1988 não foi a primeira constituição brasileira a abordar expressamente o tema

função social da propriedade. O tema já havia aparecido nas Constituições

Brasileiras de 1934, 1937, 1946, 1967 e na Emenda nº 1 de 1969. III. Na

Constituição Federal de 1988, a função social da propriedade tem caráter

normativo.

Questão 5 - B

Justificativa: A função social da propriedade se aplica tanto à propriedade

material quanto à propriedade imaterial, podendo ser invocada para a quebra

de patentes, como ocorre com a quebra da patente de medicamentos.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 206

Introdução

Nesta aula, analisaremos como a Sociedade de Risco e a Sociedade de

Informação têm evidenciado a necessidade de reforma de velhos institutos de

Direito Privado a fim de permitir que o Direito dê respostas mais eficientes aos

novos problemas apresentados por esses tipos sociais.

Enfatizaremos a nova dimensão do direito à privacidade, analisando como ele

se apresenta em face das novas formas de comunicação e de relacionamento

social.

Objetivo:

1. Compreender os conceitos de sociedade de risco e sociedade de informação,

e estudar seus reflexos sobre o Direito Privado brasileiro, em especial sobre

o direito à privacidade.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 207

Conteúdo

Revolução tecnológica

A (r)evolução tecnológica, com amparo nas tecnologias de informação (TI)

e comunicação, teve desenvolvimento substancial a partir do século XX e,

desde então, as possibilidades e ferramentas oferecidas são simultaneamente

maiores e menores, mas, sem dúvida, espantosas, e exigem um constante

aperfeiçoamento das relações humanas e jurídicas.

Todos os itens citados acima consistem nos elementos da informação.

Nas palavras de José Manuel Moran (1995, p. 25), há um novo reencantamento

pelas tecnologias, porque participamos de uma interação muito mais intensa

entre o real e o virtual.

O que impõe, naturalmente, a reorganização de referenciais teóricos de

diversas estruturas sociais, políticas e, especialmente, jurídicas.

A tecnologia é a sociedade

É certo que “a tecnologia não determina a sociedade. [...]. A

tecnologia é a sociedade” (Manuel Castells, 2005, p. 43). No entanto, o

aumento e difusão das tecnologias de comunicação produzem aumento de

saber ou, pelo menos, tendem a facilitar o acesso a este.

A questão, então, está em determinar qual saber está se propagando e como

ele influencia o desenvolvimento do que podemos chamar de um novo Direito

Privado, em especial no que diz respeito ao direito à privacidade e ao direito ao

esquecimento.

Nesta aula, procuraremos traçar alguns conceitos dos diversos tipos sociais em

que estamos inseridos para, a partir destes conceitos, tentar compreender

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 208

como estão exigindo a revisão de algumas categorias clássicas do Direito

Privado brasileiro.

Sociedade de informação

O que significa sociedade de informação? Veja:

Como tudo começou...

A expressão tornou-se conhecida em 1993, quando, pela primeira vez, foi

oficialmente utilizada pelo então presidente da Comissão Europeia, Jacques

Delors, por ocasião do Conselho Europeu de Copenhague. À época, foi

empregada para identificar e incentivar o crescente uso da tecnologia da

informação e implantação de infraestruturas de informação.

Hoje...

Hoje, amplamente e rapidamente difundida, permite reconhecer sua força

econômica, caracterizando-se por ser uma forma de organização social

capitalista que possui a informação como matéria-prima.

Significado...

A expressão refere-se “[...] a um modo de desenvolvimento social e

econômico em que a aquisição, armazenamento, processamento,

valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação

conducente à criação de conhecimento e à satisfação de necessidades dos

cidadãos e das empresas, desempenham um papel central na atividade

econômica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos

cidadãos e das práticas culturais” (GUERRA, 1999, p.107).

Sociedade de risco

Sociedade de risco (Ulrich Beck) representa a ruptura da sociedade industrial

clássica com o desenvolvimento de uma sociedade (industrial) do risco, sendo a

noção de risco (nuclear, químico, ecológico e genético) o elemento central da

teoria.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 209

Riscos

Isso significa afirmar que os riscos geram situações de perigo social que afetam

toda a sociedade das mais diversas formas, mas tendendo a prejudicar os mais

vulneráveis.

Segundo a teoria, é o conhecimento das situações de risco que altera as

relações sociais e o comportamento individual, por isso, não tendo controle

sobre os riscos, tem por marca a incerteza e o declínio da confiança nas

instituições.

Sociedade em rede

Sociedade em rede (Manuel Castells) caracteriza-se por uma sociabilidade

assente numa dimensão virtual, possível e impulsionada pelas novas

tecnologias, que transcende o tempo e o espaço, aproveitando-se do espaço

virtual e da conectividade para alterar as relações sociais e a forma como as

pessoas recebem e transmitem informações.

Confere aos indivíduos liberdades variáveis em sua dimensão e extensão, que

interferem diretamente nos relacionamentos sociais, alterando-os, construindo-

os ou extinguindo-os. Trata-se de uma forma de comunicação e interação social

potencializada pela realidade virtual e tecnologias de informação.

Fique atento!

Apesar de pontuarmos esses conceitos, vale a advertência: nesta aula, não

se pretende explorar as implicações do conceito de sociedade de

informação.

