Elementos Especiais de Concreto - Novas Metodologias Para Um Dimensionamento Racional e Seguro

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“ELEMENTOS ESPECIAIS DE CONCRETO: NOVAS METODOLOGIAS PARA UM DIMENSIONAMENTO RACIONAL E SEGURO” Rafael Alves de Souza 1 , Túlio Nogueira Bittencourt 2 Resumo: O dimensionamento da maioria dos elementos especiais em concreto tem sido feito com grande segurança ao longo dos tempos. No entanto, ainda existem alguns elementos estruturais que são dimensionados de maneira pouco confiável, recorrendo-se simplesmente a recomendações práticas ou regras empíricas. Este trabalho tem por objetivo apresentar e discutir as mais recentes alternativas para o dimensionamento desses elementos estruturais. Palavras-chave: concreto estrutural, método dos elementos finitos, método corda-painel e método das bielas. Abstract: The design of structural concrete special elements has been done with great safety along the times. However, there are some elements which still are mainly designed empirically based on practical recommendations or rules. The objetive of this work is to present and discuss the most recent possibilities to design these kind of elements. Keywords: structural concrete, finite element model, stringer-panel model and strut and tie model. 1 Professor Assistente. Mestre. Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Engenharia Civil – Bloco C67, Av. Colombo 5790, CEP 87020-900, Maringá, PR. e-mail: [email protected] 2 Professor Livre Docente, Ph.D. Universidade de São Paulo, Escola Politécnica, Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações, Av. Prof. Almeida Prado, trav.2 n.271 - Cidade Universitária, CEP 05508-900, São Paulo, SP. e-mail: [email protected] 1. Introdução Antes de dar início à descrição das alternativas disponíveis para o dimensionamento de elementos especiais de concreto é necessário previamente entender o significado do termo “descontinuidade”. Tal definição é decorrência da divisão de uma estrutura em “Regiões B” e “Regiões D”, conforme visto a seguir. A “Hipótese de Bernoulli” (Jacob Bernoulli, matemático suíço, 1654 – 1705) postulada em 1705 estabelece que: “seções planas perpendiculares ao eixo neutro de uma barra, permanecem planas depois da ocorrência da flexão nessa barra”. Esta hipótese é decorrência de uma simples intuição a respeito do comportamento de um certo elemento estrutural e não é baseada em nenhuma formulação matemática. No entanto, ensaios experimentais têm mostrado que a “Hipótese de Bernoulli” pode ser aplicada satisfatoriamente para vigas elaboradas de qualquer espécie de material, especialmente quando o comprimento da viga é muito maior do que a altura da sua seção transversal (ALLI (1997)). A “Hipótese de Bernoulli” facilita muito o dimensionamento de elementos de concreto armado, pois é possível assumir que a distribuição de deformações ao longo da altura da seção transversal do elemento seja mantida linear, desde o início do seu carregamento até a sua ruptura, conforme ilustra a Figura 1. Dessa maneira, a determinação das tensões atuantes nos aço e no concreto são imediatas, bastando para isso conhecer a relação constitutiva de cada um dos materiais. b h ε c ε s Linha Neutra Figura 1 – Distribuição linear de deformações em uma viga de concreto armado

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“ELEMENTOS ESPECIAIS DE CONCRETO: NOVAS METODOLOGIAS PARA

UM DIMENSIONAMENTO RACIONAL E SEGURO”

