Eletro Incon Urina

download Eletro Incon Urina

of 7

Transcript of Eletro Incon Urina

  • 7/25/2019 Eletro Incon Urina

    1/766

    Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa So Paulo

    2009; 54(2):66-72

    ARTIGO DE REVISO

    1. Diretora do Servio de Fisioterapia do Centro de Ateno Inte-gral Sade da Mulher (CAISM-UNICAMP)

    2. Livre Docente do Departamento de Tocoginecologia da Faculda-de de Cincias Mdicas /UNICAMP3. Ps-graduanda do Departamento de Tocoginecologia de Cinci-as Mdicas/UNICAMP4. Fisioterapeuta. Especialista na rea de Fisioterapia em Sade daMulher pelo Departamento de Tocoginecologia da Faculdade deCincias Mdicas/UNICAMPTrabalho realizado:Servio de Fisioterapia do Centro de Aten-o Integral Sade da Mulher (CAISM-UNICAMP).Departamento de Tocoginecologia de Cincias Mdicas/UNICAMPEndereo para correspondncia:Andrea de Andrade Marques.Rua Geraldo Tefliglio 140, casa 14, Cidade Universitria - 13083-530 - Campinas, SP, Brasil - Email: [email protected]

    Eletroterapia como primeira linha no tratamento da bexiga

    hiperativa (BH)Electrical stimulation as first line in the treatment of overactive bladder (OAB)

    Andrea de Andrade Marques1, Viviane Herrmann2, Neville de Oliveira Ferreira3,Renata Vidigal Guimares4

    Resumo

    Bexiga Hiperativa (BH) uma sndrome de alta prevalncia,caracterizada por urgncia miccional, com ou sem inconti-

    nncia de urgncia, geralmente acompanhada por frequn-cia e noctria, em pacientes sem infeces ou outras patolo-gias. O tratamento conservador tem sido recomendado comoprimeira linha para o tratamento da BH. Esse artigo consis-te em reviso da literatura sobre o tratamento conservador,especificamente a eletroterapia. A concluso que aeletroterapia consiste em modalidade eficaz, no invasiva,de fcil aplicao e relativamente com poucas contra-indi-caes, devendo assim ser considerada como primeira linhano tratamento da BH.

    Descritores:Bexiga urinria hiperativa/terapia; Transtor-nos urinrios/terapia, Incontinncia urinria/terapia, Soa-

    lho plvico, Terapia por estimulao eltrica, Modalidadesde fisioterapia

    Abstract

    Overactive Bladder (OAB) is a prevalent syndromecharacterized by miccional urgency, with or without urge-incontinence, usually with frequency and noctria, in

    patients without infection or other pathologies. Conservativemanagement has been recommended as first-line treatmentfor OAB. This article reviews the li terature aboutconservative treatment, specifically electrical therapy. In

    conclusion, electrical therapy is a effective, noninvasivemodality that is easy to apply with relatively fewcontraindications and must be considered as first line onthe treatment of OAB.

    Key words:Urinary bladder, overactive/therapy; Urinationdisorders/therapy; Urinary incontinency/therapy; Pelvicfloor ; Electric stimulation therapy; Physical therapymodalities

    Introduo

    Bexiga Hiperativa (BH) uma patologia do trato

    urinrio inferior que afeta negativamente a qualidadede vida das pacientes. Compreende a segunda causamais comum de incontinncia urinria, s perdendopara incontinncia urinria de esforo e embora aco-meta uma populao predominantemente em idademais avanada, o impacto psicolgico e social da Be-xiga Hiperativa supera o encontrado nas pacientescom Incontinncia Urinria de Esforo1.

    Para diagnosticar a sndrome da Bexiga Hiperativao exame urodinmico no obrigatrio. Atualmente definida a partir da presena de sintomas clnicos,independentemente da presena ou ausncia de con-

    traes involuntrias do detrusor (CID) durante acistometria. Caracteriza-se por urgncia miccional comou sem incontinncia de urgncia, geralmente acom-panhada por frequncia e noctria2.