Tampouco se pretende ingressar na polêmica sobre a ambiguidade da

expressão ou a pluralidade de seus sentidos ou, ainda, se se trata de uma

sociedade de conhecimento (DRUCKER, 1993) ou de riscos (BECK, 1992;

GIDDENS, 1998) ou de uma sociedade em rede.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 210

O que se pretende é deixar clara a importância da informação na sociedade

contemporânea (desde a década de 1950, lhe é conferido o status de terceiro

elemento fundamental das coisas que compõem o mundo, acompanhada dos

elementos energia e matéria) e as consequências jurídicas que a sua

supervalorização acarretam.

Nesse sentido, concluiu o matemático Norbert Wiener que a “sociedade

somente pode ser compreendida através de um estudo das mensagens e

facilidades de comunicação que pertencem a ela” . (RIFIKIN, 1999, p. 193).

Dados importantes

Estudos realizados nos Estados Unidos demonstram que o norte-americano

médio utiliza 70% do seu tempo ativo comunicando-se verbalmente (BERLO,

2003, p. 1).

Esse dado permite afirmar que a comunicação, qualquer que seja a sua

modalidade (escrita, verbal, gestual), é essencial à natureza humana e à

sociabilidade, uma vez que o homem constantemente busca “levar outras

pessoas a adotarem o ponto de vista de quem fala” (BERLO, 2003, p. 9).

Introdução ao Direito Privado

De fato, reconhecer essa importância da comunicação é fácil no contexto social.

Mas será que o Direito Privado está pronto para compreender seus

impactos sobre seus institutos clássicos, como, por exemplo, a

privacidade?

Até pouco tempo, costumava-se dividir a comunicação em três objetivos

distintos:

Informar (ensino)

Persuadir (propaganda)

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 211

Divertir (diversão)

No entanto, estudos recentes demonstram que todo uso da linguagem tem

alguma dimensão persuasiva, ou seja, “ninguém pode comunicar-se sem

alguma tentativa de persuadir, de uma forma ou de outra” (BERLO, 2003, p. 9).

De fato, na sociedade informacional, é impossível dissociar da comunicação

esses três objetivos. Considerá-los como objetivos que não caminham juntos ou

que são completamente independentes dificulta a compreensão das novas

relações.

Então, ao se analisar a comunicação, é preciso tomar em conta o

comportamento do emissor e do receptor, e não apenas a mensagem

pretendida. E, por isso, David K. Berlo (2003, p. 10) afirma que o objetivo da

comunicação deve ser especificado de maneira tal, que: 1) não seja

logicamente contraditório ou incoerente consigo mesmo; 2) concentre no

comportamento, isto é, seja expresso em termos de comportamento humano;

3) seja específico o bastante para que possamos relacioná-lo com o real

comportamento da comunicação; 4) seja coerente com os meios pelos quais as

pessoas se comunicam.

Direito de estar só

Então, quando a comunicação passa a ser mais sensorial, mais

multidimensional, deve-se perguntar:

Como, por exemplo, seria possível proteger a privacidade (conceito

privado clássico – direito de estar só) numa sociedade dominada pelas

tecnologias da informação e por uma falsa sensação de liberdade de

expressão e de anonimato?

Não há dúvidas que a proteção da privacidade ganha novos contornos na

denominada sociedade de informação.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 212

Privacidade

Acompanhe, agora, informações importantes sobre privacidade.

1

Classicamente (na Modernidade), a privacidade concebida pelo Estado Liberal

(em especial, a partir do século XIX), em virtude do individualismo que este

impunha, surge como algo oposto às esferas pública e social, portanto,

intimamente ligada à ideia de “ser deixado só” (WARREN e BRANDEIS, 1890)

ou como uma “zero-relationship”. Tratava-se de um direito de não ser

incomodado, de se manter a intimidade distante da curiosidade alheia,

referindo-se, então, à inviolabilidade da personalidade do indivíduo.

2

Afirma Danilo Doneda (2006, p. 10) que a inserção da privacidade em

ordenamentos de cunho patrimonialista fizeram com que fosse uma

prerrogativa reservada a extratos sociais bem determinados, elitismo que durou

aproximadamente até a década de 1960, contrapondo-se (como estudamos nas

aulas anteriores) o público e o privado.

3

Foi apenas com o advento do Estado Social e mudança de relacionamento entre

pessoas, e entre estas e o Estado, que se manifestaram as primeiras alterações

do direito à privacidade.

Mas foi nas primeiras décadas do século XXI que a sociedade passou a realizar

novas formas de comunicação e, junto com elas, surgiram novas maneiras de

compreender institutos clássicos do Direito, o que, para alguns, pode gerar

desconforto, angústia e perplexidade.

4

Com a hipervalorização da informação, surge uma primeira preocupação: a

proteção da liberdade de informação, que pensada inicialmente apenas em seu

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 213

aspecto negativo, chega ao século XXI pensada também em seu aspecto

positivo, qual seja, o direito a ser objetivamente informado.

Liberdade de informação

Certo é que a liberdade de informação, assim como outras liberdades, não é

absoluta, devendo ser sopesada em face de outros valores, em especial aqueles

ditos sociais. Portanto, a liberdade de informação hoje necessariamente se

estende para além do seu aspecto negativo (proibição da intromissão alheia,

salvaguarda do espaço não regulado pelo Estado) ao seu aspecto positivo

(autodomínio/autonomia):

Informação é um direito seu!