Rafael Alves de Souza1,

Túlio Nogueira Bittencourt2 Resumo: O dimensionamento da maioria dos elementos especiais em concreto tem sido feito com grande segurança ao longo dos tempos. No entanto, ainda existem alguns elementos estruturais que são dimensionados de maneira pouco confiável, recorrendo-se simplesmente a recomendações práticas ou regras empíricas. Este trabalho tem por objetivo apresentar e discutir as mais recentes alternativas para o dimensionamento desses elementos estruturais. Palavras-chave: concreto estrutural, método dos elementos finitos, método corda-painel e método das bielas. Abstract: The design of structural concrete special elements has been done with great safety along the times. However, there are some elements which still are mainly designed empirically based on practical recommendations or rules. The objetive of this work is to present and discuss the most recent possibilities to design these kind of elements. Keywords: structural concrete, finite element model, stringer-panel model and strut and tie model. 1 Professor Assistente. Mestre. Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Engenharia Civil – Bloco C67, Av. Colombo 5790, CEP 87020-900, Maringá, PR. e-mail: [email protected] 2 Professor Livre Docente, Ph.D. Universidade de São Paulo, Escola Politécnica, Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações, Av. Prof. Almeida Prado, trav.2 n.271 - Cidade Universitária, CEP 05508-900, São Paulo, SP. e-mail: [email protected]

1. Introdução Antes de dar início à descrição das alternativas disponíveis para o dimensionamento de elementos especiais de concreto é necessário previamente entender o significado do termo “descontinuidade”. Tal definição é decorrência da divisão de uma estrutura em “Regiões B” e “Regiões D”, conforme visto a seguir. A “Hipótese de Bernoulli” (Jacob Bernoulli, matemático suíço, 1654 – 1705) postulada em 1705 estabelece que: “seções planas perpendiculares ao eixo neutro de uma barra, permanecem planas depois da ocorrência da flexão nessa barra”. Esta hipótese é decorrência de uma simples intuição a respeito do comportamento de um certo elemento estrutural e não é baseada em nenhuma formulação matemática. No entanto, ensaios experimentais têm mostrado que a “Hipótese de Bernoulli” pode ser aplicada satisfatoriamente para vigas elaboradas de qualquer espécie de material, especialmente quando o comprimento da viga é muito maior do que a altura da sua seção transversal (ALLI (1997)). A “Hipótese de Bernoulli” facilita muito o dimensionamento de elementos de concreto armado, pois é possível assumir que a distribuição de deformações ao longo da altura da seção transversal do elemento seja mantida linear, desde o início do seu carregamento até a sua ruptura, conforme ilustra a Figura 1. Dessa maneira, a determinação das tensões atuantes nos aço e no concreto são imediatas, bastando para isso conhecer a relação constitutiva de cada um dos materiais.

b

h

εc

εs

Linha Neutra

Figura 1 – Distribuição linear de deformações

em uma viga de concreto armado

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Na “Hipótese de Bernoulli”, costuma-se desprezar as deformações de distorção provocadas pelo esforço cortante, o que facilita muito a solução da equação diferencial da linha elástica, definida na Equação (01):

+−=GA

Vk

dx

d

EI

M

dx

yd2

2

(01)

Onde: y = deslocamento vertical; M = momento fletor; EI = rigidez à flexão; GA = rigidez ao corte; V = esforço cortante; k = constante. As soluções obtidas através dessa hipótese permitem um dimensionamento funcional e seguro para as estruturas em que as deformações devido ao esforço cortante podem ser desprezadas. Por isso, elementos estruturais de concreto estrutural tais como lajes, vigas e pilares têm sido dimensionados com relativa facilidade e segurança ao longo dos tempos. Porém, essa hipótese simplificadora não pode ser estendida para todos os tipos de elementos estruturais, ou mais especificamente, para todas as regiões de um elemento estrutural, conforme se conclui ao estudar o “Princípio de Saint Venant” (Adhémar Barré de Saint-Venant, matemático e engenheiro francês, 1797-1886). O “Princípio de Saint Venant” estabelece que: “se existirem dois sistemas estaticamente equivalentes de forças sendo aplicados na mesma região de um contorno, em corpos diferentes mas geometricamente idênticos, as diferenças ocorridas nas tensões serão desprezíveis em regiões suficientemente afastadas da área de aplicação das cargas. No entanto, imediatamente abaixo do ponto de aplicação das cargas, surgirão diferenças significativas de tensão”. Grandes perturbações de tensão são esperadas nos pontos de aplicação dos carregamentos, principalmente se a carga for pontual. Por isso, apenas para regiões afastadas de apoios e de pontos de aplicação de cargas, pode-se assumir

