Elementos Do Discurso PDF

download Elementos Do Discurso PDF

of 15

Transcript of Elementos Do Discurso PDF

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    1/15

    ELEMENTOS DO DISCURSO:

    CONTRIBUIES DE BAKHTIN,

    BENJAMIN E JAMESON ANLISECULTURAL DE FORMAS

    DISCURSIVAS

    Paulo Marcondes F. Soares

    Prof. do Departamento de Cincias Sociais/UFPE

    Resumo

    Este estudo orienta-se para a discusso das formas discursivas enquanto processo de anlise culturalsocialmente simblico. Trata-se de configurar os elementos do discurso como instncias resultantes detenses entre os campos lingstico e no-lingstico, trazendo-se para a anlise de discurso oentrecruzamento de reas como cincias sociais e histria, alm da lingstica. Parte-se do princpio deque toda significao discursiva um gesto semntico, implicando sentidos histricos, scio-culturais,polticos, nem sempre claramente expressos, mas processados como relaes de foras histrico-sociais.

    Palavras-Chave: anlise de discurso; discurso polifnico; gesto semntico; narratividade; dialogismo;ideologia da forma.

    1. Todo elemento do discurso passvel de inferncias que levam identificao deaspectos contidos ou representados em sua unidade. Para Bakhtin, por exemplo, todo"signo" marcadamente ideolgico, o que implica dizer que "possui um significado eremete para algo situado fora de si mesmo" (Bakhtin, 1981). Nesse sentido, no podehaver ideologia sem signo e, portanto, palavra no haveria qualquer sentido possvelcaso no fosse preenchida de "qualquer espcie de funo ideolgica: esttica,cientfica, moral, religiosa" (Idem).

    2. Ainda sobre esta questo, h um ou dois pargrafos em que Williams (1992, p.26), notpico sobre ideologia, trabalha dois sentidos importantes para a anlise cultural: aconcepo de ideologia como "crenas formais e conscientes de uma classe ou de outrogrupo social" e a concepo de ideologia como "a viso de mundo ou perspectiva geralcaracterstica de uma classe ou outro grupo social".

    3. No primeiro, trata-se de princpios ou posies gerais ou, at, dogmas; no segundo,

    alm de incluir as crenas formais e conscientes (primeiramente), inclui "atitudes,

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    2/15

    hbitos e sentimentos menos conscientes e menos articulados" ou, mesmo,"pressupostos, posturas e compromissos inconscientes" (Idem).

    4. Para o autor, o primeiro tpico um caminho vlido mas no suficiente para a anlisecultural; sendo necessrio que a anlise se estenda em dois sentidos: primeiro, para "a

    rea dos sentimentos, atitudes e compromissos" que so os aspectos menos conscientesou inconscientes menos palpvel; mas que so, bem mais amplo ainda, os que revelam acultura em mudana face aquilo que, como crenas formais e conscientes, aparentamperdurar. Assim, em mediao ao que chama de "colorao global vvida" (crenasformais e conscientes), h uma "prtica social concreta" (cotidiana, difusa, menosconsciente, inconsciente), "culturalmente especfica" e "analiticamente indispensvel"(Idem).

    5. O segundo sentido da anlise cultural, o autor o encontra na necessidade de umprocedimento analtico que se estenda at a "rea manifesta da produo cultural" que,pela "natureza de suas formas", no exclusivamente apenas expresso das "crenas

    formais e conscientes" - visto que alm da filosofia, religio, teoria econmica, teoriapoltica ou direito, tambm teatro, fico, poesia, pintura: que tambm atuam porformas menos conscientes e inconscientes que se expressam como sentimentos,pressupostos, compromissos (idem).

    6. J anteriormente a tais formulaes por Williams, Benjamin (1985) havia apresentadoalguns elementos essenciais sua configurao de um mtodo da histria. Para o autor,adotar o mtodo da histria implica tomar o cotidiano a partir das manifestaes dasexperincias do presente, que tanto se encontram marcadas por "ecos de vozes" de umpassado por vezes silenciado, quanto se apresentam interpenetradas do devir utpico:em configuraes que nos remetem a processos que vo desde as "construesduradouras" at as "modas fugazes". Outrossim, tais configuraes podem seremancipatrias ou voltadas para a mudana ou, simplesmente, ctica ou retrgradas(reacionrias). Em determinada passagem, Benjamin elabora uma sntese fundamentaldo seu mtodo da histria quando diz:

    forma de um meio de construo que, no comeo, ainda dominada pela domodo antigo (Marx), correspondem imagens na conscincia coletiva em que onovo se interpenetra com o antigo. Essas imagens so imagens do desejo e,nelas, a coletividade procura tanto superar quanto transfigurar as carncias do

    produto social, bem como as deficincias da ordem social da produo. Alm

    disso, nessas imagens desiderativas aparece a enftica aspirao de sedistinguir do antiquado - mas isto quer dizer: do passado recente. Taistendncias fazem retroagir at o passado remoto a fantasia imagticaimpulsionada pelo novo. No sonho em que ante os olhos de cada poca apareceem imagens aquela que a seguir, esta ltima comparece conjugada aelementos de proto-histria, ou seja, a elementos de uma sociedade sem classes.

    Depositadas no inconsciente da coletividade, tais experincias, interpenetradaspelo novo, geram a utopia que deixa o seu rastro em mil configuraes de vida,desde construes duradouras at modas fugazes (idem, p.32).

    7. Com efeito, partindo destas colocaes que Benjamin chega idia da escrita

    literria e da obra de arte como o "gesto semntico", que, por sua vez, a configurao

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    3/15

    do "gesto poltico": aqui traduzido como o "inconsciente do texto" (Kothe in Benjamin,1985, p. 20).

