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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 23: 63-78 NOV. 2004

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 23, p. 63-78, nov. 2004

Gustavo Biscaia de Lacerda

ELEMENTOS ESTÁTICOS DA TEORIA POLÍTICA DEAUGUSTO COMTE:

AS PÁTRIAS E O PODER TEMPORAL1

Recebido em 30 de abril de 2004Aprovado em 26 de julho de 2004

I. INTRODUÇÃO

Autor mais conhecido por suas elaboraçõesfilosóficas na área da ciência, Augusto Comte –nascido Isidoro Augusto Maria Francisco XavierComte, em 1798 – pesquisou extensamente emSociologia, inclusive no que atualmentedenominamos Ciência Política. De modo maisespecífico, se considerarmos que “teoria doEstado” significa uma elaboração intelectualdefinindo os principais atributos do poder políticoem uma sociedade, estabelecendo suas relaçõescom os diversos grupos sociais, suas funções eformas de atuação e de legitimação, além de suade sua evolução ao longo do tempo – então, semdúvida, Augusto Comte possui uma “teoria doEstado”.

Como outros autores clássicos da Ciência Polí-tica ou da Sociologia, desde sempre Augusto Com-te preocupou-se com a aplicação prática de suaselaborações, como recentemente lembrou Angèle

O presente artigo apresenta alguns dos elementos da teoria política de Augusto Comte, dentro da sua SociologiaEstática, como componentes do que se poderia denominar sua teoria do Estado. Assim, após apresentaralguns dos pressupostos teóricos e metodológicos do fundador do Positivismo, o artigo concentra-se naexposição de suas teorias das pátrias e do Poder Temporal. Enquanto as pátrias constituem a base física daorganização política, como resultante da união das famílias, nelas dando-se as relações de classe, o PoderTemporal é a própria função governativa, cujo âmbito de atuação é a ordem material da sociedade.Complementarmente ao Poder Temporal há o Poder Espiritual, responsável pela ordem intelectual e moralda sociedade, o que inclui a fiscalização e a legitimação do outro poder.

PALAVRAS-CHAVE: Augusto Comte; Positivismo; teoria política; pátrias; Poder Temporal; Poder Espiritual.

Kremer Marietti (2003). Ocorre que, filósofo dasciências, tinha como preocupação também consti-tuir a nascente Sociologia do mesmo estatuto epis-temológico e “científico” que as demais ciênciaspreviamente constituídas, isto é, conjunto de pro-posições abstratas baseadas na observação de umtipo de fenômeno; além disso, exigia que fosseuma ciência geral da sociedade, isto é, aplicável atodas as sociedades, independentemente de localou época – o que, por outro lado, impunha quetodas as sociedades então conhecidas estivessemabrangidas por suas teorias. A conseqüência foi ocaráter geral e “holístico” de suas observações,como condição para sua coerência teórica e suaeficácia prática. Nesse sentido, pode-se dizer queele tem uma teoria geral sobre o Estado, talvezemulada apenas pela de Max Weber.

Dessa forma, o objetivo deste artigo é bastantesimples: apresentar as concepções de AugustoComte sobre o Estado; como veremos, todavia,para isso é necessária uma exposição prévia dealguns de seus pressupostos epistemológicos e teó-ricos. Embora, evidentemente, o interesse sempreseja o de apresentar com rapidez apenas os míni-mos elementos necessários, face ao desconheci-mento geral da obra de Comte requer-se que nãosejam apenas “alguns” de seus pressupostos, mas“vários”: “o pensamento de Augusto Comte tem

1 Agradeço aos pareceristas anônimos da Revista deSociologia e Política por seus comentários e sugestões,assim como ao amigo Ângelo Torres, pelos extensoscomentários que fez sobre este texto. Como de praxe, oseventuais problemas do artigo são de responsabilidade doautor.

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uma forma tão sistemática que é praticamenteimpossível estudar com atenção um elemento sese ignora inteiramente a construção do conjunto”2

(LAUBIER, 1957, p. IX). Além disso, cumprenotar que seu estilo não é de fácil compreensão,pois mantinha seus escritos necessariamenteabstratos, com uma linguagem característica e,preocupado com as aplicações práticas, a todoinstante avaliava instituições, soluções propostasao longo da história e alternativas3.

A perspectiva que adotamos aqui refere-se aoconjunto da obra de Augusto Comte,especialmente sobre as chamadas “obras dematuridade”4, na etapa final da vida do pensador,considerando-as integrantes de um sistemaintelectual. Esses livros – justamente os menosconhecidos do público universitário e os maisimportantes no conjunto da obra do autor – são osque reúnem o grosso de suas elaborações políticas,uma série dos quais não por acaso chama-se

Sistema de política positiva, publicados entre 1851e 1854. Não nos interessa, portanto, realizar umainvestigação sobre a evolução do pensamento doautor ao longo do tempo, isto é, uma pesquisaarqueológica.

II. PRELIMINARES TEÓRICO-METODOLÓ-GICAS

II.1. A lei dos três estados e a classificação dasciências

A “lei dos três estados” é a base de todo o sis-tema, pedra angular sem a qual não é possívelcompreender nem sua lógica nem seus objetivos.Seu enunciado final é o seguinte: “Cada enten-dimento oferece a sucessão dos três estados, fictí-cio, abstrato e positivo, em relação às nossas con-cepções quaisquer, mas com uma velocidade pro-porcional à generalidade dos fenômenos corres-pondentes” (COMTE, 1934, p. 479). Em outraspalavras, o ser humano pensa cada concepção ecada fenômeno de três formas sucessivas: primei-ramente, fazendo referência a vontades exterioresao fenômeno em questão. Essas vontades têmsedes muito claras, muito determinadas: em umprocesso de antropomorfização da realidade, o serhumano considera que seres dotados de senti-mentos, pensamentos e atos semelhantes aos seuspróprios atuam na realidade, provocando osfenômenos: são os deuses, e o modo de pensar é oteológico5. No enunciado acima, seria o modofictício de pensar, por motivos evidentes.

Em seguida, o ser humano apela a abstrações,que, consideradas conscientemente como abstra-ções, são dotadas ainda de vontade: é a metafísica.Um autor que, sem se filiar ao Positivismo,percebeu com clareza o caráter da metafísica foio historiador das relações internacionais Jean-Baptiste Duroselle, como se percebe na citaçãoabaixo: “Em nenhum campo, a reificação dosconceitos se passa tão facilmente quanto nodomínio das forças, precisamente porque estas sãovisíveis apenas em seus efeitos. São designadasentão por um nome anteriormente personalizado(Zeus para explicar o raio, Posídon para as ondas,Éolo para os ventos). Esse nome, em períodos mais

2 Todas as citações cujos originais estão em línguaestrangeira foram traduzidas livremente pelo autor.3 Dessa forma, é importante que fique claro:apresentaremos aqui apenas as elaborações teóricas (istoé, abstratas) de Comte mais diretamente relacionadas aoque hoje chamaríamos de Estado; não pretendemos,portanto, sugerir uma “Ciência Política” a extrair-se de umaespecialização do pensamento comteano. Da mesma forma,não pretendemos realizar uma comparação mais ou menossistemática dessa obra com as elaborações mais recentesem Sociologia ou na Ciência Política: não por descurardesse tipo de investigação, mas porque não seriam cabíveisnos limites deste texto. A esse respeito, em todo caso, pode-se consultar com grande proveito Lopes (1946), Fletcher(1981), Torres (1997), Destefanis (2003), Lacerda Neto(2003) e Lacroix (2003).4 As obras de Augusto Comte organizam-se em três sériesde escritos, além de vários opúsculos e o conjunto de suacorrespondência e os chamados Opúsculos de filosofiasocial, de sua juventude. As séries de escritos são: Sistemade filosofia positiva, publicado entre 1830 e 1842, em seisvolumes, avaliando filosoficamente o conjunto das ciênciascomo constituíram-se até então, com vistas à fundação deuma nova, a Sociologia; Sistema de política positiva,publicado entre 1851 e 1854, em quatro volumes, em que,fundada a Sociologia, procura aplicar os princípiosanteriormente descobertos para a solução dos problemassociais; Síntese subjetiva, que, prevista para ser em quatrovolumes, acabou tendo apenas um, de 1856, em virtudedo falecimento do autor; a meta da Síntese seria aplicar aalgumas questões específicas, mas de altíssima importância(educação, organização econômica da sociedade), osprincípios sociológicos.