que a “Hipótese de Bernoulli” é aplicável, isto é, que a distribuição de deformações ao longo do elemento estrutural seja linear. Em pontos de aplicação de cargas, pode-se mostrar com o recurso de métodos numéricos que a região imediatamente abaixo do ponto de aplicação do carregamento é extremamente perturbada e que existe uma grande variação nos valores das tensões, impedindo assim a adoção de deformações bem comportadas, conforme assume a “Hipótese de Bernoulli”. Nessas regiões de perturbação, as deformações por esforço cortante apresentam valores significativos, o que obriga a sua consideração no dimensionamento do elemento estrutural. Portanto, para estas regiões deixa de ser válida a “Hipótese de Bernoulli” e a aplicação dos métodos convencionais de análise e dimensionamento de estruturas pode conduzir a soluções inseguras. O “Princípio de Saint Venant” pode ainda ser estendido para regiões com geometrias irregulares, que também acabam por provocar uma quebra na linearidade das deformações ao longo da altura do elemento estrutural. Desta maneira, costuma-se classificar as causas de perturbação de deformações como sendo de ordem estática (causada pela presença de cargas) e geométrica (causada por mudanças bruscas na geometria). De acordo com SCHÄFER & SCHLAICH (1988, 1991), pode-se dividir uma estrutura em regiões contínuas e descontínuas, seguindo a “Hipótese de Bernoulli” e o “Princípio de Saint Venant”. As regiões contínuas são aquelas em que a “Hipótese de Bernoulli” de distribuição linear de deformações ao longo da seção transversal é válida. As regiões descontínuas são aquelas onde a “Hipótese de Bernoulli” não pode ser aplicada, isto é, onde a distribuição de deformações ao longo do elemento é não-linear. Assim, para o entendimento de qualquer processo moderno de dimensionamento do concreto estrutural, costuma-se classificar as regiões de uma estrutura das seguintes maneiras:

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• “Regiões B”, sendo o “B” proveniente de “Bernoulli” ou “Beam”: são regiões onde a “Hipótese de Bernoulli” pode ser aplicada, isto é, regiões onde pode-se assumir que a distribuição de deformações ao longo do elemento seja linear;

• “Regiões D”, sendo o “D” proveniente de

“Disturbed” ou “Descontinuity”: são as regiões onde a “Hipótese de Bernoulli” não pode ser aplicada, isto é, onde a distribuição de deformações ao longo do elemento é não-linear.

Sugestões aproximadas para a caracterização das dimensões das “Regiões “B” e “D”, seguindo o “Princípio de Saint Venant”, podem ser encontradas para uma série de elementos estruturais no relevante trabalho de SCHÄFER & SCHLAICH (1988, 1991). Em geral, o comprimento de cada “Região D”, devido à introdução de alguma causa de distúrbio (aplicação de carga ou mudança na geometria do elemento) é aproximadamente igual à altura do elemento estrutural. A Figura 2 apresenta o exemplo de uma estrutura subdividida em regiões B e D.

h

h

hhh

h

h

h

h

h

PP

P

P

Regiões BRegiões D

Figura 2 – Estrutura subdividida em Regiões

B e D (Adaptado de FU (2001)) Observa-se assim que, de acordo com o “Princípio de Saint-Venant”, existe uma região definida por dimensões da mesma ordem de grandeza da altura da seção transversal do elemento carregado, na qual se processa a

regularização das tensões. A delimitação das “Regiões D” pode então ser feita considerando distâncias iguais à altura das “Regiões B” adjacentes, a partir das descontinuidades geométricas ou estáticas. A Figura 3 apresenta este procedimento, que apesar de aproximado é bastante satisfatório.