    8. Talvez seja ilustrativo disso, a referncia a alguns dos mais conhecidos ensaiosreunidos por Benjamin, em torno de um projeto ambicioso, o seu Trabalho das

    Passagens, em que o autor vai se dedicar anlise e situao da poesia, por exemplo,na poca de Baudelaire; e s prprias transformaes ocorridas, sob o signo damodernidade, nas passagens e galerias parisienses. Duas situaes so dignas dedestaque para o interesse que se quer esboar aqui. A primeira, diz respeito configurao do interieur como o momento em que se d a separao entre o espaoprivado e o lugar de trabalho. O interieur, como universo caracterstico da novaresidncia do homem privado, se apresenta assim como a expresso por excelncia doespao burgus. nele que o homem privado vai ter sustentadas as suas iluses:

    Esta necessidade tanto mais aguda quanto menos ela cogita estender os seusclculos comerciais s suas reflexes sociais. Reprime ambas ao confirmar o

    seu pequeno mundo privado. (...) O seu salon um camarote no teatro domundo (Benjamin, 1985, p.37).

    9. Com efeito, assim como o escritrio se apresenta em seu realismo como "o centro degravidade do existencial", assim o interieur se mostra como refgio, como lugar"esvaziado de realidade". Benjamin afirma: "O interior da residncia o refgio da arte.O colecionador o verdadeiro habitante desse interior (Idem, p.38). Ao que parece, oautor chama a ateno para o fato de que, a, passa a haver uma espcie de retorno aura: mas no pela significao de culto referida em outra obra, e, sim, pelatransfigurao de valor por que passam os bens - o colecionador retira dos objetos, pelaposse, o seu carter de mercadorias; mas, ao invs de restituir-lhes valor de uso, osimpregna de puro "valor afetivo".

    O interior no apenas o universo do homem privado, mas tambm o seuestojo. Habitar significa deixar rastros. No interior, eles so acentuados.Colchas e cobertores, fronhas e estojos em que os objetos de uso cotidianoimprimam a sua marca so imaginados em grande quantidade. Tambm osrastros do morador ficam impressos no interior. Da nasce a histria dedetetive, que persegue esses rastros (Idem, p.38).

    10. O contraponto a esse mundo interior e a esse homem privado, Benjamin vai

    encontrar na poesia de Baudelaire. Para ele, com Baudelaire que Paris se torna, pelaprimeira vez, objeto de poesia lrica. Uma poesia que se vale do alegrico e que,melancolicamente, olho a cidade por uma dimenso de estranhamento. Uma poesia quese traduz pelo olhar do flneur - um dos tipos sociais identificados por Benjamin notocante a existncia na modernidade. Ao que parece, oflneurrepresenta um tipo socialcuja forma de vida encontra seu limiar tanto na cidade grande quanto na classeburguesa, mas sem que esteja a elas subjugada. Com efeito, a multido se expressacomo o espao asilar do flneur, sua residncia, sua fantasmagoria. O flneur serepresenta, ainda, no tipo intelectual marcado pelo mercado, mercado para o qual a

    flnerie se torna "til venda de mercadorias" (Idem, p.39).

    11. Contudo, a condio do flneur bastante ambivalente: no interior da multido, apassagem se lhe apresenta tanto como espao exibvel, quanto como refgio - a, o

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    4/15

    flneurvive situaes como as de mercadoria, de vagabundo, de proscrito; a, ainda, elevivncia empaticamente a satisfao da compra pelos fregueses, bem como, tem comoreferncia as tabernas (onde se refugia dos credores) e a prostituta (misto de mercadoriae vendedora). Em dois momentos os escritos de Benjamin de maneira rica essa situao.Diz o autor:

    A passagem ocupa uma posio intermediria entre a rua e o interior de umaresidncia (...) A rua se torna moradia do flneur, que est to em casa entre as

    fachadas das casas quanto o burgus ente as suas quatro paredes. As reluzentesplacas esmaltadas das firmas so, para ele, uma decorao de parede to boa -ou at melhor - quanto para o burgus uma pintura a leo no salo; paredesso o plpito em que ele apoia o seu caderninho de notas; bancas de jornal soas suas bibliotecas e os terraos dos cafs so as sacadas de onde, apscumprido o trabalho, ele contempla a sua casa (Idem, p.67).

    12. Noutro momento, afirma Benjamin:

    A multido no s o asilo mais recente do proscrito; tambm o mais recentenarctico do abandonado. O flneur um abandonado na multido. Nisso elecompartilha da situao da mercadoria. Tal peculiaridade no lhe consciente.

    Mas nem por isso age menos nele. Prazerosamente ela o invade como umnarctico, que pode compens-lo por muitas humilhaes. A ebriedade a que o

    flneur se entrega a da mercadoria rodeada e levada pela torrente dosfregueses (...) A empatia , contudo, a natureza dessa ebriedade a que o flneurse entrega na multido (Idem, p.82).

    13. A atualidade desses trabalhos, por certo, se deve tanto possibilidade de se t-loscomo ilustrao de como Benjamin, atravs do seu mtodo das imagens dialticas danarrativa na histria, identifica a flnerie no "inconsciente do texto" baudelairiano;quanto de se t-los como referncia ao desenvolvimento de estudos sobre o nomadismoainda presente em imagens e discursos da cultura de massa atualmente - ainda que comcaractersticas completamente distintas daquelas encontradas por Benjamin na anliseda poca e da obra potica de Baudelaire.