5 Na verdade, a teologia subdivide-se em outras quatroetapas, variando em função da quantidade e da generalidadedas vontades na natureza, bem como da abstração dosraciocínios: o fetichismo, a astrolatria, o politeísmo e omonoteísmo.

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recentes, deixa de ser de uma pessoa mítica e torna-se abstrato. Porém, antes que se encontre aexplicação científica, o nome abstrato não é maisreal que os deuses do Parnaso. E, portanto, dá-sea ele uma espécie de vida”. E mais adiante: “E osque me dirão: realmente, o ‘grande capital’ nãoexiste concretamente, porém ‘tudo se passa comose’ ele existisse, eu responderia que ‘tudo se passacomo se’ é a própria fórmula pela qual se reificamos conceitos” (DUROSELLE, 2000, p. 34-35;grifos no original).

A citação acima indica com clareza como ametafísica surge da decomposição da teologia: sãoas mesmas preocupações, ao pesquisar os temasabsolutos, e o mesmo método de raciocinar: apenasse substituem os deuses pelas abstrações. Por outrolado, é uma forma intermediária, pois conduz àpositividade: assim, a metafísica, se trata dos mes-mos problemas que a teologia e compartilha suapreocupação com o absoluto, já começa a investi-gar a realidade, lançando mão da observação diretados fenômenos.

Finalmente, o estado positivo é aquele em queo ser humano abandona as pretensões absolutas,rendendo-se à evidência de que apenas percebe orelativo, da mesma forma que passa a subordinara imaginação à observação dos fenômenos.

“Porque vinculava estreitamente a vida intelec-tual à vida social, Augusto Comte não podia sepa-rar seu projeto de sociedade de uma epistemologiafundamental. E, se projetou e realizou uma obraenciclopédica, é porque considerava os problemaspolíticos, sociais e culturais como estreitamenteligados à nossa capacidade de resolvê-los – sendoque essa capacidade era, ela mesma, política, sociale cultural” (MARIETTI, 2003).

Assim, o modo de pensar, isto é, de perceber arealidade do mundo e do ser humano, determina eé determinado pela sociedade em questão. Relati-vamente ao modo positivo de pensar, essa íntimarelação com a sociedade implica também que oobjeto de preocupação do ser humano muda, dasquestões absolutas e teológicas no modo fictíciode pensar, para o próprio ser humano e a realidadeque o cerca, atento à relatividade do conhecimento:é dessa forma que a emancipação intelectual con-duz o ser humano à preocupação consciente comos assuntos sociais, permitindo, além disso, umvigoroso humanismo (em um sentido forte dessaexpressão).

Ora, o quadro apresentado acima correspondeapenas à sucessão dos três estados, o teológico, ometafísico e o positivo: resta comentar o “[...] comuma velocidade proporcional à generalidade dosfenômenos correspondentes” (COMTE, 1934, p.479). Esse enunciado indica que, quando maissimples for o fenômeno considerado, mais rapida-mente ele passará da teologia à metafísica; inversa-mente, quando mais complicado for, mais demora-damente seguirá esse percurso. Daí Comte terenunciado sua lei da classificação das ciências,complementar à dos três estados: em número desete, as ciências são: a Matemática, a Astronomia,a Física, a Química, a Biologia, a Sociologia e aMoral. Essa seqüência indica um aumento de com-plexidade teórica, isto é, maiores dificuldades paraapreenderem-se as variáveis intervenientes rele-vantes, relativas a cada um fenômenos específi-cos. Em outras palavras, para estudarmos a Astro-nomia, necessitamos de um instrumental matemá-tico; a Física pressupõe o estudo da situação doplaneta Terra no Universo; a Química pressupõeo conhecimento das propriedades da matéria, alémde sua posição universal, para determinar a consti-tuição dessa matéria; na seqüência, a Biologiasupõe todas essas variáveis para avançar sobre oscorpos vivos e, por sua vez, a Sociologia deveconsiderar todos os fenômenos anteriores parapesquisar como organiza-se um ser vivo em parti-cular, cuja característica, aliás, é a associação. Porfim, a Moral pesquisa o ser humano individual-mente6, pressupostos todos os conhecimentosanteriores. Essa seqüência, ao mesmo tempo quelógica, é, portanto, também histórica, pois indicaa ordem em que as diversas ciências (isto é, osvários corpos de teorias abstratas a respeito defenômenos específicos) constituíram-se ao longoda história.

Vê-se, portanto, como a pesquisa da sociedadeé uma das mais complexas, pois exige uma sérieimensa de conhecimentos prévios (que importamna forma das inúmeras variáveis cosmológicas),além, é claro, da observação dos próprios fenôme-nos humanos, sujeitos a leis próprias, observadascom instrumentos específicos da Sociologia.

Dessa forma, a constituição da Sociologiacomo ciência coroa um trajeto percorrido pelo serhumano, de preocupações externas à sua própria

6 No que seria denominada atualmente, portanto,simplesmente de “Psicologia”.

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realidade a si mesmo. A Sociologia representa,portanto, um projeto intelectual e político, poisrepresenta o ser humano chegando, afinal, àmaturidade e assumindo sua própria vida7.

II.2. Outros elementos teórico-metodológicos

Vistas as duas formulações fundamentais detoda a obra comteana, podemos passar a algumasoutras considerações preliminares, que aliásindicam o caráter de suas elaborações e sugeremalgumas perspectivas que adiante apresentaremos.

A teoria sociológica comteana, ainda que for-mando um sistema coerente, do ponto de vistalógico divide-se em duas partes: a Sociologia Está-tica e a Sociologia Dinâmica. A primeira analisaos elementos permanentes da sociedade, aquelasinstituições e aqueles fatos que em todas as socie-dades existem, por mais variados que sejam oupareçam. Os elementos da “ordem” são em núme-ro de cinco: a religião, o governo, a linguagem, afamília e a propriedade. Por outro lado, a Socio-logia Dinâmica concentra-se nas formas como associedades evoluem ao longo do tempo, ou seja,como os cinco elementos da Sociologia Estáticadesenvolvem-se. Aliás, a lei dos três estados, nessesentido, é claramente uma lei da Sociologia Dinâ-mica, sua fundadora e seu primeiro resultado siste-mático. Para nossos propósitos apenas a Socio-logia Estática será considerada: a evolução do“governo” com o passar do tempo não terá nossaatenção aqui.

Por outro lado, a metodologia de AugustoComte, como indicado acima, seria hoje denomi-nada de “holística”, por tomar o conjunto dasociedade como unidade analítica. Para ele, oindivíduo como unidade social é uma abstraçãosofística, “tão irracional quanto imoral”, surgidacom a desagregação do sistema social católico-feudal e até o momento em que escrevia – talvez

até ainda hoje – sem ser substituída por outrosistema social; na verdade, a unidade fundamentalde análise em Sociologia deve ser a família. Alémde indicar a anarquia mental, a ascensão doindividualismo como suposta origem da sociedade– por exemplo, nas diversas obras contratualistas(Hobbes, Locke, Rousseau) – revela um desenvol-vimento sistemático do egoísmo, erigido em pa-drão moral e intelectual, a despeito de preocu-pações com a sociedade como um todo. “Pegandoo contrapé da ideologia metafísica própria aosphilosophes das Luzes e inspirador das negaçõesrevolucionárias, Augusto Comte recusa-se a consi-derar o indivíduo como a unidade humana de base.Esse princípio egoísta parece-lhe igualmente errô-neo em Biologia, em que o indivíduo não existesenão por e para a espécie, e em Sociologia, emque a célula fundamental é a família” (ARNAUD,1965, p. 125).