Figura 3 – Exemplos de “Regiões D” e seus

contornos (fonte: ACI-318 (2002)) Observa-se desta maneira, que vigas esbeltas normalmente possuem algumas “Regiões D” em sua constituição, tais como as regiões dos apoios e os pontos de introdução de cargas concentradas, no entanto, estas regiões quase sempre são desprezadas no dimensionamento. De acordo com o ACI-318 (2002), se existe uma “Região B” entre “Regiões D” em um vão de cisalhamento, a resistência deste vão será governada pela existência da “Região B”, se esta possuir condições de geometria e armação semelhantes às regiões com descontinuidade. Isto ocorre porque a resistência ao cisalhamento de uma “Região B” é muito menor do que a resistência ao cisalhamento de uma “Região D” equiparável e, é por isso que as “Regiões D” existentes em vigas esbeltas podem ser desprezadas no dimensionamento, sem causar problemas significativos para a segurança do elemento estrutural. Portanto, consideram-se “elementos com descontinuidade” estruturas de concreto constituídas por uma ou mais “Regiões D” e, conforme visto, a análise e dimensionamento estrutural das “Regiões D” deve ser feita recorrendo a modelos que tenham em conta as deformações por esforço cortante.

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2. Alternativas de Dimensionamento De acordo com FIGUEIRAS (1999), o procedimento para a análise e dimensionamento das estruturas de concreto, que é reconhecido pelas mais diversas regulamentações e faz parte da prática profissional, pode ser descrito resumidamente nos seguintes passos: a) estimativa das dimensões iniciais de todos os elementos estruturais, com base em regras simplificadas e na experiência acumulada durante anos de prática profissional. As dimensões adotadas devem satisfazer as condições arquitetônicas e de execução, e assegurar a satisfação aos estados limites definidos pelos códigos vigentes; b) determinação dos esforços internos associados aos diferentes casos de carregamento e respectivas combinações, com base numa análise linear elástica da estrutura; c) dimensionamento das "seções transversais", isto é, verificação das dimensões iniciais e quantificação das armaduras para resistir aos esforços internos calculados, adotando leis constitutivas não-lineares para o aço e para o concreto, com vistas à determinação da capacidade resistente última das seções; d) realização, em casos menos correntes, de uma análise não-linear completa da estrutura com traçado da resposta até à ruptura, para melhor entendimento do seu comportamento e/ou validação da solução de dimensionamento adotada. De acordo com o pesquisador, a segurança desta metodologia usada com generalidade na análise dos tipos estruturais mais correntes (passos a) a c)) tem sido comprovada por anos de prática, testes e experiências, podendo ser encontrada a justificativa de sua utilização no “Teorema do Limite Inferior da Teoria da Plasticidade”, por satisfazer às condições de equilíbrio e de resistência. O passo d) é recomendável sempre que não existir uma experiência adquirida sobre o elemento estrutural em análise ou sempre que

pela sua importância a obra justifique este tipo mais elaborado de análise. Este tipo de análise mais refinada conduz a um conhecimento mais aprofundado do comportamento estrutural do elemento, possibilitando assim um dimensionamento mais seguro e eficiente. De maneira geral, os elementos estruturais mais comuns de concreto armado ou protendido são atualmente dimensionadas utilizando métodos racionais, que levam em consideração a distribuição linear de deformações ao longo do elemento estrutural, desprezando as deformações provenientes do esforço cortante. Para elementos cujo comportamento é essencialmente ditado pela flexão e pelo esforço normal, como é o caso das lajes, das vigas e dos pilares, os modelos correntes de cálculo possibilitam um dimensionamento simples e eficaz. Sem dúvida alguma, o esforço secional que até hoje se constitui em objeto de grande estudo por parte dos pesquisadores é o esforço cortante, sendo o dimensionamento de armaduras transversais um tema ainda de bastante controvérsia. Mesmo assim, as recomendações disponíveis possibilitam grande segurança, uma vez que esse esforço dificilmente é determinante na resistência de elementos esbeltos como vigas e pilares. No entanto, existe o problema de que nem todos os elementos estruturais em concreto podem ser dimensionados com estas hipóteses simplificadoras, isto é, nem sempre pode-se desprezar as deformações provocadas pelo esforço cortante. Nas denominadas “Regiões D” é o esforço cortante quem comanda o dimensionamento e os métodos de cálculos correntes são pouco eficientes, conduzindo a um dimensionamento inseguro. As “Regiões B”, onde a “Hipótese de Bernoulli” de distribuição linear de deformações é aplicável, são atualmente projetadas com uma boa precisão e segurança, sendo toda a formulação existente bem conhecida no meio profissional. No entanto, os detalhes mais complexos de uma estrutura, tais