O direito de receber informação correta, clara, precisa, completa, objetiva e

verdadeira e de ter controle sobre as informações referentes a sua pessoa,

aspectos intimamente ligados aos direitos de personalidade e ao livre

desenvolvimento desta (personalidade aqui entendida como expressão própria

do ser humano).

Liberdade de informação

Stefano Rodotà (2008, p. 92) afirma que “na sociedade da informação, tendem

a prevalecer definições funcionais de privacidade que, de diversas formas,

fazem referência à possibilidade de um sujeito conhecer, controlar, endereçar,

interromper o fluxo das informações a ele relacionadas.

Assim, a privacidade pode ser definida mais precisamente, em uma primeira

aproximação, como o direito de manter o controle sobre as próprias

informações. [...], em um quadro caracterizado justamente pela liberdade das

escolhas existenciais” e, em um segundo momento, pode alcançar o que se

convencionou chamar de direito ao esquecimento.

A informação ensina Cláudia Lima Marques (2005, p. 192), citando Kloepfer:

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 214

“É um poder, e o que se almeja hoje na sociedade é a ‘equidade informacional’

(informationsgerechtigkeit)! Valoriza-se a informação, a declaração e a

aparência”.

Portanto, informação e comunicação exigem boa-fé, lealdade e transparência, e

as diferenças de força e de acesso à informação entre parceiros, sujeitos de

direito, Estado e cidadãos, além da utilização de novas linguagens, podem criar

realidades, destruir certezas nas instituições, criar grandes conflitos, propagar

formas exacerbadas de discriminação e transformar a coletividade em

prisioneira de uma realidade “neutralizada” pela manipulação institucionalizada.

Modelo panóptico

Pode-se afirmar que, atualmente, desenvolve-se um verdadeiro modelo

panóptico, no qual as pessoas em geral são permanentemente objetos de

informação, mas raramente sujeitos de comunicação. As pessoas são

constantemente vigiadas, uma vez que a vida humana se torna o centro do

interesse do poder político e econômico.

Informação

A informação é um verdadeiro, sutil, ardiloso e poderoso mecanismo de

controle do qual autoridades públicas e empresas particulares, forjando uma

impressão de autonomia por meio da valorização e generalização do

consentimento, se utilizam para: induzir confiança; controlar hábitos de

consumo; direcionar pesquisas biotecnológicas e farmacológicas; e, até mesmo,

fixar diferentes políticas de saúde pública e de controle social.

O indivíduo se dissolve em fluxos permanentes de dados! Daí a

importância em se redimensionar a privacidade.

Era da informação – dados pessoais

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 215

Na era da informação, os dados pessoais hipervalorizados ganharam

importância fundamental para um incontável número de relações sociais e

jurídicas.

A informação permite o ajustamento da pessoa ao meio social, cultural, político

e econômico e, como tal, deve ser considerada um atributo da personalidade.

Surgiram, então, inúmeros focos de tensão cuja origem está justamente na

exigência cada vez maior de coleta, armazenamento e tratamento de dados

pessoais que, por isso, exigiram o redimensionamento do clássico direito

fundamental à privacidade para atender às novíssimas situações criadas pela

tecnologia da informação.

O direito à privacidade continua tendo por “núcleo duro” informações que

refletem a necessidade de sigilo. No entanto, como direito de conteúdo

complexo, foi chamado a se adaptar às variações sociais e, por isso, deixou de

ter um caráter eminentemente negativo (proteção contra intromissão alheia ou

direito a estar só) para abarcar agora numa dimensão positiva (possibilidade de

exigir que o Estado resguarde a incolumidade da intimidade e da vida privada,

e o direito de controle da própria informação). A ampliação de seu significado,

no entanto, não acarretou desvantagens para sua capacidade efetiva, ao

contrário, por compreender agora o respeito à autonomia do sujeito, implicou a

necessidade de controle sobre suas próprias informações, ganhando um

significado mais funcional do que o anteriormente pensado.

Atualização do Facebook na Vida Real – Vídeo

Nesse cenário dinâmico, desenhado e impulsionado pelas redes sociais, assista

ao vídeo “Atualização do Facebook na Vida Real” e veja que, por exemplo,

desenvolveu-se o direito à autodeterminação informativa que visa conferir

possibilidade de controle a dados pessoais que não possuem uma vocação

instintiva para o sigilo.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 216

Direito à privacidade, autodeterminação informativa e direito à

proteção de dados

Pilar Nicolás Jiménez (2006, p. 163-170) adverte que, primeiramente, é

necessário compreender o que se entende por direito à privacidade,

autodeterminação informativa, direito à proteção de dados e liberdade

informática.

Direito à privacidade

O direito à privacidade compreende uma capacidade de controle por parte

de seu titular, sendo a intimidade “[...] aquelas manifestações da personalidade

individual ou familiar, cujo conhecimento ou desenvolvimento são reservados

ao respectivo titular ou sobre as quais exerce alguma forma de controle quando

se vêm implicados terceiros (...) o qual amplia seu âmbito a outras esferas da

vida privada.”

Autodeterminação informativa

A autodeterminação informativa incorpora uma nova garantia para o

exercício de direitos em face das novas tecnologias, definindo-se como “[...] a

capacidade de decidir sobre os dados pessoais informatizados, distinto, embora

às vezes confluente, com o direito à intimidade [...]”.