    14. Um pouco nessa direo, ou seja, a da anlise do "inconsciente textual" da narrativa,ainda que com um nvel de elaborao relativamente mais complexo, Jameson (1992)introduz a noo de interpretao textual do discurso pela esfera do impens, nondit; ou

    seja, pelo seu "lado avesso", no claramente revelado, pelo seu inconsciente poltico(idem, p.44). Para o autor, o tipo de hermenutica que aqui se projeta vai se distinguirdos demais, justamente, por tentar detectar os traos narrativos reveladores doinconsciente poltico do texto, na medida em que prima por trazer sua superfcie toda asua realidade historicamente reprimida e ocultada. Nesse sentido, o autor nega-se sformas de interpretao que separam "textos culturais que so sociais e polticos" dos"que no o so" (idem, p.18). Para ele, esse tipo de procedimento refora o

    hiato estrutural, experimental e conceitual entre o pblico e o privado, o sociale o psicolgico, ou o poltico e o potico, entre a Histria ou a sociedade e o`individual (...) que mutila nossa existncia enquanto sujeitos individuais e

    paralisa nosso pensamento com relao ao tempo e mudana, da mesmaforma que, certamente, nos aliena da prpria fala.

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    5/15

    15. E conclui:

    Imaginar que j existe, salvo da onipresena da Histria e da implacvelinfluncia social, um reino de liberdade (...) s significa o fortalecimento docontrole da Necessidade sobre todas as zonas cegas em que o sujeito individual

    procura refugio, na busca de um projeto de salvao puramente individual emeramente psicolgico.

    16. No que sentencia:

    A nica libertao efetiva desse controle comea com o reconhecimento de quenada existe que no seja social e histrico - na verdade, de que tudo , emltima anlise, poltico (idem).

    17. Com efeito, este reconhecimento se apresenta como a prpria chave do inconscientepoltico, que conduz, por uma diversidade de percursos, interpretao dos produtos e

    artefatos culturais como "atos socialmente simblicos".

    18. Partindo da crtica marxista como pr-condio semntica de inteligibilidade dostextos, o autor vai apresentar trs molduras concntricas que marcam uma ampliao dosentido social do texto. Nestes termos, o autor procura estabelecer correlao entre osdistintos horizontes semnticos e seus momentos distintos do processo de interpretao(idem, p.68-9).

    19. No primeiro horizonte, o "texto" algo coincidente com a obra/expressoindividual; sendo que a diferena entre o discurso e a interpretao que a obra apreendida, no segundo caso, como ato simblico. No segundo horizonte, o "texto" setransforma at incluir a ordem social, que so os grandes discursos de classe, tornando-se ideologema ("menor unidade inteligvel dos discursos coletivos essencialmenteantagnicos das classes sociais"). Finalmente, no terceiro horizonte, paixes e valoresso relativizados pelo horizonte mximo da histria humana e por suas posies nomodo de produo; dando-se, a, uma transformao final tanto do texto individual,quanto dos seus ideologemas, transformao que o autor vai caracterizar comoideologia da forma.

    20. Para Jameson, os artefatos culturais gozam de um "inquebrantvel poder dedistoro ideolgica" que permanece at nas configuraes de sua restaurao utpica

    (p.307). Alis, nesse sentido, o autor vai desde o incio afirmar que a prpriainterpretao da forma esttica ou narrativa (especialmente nos termos do primeirohorizonte) deve apreend-la como ato ideolgico e mtico, "com a funo de inventarsolues imaginrias ou formais para contradies insolveis", de modo que talinterpretao possa seguir o roteiro de uma proposio interpretativa da identificao deum inconsciente poltico: nessa perspectiva, deve-se ver os textos da Histria como o"pense sauvage poltico-histrico", ou seja, como o inconsciente poltico dos "nossosartefatos culturais": "das instituies literrias do alto modernismo at os produtos dacultura de massa" (p.72-3). O fato de ser "no-narrativa" e de ser "no-representvel"em si mesma caracteriza a Histria como o prprio inconsciente poltico do texto -sendo, por sua vez, acessvel somente na medida em que textualizada, ou seja,

    (re)escrita, (re)construda (p.75).

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    6/15

    21. E assim como a literatura se encontra permeada do inconsciente poltico, devendoser lida como mediao simblica sobre o destino da comunidade (p.64); tambm areescritura do texto individual se d em termos do dilogo antagnico de vozes declasse (p.78). Para o autor, a apreenso dos ideologemas, relativo ao segundo horizonte,so de fundamental importncia para a operao de restaurao e reescritura de um

    horizonte essencialmente dialgico ou de classe das formas narrativas (p.80):

    Tal reconstruo est de acordo com a reafirmao da existncia de culturasmarginalizadas ou em oposio em nosso prprio tempo e com a reaudio dasvozes opositoras das culturas negras ou tnicas, das literatura feminina e gay,da arte folclrica nave ou marginalizada. Porm, mais uma vez, a afirmaodessas vozes culturais no-hegemnicas continua ineficaz se for limitada

    perspectiva meramente sociolgica da redescoberta pluralista de outrosgrupos sociais isolados: apenas uma reescritura definitiva dessas expresses emtermos de suas estratgias essencialmente polmicas e subversivas devolve-lheso seu devido lugar no sistema dialgico das classes sociais (p.78).

    22. E do mesmo modo que se pode falar em reescrituras das vozes culturais no-hegemnicas, tambm se deve falar nas reescrituras das vozes hegemnicas e de comoelas muitas vezes se (re)textualizam pelas reapropriaes e padronizaes das fontesvitais dos processos culturais no hegemonizados (notadamente, com a forteinterveno de uma "mdia de uma classe mdia hegemnica") (p.79).