Para nós o fato de Comte perceber a famíliacomo a verdadeira “célula social” é secundário;importa mais notar a negação do indivíduo comobase lógica e real da sociedade, ao mesmo tempoem que a própria sociedade como um todo, emseus diversos níveis (família, pátria, Humanidade)ou não, é estudada. Na verdade, essa consideraçãopode ser generalizada como sendo, sempre, aprimazia do espírito de conjunto sobre o de partes;no caso da sociologia, o espírito de conjunto nãose refere apenas à percepção sincrônica, estáticada sociedade: não importa somente perceber asociedade como perfazendo um todo em um ins-tante dado qualquer. Muito mais importante, por-que definidor da própria sociedade humana – porser sua característica específica –, é a consideraçãoda historicidade humana: o que nos faz humanosé a possibilidade de uma geração somar-se a outra,desenvolvendo continuamente suas característi-cas. Assim, portanto, “[...] na pesquisa das leissociais, o espírito deve indispensavelmente proce-der do geral para o particular, isto é, começar porconceber, em seu conjunto, o desenvolvimentototal da espécie humana, não distinguindo nele, aprincípio, mais do que um número muito pequenode estados sucessivos” (COMTE, 1972, p. 153).

É em virtude de sua historicidade que o serhumano pode, ao longo de sua evolução, desenvol-ver-se; é por esse motivo que a Sociologia Dinâ-mica não pesquisa apenas as condições do movi-mento e o próprio movimento das sociedades,como também, e talvez principalmente, a direçãoque a sociedade toma em seu desenvolvimento.

7 Eis uma declaração muito característica dessa vocaçãosocial de seu projeto, como indicado acima: “‘Em nomedo passado e do futuro, os servidores teóricos e osservidores práticos da Humanidade vêm tomar dignamentea direção geral dos negócios terrestres, para constituíremenfim a verdadeira providência, moral, intelectual ematerial, excluindo irrevogavelmente da supremaciapolítica os diversos escravos de deus, católicos, protestantesou deístas, como sendo, ao mesmo tempo, atrasados eperturbadores’. Tal foi a declaração decisiva com queterminei, no Palais Cardinal, no domingo 19 de outubrode 1851, meu terceiro Curso filosófico sobre a históriageral da Humanidade” (COMTE, 1934, p. 1).

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Aliás, Comte seguia o passo de outros filósofos,pois, como: “Pascal e Fontenelle, como Comênioe Leibniz, insistiram sobre um tema de importânciacentral: o sujeito cognoscitivo não é o indivíduoisolado, mas a humanidade inteira que progrideno tempo. A humanidade, não esse ou aquelehomem, tornou-se o protagonista efetivo doprocesso da história” (ROSSI, 1996, p. 74).

Outro elemento que cumpre uma funçãoimportante nas obras de Augusto Comte é suaconcepção de natureza humana. Sendo aHumanidade um todo, tem ela, todavia, órgãosindividuais, cuja base física tem uma tríplicecaracterística, de sentimentos, de pensamentos ede atitudes práticas. Todas as instituições humanasvisam a satisfazer, de alguma forma, essascaracterísticas, mais ou menos isoladas umas dasoutras ou combinadas entre si. Além disso, pormeio de uma refinada análise fisiológica, elechegou à conclusão de que os sentimentos têm aprimazia nas ações humanas, ou seja, os homensagem movidos por seus instintos afetivos; paratanto, a inteligência desperta-se, a fim dedeterminar os meios mais adequados para realizaros desideratos; com isso, evidentemente, o serhumano põe-se em ação, seja para investigar, sejapara direta e propriamente agir: esse mecanismofoi sintetizado na frase: “Agir por afeição e pensarpara agir”, em que a “afeição” representa todosos sentimentos, altruístas e egoístas.

Para Augusto Comte, o ser humano possui dezinstintos afetivos, sete egoístas e três altruístas,isto é, uns voltados para a conservação direta dopróprio indivíduo e outros relativos ao relacio-namento com outros: instintos nutritivo, sexual,materno, destruidor, construtivo, orgulho e vaida-de, por um lado, e apego, veneração e bondade,por outro. Do primeiro para o último, a intensidadediminui, o que equivale a dizer que o ser humanoé tanto “bom” quanto “mal”, mas, principalmente,que o egoísmo é naturalmente mais forte, é natu-ralmente preponderante no ser humano. Em outraspalavras: ainda que a humanidade seja principal-mente a obra sucessiva das diversas gerações umasapós as outras, os indivíduos entregues a si mesmostendem (frise-se: tendem) a ser egoístas, isto é, adesconsiderar os demais. As instituições sociais,nesse sentido, existem, por um lado, para satisfazeras necessidades humanas e, por outro, para regularo egoísmo dos indivíduos. (Aliás: esse é,precisamente, o papel do governo nas sociedades.)

III. PRIMEIRA APROXIMAÇÃO: AS PÁTRIAS

Ao tratarmos do tema “Estado”, freqüente-mente confundimos duas realidades que, a des-peito de atualmente estarem estreitamente vin-culadas, são, de fato, diferentes: o Estado-nação,ou seja, a forma de “Estado” que possui suasfronteiras bem definidas (pelo menos aspira a tal),exercendo, como diria Weber, o “monopólio douso legítimo da violência física” sobre uma popu-lação que se mantém unida, em princípio, por umsentimento de comunidade étnica, religiosa, cultu-ral ou uma mistura desses elementos. Assim, hádois elementos considerados: a associação daspessoas em um determinado território e o poderque sobre elas exerce o Estado. Para AugustoComte essas são duas questões muitos diversas,embora, evidentemente, relacionadas, constituin-do, por um lado, a teoria das pátrias e, por outro, ateoria do Poder Temporal. Nesta seção examina-remos apenas as pátrias e na seguinte, o PoderTemporal.

Cada indivíduo nasce no seio de uma família.Essa pequena unidade social, composta pelo casal,por seus filhos, por seus pais (isto é, pelos avós) epelos agregados, tem como fundamento os senti-mentos. Seu objetivo não é realizar nada de práticonem de filosofar ou de conhecer a realidade, mas,muito simplesmente, de manter juntas pessoas quemantêm diversos laços de afeto entre si, sendo umprimeiro locus de socialização para cada um.

Ora, as diversas famílias reúnem-se com oobjetivo de manterem-se materialmente: começaaí a pátria. Mesmo seu nome – “pátrias ” – já indicaa origem estreitamente vinculada às famílias. Apátria “[...] oferece um caráter essencial, que sedesenvolve à medida que a instituição cresce”(COMTE, 1890b, p. 362): ela estabelece umaligação entre o homem e seu meio ambientenatural, por intermédio da cooperação entre asdiversas famílias.

As sociedades humanas têm uma característicaimportantíssima, mesmo fundamental: seus diver-sos órgãos, seus agentes variados podem escolherseus destinos, suas ações, optando ou não pelo con-curso entre si, embora seja claro, por outro lado,que a sociedade como tal apenas pode existir namedida em que há, de fato, esse concurso: “[...] Ocaráter fundamental do grande organismo, comocomposto de seres suscetíveis de existirseparadamente, mas concorrendo, mais ou menos

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voluntariamente, a um objetivo comum”(COMTE, 1890a, p. 293).

A passagem da associação familiar à cívicaocorre por meio da constituição das classes sociais(em algumas sociedades são as castas) – “Oorganismo coletivo permanece, então, essencial-mente composto, primeiro pelas famílias que lheconstituem os verdadeiros elementos, então declasses ou castas que lhe formam seus própriostecidos e enfim das cidades ou comunas, que sãoseus verdadeiros órgãos” (ibidem) – a partir doprincípio aristotélico da “separação dos ofícios econvergência dos esforços”, isto é, da divisão dotrabalho social. A esse respeito, aliás, cumpre frisarque, ao contrário dos pensadores materialistas –que, como indicou Dumont (2000), são todosaqueles que assumem um modelo economicista eindividualista, ou seja, tanto os herdeiros do libe-ralismo quanto os marxistas – a concepçãocomteana de trabalho extrapola o mero trabalhofísico, incluindo também o trabalho intelectual e– inovação completa – o trabalho moral e afetivo(LAGARRIGUE, 1920).

Se a vinculação entre os membros da famíliabaseia-se nos afetos, a que ocorre nas pátriasvincula-se às necessidades comuns de seus mem-bros, ou seja, visa à atividade prática, à modifi-cação do ambiente com vistas à vida humana emcada sítio. Embora haja uma divisão do trabalhono seio das famílias, ela é bastante rudimentar erefere-se mais aos diferentes afetos que cadamembro oferece aos demais. Nas pátrias – queAugusto Comte denominava também de “cidades”(“cités”), em uma clara alusão à Antiguidade e,até certo ponto, à Idade Média – ocorre plenamentea divisão do trabalho, cada indivíduo responsabi-lizado por um aspecto da vida comum – logo, aespecialização é uma das características cívicas.