Direito à proteção de dados

O direito à proteção de dados seria um direito fundamental sui generis cujo

conteúdo corresponde a um “[...] poder de disposição e de controle sobre os

dados pessoais que faculta à pessoa decidir quais desses dados fornecer a um

terceiro, e também permite ao indivíduo saber quem possui esses dados e para

que, podendo opor-se a essa posse ou uso [...]” e, nesse sentido, não seria

mais do que uma faculdade conferida ao direito à privacidade.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 217

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL. SUCESSÃO. INVENTÁRIO.

EMBORA SEJA POSSÍVEL A VISTORIA DO IMÓVEL PELO INVENTARIANTE,

CONSIDERANDO QUE O IMÓVEL ESTÁ OCUPADO (ATÉ PROVA EM

CONTRÁRIO), NÃO SE MOSTRA RAZOÁVEL PERMITIR O LIVRE ACESSO À

RESIDÊNCIA ÀQUELE, POIS REPRESENTARIA ATÉ MESMO VIOLAÇÃO AO

DIREITO DE INTIMIDADE E PRIVACIDADE DOS RECORRIDOS. RECURSO

PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70056340227, Sétima Câmara Cível,

Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em

04/09/2013) (TJ-RS - AI: 70056340227 RS, Relator: Liselena Schifino Robles

Ribeiro, Data de Julgamento: 04/09/2013, Sétima Câmara Cível, Data de

Publicação: Diário da Justiça do dia 09/09/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR

DANOS MORAIS. INTERNET. PROVEDOR DE INTERNET. SITE DE BUSCA.

INFORMAÇÕES SOBRE O AUTOR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À

INTIMIDADE E À PRIVACIDADE. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO.

IMPROCEDÊNCIA DO PLEITO. A demandada que não tem ingerência sobre o

teor das páginas criadas/mantidas por terceiros, os denominados

"hospedeiros". Assim, não possuindo a demandada ingerência sobre o conteúdo

disponibilizado pelos hospedeiros, não se deve falar em indenização por danos

morais, em face da inexistência de ato... (TJ-RS - AC: 70048683353 RS,

Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Data de Julgamento: 18/07/2012, Nona

Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 20/07/2012)

RESPONSABILIDADE CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE REPARAÇÃO POR

DANOS MORAIS - DIVULGAÇÃO DE SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PROFERIDA

EM AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE COM INDENIZAÇÃO POR

ABANDONO AFETIVO - PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA E NO SITE DO TRIBUNAL

DE JUSTIÇA - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA PERSONALIDADE -

PLEITO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL - SENTENÇA DE

IMPROCEDÊNCIA MANUTENÇÃO - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITO

DE INTIMIDADE E PRIVACIDADE - REPORTAGEM JORNALÍSTICA DE CUNHO

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 218

MERAMENTE INFORMATIVO SEM QUALQUER CARÁTER DEPRECIATIVO OU

DIFAMATÓRIO - AUSÊNCIA DE QUALQUER OFENSA À HONRA OU DIGNIDADE

DOS APELANTES REPORTAGEM REALIZADA DENTRO DA RESIDÊNCIA DOS

APELANTES E COM PERMISSÃO PARA FOTOGRAFIA EXERCÍCIO REGULAR DO

DIREITO DE INFORMAR A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ASSEGURA OS DIREITOS

FUNDAMENTAIS A PRIVACIDADE E A INTIMIDADE, CONFORME ART. 5º, IX, E

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA, DE ACORDO COM OS ARTIGOS

5º, X E 220 MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Não recepção da Lei de Imprensa

pela CRFB/1988, conforme decidido no julgamento da ADPF n. 130/DF, não se

aplica a Lei n. 5250, de 9 de fevereiro de 1967 ao caso sob julgamento, que

será regido pelas normas do direito comum. 2. A Constituição Federal assegura

a liberdade de pensamento e de expressão, bem como a liberdade de

imprensa. Igualmente, protege o direito à honra e à imagem do indivíduo,

assim como a intimidade e a privacidade (art. 5º e 220, CF), não permitindo a

ordem constitucional o abuso do direito ou o excesso reprovável. 3. Se a notícia

divulgada causa ofensa à reputação, à honra, à imagem ou à dignidade de

outrem, importando em responsabilidade civil do jornalista ou da empresa de

jornalismo que a veicula, surge o consequente dever de indenizar. 4. In casu,

conclui-se tratar de reportagem jornalística de cunho meramente informativo,

sem qualquer caráter depreciativo ou difamatório, ausente qualquer ofensa à

honra ou dignidade dos apelantes, bem como inexistente violação à sua

intimidade ou privacidade. 5. Exercício regular do direito de informar. Não há

elementos que demonstrem abuso do direito de informar capaz de dar ensejo à

obrigação compensatória por dano moral ou dever de publicação de desagravo.

6. Sentença de improcedência que se mantém. NEGA-SE PROVIMENTO AO

RECURSO. (TJ-RJ - APL: 00795127420078190004 RJ 0079512-

74.2007.8.19.0004, Relator: DES. MARCELO LIMA BUHATEM, Data de

Julgamento: 11/03/2014, VIGÉSIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL, Data de

Publicação: 11/04/2014 17:33)

MANUTENÇÃO INDEVIDA DE INSCRIÇÃO DE DADOS NOMINATIVOS EM BANCO

CADASTRAL DE INADIMPLENTES. DÍVIDA RECONHECIDA COMO QUITADA.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 219

MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO PARCIALMENTE

PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71002993541, Segunda Turma Recursal Cível,

Turmas Recursais, Relator: Maria Claudia Cachapuz, Julgado em 14/03/2012)

(TJ-RS, Relator: Maria Claudia Cachapuz, Data de Julgamento: 14/03/2012,

Segunda Turma Recursal Cível)

O que nos leva também ao direito ao esquecimento. Intimamente ligado ao

direito à privacidade, esse direito confere ao seu titular o direito de ser

esquecido pela opinião pública, pela imprensa, por terceiros e até pela Internet.