    23. Partindo de um historicismo radical que toma a histria no "campo ltimo" e no"limite intranscendvel de nossa compreenso em geral e de nossas interpretaestextuais em particular" (p.91), o autor vai caracterizar a coexistncia de modos deproduo sobrepostos que supera o falso problema das determinaes "em ltimainstncia". Trata-se do momento que engloba tanto o "ato simblico" maisindividualizado, quanto a dialogicidade do discurso de classes dos horizontes anteriores,num "campo de foras", o do terceiro horizonte, que revela a multiplicidade coexistentedos "sistemas de signos" dos modos de produo sobrepostos: arcaicos e novos;econmicos, sexuais, polticos, sociais, etc. Nestes termos, uma ideologia da forma,como espao de mensagens sgnicas contraditrias coexistentes tanto no "processoartstico", quanto na "formao social geral", vai apreender desde os fatores ideolgicosaos impulsos utpicos dos artefatos culturais (p.90-1).

    24. Apoiando-se na idia dos "impulsos utpicos" de Bloch e no esquema

    mannheimiano do binmio ideologia-utopia, Jameson vai criticar as teoriasmanipulatrias da cultura no marxismo, afirmando que enquanto a funo de um textoda cultura de massa pode ser vista como "troca compensatria" da passividade, apenascriando em si uma "estratgia de persuaso retrica" com "incentivos adesoideolgica" pelo MCM, a afirmao de uma "hermenutica utpica" deve considerarque, embora tal estratgia proceda pela forma espria daqueles incentivos, finda por"despertar" na interioridade do prprio texto, aquilo que procura justamente silenciar; e,sendo assim, revela o quanto mantm de uma estreita relao com os "impulsosutpicos" do observador, como processo que pode apresentar caracteres emancipatriosna comunicao de massa, mesmo em suas formas mais "degradadas", visto que as maiscruas formas de manipulao "dependem das mais antigas expectativas utpicas da

    humanidade" (p.297).

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    7/15

    25. Na apresentao final de sua proposio metodolgica, o autor defende anecessidade, para a leitura e interpretao crticas, de se articular uma "hermenuticamarxista negativa", para a anlise propriamente ideolgica dos textos culturais, comuma "hermenutica marxista positiva", para a "decifrao dos impulsos utpicos"daqueles textos ideolgicos. E adverte:

    Se as nuances mannheimianas desta perspectiva dupla - ideologia e utopia - permanecem suficientemente ativas para oferecer rudo na comunicao einterferncia conceitual, ento devem ser propostas formulaes alternativas,em que uma anlise instrumental coordenada com uma leitura coletivo-associativa ou comunal da cultura, ou em que um mtodo funcional para adescrio dos textos culturais articulado com um mtodo antecipatrio(p.304).

    26. Enfim, o que o autor procura afirmar, j no incio do seu trabalho, que partir daconsiderao da interpretao como "ato essencialmente alegrico, que consiste em se

    reescrever um determinado texto em termos de um cdigo interpretativo especfico"(idem, p.10); nisso coincidindo com Benjamin, que parte de um semelhantepressuposto, quando procura dimensionar o "gesto semntico" do texto como narrativaalegrica - em que "cada poca pensa a seguinte", estando tambm marcada pelo "modoantigo", como foi visto.

    27. Nisso, ainda, coincidindo com Bakhtin, que trata a narrativa textual-sgnica da obraartstica como ideolgica e, portanto, alegrica: na medida em que os elementosculturais e textuais presentes no discurso so apreendidos segundo a ptica dodialogismo, categoria cara ao autor.

    28. Em seus estudos sobre Dostoivski, Rabelais, a teoria do romance, Bakhtin vaiseguir a formulao da anlise do discurso por sua categoria dialgica, num contextocultural altamente heterogneo e plural, o que o leva a conceb-lo como um discurso"polifnico", que se expressa, muitas vezes, na forma de uma carnavalizao:

    O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinadomomento social e histrico, no pode deixar de tocar os milhares de fiosdialgicos existentes, tecidos pela conscincia ideolgica em torno de um dadoobjeto de enunciao, no pode deixar de ser participante ativo do dilogosocial. Ele tambm surge desse dilogo como seu prolongamento, como sua

    rplica, e no sabe de que lado ele se aproxima desse objeto.29. E mais:

    A concepo do seu objeto, por parte do discurso, um ato complexo: qualquerobjeto desacreditado e contestado aclarado por um lado e, por outro, obscurecido pelas opinies sociais multidiscursivas e pelo discurso de outremdirigido sobre ele. neste jogo complexo de claro-escuro que penetra odiscurso, impregnando-se dele, limitando suas prprias facetas semnticas eestilsticas. A concepo do objeto pelo discurso complicada pela interaodialgica do objeto com os diversos momentos da sua conscientizao e de seu

    desacreditamento scio-verbal. A representao literria, a imagem do objeto,pode penetrar neste jogo dialgico de intenes verbais que se encontram e se

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    8/15

    encadeiam nele; ela pode no abaf-las, mas, ao contrrio, ativ-las eorganiz-las (Bakhtin, 1993, p.86-7).

    30. Como vimos, nenhum enunciado pode ser apreendido como uma forma pura, naturalou radicalmente original, posto que as condies de sua prpria percepo dependente

    da maneira como ele interage e se insere na multidiscursividade dos vrios sistemasscio-culturais, nas pocas ou tempos histricos da cultura, nas diferenciaes declasses e grupos sociais, na especificao dos nveis culturais, nas configuraesespaciais, bem como, na concreo de suas mais claras ou mais ocultas manifestaes"textuais", verbais e no-verbais (Lopes, 1993, p.81-106; Stam in Kaplan, op. cit.,p.149-84).