Da mesma forma, essa cooperação toma lugarem um conjunto minimamente grande de famílias,a fim de que a associação resultante não se pareçacom uma simples extensão da unidade familiar.E, embora a cidade seja essencialmente prática,evidentemente é necessário que entre seus diversosmembros deve existir laços afetivos, unindo todosem um destino comum, compartilhado muito maisa partir da convivência em um mesmo solo, cadaqual realizando uma tarefa para o bem comum,que a partir da soma dos interesses particulares.Em outras palavras, há uma extensão dos senti-mentos, que agora se desenvolvem e referem-se à

pátria, composta por elementos de diversasprocedências, atividades e, é claro, famílias.

“Após uma tal definição, a pátria adquire maiorextensão à medida que o desenvolvimento humanohabitua cada um a relações mais vastas. Tantoquanto dura nossa primeira infância, individual oucoletiva, ele permanece limitada à combinaçãoentre a família e a casa, além dos quais nenhumvínculo pode ser suficientemente sentido. Essarestrição inicial corresponde à existência direta-mente fundada sobre a afeição, sobretudo caracte-rizada pelo apego propriamente dito. Mas, aindaque o nome deva sempre depender dessa fonte, ainstituição não se pode pronunciar senão além deuma extensão superior, sem a qual se confundiriaa pátria com a simples família, espontaneamenteinseparável do solo correspondente. A esse nívelpermanentemente afetivo deve suceder uma vidaessencialmente ativa, que suscite habitualmentevínculos mais extensos, bastante restritos, todavia,para comportar uma suficiente intimidade apósuma cooperação bastante sentida. Essas duascondições não são conciliáveis senão na existênciacívica propriamente, a que se refere sempre averdadeira instituição da pátria, em que a atividadecombina-se com a veneração em relação a um larinalterável. Mas, para que a instituição não dege-nere, a vida ativa deve ter um caráter necessaria-mente coletivo, sem o qual o concurso contínuodas famílias tornar-se-ia ilusório8” (COMTE,1890b, p. 362-363).

Realçamos: há a necessidade de uma coope-ração prática entre as famílias, cuja origem é aseparação dos ofícios, isto é, a especialização decada uma em gênero de trabalho. É essa coope-ração, aliás, que verdadeiramente distingue acidade das famílias, cuja base, como indicamosacima, é a afeição comum entre seus membros.Comte tira uma conseqüência muito interessantee muito importante dessa característicafundamental das pátrias: “Nada faz sentir melhor

8 Além disso, o filósofo francês estipulava uma limitaçãono tamanho das diversas pátrias a países com a extensãomáxima do que têm, atualmente, Portugal, Bélgica e paísesigualmente de pequenas proporções; sua justificativa eramanter um nível de afetividade mínimo entre os diversoscidadãos, de modo a desenvolver o sentimento decooperação e dependência mútuos. Assim, além dos paísesde dimensões continentais – entre os quais se inclui,evidentemente, o Brasil –, a pretensão por séculosacalentada de “império universal” é condenada (COMTE,1934, p. 118, 356).

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como são profundamente anárquicas todas asteorias dos revolucionários modernos, que nãoconsagram senão o puro individualismo, aodisporem-se a tudo nivelar” (COMTE, 1890a, p.293), isto é, o individualismo moderno, ao negaras diferenças entre os grupos sociais, põe em xequea própria condição de existência da sociedade.Além disso, é evidente que a nivelação a que ofrancês refere-se é a “igualdade” por que se batemos pensadores soi disant progressistas9...

Indicamos no início desta seção que, ao invésde tratarmos de uma versão comteana do conceitode “Estado-nação”, abordaríamos as noções depátria e em seguida da de Poder Temporal. Poisbem: sobre o que se comumente se chama de“estados”, no sentido mesmo de “Estado-nação”,Augusto Comte observa que ao longo da históriapercebem-se inúmeras associações assim cha-madas (de “Estado”), limitadas por sua duraçãoou por sua extensão. Todavia, como a preocupaçãode sua pesquisa é com a história da Humanidadecomo um todo e como visa a estabelecer umaciência abstrata geral, essas diversas associaçõesparticulares não têm lugar, da forma comoapresentam-se empiricamente, podendo perfei-tamente caber nos conceitos de “pátria” (e de“Poder Temporal”, como veremos em seguida).Além disso, há uma série de instâncias inter-mediárias, cujos nomes, aliás, variam de maneira“quase arbitrária” – nações, províncias etc. – quedificultam a análise (idem, p. 290-291).

Da mesma forma, talvez caiba aqui oesclarecimento, prévio, da relação entre as pátriase o Poder Temporal: enquanto aquelas são osórgãos da Humanidade, este realiza uma função,característica desses órgãos em particular – emoutras palavras, aquelas são as sedes físicas ondeopera este atributo (determinado, nesse sentido,abstratamente)10.

IV. O PODER TEMPORAL

Como dissemos há pouco, as pátriasconstituem a sede física onde opera concreta-

mente a Humanidade em termos propriamentepolíticos: mas é análise que Augusto Comtedesenvolve sobre o Poder Temporal que reside o“núcleo duro” de sua teoria política, isto é, de suateoria do poder político. É nela que percebemosos temas clássicos das diversas teorias do Estadoe do poder: o uso da força física, o problema dalegitimação, os limites a que o poder sujeita-se, opapel do Estado na sociedade.

Se as pátrias, ou cidades, constituem por assimdizer a base física da sociabilidade humana, oespaço em que cada um relacionar-se-á com osdemais e desempenhará seu papel como cidadão,ocorre, por outro lado, um fato importante: conse-qüência da especialização contínua e necessáriada sociedade, as vistas de conjunto – isto é, dedestino e de causa comum –, vão-se perdendo: osdiversos órgãos da Humanidade preocupam-secada vez menos com os demais e concentram-secada vez mais em si mesmos e nos seus interesses,deixando de lado a sociabilidade e o altruísmo etornando-se cada vez mais egoístas.

O resultado é a necessidade de um órgãocoletivo que mantenha a união da sociedade,evitando a desagregação, ao mesmo tempo quecoordenando os esforços parciais: esse órgão é,evidentemente, o governo. Assim como aparecena obra de divulgação que é o Catecismo positi-vista, no sistema de Comte, o governo exerce umafunção primordial, não sendo possível nenhumasociedade sem ele: “Com efeito, cada servidor daHumanidade deve sempre ser apreciado sob doisaspectos distintos embora simultâneos, primeiroem relação ao seu ofício especial, depois quanto àharmonia geral. O primeiro dever de todo órgãosocial consiste, sem dúvida, em bem preencher suaprópria função. Mas a boa ordem exige tambémque cada um assista, tanto quanto possível, a reali-zação dos outros ofícios quaisquer. Semelhanteatributo torna-se mesmo o caráter principal do

9 Augusto Comte não hesita em reconhecer que essaespecialização é “fonte contínua de diversidade e mesmode desigualdade” (COMTE, 1890a, p. 294; sem grifo nooriginal).10 Como se viu em citações anteriores, Augusto Comtelançava mão de metáforas biológicas para explicar aimportância relativa das instituições sociais entre si: afamília é a célula social, as classes (e as castas) são os

tecidos, as cidades são os órgãos, a Humanidade é oorganismo. Levando adiante essa metáfora, ele consideravaque, havendo cinco graus de organização na Fisiologia, aSociologia poderia também adotá-los, faltando aí o níveldos aparelhos e dos sistemas, eventualmente o reservandopara as instituições e relações que ligam – e ligarão – entresi as diversas partes da Humanidade, isto é, as cidades e ospaíses entre si: relações econômicas, culturais, intelectuais,afetivas etc. De qualquer maneira, o autor tinha bastanteclaro serem apenas metáforas biológicas, cuja eficáciateórica não se pode exagerar (COMTE, 1890a, p. 292-293).

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organismo coletivo, em virtude da naturezainteligente e livre de todos os seus agentes.