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como regiões com descontinuidades estáticas e geométricas, geralmente são dimensionados levando em consideração experiências práticas utilizadas com sucesso no passado. Estes detalhes, contudo, também têm importância significativa no comportamento e na segurança das estruturas e, por isso, também devem ser dimensionados de uma maneira que leve em consideração modelos físicos com comportamentos mais realistas. As deformações provocadas pelo esforço cortante devem ser avaliadas de maneira adequada e modelos baseados na análise plástica parecem fornecer a melhor solução para o dimensionamento dessas regiões. Ultimamente, devido a grande capacidade de processamento dos microcomputadores, a utilização de recursos de análise linear e não-linear tem se tornado mais acessível, possibilitando, dessa maneira, análises mais realistas dos elementos especiais. Infelizmente, essas ferramentas necessitam de grande experiência anterior e ainda encontram-se pouco utilizadas nos escritórios de cálculo estrutural. Na seqüência, são apresentados os métodos atualmente disponíveis para a análise e dimensionamento das “Regiões D”. Dentre as alternativas possíveis destacam-se os métodos baseados na análise plástica (Método das Bielas) e os métodos numéricos aliados à análise linear e não-linear (Método dos Elementos Finitos e Método Corda-Painel). 3. Método dos Elementos Finitos (MEF) O MEF, concebido na década de 50, tem sido utilizado com grande sucesso principalmente na indústria aeronáutica e mecânica, no entanto, têm sido pouco aplicado na resolução de problemas envolvendo o concreto estrutural no meio prático. Conforme muito bem observou LOURENÇO (1992), isso ocorre porque o projetista de estruturas encontra-se em uma situação paradoxal. De um lado, tem-se o meio científico, que a cada dia apresenta uma infinidade de

programas de elementos finitos com poderosos pós-processadores e com os mais avançados modelos constitutivos para o tratamento do concreto armado. Do outro lado, o mercado, que necessita de soluções estruturais viáveis economicamente e em curto prazo, o que às vezes impossibilita uma análise mais cuidadosa por parte do calculista utilizando recursos sofisticados de cálculo. Adicionalmente, existem poucas recomendações quanto ao MEF nos códigos de concreto estrutural, o que gera uma certa insegurança nos projetistas. Além disso, para o nível atual do conhecimento, uma abordagem estrutural real utilizando o método dos elementos finitos requer o levantamento de um número substancial de parâmetros, uma análise cuidadosa das condições de aplicação das cargas e das condições de contorno e uma análise ainda mais cuidadosa dos resultados obtidos. Os fatores anteriores, aliados aos prazos reduzidos impostos pelo mercado, desmotivam o projetista de estruturas na utilização de recursos sofisticados de análise estrutural. Dessa maneira, procura-se muitas vezes obter uma solução por meio da inovação, do que por intermédio de uma resolução propriamente dita. O projetista de estruturas é forçado a utilizar a sua experiência adquirida e propor uma solução simplificada, que pode ser muitas vezes insegura. Deixando de lado toda problemática abordada anteriormente, pode-se dizer que com a utilização do MEF é possível entender perfeitamente o fluxo de tensões através do elemento estrutural em análise. Dessa maneira, o Método dos Elementos Finitos pode ser essencial para a definição de Modelos de Escoras e Tirantes, auxiliando na escolha das melhores posições para a disposição das armaduras resistentes. Adicionalmente, o Método dos Elementos Finitos possibilita fazer simulações de desempenho do elemento estrutural dimensionado através da análise não-linear. O computador, nesse caso, serve como uma espécie de laboratório virtual, que possibilita a