    31. Nesse sentido, a dialogicidade do discurso prpria de toda a produo de artefatosculturais, apreendidos no em si mesmo, mas como mecanismo dinmico de mltiplassituaes e contextos: que informam a dimenso plural do enunciado. Tambm aslnguas se apresentam como conjunto multifacetrio: elas so "mesclas nunca

    inteiramente resolvidas e homogeneizadas de dialetos, socioletos, jarges, normas eregistros diversos" - dessa "multidiscursividade da lngua" que vai derivar a"multitextualidade do discurso" (Lopes, p.91). O sentido de toda obra , assim, atribudode "uma construo dialgica" (Idem). Cada novo ato interpretativo ou leitura compe,ao mesmo tempo, um novo sentido do texto; assim como cada texto absorve etransforma um outro, constituindo-se no novo enunciado que submete o anterior condio de "enunciao enunciada" (Idem). A enunciao se constitui na unidadediferenciada da lngua, que sempre a expresso do dilogo social. Este aspectocaracteriza o processo da comunicao como, tambm, exerccio dialgico e, portanto,ideolgico (p.96).

    32. Da noo do dialogismo, Bakhtin chega idia do discurso polifnico, que estassociada forma como numa dimenso textual verbal ou no-verbal, artstica ousociolgica pode coexistir uma multiplicidade de vozes no harmnicas, autnomas,disjuntas e, portanto, profundamente marcada de uma heteroglossia. Nesse sentido, apolifonia aponta para os aspectos vividos dos conflitos sociais no quadro de processosestruturais complexos que no permitem confundir simples pluralismo harmonioso comheteroglossia dialgica. Importante, aqui, observar-se a lcida distino feita por Stam(in Kaplan op. cit.) a propsito da viso relacional do dialogismo em Bakhtin emcontraposio e uma pseudopolifonia prpria de um pluralismo harmonioso e liberal.Diz o autor:

    Essa viso, profundamente relacional, diferencia o pensamento de Bakhtin deum incuo pluralismo liberal, e o faz em diversos sentidos. Primeiro, Bakhtinconsidera todos os enunciados e discursos em relao aos efeitos deformadoresdo poder. Segundo, ele no prega uma pseudo-igualdade de pontos de vista;suas simpatias vo, antes, claramente para o ponto de vista no-oficial, para osmarginalizados, os oprimidos, os perifricos. Terceiro, enquanto o pluralismo adicional e tolerante - permite que mais uma voz se acrescente correntecentral -, a viso de Bakhtin polifnica e celebratria. Qualquer ato de trocaverbal ou cultural, para Bakhtin, deixa ambos os interlocutores modificados (p.166-67).

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    9/15

    33. A noo de carnavalizao parece estar relacionada a um conjunto de elementos querevelam uma caracterstica muito mais radical ou paroxista dos fenmenos dodialogismo e da polifonia. Segundo Lopes (1993), Bakhtin define carnavalizaoquando a disjuno polifnica das vozes assume a forma de uma oposio total daspartes: apresentando-se, inclusive, um como a inverso pardica do outro (p.99-102). O

    uso deste conceito tem a ver com a aplicao, para os campos da esttica e da arte, dosmodelos de transgressividade (face aos processos normativos do comportamento social)presentes nas festividades populares desde a idade mdia, e "que oferecem ao povo umbreve ingresso numa esfera simblica de liberdade utpica" (Stam in Kaplan, op. cit.,p.170).

    34. Alis, para Stam, a validade de uma tal noo para os estudos da comunicao demassa parece ser total. Caso se queira seguir os passos de Bakhtin, pode-se aplicar anoo do dilogo na comunicao de massa como a que tratar do processo polifnico ede carnavalizao do prprio discurso miditico. A saber, a polifonia dos discursos nose d apenas no sentido do discurso das classes sociais, ou seja, no sentido de que as

    massas estariam dispersas em classes; mas, inclusive, em relao ao discurso dosprprios produtos veiculados pela mdia, que est longe de ser aqui interpretado deforma monoltica (Idem, 1992).

    35. Assim, tanto do ponto de vista das massas, quanto dos produtos culturais veiculadospelos MCM (que tm por trs de si os seus produtores - que no so, entre si,necessariamente partidrios de uma mesma viso de mundo; alm do que no devehaver, a, um valor ideolgico que se expresse por um total consenso), o discurso damultiplicidade de vozes se configura como reescrituras que se manifestam comofenmenos culturais, o que vai caracterizar o dilogo polifnico como existindo naprpria estrutura do processo comunicativo e da vida cotidiana.

    36. A rigor, o que se quer enfatizar que, dentro da unidade global da comunicaocomo cdigo compartilhado, o dilogo do discurso das classes essencialmenteantagnico, no sentido de que h dois ou mais discursos que se opem e que so, porisso mesmo, carnavalizados em seu "pluralismo heterogneo e explosivo" (Jameson,1992, p.77).

    37. Assim, no discurso contestatrio dos produtos culturais, os cdigos-mestres comunsda famlia, do Estado, da religio, da escola etc., enfim, do establishment; tornam-se o"locus" em que suas "formulaes dominantes" como valores hegemnicos passam,

    assim, por aquelas reapropriaes e modificaes polmicas (Idem).38. Por outro lado, no se trata de cair numa viso simplista do fenmeno. Uma coisa tomar como referncia a anlise dos produtos culturais as festividades carnavalescascomo uma polifonia cultural altamente dinmica, como se pontuou acima, em que sedestri ou se inverte simblica e momentaneamente todos os padres e regras sociais,todas as normas e papis, numa lgica cuja vigncia a norma do mundo de ponta-cabea; e outra coisa tecer uma observao crtica sobre os diversos nuances destesmesmos produtos culturais: dos seus aspectos mais transgressivos s suas expressesmais conservadoras ou retrgradas.