Ora, existe espontaneamente uma oposiçãocada vez mais pronunciada entre estes dois ofícios,um especial, outro geral, de cada funcionáriohumano. Porquanto, o primeiro particularizando-se mais à medida que a cooperação se desenvolve,suscita disposições intelectuais e mesmo tendên-cias morais, que afastam cada vez mais de umaapreciação de conjunto, que também vai se tor-nando cada vez mais difícil. Tal é o verdadeiroponto de vista elementar da teoria geral dogoverno, primeiro temporal, depois espiritual.

Como nenhuma função, mesmo vital, esobretudo social, pode ser bem preenchida senãopor meio de um órgão próprio, o mínimo concursohumano exige, pois, uma força especialmentedestinada a chamar de novo às vistas e aossentimentos de conjunto agentes que tendemsempre a desviar-se de tais condições. Ela devesem cessar conter as suas divergências e desenvol-ver as suas convergências. Por outro lado, estepoder indispensável surge naturalmente das desi-gualdades que suscita a evolução humana.

Apesar da íntima simpatia que constitui a sim-ples associação doméstica, mesmo reduzida ao parfundamental, não está ela nunca isenta de seme-lhante necessidade. É aí que se pode apreciarmelhor este grande axioma: Não existe sociedadesem governo” (COMTE, 1934, p. 293-295; grifosno original).

A análise acima é de teor funcionalista: o gover-no possui uma função a realizar na sociedade e épor esse meio que Augusto Comte explica aorigem e o propósito do governo. Todavia, não éo preenchimento de sua função que conferelegitimidade ao governo, cabível a outro órgão,que possui ainda outros papéis: essa é a base dadivisão dos poderes no sistema comteano, o PoderTemporal e o Poder Espiritual.

Importa desde já notar que a separação dos doispoderes é uma característica moderna, esboçadana Idade Média. Na Antigüidade o politeísmoconfundia o Poder Temporal com o Poder Espi-ritual, dominando um ao outro; assim, a sociedadeera militar – e o chefe guerreiro era também umsacerdote – ou era sacerdotal – e a atividade tendiaa ser pacífica. Em tanto um quanto no outro caso,o órgão que mantinha a ordem civil também eraresponsável pela difusão dos valores que manti-

nham as sociedades unidas, das teorias interpre-tativas e explicativas da realidade e, finalmente,dos princípios de legitimação da ordem socialexistente. Modernamente, por outro lado, a sepa-ração dos dois poderes é tanto inevitável, emvirtude do desenvolvimento das capacidades hu-manas e das especialização de funções, quantoindispensável, a fim de garantir as mais diversasliberdades e permitir o advento do Positivismocomo força social por meio do livre conven-cimento (COMTE, 1890b, p. 199-200; LACER-DA, 2003; LACERDA NETO, 2003).

Também percebidos por Augusto Comte comoos órgãos de reação do conjunto da sociedadesobre as suas diversas partes, os poderes têmorigens diversas e, atuando sobre a sociedade apartir de diferentes posições, têm funções diversas.Como a natureza humana é tríplice, três são ospoderes sociais: o material, o intelectual e oafetivo. O poder material concentra-se na forçafísica ou na riqueza; o poder intelectual cabe aosfilósofos e aos sacerdotes, enquanto o poderafetivo cabe às mulheres. Ora, considerando, porum lado, a eficácia prática do poder material esua preponderância sobre os outros dois, e, poroutro, a atuação de aconselhamento e direção queos outros dois têm sobre o primeiro, elesconstituem-se em dois grandes: o primeiro é oPoder Temporal, responsável pela manutençãofísica da sociedade, e o Poder Espiritual, quemantém os valores sociais e, especialmente,orienta e aconselha, isto é, modifica o PoderTemporal (COMTE, 1890a, p. 311).

Augusto Comte não tinha como preocupaçãodefinir o que seja o “poder”, ao menos não com orefinamento que assumiram várias definições noséculo XX, especialmente pela Ciência Políticanorte-americana a partir da sugestão de Max Weber,segundo a qual o “poder significa a probabilidadede impor a própria vontade, dentro de uma relaçãosocial, ainda que contra toda resistência e qualquerque seja o fundamento dessa probabilidade”(WEBER, 1997, p. 43; grifo no original), isto é,como uma relação entre agentes, em que umconsegue, por quaisquer meios à sua disposição,fazer que um outro, mesmo a contragosto, aja comoo primeiro deseja.

No dicionário elaborado por Ângelo Torres,assim, a definição de poder que aparece é a seguin-te: “É o governo, indispensável à sociedade. Hásempre o poder teórico ou espiritual e o poder ma-

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terial, separados ou unidos. Não há sociedade semgoverno” (TORRES, 1997, p. 96); no dicionáriode Bourdet (1875) nada aparece. Conforme trans-parece no resumo de Torres, a ênfase cai no gover-no, seja no material, do Poder Temporal, seja noteórico, do Poder Espiritual. Além disso, pelo queindicamos um pouco mais acima de AugustoComte, cada classe social tem seu próprio tipo depoder, cujos campos de atuação já se esboça: opoder material tem eficácia prática, isto é, sobreas coisas, sobre a realidade material, sobre o mun-do, em outras palavras, por uma via direta; o poderespiritual age modificando a conduta do podertemporal, isto é, atua sobre os indivíduos, aconse-lhando, ensinando, sugerindo – indiretamente,portanto.

Uma outra passagem, agora diretamente doSistema de política positiva, apresenta outrasnoções de interesse: “A necessidade de concurso,inseparável da de independência, exige então,assim, sua própria satisfação permanente, apósuma instituição fundamental convenientementeadaptada a esse fim necessário. Ela torna-se a nóstão mais indispensável quanto os instintos que nosconduzem ao isolamento ou aos conflitos são natu-ralmente mais enérgicos que os que nos dispõemà concórdia. Ora, tal é a destinação geral própriaà força de coesão social designada em todos oslugares sob o nome de governo, que ao mesmotempo conter e dirigir. A admirável concepção deAristóteles11 institui então uma luminosacombinação entre os dois elementos necessáriosde todo pensamento político, a sociedade e ogoverno” (COMTE, 1890a, p. 294-295).

Por um lado, justifica-se a necessidade dogoverno indicando-se sua origem lógica: como asociedade exige a cooperação mas o ser humanonaturalmente tende ao individualismo, isto é, acessar a cooperação, é necessário um órgão quemantenha todos cooperando entre si. Por outrolado, define-se uma função geral para o governo,dentro de um esquema funcionalista: ao mesmo

tempo ele deve conter aqueles elementos que seafastam do esforço coletivo e dirigir os esforçosdaqueles que se empenham em prol da sociedade.Também fica bastante claro que o poder exige doiselementos relacionados para existir, um que aplicae outro sobre quem se aplica. Por fim, embora sepense basicamente no poder político – “material”ou “temporal”, na terminologia de Augusto Comte– há claramente a possibilidade de estendê-lo aoPoder Espiritual.

Mais particularmente, o Poder Temporal deveexpandir-se por toda a sociedade, isto é, deve sercapaz de atingir todas as porções sociais, a fim demanter a coesão social e dirigi-la. O meio específi-co de atuação é – isso é importante ressaltar – aforça: “A obrigação especial e o comando parcialnão devem, então, senão se generalizarem conve-nientemente, para constituir, sem grandes obstá-culos, uma força de coesão capaz, dentre de todoEstado, de conter as divergências e de dirigir asconvergências.

É assim que o princípio da cooperação apenas,sobre o qual repousa a sociedade política propria-mente dita, suscite naturalmente o governo, quedeve mantê-la e dirigi-la. Uma tal potência apre-senta-se, na verdade, como essencialmente mate-rial, pois resulta sempre da grandeza ou da riqueza.Mas importa reconhecer que a ordem social nãopode jamais ter outra base imediata. O célebre prin-cípio de Hobbes sobre a dominação espontâneada força constitui, no fundo, o único passo capitalque ainda se deu, de Aristóteles até mim, na teoriapositiva do governo” (idem, p. 298-299).

A passagem acima suscita dois comentários.O primeiro é, evidentemente, relativo ao funda-mento último do poder, baseado em Hobbes eseguindo a tradição realista do pensamentopolítico: o que o mantém é a força, a violência.Embora, como notou Raymond Aron (1999, p.110), essa observação possa chocar um leitor deAugusto Comte, não é possível ser de outramaneira, sendo a natureza humana como é – comoveremos mais abaixo. Em todo caso, Comte nãodeixou de ironizar aqueles que consideram que oPoder Temporal não deve ser capaz de agir, isto é,que não deve ser, de fato, um “poder”: “Todosaqueles que se chocam com a proposição deHobbes achariam estranho, sem dúvida, que emlugar de fazer repousar a ordem política sobre aforça, quiséssemos estabelecê-la sobre a fraqueza”(COMTE, 1890a, p. 299).