O que significa que atos realizados em um passado distante (lícitos ou ilícitos)

não podem ser constantemente relembrados por terceiros, evitando-se o que se

denomina de eternização da informação. Trata-se de direito fundamental já

reconhecido de forma autônoma pelo STJ (REsp n. 1.335.153-RJ e REsp n.

1.334.097-RJ) e aplicável como direito de personalidade na forma do Enunciado

531, da IV Jornada de Direito Civil do CJF: “a tutela da dignidade da pessoa

humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Assim

aparece nos tribunais brasileiros:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO

AO ESQUECIMENTO. ARTIGO 5º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A

divulgação das informações relativas à anterior demissão e readmissão do

autor, para que se configurasse ilícita, era necessário que ele tivesse obtido,

por qualquer meio, a decretação do sigilo dessas informações, o que não

ocorreu. A divulgação das informações referidas, que expressaram a verdade

dos fatos que se extrai do processo judicial pertinente, não pode ser tida como

ilícita, já que não se subsume o caso a qualquer das hipóteses legais de sigilo

ordinário. 2. Embora se possa cogitar em tese sobre um direito ao

esquecimento, impeditivo de que longínquas máculas do passado possam ser

resolvidas e trazidas a público, tal segredo da vida pregressa relaciona-se aos

aspectos da vida íntima das pessoas, não podendo ser estendido ao servidor

público, ou pessoas exercentes ou candidatos à vida pública, pois mais do que

meros particulares, devem explicações ao público sobre a sua vida funcional

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 220

pretérita ou presente. Note-se que a matriz constitucional de onde se pode

extrair o direito ao esquecimento radica no artigo 5º, inciso X, e inicia dizendo

que são invioláveis a intimidade, a vida privada, etc., claramente afastando

situação de vida funcional. (TRF-4 - AC: 58151 PR 2003.70.00.058151-6,

Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 06/05/2009,

QUARTA TURMA)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE

IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO

TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA.

HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO

"AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E

IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO

ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO.

RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS

ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA.

ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL

INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO

INCIDÊNCIA. 1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em

demandas cuja solução é transversal, interdisciplinar, e que abrange,

necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou

inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado

no âmbito do contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio,

não são apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Nos presentes autos, o

cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de

fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas

feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de

1958. Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter

revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da

morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao caso décadas

passadas. 3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 221

que se envolveram em processo-crime (REsp. n. 1.334/097/RJ), as vítimas de

crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento - se assim desejarem -,

direito esse consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças

de fatos passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso

contrário, chegar-se-ia à antipática e desumana solução de reconhecer esse

direito ao ofensor (que está relacionado com sua ressocialização) e retirá-lo dos

ofendidos, permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a

indefinida exploração das desgraças privadas pelas quais passaram. 4. Não

obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e

já penalizado - deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato

narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo

parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do

destino - frequentemente se torna elemento indissociável do delito,

circunstância que, na generalidade das vezes, inviabiliza a narrativa do crime

caso se pretenda omitir a figura do ofendido. 5. Com efeito, o direito ao

esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não

alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime,

acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria

impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de retratar o caso Aida

Curi, sem Aida Curi. 6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação

acerca de como o crime tornou-se histórico, podendo o julgador reconhecer

que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração midiática, e

permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo

abuso só porque o primeiro já ocorrera. Porém, no caso em exame, não ficou

reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na cobertura do crime,

inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que

podem se sujeitar alguns delitos. 7. Não fosse por isso, o reconhecimento, em

tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente ao dever de

indenizar. Em matéria de responsabilidade civil, a violação de direitos encontra-

se na seara da ilicitude, cuja existência não dispensa também a ocorrência de

dano, com nexo causal, para chegar-se, finalmente, ao dever de indenizar. No

caso de familiares de vítimas de crimes passados, que só querem esquecer a

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 222

dor pela qual passaram em determinado momento da vida, há uma infeliz

constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um "direito

ao esquecimento", na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que,

relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora

possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes. 8. A reportagem

contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da

morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral

apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável

ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso,

com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à

liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança. 9.

Por outro lado, mostra-se inaplicável, no caso concreto, a Súmula n. 403/STJ.

As instâncias ordinárias reconheceram que a imagem da falecida não foi

utilizada de forma degradante ou desrespeitosa. Ademais, segundo a moldura

fática traçada nas instâncias ordinárias - assim também ao que alegam os

próprios recorrentes -, não se vislumbra o uso comercial indevido da imagem

da falecida, com os contornos que tem dado a jurisprudência para franquear a

via da indenização. 10. Recurso especial não provido. (REsp 1335153/RJ. Data

28/05/2013 / 4a. Turma STJ)

Tecnologia da informação

Pilar Nicolás Jiménez (2006, p. 163-170) adverte que, primeiramente, é

necessário compreender o que se entende por direito à privacidade,

autodeterminação informativa, direito à proteção de dados e liberdade

informática.