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validação do dimensionamento efetuado para alguma estrutura em que não se tenha uma experiência prévia. Os autores do presente trabalho têm utilizado de maneira intensa a análise não-linear para a análise de desempenho de estruturas de concreto. Dentre os programas que têm sido empregados estão os softwares ADINA e DIANA. Para maiores informações a respeito desse tema recomenda-se a leitura dos seguintes trabalhos: SOUZA (2001), SOUZA & SOUSA (2001), SOUZA et al (2002) e SOUZA (2003). 4. Método das Bielas (MB) O Método das Bielas têm como idéia principal a substituição da estrutura real por uma estrutura resistente na forma de treliça, denominada de Modelo de Escoras e Tirantes, que simplifica de maneira sistemática o problema original, conforme ilustram os exemplos da Figura 4. Nessa treliça idealizada as escoras são elementos comprimidos de concreto e os tirantes são barras de aço tracionadas, sendo o ponto de intersecção desses elementos as “regiões nodais”.

Figura 4 – Exemplos do Modelo de Escoras e

Tirantes (fonte: CAST HELP (2002)) O método se constitui em uma generalização da clássica “Analogia de Treliça”, proposta por Ritter e Mörsh no início do século XX para o dimensionamento de armaduras transversais em vigas de concreto. O método tem experimentado grande avanço nos últimos tempos, principalmente após a publicação dos trabalhos clássicos de SCHÄFER & SCHLAICH (1988, 1991) e da sua inclusão em códigos como o ACI-318 (2002), EHE (1999) , CEB FIP Model Code (1990) e NBR6118 (2003).

As idéias básicas do modelo de treliça, freqüentemente utilizadas em vigas, para o dimensionamento de armaduras transversais devido ao esforço cortante e ao momento torçor, foram estendidas a outras estruturas de concreto. Dessa maneira, vários elementos estruturais especiais, tais como consolos, dentes gerber, vigas com furos na alma, pilares de viadutos e blocos de fundação sobre estacas têm sido dimensionados através desses modelos. O Método das Bielas também pode ser estendido às estruturas de concreto protendido, sendo as lajes protendidas um ótimo exemplo deste caso. As regiões submetidas a perturbações de tensão, introduzidas pelo ato da protensão, são facilmente resolvidas pela adoção de um modelo de escoras e tirantes. O método também têm sido utilizado com sucesso nas tarefas de recuperação estrutural e na determinação da capacidade resistente de elementos estruturais submetidos a processos avançados de deterioração. KESNER & POSTON (2000) apresentaram vários casos reais onde modelos de escoras e tirantes foram utilizados na determinação da capacidade portante de estruturas danificadas e no desenvolvimento de estratégias para recuperação estrutural. O método constitui uma excelente estratégia para definir, por exemplo, quais os melhores pontos para serem introduzidas forças adicionais à estrutura, de maneira a limitar as aberturas de fissuras já existentes e as altas tensões em certas armaduras. Este é o caso, por exemplo, da aplicação da protensão externa, visando recuperar elementos estruturais cuja capacidade resistente encontra-se seriamente comprometida. A Figura 5 ilustra um fluxograma de projeto estrutural recomendado por FU (2001), que contempla maiores detalhes da rotina de dimensionamento utilizando o Método das Bielas.

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Detalhamento dos Tirantes e Verificação das Condições de Ancoragem

Determinação das Forças e Tensões nas Escoras

Determinação das Forças e Tensões nos Nós

Determinação das Dimensões do Elemento

Desenvolvimento dos Modelos de Escoras e Tirantes para as Regiões "D"

Dimensionamento das Regiões "B" Através de Outros Métodos

Definição das Regiões "B" e "D" da Estrutura

Definição do Sistema EstruturalDeterminação das Ações e Reações

Estimativa das Dimensões da Estrutura e dos Elementos

Figura 5 - Fluxograma para projeto utilizando

o Método das Bielas (fonte: FU (2001))