11 Segundo a qual a essência da sociedade consiste naseparação dos ofícios e na convergência dos esforços.Conforme indica Miguel Lemos em sua tradução doCatecismo positivista, não há, nas obras do estagirita,nenhuma passagem com essa formulação: Augusto Comte,ao lê-las, concluiu poder extrair esse princípio,reconhecendo, de qualquer forma, sua autoria como sendodo pensador grego.

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A segunda observação é a seguinte. Como jáindicamos anteriormente, o fundamento do PoderTemporal pode ser tanto a “grandeza” – a forçafísica, pura e simplesmente – quanto a riqueza,isto é, o que chamamos atualmente de “podereconômico”. Ao contrário do pensamento políticodo século XX (BOBBIO, 1997, p. 110), AugustoComte não separava o poder político doeconômico: na verdade, considerando que associedades humanas ao longo de suas históriaspassam de atividades guerreiras, baseadas, poróbvio, na violência, para atividades industriais,pacíficas, ele postulava que tendencialmente opoder político, de mando, deveria ficar nas mãosde industriais, ou do poder econômico, comodiríamos hoje12. Nesse caso, ainda que semdescartar o uso da violência física em casosextremos (por meio da polícia ou até da pena demorte – embora defendendo o fim dos exércitos),o “poder de coesão” que o conjunto da sociedadeexerceria sobre seus diversos órgãos dar-se-ia porvia das pressões econômicas13.

Ora, o mesmo poder que tem por função mantera coesão social pode desviar-se de seus fins,tornando-se demasiado ou sendo aplicado em finsincorretos. Além disso, a força não pode pura esimplesmente ser aplicada, isto é, ainda que a forçacomo tal justifique-se como fundamento do PoderTemporal, ela apenas não basta, havendo anecessidade de uma sanção emitida por outroórgão: em outras palavras, há a necessidade delegitimação do poder. “Pero aunque la fuerza esel fundamento indispensable de toda organizaciónde la sociedad, debemos recordar que por sí mismaes totalmente insuficiente. La fuerza siemprerequiere el complemento doble del intelecto y el

corazón, y fomenta una influencia controladoraadecuada, para volverla la base durable de laautoridad política” (COMTE, 1995, p. 218; semgrifos no original). Assim, o Poder Temporal pode,em casos extremos, obrigar os diversos órgãos aconsiderar o bem comum: o que importa, porém,é que tais órgãos o mais livre e espontaneamentepossível assintam com essa consideração. O órgãoresponsável ao mesmo temo pela fiscalização, pelasanção e pela moderação do Poder Temporal é oPoder Espiritual, cujo meio de atuação é o acon-selhamento e a sugestão.

Indicamos mais acima que o Poder Espiritualatua por via indireta: sua potência refere-se à capa-cidade de convencer e mudar o comportamentodos indivíduos pelo assentimento às suas observa-ções. Nesse sentido, o “Poder Espiritual” não seencaixaria na definição weberiana de poder – aomenos não totalmente –, pois é-lhe vedado “[...]impor a própria vontade [...] ainda que contra todaresistência [...]” (WEBER, 1997, p. 43).

A condição de funcionamento de tal exigênciaé uma única, muito simples de enunciar, tantoquanto freqüentemente difícil de realizar: nassociedades contemporâneas deve ocorrer acompleta separação entre os dois poderes. Emoutras palavras, o Poder Espiritual não podemandar e o Poder Temporal não pode “opinar”.Este deve apenas manter a ordem pública –eventualmente auxiliando no desenvolvimentomaterial da sociedade – e aquele deve constituiras teorias e as doutrinas gerais que orientam asociedade, além de – e isto é de central importância–, pela associação entre os filósofos e sacerdotes,por um lado, e os proletários e as mulheres, poroutro, constituir uma opinião pública, cujo papelé, precisamente, fiscalizar a atuação do PoderTemporal, orientando sua conduta e condenandoseus excessos (ou faltas).

Ainda que o objetivo deste artigo seja apenaso de comentar os elementos da teoria sociológicade Augusto Comte que se referem à organizaçãoestritamente política da sociedade, não é possívelfazer qualquer referência ao Poder Temporal semindicar suas íntimas e complexas relações com oPoder Espiritual. A importância que AugustoComte atribuía ao último e a insistência com queassinalou seu papel na sociedade já o distingue damaior parte dos pensadores políticos – o que écurioso, pois, ao mesmo tempo em que se filia àtradição realista do pensamento político, também

12 Lacerda Neto (2003) apresenta detalhadamente oprojeto político de Augusto Comte, após repassar osfundamentos epistemológicos e históricos de suasconcepções, indicando como o filósofo francês pretendiaque se organizasse a sociedade em uma época de pazgeneralizada, fraternidade universal e um conhecimentopositivo da realidade do mundo e do ser humano.13 Face aos problemas que a “sociedade industrial”notoriamente apresenta, especialmente em termos deconflitos de classe, importa indicar a seguinte observaçãode Comte: “Mesmo hoje, a vida industrial não suscita senãoclasses imperfeitamente ligadas entre si, à falta de umimpulso assaz geral para tudo coordenar sem nadaatrapalhar; esse é o principal problema da civilizaçãomoderna” (COMTE, 1890b, p. 363; sem grifos no original).

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se filia a uma “tradição” “idealista”, geralmenterepresentada por Immanuel Kant14. Na verdade,como diria nas obras da maturidade, todos seusesforços foram no sentido de constituir um novoPoder Espiritual, substituto da decaída e há muitoretrógrada Igreja Católica, adequado ao períodocrescentemente positivo da Humanidade, capaz de“reorganizar a sociedade sem deus nem rei”, comoanunciava desde seus opúsculos de juventude(COMTE, 1972).

O Poder Espiritual, se comparado ao Tempo-ral, seria ao mesmo tempo relativo ao espírito epermanente; seria o poder teórico, em relação aoqual o outro seria o prático e seria o poder geral,relativo a todos os povos, a partir de uma educaçãocomum, em contraste com a particularidade dooutro. Assim, o Poder Espiritual, fundamental-mente teórico, tem como objetivo elaborar, a partirdos principais resultados científicos, as concep-ções gerais sobre a realidade, cosmológica e huma-na, constituindo uma opinião pública capaz de de-senvolver e apoiar as instituições que essas mes-mas concepções gerais, de teor científico, sugerem.Nesse sentido, o Poder Espiritual consiste tantoem um órgão que elaborará um sistema de edu-cação quanto o aplicará. Para tanto, os conheci-mentos parciais e analíticos elaborados pelaciência seriam coordenados em uma síntese,caracterizada necessariamente pela perspectivahumana e pelas vistas de conjunto15.

O Poder Espiritual ainda possui um âmbito deatuação maior que o Poder Temporal, por si só

restrito: “Na ordem cívica, cada concurso de famí-lias para um fim determinado faz em breve surgirum chefe prático, cuja autoridade se acha espon-taneamente limitada pelo conjunto das operaçõesque ele pode realmente dirigir, quer pela suaprópria aptidão, quer sobretudo em virtude de seuscapitais. É aí que reside o verdadeiro podertemporal, igualmente capaz de impulsar e de reter,conforme as necessidades. Todo poder mais vastodimana necessariamente de uma fonte espiritual”(COMTE, 1934, p. 295; sem grifos no original).Essa fonte espiritual faria prevalecer as vistas deconjunto – que, no sistema comteano, assume umaperspectiva sincrônica e principalmente diacrôni-ca, ou, em seus próprios termos, a continuidade émais enfatizada que a solidariedade16 (semprejuízo desta, claro está).