Nesse contexto, não há como negar que as formas de controle social mudaram

em decorrência da implementação das tecnologias de informação e criação de

um sem número de bancos de dados públicos e privados com objeto e objetivos

diversos.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 223

Também impossível afastar a ideia de que, atualmente, a informação, além de

ser considerada meramente um bem com grande valor econômico, deve ser

tida como extensão da personalidade.

Daí, portanto, afirma-se que o direito à autodeterminação informativa

(reconhecida como direito à privacidade e à confidencialidade no art. 9o da

Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos – UNESCO, 2005) se

refere a dados nem sempre incluídos na esfera íntima, mas em algo mais

amplo, denominado privacidade (esfera pessoal), e cujo exercício dependerá

dos limites impostos à prática de direitos fundamentais e dos parâmetros

ditados pela solidariedade.

Esfera privada

Dessa forma, na esfera privada se incluem circunstâncias que, sem serem

secretas, nem de caráter íntimo, merecem respeito de todos, uma vez que se

destinam ao desenvolvimento da personalidade e tranquilidade de seu titular.

Confere-se à intimidade, portanto, um sentido mais amplo do que aquele

classicamente idealizado, que pode ser identificado como a “tutela das escolhas

de vida contra toda forma de controle público e de estigmatização social”,

visando, com isso, conferir autonomia às pessoas no controle de suas próprias

informações e não apenas o direito ao segredo sobre elas.

É possível, portanto, deduzir a proteção dos dados pessoais da tutela

do direito à privacidade, mas, nesse direito, a autodeterminação

informativa não se esgota.

Direito à autodeterminação informativa

Assim, o direito à autodeterminação informativa não se exerce unicamente

frente ao tratamento de dados pessoais, mas para qualquer emprego de

informação pessoal que não necessariamente será classificada como íntima. Por

isso, adotando-se um conceito aberto e flexível de intimidade, tomando-a por

seu caráter positivo e negativo, é possível enquadrá-lo como inerente a essa,

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 224

ainda que dotado de significação própria (conteúdo e objeto de proteção

próprios).

1

Nesse sentido, afirma Rebollo Delgado (1998, p. 180) que a autodeterminação

informativa se trata de uma extensão de um princípio-raiz (dignidade da pessoa

humana), com pleno assentamento no direito à privacidade pessoal e familiar e

com implicações em outros direitos igualmente fundamentais, como a honra e o

direito à própria imagem.

2

Desse preceito, decorre para todo o ordenamento jurídico a determinação de

estabelecer normas que fixem um sistema de proteção dos dados pessoais e

impeçam a utilização abusiva da tecnologia da informação sem o conhecimento

do seu titular ou sem justa causa autorizada pela lei.

3

O direito à privacidade (desde que também entendido em seu caráter positivo)

é capaz de fornecer a proteção necessária face às necessidades geradas pela

telemática, não sendo necessário reconhecer o direito à autodeterminação

informativa como um novo direito fundamental (ainda que seja essa a

tendência atual nas Cortes Constitucionais europeias), embora, por sua

natureza, guarde conexão numerosa com outros direitos fundamentais.

O direito à autodeterminação informativa, quando reconhecido como um direito

fundamental pertencente ao direito à privacidade, produz o redimensionamento

deste, vez que exigirá elementos outros que não apenas proibição, sanção e

indenização. Reclama, sim, outros componentes e sanções específicas que

garantam a faculdade de seu titular de assegurar o controle de suas

informações que dizem respeito não apenas a seus dados pessoais, mas a toda

e qualquer informação referente à sua pessoa, reconhecendo-se, dessa forma,

na intimidade, um direito à cidadania.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 225

Direito à proteção de dados

Fato é que, como direito fundamental, o direito à proteção de dados pessoais

tem por fim último a defesa da dignidade da pessoa humana, valor-fonte do

ordenamento jurídico brasileiro (art. 1º, III, CF) e, por isso, é uma nova

roupagem dada a um velho direito liberal que, apesar de reconhecida existência

secular, ainda não logrou êxito em sua plena efetividade.

A revitalização do direito à privacidade decorre de um processo natural de

reivindicação concreta (imposto pelas tecnologias da informação) e dialética,

que permite o seu avanço como direito fundamental e o reconhecimento de que

sua amplitude é muito maior do que a originalmente pensada no Estado Liberal

(projeta-se para além do direito de propriedade sobre sua própria informação,

isenta, por isso, de consideração exclusivamente patrimonialista).

Atividade proposta

Para refletir, assista ao vídeo e, em seguida, reflita: afinal, o que estamos

fazendo com os nossos dados pessoais? Que proteção o Direito Privado pode

oferecer a esses ambientes que estão entre o público e o privado?

Chave de resposta: Tratando-se de atividade que propõe reflexão do próprio

aluno a partir dos conceitos estudados, não há uma única resposta ou uma

resposta correta. De fato, as redes sociais têm provocado um

redimensionamento da dimensão jurídica da privacidade, uma vez que os

espaços público e privado nela se confundem, conforme estudado na aula, e,

daí, a necessidade de repensar institutos clássicos do Direito Privado, buscando

dar respostas eficazes às novas demandas sociais.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 226

Material complementar

Para saber mais sobre a sociedade em rede, leia os artigos disponíveis

em nossa biblioteca virtual.