    39. Por querer refletir as contribuies de Bakhtin para a crtica de esquerda hoje, comopossibilidade de se escapar s vises manipulatrias ou de um ceticismo incuo, Stam

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    10/15

    no apenas advoga a possibilidade do uso dos conceitos bakhtinianos para a crtica dacultura de massa, como chama a ateno para o seu uso crtico, de modo a no cair num"ludismo vazio, que discerne elementos redentores at mesmo: nas mais degradadasprodues e atividades culturais" (Stam in Kaplan, op. cit., p.172).

    40. Em uma passagem importante, Stam lembra que h uma grande diversidade deidias inter-relacionadas que o conceito bakhtiniano de carnavalizao sugere, ainda quenem todas tenham "igual utilidade para a crtica de esquerda". So elas:

    1) uma valorizao de Eros e da fora vital (que atrai uma esquerda reichiana),como atualizao dos antigos mitos de Orfeu e Dionsio; 2) a idia, maisimportante para a esquerda em geral, de inverso social e subverso contra-hegemnica do poder estabelecido; 3) a idia, atraente para os ps-estruturalistas, da alegre relatividade e da ambivalncia e ambigidade

    prprias do rosto de Jano; 4) a noo do carnaval como transindividual eocenico (que atrai, ambiguamente, tanto a esquerda quanto a direita); e 5) o

    conceito de carnaval como espao do sagrado e o tempo entre parnteses(que atrai os de inclinao religiosa) (p.171).

    41. No que pese o esquematismo com que Stam apresenta sua crtica, o item segundoassume particular importncia para um estudo no presente, por estar em estreita ligaocom o debate da mediaes. Por outro lado, deve-se chamar ateno para o fato de que aanlise bakhtiniana mantm estreita relao com o esquema jamesoniano do terceirohorizonte, o da ideologia da forma, pelo menos na direo dada por Stam para a anliseda cultura de massa. Criticando o que denomina por "atitude esquizofrnica" de uma"austera esquerda super-egica", o autor pondera a necessidade das "interpretaesantecipatrias, que deve tratar os meios de comunicao de massa como preditoresinadvertidos de possveis condies futuras da vida social". E argumenta:

    Uma anlise bakhtiniana da cultura popular e de massa elaboraria a lgicasocial de nossos desejos pessoais e coletivos, desmistificando as estruturas

    polticas e ideolgicas que canalizam nossos desejos em direes opressivas. Apelaria para as aspiraes profundamente enraizadas, mas socialmentefrustradas - para novas formas prazerosas de trabalho, para a solidariedade, afestividade, a comunho (...). Ciente da dupla ao da ideologia e da utopia, elaproporia um duplo movimento de celebrao e crtica. Atenta ao peso inerte dosistema e do poder, tambm veria aberturas para sua subverso (...). [Numa]

    "crtica cultural que no impossibilite nem o riso nem o princpio do prazer" (p.181-82).

    42. Assim, adotar um modelo de interpretao e de anlise de discurso, tendo nosreferenciais j mencionados do "gesto semntico", do "dilogo" e do "inconscientepoltico" o roteiro essencial para uma concepo do discurso como "produto histrico-social" (Orlandi, 1987, p.99), parece representar uma opo bastante vlida de estudo.Nestes termos, pensar o discurso do cotidiano implica conceb-lo como um processo emque o social e o histrico so coincidentes; alm disso, implica pensar que tanto odiscurso quanto o cotidiano s se modificam pela ao dos indivduos em processo deinterao - no caso do discurso, pela dialgica das vozes da formao social. Ademais, a

    heterogeneidade dos discursos se d atravs daquelas reescrituras dos fenmenosculturais, na prpria medida em que "a lngua individual concreta" a que processa toda

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    11/15

    a heterogeneidade semntica da linguagem (linguagem que se expressa como o prpriocorpo do discurso). Para Orlandi, h dois sentidos dessa heterogeneidade: "a) porqueapresenta vrios subsistemas; b) porque cada falante dispe, at certo ponto, de vriossubsistemas" (Idem, p.101). A exemplo disto, pode-se fazer referncia s "subculturas"transgressivas dos chamados grupos de minorias (que podem, alis, se expressar por

    formas progressivas ou regressivas).

    43. O ponto a que se quer chegar, aqui, o da considerao de certos elementosdefinidores de um quadro geral da anlise de discurso; no se descartando, dependendoda natureza do trabalho, a aluso a aspectos da sociolingustica, como no pargrafoanterior.

    44. Como fica evidenciado nas tentativas de definio da anlise de discurso, no setrata de proceder pelo seu uso complementar, adicional, extensivo ou secundrio emrelao a outros nveis de anlise: o lingstico, o sociolgico, o histrico. Ao contrrio,a anlise de discurso revela em sua prpria realidade toda a dimenso de um campo

    disciplinar de apreenso do discurso, de modo a se constituir, ela prpria, na esferaautnoma de um conhecimento que entrecruza outras formas do saber sobre alinguagem e sua exterioridade:

    a AD se constitui nesse intervalo, entre a lingstica e essas outras cincias, justamente na regio das questes que dizem respeito relao da linguagem(objeto lingstico) com a sua exterioridade (objeto histrico) (Idem, 1990,p.27).