“Após ter suficientemente oposto a generali-dade característica do poder espiritual à especifi-cidade necessária do Poder Temporal, não faltasenão completar seu contraste fundamental poruma diferença diretamente conexa com a prece-dente. Ela concerne ao seu domínio territorial,universal para o primeiro e sempre parcial relaçãoao segundo. Cultivando a arte geral, apenasigualmente indispensável em todas as partes, osacerdote pode e deve espalhar seu ofício a todasas porções do planeta humano, quando sua dou-trina fundamental tornar-se assaz real e assazcompleta para prevalecer uniformemente. Aocontrário, o poder material, destinado sobretudo aregular as operações especiais e locais, não saberádominar sem opressão senão um territóriodeterminado, bem menos estendido mesmo quecomo cremos hoje. Os diversos vínculos habituaisque esses trabalhos parciais estabelecem espon-taneamente entre todas as regiões terrestres nãocomporta mais senão que não exige nenhumaconcentração sistemática. Não é jamais a força,mas a sabedoria, o que deve por toda parte fazerprevalecer livremente as instituições práticas semas quais as relações contínuas não adquirirão a

16 A importância da noção de continuidade histórica nãodeve ser subestimada. Mesmo com os preconceitos revolu-cionários característicos do marxismo e do comunismo(COMTE, 1957, p. 178; 1997, p. 292), o historiador egípcioEric Hobsbawm comentou há alguns anos que “A memóriahistórica já não est[á] viva. [...] Quase todos os jovens dehoje crescem numa espécie de presente contínuo, semqualquer relação orgânica com o passado público da épocaem que vivem” (HOBSBAWM, 1999, p. 13).

14 Continuando com as referências aos filósofos modernos,a combinação originalíssima das idéias de Hobbes e Kantlembra a filosofia de Hugo Grócio. Embora não tenhasofrido uma grande influência desse pensador – asreferências fundamentais do pensamento comteano sãoCondorcet, David Hume, Diderot e Joseph de Maistre –Augusto Comte reconheceu-lhe a importância, incluindo-o mesmo em seu “Calendário positivista concreto”. Nasteorias de política internacional, a original posição“intermediária” de Augusto Comte em relação a Hobbes(realismo) e a Kant (idealismo) emparelham-no, não poracaso, com a tradição grociana, representada no século XXpelos ingleses Martin Wight e Hedley Bull.15 Aliás, Comte indica que “com a descoberta das leissociológicas, uma síntese baseada na Ciência torna-sepossível, a Ciência agora concentrando-se no estudo daHumanidade” (COMTE, 1957, p. 366). Como se vê, o pro-jeto comteano é um humanismo no sentido forte e rigorosoda expressão, valorizando profundamente o ser humano etomando-o de fato como “a medida de todas as coisas”.

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uniformidade desejável. Mantém-se a mesma coisapara as iniciativas temporárias que demandem umconcurso especial entre diversos governos”(COMTE, 1890a, p. 319-320).

O comentário acima, além de realçar o caráterpotencialmente universal do Poder Espiritual,reforça o caráter necessariamente local do PoderTemporal, vedando-lhe extensões territoriais muitoamplas. Ora, isso é uma outra forma de exprimir anecessária limitação dos ajuntamentos políticos,justificando a extensão das pátrias a tamanhos bemmenores do que hoje acontecem – Comte sugeriaque os países terão área semelhante à Bélgica, aPortugal, à Holanda etc. –, condenando, no limite,as pretensões de “império universal”: a únicaforma de congregar todos os seres humanos é pormeio do espírito, mantido pelo Poder Espiritual.

A separação entre os dois poderes correspondeàquela mais geral, entre a teoria e a prática. Separara teoria da prática tem como objetivo e resultadoprincipal estabelecer uma classe de homens quese dedicam exclusivamente à reflexão e àcontemplação17 da realidade, ao mesmo tempocosmológica e humana. Os princípios obtidos peloPoder Espiritual, baseados na observaçãocientífica tanto do mundo em geral quanto dasociedade e do ser humano, devem ser vistos comoorientadores da atividade política, não devendoser aplicados diretamente – pois não se prestam atal. Assim, da mesma forma que a Astronomiaauxiliava – e ainda auxilia – a arte da navegação,ou que a Física auxilia a Engenharia, ou que aBiologia ilumina e orienta a Medicina, aSociologia deve iluminar e orientar a atividadepolítica. Insistimos: o Poder Espiritual consiste emuma categoria de homens especialmente dedicadosà contemplação da realidade: Augusto Comte eminúmeras vezes deixou claro que simplesmentelhes vedava a participação na política prática, afim de assegurar sua independência e, portanto, ocumprimento de seu papel social. “A primeiracondição da autoridade espiritual é a exclusão dopoder político, como uma garantia de que a teoriae a prática manter-se-ão sistematicamenteseparadas. Um sistema em que os órgãos do

conselho e os do comando nunca são idênticosnão pode, quiçá, degenerar em qualquer dosmalefícios da teocracia” (COMTE, 1957, p. 367),isto é, no imobilismo, na opressão e na falta deliberdade. Da mesma forma, a verdadeiraseparação entre os dois poderes é o que garanteao mesmo tempo que o Poder Espiritual não secorromperá, tornando-se servil ao Poder Temporal,e que o regime político não seja, como geralmentese pretende a respeito do projeto político doPositivismo, uma tecnocracia.

Por outro lado, Augusto Comte percebia que amais importante garantia que um regime tem paraser livre (“liberal”, como define Sartori (1994, cap.13)) é a separação entre dois poderes, agora rela-tivamente ao Poder Temporal: o Estado não podeesposar nem patrocinar qualquer doutrina, deven-do tão-somente cuidar dos aspectos materiais dasociedade. O papel de condução mais geral dosrumos sociais, a partir de uma influência sempreindireta, por meio da opinião pública, bem comoa mais ampla possibilidade de crítica à ação gover-namental, cabe ao Poder Espiritual, ou seja, aosfilósofos, pensadores, jornalistas, artistas e todosaqueles que se ocupam do “espírito”; de qualquerforma, é completamente vedado ao Estado aintromissão nesses assuntos – aí se incluindo, poróbvio, a manipulação dos meios de comunicação.

Se o Poder Espiritual, ao submeter-se ao Tem-poral, pode tornar-se servil, ou seja, corrupto, aocontrolar o comando político torna-se opressor,pois impassível de crítica. “Assim, voltada a guiarsomente a atividade, renuncia a ditadura republi-cana a qualquer interferência opinativa, querimpondo convicções, quer coibindo-as. Cabe-lhemanter energicamente a ordem material da socie-dade [...], respeitando escrupulosamente seumovimento intelectual – opinativo –, por maisdesregrado que se torne ele. Logo: plena liberdadede discussão e de exposição, como garantia inarre-dável contra a sempre iminente degeneração daditadura em tirania, aquisição a manter-se em cará-ter nada menos que definitivo” (LACERDANETO, 2003, p. 84 et passim; sem grifos nooriginal).

Dessa forma, em se tratando da liberdade depensamento e de expressão, ou, por outra, do nãocerceamento, da parte do Estado ou do governo,das liberdades civis e também das dos meios decomunicação, a elaboração de Augusto Comte ofe-

17 Claro está que “contemplação” não possui aqui umsentido quietista, referindo-se, antes, à não “intervenção”na realidade com vistas à sua alteração: intervém-se nela,mas apenas para conhecê-la.

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rece uma importante fundamentação. Mais parti-cularmente, embora careça de uma investigaçãoespecífica, parece-nos que o único pensador aconsiderar que a garantia fundamental e principaldas liberdades em um regime de liberdade éprecisamente o caráter intocável dos meios decomunicação pelo governo ou pelo Estado foiAugusto Comte18.

Cabem aqui algumas precisões. A primeira éque, ao tratar-se da “liberdade de expressão”,pressupõe-se a liberdade de pensamento e tambéma de culto: só faz sentido alguém reivindicar apossibilidade de dizer o que quiser se puder, antes,pensar o que quiser; invertendo essa relação,também se pode considerar que quem quer falaralguma coisa já pode, de antemão (ou ao mesmotempo), pensar e acreditar no que quiser.

Em segundo lugar, Comte indica a liberdadede expressão como uma capacidade ativa: osindivíduos dispõem dela e realmente a utilizam,advindo precisamente daí, de seu caráter atual,todas as suas virtudes, intelectuais, morais, sociaise políticas. Um regime em que haja apenas nomi-nalmente a liberdade de expressão e depensamento é um regime condenado ao fracasso.