Referências

BAGGIO, Andreza Cristina. O direito do consumidor brasileiro e a teoria

da confiança. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

BERLO, David K. O processo da comunicação: introdução à teoria e à

prática. 10a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6a. ed. São Paulo: Paz e Terra,

2005.

LOPEZ, Teresa Ancona; LEMOS, Patrícia Faga Iglecias; RODRIGUES JUNIOR,

Otavio Luiz (Coords.). Sociedade de risco e direito privado. São Paulo:

Atlas, 2013.

MARTELETO, R.M. Análise de redes sociais – aplicação nos estudos de

transferência da informação. Ci. Inf., Brasília, v. 30, n. 1, jan./abr. 2001, p. 71-

81.

MARQUES, Cláudia Lima Marques. Contratos no código de defesa do

consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005.

MASETTO, Marcos; BEHERENS, Marilda. Novas tecnologias e mediação

pedagógica. 16a. ed. Campinas: Papirus, 2009. p. 12-17.

MORAN, José Manuel. Novas tecnologias e o re-encantamento do mundo.

Revista Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, vol. 23, n. 126, set.-out.

1995, p. 24-26.

RIFKIN, Jeremy. O século da biotecnologia. São Paulo: Makron Books, 1999.

VIEIRA, T.M. O direito à privacidade na sociedade da informação. Porto

Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 227

Exercícios de fixação

Questão 1

Sobre o direito à privacidade, é correto afirmar que:

a) Classicamente se confunde com o direito à autodeterminação

informativa.

b) Contemporaneamente contém: o direito a estar só, direito ao

esquecimento, direito à autodeterminação informativa e direito à

proteção de dados.

c) Foi com o advento do Estado Social que a privacidade tornou-se elitista,

contrapondo-se vida privada e interesse público.

d) A liberdade de informação é absoluta e se sobrepõe sempre ao direito à

privacidade.

Questão 2

Analise as assertivas adiante:

I. A Sociedade de Informação caracteriza-se por conceder aos indivíduos

liberdades variáveis em sua dimensão e extensão que interferem diretamente

nos relacionamentos sociais.

II. A Sociedade em Rede é um modo de desenvolvimento social e econômico,

cuja aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão,

distribuição e disseminação de informação conduzem à criação de

conhecimento e satisfação de necessidades.

III. A Sociedade de Risco tem por elemento central os riscos que geram

situações de perigo social que afetam toda a sociedade.

a) Está correto apenas o item I

b) Está correto apenas o item II

c) Está correto apenas o item III

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 228

d) Todos estão corretos

Questão 3

É correto afirmar que:

I. Sociedade de Informação, Sociedade em Rede e Sociedade de Risco são

expressões sinônimas que designam relacionamentos sociais intermediados por

meios virtuais.

II. Nas redes sociais, o anonimato é sempre garantido, não gerando nenhuma

responsabilidade às postagens realizadas e/ou compartilhadas.

III. A privacidade, atualmente, é apenas considerada em seu aspecto positivo,

ou seja, direito à autodeterminação.

IV. Aos bancos de dados de qualquer natureza, aplica-se o direito à

autodeterminação informativa, garantindo ao titular dos dados a sua correção,

retirada, inclusão e informação.

a) Estão corretas I e II

b) Está correta a alternativa I

c) Está correta a alternativa IV

d) Todas estão corretas

Questão 4

Sobre as tendências dos tribunais brasileiros quanto ao direito à privacidade, é

correto afirmar que:

I. O direito ao esquecimento pode ser exercido por aquele que cometeu um

crime e já cumpriu a pena, e sofre com a exploração da mídia sobre o fato

ocorrido em um passado distante.

II. O devedor inadimplente inserido em cadastros negativos de crédito, ainda

que tenha quitado a dívida, não tem direito a exigir a retirada de seu nome do

banco de dados.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 229

III. Não se pode obrigar nenhum dos sites de busca (como o Google) a retirar

informações pessoais neles disponibilizadas.

IV. A liberdade de expressão constitucionalmente garantida, prevalecendo

sempre sobre o direito à privacidade.

a) Apenas o item I está correto

b) Apenas o item II está correto

c) Apenas o item III está correto

d) Apenas o item IV está correto

Questão 5

Certo ou errado? O direito ao esquecimento é direito fundamental

intimamente ligado ao direito à privacidade e, em qualquer situação, deverá

prevalecer sobre a liberdade de imprensa.

a) Certo

b) Errado

Elementos da informação: Ensina Fernanda Nunes Barbosa (2008, p. 61-62)

que “a informação clara seria aquela em que são utilizados os signos

qualitativamente mais apropriados, a fim de possibilitar ao receptor interpretar

corretamente a mensagem. A informação precisa, por seu turno, seria aquela

em que participam os caracteres de exatidão, pontualidade e fidelidade, o que

também se dá mediante a escolha certa dos símbolos pelo emissor da

mensagem. Tal requisito responde a um princípio de economia de mensagem.