    45. Assim, o relacionamento da anlise de discurso com a lingstica e com as cinciassociais e humanas tem levado a uma modificao crtica de muitos dos fundamentosdestas: ou porque a anlise de discurso no se presta neutralidade tcnica do seu uso,ou porque no coloca o discurso como submetido ao lingstico (p.26). Nesse sentido,os aspectos lingsticos se apresentam como no mais do que "traos" ou "pistas" dos"processos discursivos" (Idem, 1989, p.32); ao passo que os fatores polticos eideolgicos do sentido passaram a se constituir num dos objetos centrais da anlise dediscurso desde o seu surgimento.

    46. Seguindo Pcheux, o entrecruzamento de reas do conhecimento como as domaterialismo histrico, da lingstica e da teoria do discurso o que forma bem oquadro epistemolgico da anlise de discurso como anlise no subjetiva do sentido: as

    preocupaes com uma "teoria das formaes sociais e suas transformaes, acompreendida a teoria da ideologia"; uma "teoria ao mesmo tempo dos mecanismossintticos e dos processos de enunciao"; e uma "teoria da determinao histrica dossentidos" - j que "a linguagem sentido" (Idem, 1987, p.108-09; e 1990, p.29). Comefeito, a configurao de uma "semntica discursiva" o fundamento cientfico de umaanlise dos "processos caractersticos de uma formao discursiva, que deve dar contada articulao entre o processo de produo de um discurso e as condies em que ele produzido" (1987, p.109).

    47. Crtico do processo, tal como apresentado por Pcheux, da relao entre a anlisede discurso lingstico e outros campos do conhecimento, Possenti (1988) vai afirmar

    (partindo da formulao de Granger de que "a experincia supe sujeitos, e os sujeitosno so espelhos") que o argumento que supe o materialismo histrico, contendo em si

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    12/15

    uma teoria da ideologia, como uma das regies do conhecimento formadoras do quadroepistemolgico de uma teoria da anlise de discurso implica em

    Orientar esta teoria em dois sentidos: A) para uma certa interpretao preferencial dos dados a serem submetidos anlise e B) para uma seleo

    quase automtica de um corpus preferencial, que no oferece a priori agarantia de conter dados lingsticos de todos os tipos, que garantiriam ageneralizao dos resultados para todo e qualquer discurso. O corpus

    privilegiado ser o dos discursos polticos.

    48. E conclui:

    Nada impede que se considerem outros discursos do ponto de vista domaterialismo ou da ideologia, mas nem sempre ser fcil determinar nelesmarcas de classe (no sentido marxista) ou marcas de ideologia suficientes parase constiturem em elementos explicadores do discurso (p.25).

    49. Trata-se, evidentemente, de uma crtica que assume bem mais a perspectiva docampo lingstico, visto que o autor procura nela ressaltar o fato de que, a partir deformulaes como as de Pcheux, coube lingstica toda uma srie de modificaesorientadas pelas solicitaes exteriores ao seu campo de conhecimento:

    Se verdade que a lingstica em geral se ressente da vizinhana excessiva dalinguagem com outros campos, imagine-se o problema da anlise do discurso.Em certas formulaes da anlise do discurso chega-se a conferir aos domniosligados linguagem exatamente o mesmo papel que o da linguagem (quandono maior) (p.24; ver p.18).

    50. Para o autor, a nica maneira de tratar a teoria da ideologia como uma das chavesprincipais do discurso, seria pela promoo de uma articulao ntima entre ideologia elinguagem, em que ideologia e representao assumiriam uma nica e mesma forma -quando, na verdade, ideologia uma forma de representao: se ideologia erepresentao so uma mesma coisa, retruca, ento deve-se tautologicamente constatarque todas as lnguas so ideolgicas e, portanto, no tem mais a mesma importncia o"papel explicativo das ideologias" (p.26). Segundo pensa, muito significativo poder seservir de modo produtivo do conceito de ideologia "em relao linguagem", mas squando se reserva o seu uso para a "anlise de discursos em que o papel da ideologia

    relevante para explicar fatos que no so de todo e qualquer discurso" (p.27-8).51. Como sada, o autor prope um esquema em dois elementos para se formular umquadro epistemolgico bsico da anlise de discurso: um seria fixo, uma teorialingstica, o outro varivel, uma teoria auxiliar (do campo no-lingustico maspertinente anlise de certas variantes de discurso) (p.30).

    52. Contudo, justamente a relao entre ideologia e linguagem que Orlandi (1990) vaiapontar como o ncleo central da questo: alis, nesse sentido ainda que se podeapreender qualquer dimenso do que se falava a propsito do gesto semntico, doinconsciente poltico e do dialogismo. Mostrando que a anlise de discurso no pode ser

    concebida como "um instrumento neutro", dado que se reconhece a "espessurasemntica da prpria linguagem", mas no como um mero instrumento ou aplicao

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    13/15

    com a funo de dar legitimidade cincia. Trata-se de um modelo que, ao ser usado,transforma tanto os pressupostos e conceitos tericos iniciais, quanto as conseqnciasanalticas ltimas. Para a autora, a prpria historicidade

    a historicidade do texto (...) sua discursividade (sua determinao histrica)

    que no mero reflexo do fora mas se constitui j na prpria tessitura damaterialidade lingstica. Trata-se, por sua vez, de pensar a materialidade dosentido e do sujeito, seus modos de constituio histrica (p.29).