Conforme citado, várias normas correntes recomendam a utilização do MB e do MEF, no entanto, poucas fornecem informações relevantes que servem de auxílio ao projetista de estruturas. Adicionalmente, existe o problema da falta de divulgação desses assuntos em revistas mais acessíveis e a existência de algumas controvérsias em relação aos parâmetros de resistência a serem adotados para as escoras e para as regiões nodais. Os autores do presente trabalho têm se esforçado para divulgar e difundir o método, bem como, têm trabalhado na tentativa de estabelecer parâmetros ajustados com a NBR6118 (2003). Maiores informações sobre o Método das Bielas podem ser obtidas nos trabalhos de SOUZA & BITTENCOURT (2003a,b) 5. Método Corda-Painel (MCP) Para elementos estruturais que possuem comportamento do tipo parede, uma boa alternativa de análise pode ser obtida através da utilização do Método Corda-Painel. Esta aproximação leva em conta as condições de equilíbrio e de compatibilidade e tem a grande vantagem de ser um método sistemático. É um método atrativo, depois do MEF e do MB,

para uma classe específica de problemas estruturais. Por enquanto, este método alternativo tem sido desenvolvido apenas para geometrias ortogonais, onde as bordas da estrutura considerada são horizontais e verticais. No entanto, pesquisas têm sido conduzidas no sentido de expandir a aplicação do modelo a estruturas bidimensionais com geometria não ortogonal. De acordo com BLAAUWENDRAAD & HOOGENBOOM (1996), o Método Corda-Painel (“Stringer-Panel Model”) tem grande aplicabilidade em estruturas de concreto do tipo parede e pode ser considerado como um método intermediário entre o Método das Bielas e o Método dos Elementos Finitos. A idéia principal do Método Corda-Painel consiste no fato de que uma estrutura bidimensional de concreto pode ser modelada dentro de um sistema de cordas (“stringers”) e painéis (“panels”) retangulares de concreto, conforme ilustra a Figura 6.

Figura 7 – Elementos do “Método Corda-

Painel” (Adaptado de http://www.mechanics.citg.tudelft.nl/spancad/)

As cordas são utilizadas para a transferência de esforço normal, podendo ser horizontais ou verticais. Os painéis, por sua vez, são elementos retangulares de concreto que são disponibilizados sempre entre quatro cordas. Os painéis devem possuir uma malha ortogonal de armaduras que são responsáveis em absorver o esforço cortante que atua em cada um destes elementos.

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De uma maneira geral, tem-se observado que a utilização do Método Corda-Painel leva a adoção de uma armadura em malha muito maior do que aquela disponibilizada pelo Método das Bielas. Por outro lado, as armaduras principais obtidas no Método Corda-Painel são geralmente menores do que aquelas obtidas com o Método das Bielas. Os autores do presente trabalho também têm estudado a aplicabilidade do Método Corda-Painel, tendo dimensionado algumas estruturas por este método e comparado com outras alternativas. Para maiores informações a respeito do Modelo Corda-Painel recomenda-se a leitura de SOUZA & BITTENCOURT (2003c). 6. Considerações Finais Observa-se que para alguns tipos de estruturas especiais, como é o caso dos consolos, vigas-parede e blocos de fundação, já existem alguns modelos de cálculo padronizados e recomendados por vários códigos, mas geralmente a validade destes modelos está limitada a exigência de manutenção de algumas relações geométricas do elemento estrutural. Deve-se observar que estes modelos padronizados, na maioria das vezes foram obtidos de extensivos ensaios laboratoriais e de investigações computacionais utilizando o MEF e o MB e, sem dúvida, é preferível a utilização destes em relação às análises mais sofisticadas, principalmente pela agilidade, simplicidade e rapidez com que são obtidos os resultados de armação. Infelizmente, nem sempre é possível a obtenção de modelos padronizados e nesse caso, deve-se recorrer a algum dos métodos aqui apresentados. O Método das Bielas se constitui em uma solução genérica, mas que deve ser criteriosamente empregada, uma vez que a presença de armaduras mínimas, normalmente exigida pelos códigos, pode alterar completamente o funcionamento da treliça resistente idealizada.