Já a informação completa é aquela em que o emissor, na operação de

codificação, utiliza signos (sons linguísticos, sinais gráficos, gestual) e símbolos

que representem integralmente a novidade. Veraz é a característica da

informação que corresponde à verdade daquilo que se pretende dar a conhecer

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 230

ao outro. É a correspondência entre o que se quer fazer saber e a realidade

objetiva. Por fim, a informação compreensível será aquela que mais análise de

contexto solicitará, pois requererá do emissor uma apreensão da realidade do

receptor, a fim de que a mensagem possa ser por este efetivamente

compreendida [...]. O requisito da adequação, segundo Neto Lôbo, diz com os

meios de informação utilizados e com o respectivo conteúdo. Os meios devem

ser compatíveis com o produto ou o serviço oferecidos [...]”.

Modelo panóptico: “Dever de ser ‘visível’ e ‘inverificável’; o indivíduo não

precisa saber que está sendo observado, mas precisa ter certeza que poderá

sê-lo a qualquer momento”. (FOUCAULT, 1987, p. 166-167). Vale ressaltar, no

entanto, que quando aqui se faz referência ao modelo panóptico, considera-se

para além do que foi inicialmente pensado, o que significa afirmar que esse

modelo, atualmente, não se restringe apenas a espaços de confinamento, mas,

sim, se realiza em mecanismos de controle (Deleuze), que, no contexto que

estamos estudando, são considerados intensificações das disciplinas (Foucault),

e que, por isso, estão além dos espaços institucionais, expandindo-se e se

organizando em redes flexíveis e flutuantes que se espalham por todo o corpo

social, aperfeiçoando-se constantemente. Os mecanismos de poder e a

cientifização dos hábitos de vida permitem que os efeitos do autocontrole da

saúde se expandam continuamente e de maneira muito mais intensa do que

aquelas preconizadas pelo modelo disciplinar e, por isso, sua disseminação

rápida na sociedade contemporânea.

Tecnologia da informação (TI): Segundo Tatiana Malta Vieira (2007, p.

177), é “a microeletrônica, a computação (software e hardware), as

telecomunicações, a optoeletrônica[ramo da eletrônica que cuida da

transmissão por fibra ótica e laser], a engenharia genética e todos os processos

tecnológicos interligados por uma interface e linguagem comuns, na qual a

informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida”. “E

mesmo que a prensa mecânica, da qual ‘conhecemos as gigantescas

transformações que provocou’, tenha tornado possível a duplicação e produção

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 231

de múltiplas cópias idênticas aos melhores manuscritos, e que este processo

tenha, no século XX, atingido o máximo de rapidez com a impressão

automática, foi o computador, através dos processadores de texto e editores de

hipertexto, que adicionou à tecnologia da escrita maior flexibilidade e eficiência

individual na maneira de gerar e imprimir textos”. Escrita e tecnologia, [s. p.],

p. 10.

Fonte: http://unicamp.br/˜hans/mh/escrTec.html&#62;. Acesso em: 06 abr.

2012.

Aula 8

Exercícios de fixação

Questão 1 - B

Justificativa: Classicamente se confunde com o direito a estar só. Foi com o

advento do Estado Liberal que a privacidade tornou-se elitista, contrapondo-se

vida privada e interesse público. A liberdade de informação não é absoluta,

deve ser ponderada com outros valores igualmente protegidos.

Questão 2 - C

Justificativa: Os conceitos de Sociedade de Informação e de Sociedade de Risco

estão invertidos.

Questão 3 - C

Justificativa: Sociedade de Informação, Sociedade em Rede e Sociedade de

Risco não são expressões sinônimas, embora todas estejam igualmente

influenciando a revisão e conceitos clássicos de Direito Privado, como, por

exemplo, o conceito de privacidade. As redes sociais passam a noção de um

falso anonimato e não isentam o titular da conta por postagens e/ou

compartilhamentos que causem dano a outrem. A privacidade, atualmente,

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 232

deve ser considerada em seu aspecto positivo e negativo, não sendo

necessariamente excludentes entre si.

Questão 4 - A

Justificativa: O devedor inadimplente inserido em cadastros negativos de

crédito, que tiver quitado a dívida, tem direito a exigir a retirada de seu nome

do banco de dados. Pode-se obrigar os sites de busca (como o Google) a retirar

informações pessoais neles disponibilizadas. Na análise do caso concreto, o juiz

deverá ponderar valores a fim de determinar se deve prevalecer a liberdade de

expressão ou o direito à privacidade.

Questão 5 - B

Justificativa: O direito ao esquecimento é direito fundamental intimamente

ligado à privacidade, mas nem sempre prevalecerá sobre a liberdade de

imprensa. O juiz deverá, na análise do caso concreto, determinar ser mais

relevante a proteção da vida privada ou o direito do público à informação.

ELEMENTOS DE DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL 233

Fernanda Schaefer Rivabem é advogada em Curitiba-PR, Graduada em

Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito

Processual Civil pela PUC-PR. Foi bolsista CAPES no Mestrado em Direito

Econômico e Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Doutora em

Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná, curso em que

realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco e Universidade

de Deusto (Espanha) como bolsista CAPES. Autora de obras e artigos sobre

responsabilidade médica e Biodireito; integrante do Grupo de Pesquisa Virada

de Copérnico, vinculado ao curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da UFPR;

professora de Direito Civil da Faculdade Estácio de Curitiba. Professora e

Coordenadora da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Médico do UniCuritiba e

professora de Direito Civil e Biodireito do Curso de Direito. Professora do Curso

de Pós-Graduação Lato Sensu da PUC-PR. Membro da Comissão de Educação

Jurídica e da Comissão de Direito da Saúde da OAB-PR.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9452455018384161