    53. O ponto que Orlandi quer reforar justamente o da "concepo discursiva dalinguagem": que no se apresenta sob a forma de "instrumento de comunicao designificaes" existindo fora da linguagem (p.28); ao contrrio, a prpria relao entreo sujeito da linguagem e o sujeito da ideologia que a autora vai caracterizar como deordem sintomtica: pois a ideologia a materialidade especfica do discurso, e odiscurso, a materialidade especfica da linguagem (p.28-9). Numa sntese coerente coma definio dada por Pcheux anlise de discurso, diz Orlandi:

    A anlise do discurso procura estabelecer essa relao de forma mais imanente,considerando as condies de produo (exterioridade, processo histrico-social) como constitutivas do discurso (1987, p.111. Grifei).

    54. Proceder pela anlise de discurso implica em atentar a uma estreita interrelaoentre anlise e o corpus da anlise, em que "analisar dizer o que pertence ou no a umcorpus determinado" (...) e, "inversamente, dizer o que pertence ou no a um corpus j decidir acerca de propriedades discursivas" (1989, p.31). "Teoricamente, a anlise dediscurso trabalha com a seguinte relao: objeto emprico, objeto especfico (de anlise)e objeto terico (as sistematicidades discursivas, o discurso)" (p.32). Deve-seressaltar, ainda, que na anlise de discurso a exaustividade "vertical" e emprofundidade, levando, portanto, "a conseqncias tericas relevantes", no tratando "osdados como meras ilustraes" (p.32). Assim, o discurso no fechado em si, mas "um

    processo discursivo do qual se podem recortar e analisar estados diferentes" (p.32).

    55. Para se delimitar um corpus da anlise deve-se dar nfase aos critrios tericos (eno aos emprico-positivistas). De forma que a exaustividade no est relacionada ao"material lingstico emprico (textos) em si", ligando-se, isto sim, aos "objetivos e temtica". A organizao do material deve seguir "um princpio terico discursivo"segundo o qual no h relao automtica ou de biunivocidade entre "o lingstico e o

    discursivo", entre "marcas lingsticas e os processos discursivos de que so o trao"(p.32).

    56. A pertinncia dos conceitos e da garantia de "parmetros metodolgicos" que osustentem, de modo a no permitir uma leitura subjetiva dos dados, de fundamentalimportncia para os objetivos da anlise frente a "um fato discursivo" dado: "o que seexige essa sustentao terica (e metodolgica) e a compatibilidade entre o recorte dosdados com os objetivos a que a anlise se prope" (p.33).

    Bibliografia

    BAKHTIN, M. (198l). Marxismo e filosofia da linguagem. 2a

    ed., So Paulo,Hucitec.

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    14/15

    __________ (1993). Questes de literatura e de esttica (A teoria do romance). 3a ed., So Paulo, Hucitec/Unesp.

    BENJAMIN, W. (1985). Sociologia. So Paulo, tica (Col. Grandes CientistasSociais).

    __________ et al. (1980). Textos escolhidos. So Paulo, Abril Cultural (Col. OsPensadores).

    COHN, G. (1978). "Anlise estrutural da mensagem", in G. Cohn (Org.).Comunicao e industria cultural. 4a ed., So Paulo, Cia. Ed. Nacional.

    FERRARA, L.D. (1993). Olhar perifrico: informao, linguagem e percepoambiental. So Paulo, Edusp.

    FOSTER, H. (1989). "Polmicas (ps)-modernas". Revista do Pensamento

    Contemporneo. No 5, maio (Nmero Especial "Estticas da Ps-Modernidade").

    FREITAG, B. (1986).A teoria crtica: ontem e hoje. So Paulo, Brasiliense.

    JAMESON, F. (1992). O inconsciente poltico: a narrativa como atosocialmente simblico. So Paulo, tica.

    __________ (1993). "O Ps-Modernismo e a sociedade de consumo", in E.A.Kaplan, (Org.). Op. cit.

    KAPLAN, E.A. (Org.) (1993). O mal-estar no ps-modernismo: teorias eprticas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.

    KIENTZ, A. (1973). Comunicao de massa: anlise de contedo. Rio deJaneiro, Eldorado.

    KOTHE, F. (1985). "Introduo", in W. Benjamin, op. cit.

    LIMA, L.C. (Org.) (1978). Teoria da cultura de massa. 2a ed., Rio de Janeiro,Paz e Terra.

    LOPES, E. (1993). A palavra e os dias: ensaios sobre a teoria e a prtica daliteratura. So Paulo, Unesp/Unicamp.

    ORLANDI, E.P. (1987). A linguagem e seu funcionamento: as formas dodiscurso. 2a ed., Campinas, Pontes.

    __________ (1989). Vozes e contrastes: discurso na cidade e no campo. SoPaulo, Cortez.

    __________ (1990). Terra vista!: discurso do confronto: velho e novo mundo.

    So Paulo/ Campinas. Cortez/Unicamp.

  • 8/3/2019 Elementos Do Discurso PDF

    15/15

    __________ (1986). "A Escola de Frankfurt e a questo da cultura". RevistaBrasileira de Cincias Sociais. no 1.

    PERRONE, C.A. (1988).Letras e letras da MPB. Rio de Janeiro, Elo Ed.

    POSSENTI, S. (1988). Discurso, estilo e subjetividade. So Paulo, MartinsFontes.

    RECTOR, M. (1994).A fala dos jovens. Petrpolis, Vozes.

    STAM, R. (1992). Bakhtin: da teoria literria cultura de massa. So Paulo,tica.

    __________ (1993). "Mikhail Bakhtin e a crtica cultural de esquerda", in E.A.Kaplan (Org.). op. cit.

    WILLIAMS, R. (1992). Cultura. Rio de Janeiro, Paz e Terra.