Recomenda-se que a análise não-linear através do Método dos Elementos Finitos seja empregada somente para a validação de padrões de armação obtidos, mesmo porque a sua utilização para a determinação de armaduras seria muito difícil. A análise linear pode ser uma alternativa de quantificação de armaduras para elementos do tipo placa, chapa e cascas, conforme se observa nos trabalhos de LOURENÇO & FIGUEIRAS (1993, 1995). O Método Corda-Painel tem sido empregado para uma classe específica de problemas, que são as estruturas em parede e existe a possibilidade de expansão do modelo para o caso tridimensional. No entanto, tem-se observado que este método leva a adoção de uma quantidade exagerada de armaduras. Os autores do presente trabalho acreditam que a justificativa principal para a falta de utilização dessas ferramentas esteja fortemente relacionada com a falta de divulgação desses assuntos. Dessa maneira, os autores têm se esforçado no sentido de difundir as recentes metodologias disponíveis para o dimensionamento de problemas complexos envolvendo o concreto estrutural. Somente com o emprego dessas ferramentas poder-se-á encarar um problema complexo de frente, deixando-se de lado a tão freqüente alternativa da inovação. 7. Referências Bibliográficas ACI Committee 318, “Building Code Requirements for Structural Concrete (ACI 318-2002) and Commentary (ACI 318R-2002), APPENDIX A: Strut-And-Tie Models” . American Concrete Institute, Detroit, 2002. ALI, M. A.. “Automatic Generation of Truss Models For the Optimal Design of Reinforced Concrete Structures”. Tese (doutorado), Cornell University, Estados Unidos, 1997. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. “NBR6118 – Projeto de Estruturas de Concreto”, 2003. BLAAUWENDRAAD, J.; HOOGENBOOM, P. C. J.."Stringer Panel Model for Structural Concrete Design". ACI Structural Journal, Vol. 93 No. 3, May-June 1996, pp. 295-305.

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SOUZA, R. A.; BITTENCOURT, T. N.. “Modelos Escoras-Tirantes: Exemplo de Dimensionamento de Viga-Parede Utilizando as Recomendações do ACI-318 (2002)”. In: 45o Congresso Brasileiro do Concreto, IBRACON, Vitória-ES, 2003a.

SOUZA, R. A.; BITTENCOURT, T. N.. “Parâmetros de Resistência Efetiva do Concreto Estrutural para a Análise e Dimensionamento Utilizando Modelos de Escoras e Tirantes”. In: V Simpósio EPUSP Sobre as Estruturas de Concreto, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003b.

SOUZA, R. A.; BITTENCOURT, T. N.. “Análise e Dimensionamento de Uma Viga-Parede Utilizando o Modelo Corda-Painel”. In: CILAMCE, Ouro Preto-MG, 2003c.

Page 10: Elementos Especiais de Concreto - Novas Metodologias Para Um Dimensionamento Racional e Seguro

8. Dados Bibliográficos dos Autores Rafael Alves de Souza Formou-se em engenharia civil em 1998 na Universidade Estadual de Maringá, instituição onde exerce o cargo de Professor Assistente desde 2002. Mestre em engenharia de estruturas pela Universidade Estadual de Campinas em 2001. Pesquisador visitante na Universidade do Porto, Portugal, em 2003. Doutorando em engenharia de estruturas pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Áreas de interesse: estruturas de concreto armado e protendido, análise e dimensionamento de estruturas especiais, simulação numérica de materiais estruturais e análise experimental de estruturas.

Túlio Nogueira Bittencourt Formou-se em engenharia civil em 1984 pela Universidade de Brasília. Mestre em engenharia de estruturas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 1988. Ph.D. em engenharia de estruturas pela Cornell University em 1993. Livre-docente em estruturas de concreto pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde exerce o cargo de Professor Associado desde 1996. Áreas de interesse: estruturas de concreto armado e protendido, análise numérica e experimental de estruturas, reforço de estruturas com PRF e ensino em engenharia.