Por fim, a questão teórica relativa à prepon-derância de um poder sobre o outro; essa questão,aliás, se é teórica e avança para conseqüênciaspráticas, também recua, considerando alguns fun-damentos epistemológicos do Positivismo: “Nósreconhecemos que todo homem pertence ao mes-mo tempo, pelo sentimento, a uma família deter-minada, pela atividade, a uma certa cidade, e pelainteligência, a alguma Igreja. Estudando simples-mente a estrutura, é supérfluo examinar qual des-sas três sociedades simultâneas deva prevalecer.Mas não saberíamos apreciar claramente a exis-tência sem ter previamente estabelecido sua subor-dinação natural. É necessário então decidir agoraa questão abstrata da preponderância normal entrea sociedade doméstica, a sociedade civil ou políticae a sociedade religiosa.

Ora, essa determinação preliminar resultaespontaneamente da teoria fundamental danatureza humana, que, subordinando a existência

cerebral à existência corporal, faz prevalecersempre a atividade sobre a inteligência e mesmosobre o sentimento. É então à cidade, órgãoessencial da cooperação ativa, que se devesobretudo voltar-se o homem, mas conservando-a sem cessar como preparada pela família ecompletada pela Igreja. Ainda que a sociedadepolítica seja necessariamente composta porsociedades domésticas, a primeira determinasomente o conjunto da existência própria a cadauma das outras, após a repartição geral dostrabalhos humanos, que domina em todos oslugares seus destinos respectivos. Irrecusáveldesde o primeiro ensaio de nossa civilização, essapreponderância normal torna-se cada vez maispronunciada, à medida que se desenvolve nossasolidariedade e nossa continuidade. Assim oinstinto universal confirma essencialmente uma talsubordinação, que em todos os lugares dispõe aconceber habitualmente o homem como cidadão.

Mas essa primeira apreciação parece não deixarnenhuma dúvida sobre a segunda parte da questãoprecedente. Assim, se o sentimento mesmosubordina-se à atividade, como a inteligênciapoderia dispensá- la? [...]

A religião positiva, em virtude de sua plenarealidade, decide irrevogavelmente a preponde-rância do Estado, ainda que ela possa apenasassegurar à Igreja a universalidade que lheconvém. [...] A sociedade religiosa é sobretudodestinada a consolidar e desenvolver a sociedadecivil, como esta a sociedade doméstica. [...]

Assim, a sociedade religiosa não deve destinarsua universalidade característica senão a completara sociedade política, ligando entre si as diversascidades, após sua comum subordinação à Humani-dade. Mas a extensão superior da Igreja não a au-toriza jamais a considerar-se como representandomelhor o verdadeiro Grande Ser que o que fazemos estados ou mesmo as famílias” (COMTE,1890a, p. 341-344; negrito no original; sem itálicosno original).

O trecho acima, portanto, enseja duas sériesde observações. A primeira relaciona-se à preva-lência de um poder sobre o outro, ou, como resu-miu Bobbio (1997, p. 114-116), ao problema daprimazia da política sobre a moral. No pensamentode Augusto Comte não há, no sentido por assimdizer clássico, uma efetiva “primazia” de um podersobre o outro. Como as considerações práticasguiam o ser humano, mesmo se impondo quando

18 Nesse sentido, sua contribuição para as teorias dademocracia em geral, e relativamente aos meios decomunicação (MIGUEL, 2000) em particular, aindacompletamente inexplorada, seria enorme.

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são descuradas, é a esfera prática da vida que devepreponderar sobre a intelectual e a afetiva: a cidadee o Poder Temporal preponderam sobre a Igreja ea família, isto é, sobre o Poder Espiritual. Contudo,a “preponderância” não é sinônima de “domina-ção” ou “submissão”: os dois poderes são separa-dos para cada um ter sua liberdade e seu campode atuação próprio. Assim, se o cidadão – e sobesse título devem ser percebidos todos os sereshumanos, todos os servidores da Humanidade –deve fidelidade à cidade, deve, por outro lado,ouvir os conselhos e os ensinamentos da Igreja,além de seguir os sentimentos desenvolvidos noseio familiar. Se considerarmos, também, que oPoder Espiritual tem a função de legitimar o PoderTemporal, alem de fiscalizá-lo, torna-se claro quea relação entre ambos não é de submissão, mas dedivisão do trabalho. A fórmula comteana para issoera: “a política deve submeter-se à moral”.

A segunda observação é de cunho epistemo-lógico: contrariamente ao que uma interpretaçãoestritamente intelectualizante do pensamento com-teano poderia sugerir, a realidade prática – os fato-res materiais – têm uma importância marcada noPositivismo e em sua percepção da realidade.Aliás, como notou há vários anos Rodolfo PaulaLopes, “Antes do marxismo, o Positivismo procla-ma que a infra-estrutura determina a superestrutu-ra, ou, em sua linguagem, que os fenômenosintelectuais e sociais subordinam-se às condiçõesmateriais e econômicas, mas [...] que é sobretudopela renovação da super-estrutura que ocorre, nofundo, o progresso” (LOPES, 1946, p. XVII). Emoutras palavras, diríamos que se trata apenas decondicionamento do econômico sobre o intelectuale o social, ao invés de determinação19.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente texto teve por objetivo apresentaro que atualmente chamamos de “Estado”, de acor-do com o pensamento de Augusto Comte. Comovimos, esse conceito, bastante contemporâneo no

significado geralmente a ele atribuído, foi carac-terizado e discutido pelo pensador de Montpellierpor meio de duas outras categorias: a pátria e oPoder Temporal. A primeira é um “órgão” daHumanidade, isto é, sua base física, constituídapela união de diversas famílias, organizadas emclasses ou castas a partir da divisão social dotrabalho, com vistas a prover a base material eprática da sociedade.

O conceito que vincula as pátrias ao PoderTemporal é o princípio de Aristóteles, da separaçãodos ofícios e da convergência dos esforços: adivisão do trabalho acarreta naturalmente aespecialização e, conseqüência também naturalembora maléfica, o particularismo. A fim de garan-tir a convergência dos esforços é necessário ogoverno – material, para forçar à convergência senecessário e dirigir a atividade dos órgãos conver-gentes, e espiritual, que garante as vistas doconjunto social, educa os cidadãos e fiscaliza aatuação do poder material.

A análise dos dois poderes, especialmente desuas relações, constitui a parte mais densa e maisinteressante do pensamento propriamente políticode Augusto Comte, pois é na atuação complemen-tar mas autônoma de um frente ao outro que seconstituem e instituem as diversas liberdadessociais.

A preocupação de Augusto Comte era permitirque cada capacidade humana se desenvolvesseplenamente, dentro de sua esfera de ação; alémdessa esfera, cada instituição torna-se opressiva,ao invadir o campo de atuação de outras. Cadainstituição é complementar às outras, sua harmoniasendo possível a partir daí (ao invés, por exemplo,da juridicamente decretada “harmonia entre os trêspoderes” de Montesquieu).

Como afirmamos no início deste artigo, aselaborações comteanas são bastante abstratas eintegrantes de uma totalidade teórica e não foi nos-

19 Os fatores materiais, ao exercerem uma pressãocondicionante sobre o conjunto da sociedade, tanto em ummomento qualquer quanto ao longo da história humana,evidentemente não impedem a validade da lei dos trêsestados, porque, por um lado, os meros fatores materiaisexercem um papel muito mais limitante que, por assimdizer, “propositivo”: a base material não cria modos depensar seus; por outro lado, como vimos na seção II.1 desteartigo, os três estados referem-se a métodos de raciocinar

e de interpretar a realidade (COMTE, 1972b): ao longo dahistória, é como se a base material fosse uma pressão cujovalor é constante, variando a partir dela os modos deconceber a realidade. Em relação estreita com a lei dostrês estados intelectuais, ainda que a ela subordinada, estáa lei dos três estados da atividade prática: a atividade éprimeiramente militar conquistadora (Antigüidade), depoismilitar defensiva (Idade Média) e por fim pacífica eindustrial (modernidade). (Sobre as diversas relações queestabelecem entre si os elementos do sistema comteano,há algumas indicações em Marietti (2003).)

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social: a separação entre a Igreja e o Estado, aprimazia da moral sobre a política, a necessáriapossibilidade de crítica do poder Espiritual sobreo Temporal. Esses, porém, são temas para outrosartigos.

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