    Trata-se de patologia de alta prevalncia, acome-tendo cerca de 17% da populao adulta3. No Brasil,estudo populacional envolvendo 848 indivduos, en-controu prevalncia de sintomatologia em 18,9% en-tre 399 homens e 449 mulheres, e dentre eles apenas27,5% buscaram tratamento para a doena4.

    A Sociedade Internacional de Continncia (SIC) eo Comit Internacional de Doenas Urolgicas (CIDU)no 3 Encontro Cientfico Internacional em 2005,

  • 7/25/2019 Eletro Incon Urina

    2/767

    Marques AA, Herrmann V, Ferreira NO, Guimares RV. Eletroterapia como primeira linha no tratamento da bexiga hiperativa(BH). Arq Med Hosp Fac

    Cienc Med Santa Casa So Paulo. 2009; 54(2): 66-72.

    sugeriram tratamento inicial para a BH por meio demudanas nos hbitos da vida diria e reeducaovesical (Figura1).

    Ainda que o papel do fisioterapeuta seja bastantedestacado nos diversos eventos cientficos para o tra-tamento da incontinncia urinria, o pequeno nme-ro de profissionais especialistas em disfunes doassoalho plvico faz com que a primeira linha propostapara o tratamento desta patologia, no Brasil, ainda sejamedicamentoso. No estudo realizado por Teloken etal, (2006)4, 68,2% dos casos diagnosticados de BH naamostragem brasileira foram tratados com medica-mentos.

    Embora exista no mercado uma srie de medica-

    es testadas e de comprovada eficcia para esse uso,os efeitos adversos provocados pelos antimuscarnicos(principais drogas utilizadas no tratamento da BH)levam descontinuidade do tratamento, nem sempredisponveis aos usurios.

    O objetivo deste trabalho revisar os diversosmecanismos envolvidos na sndrome da BexigaHiperativa e de que modo o tratamento conservadorfavorece os pacientes que sofrem dessa patologia.

    1. Diagnstico da Bexiga Hiperativa

    O principal sintoma a urgncia miccional6. Defi-

    nir esse termo para as pacientes no tarefa fcil. Al-gumas frases citadas por Starkman e Dmochowshi(2008)7caracterizam melhor o desejo da mico como,por exemplo: quando desejo ir ao banheiro, eu tenhoque correr, pois penso que vou me molhar. Para

    Abrams (2002)2

    , urgncia miccional se refere ao dese-jo sbito e imperioso de esvaziamento vesical.A sensao de urgncia possui grande variabili-

    dade entre os indivduos e circunstncias. Ghei eMalone-Lee (2005)8estabeleceram, entre 1797 indiv-duos, as situaes que mais provocam sensao deurgncia miccional. Relataram que os sintomas ocor-riam com mais frequncia e intensidade nesta ordemde situaes: 1) ao acordar e levantar-se da cama; 2)ao abrir a porta de casa; 3) ao manipular gua, 4) quan-do as pacientes se encontravam nervosas e cansadas ediante de clima frio.

    O sintoma de urgncia diminui o perodo entre asmices, levando ao aumento da frequncia das mic-es e consequentemente diminuio do volume uri-nado. Segundo definio da SIC, qualquer alteraoque a paciente considere um aumento no nmero demices pode ser considerado sintoma urinrio defrequncia2. Considera-se normal cerca de oito mic-es dirias. Porm, vrios fatores interferem nos h-bitos urinrios normais, como clima, ingesto hdrica,ansiedade, depresso ou at mesmo fatores culturais- sabe-se que a raa negra possui um menor volumemiccional e as asiticas mais elevado9. Em linhas ge-rais, acredita-se que frequncia urinria superior a 11

    mices prejudiquem a qualidade de vida do indiv-duo10. Na prtica clnica no infrequente que as pa-cientes busquem por tratamento e queixem-se de al-teraes urinrias, porm, na avaliao, apresentemum registro de dirio miccional bastante prximo aonormal.

    Como diversas patologias (Fig. 2) provocam sin-tomas irritativos da bexiga (urgncia miccional, incon-tinncia por urgncia, aumento de frequncia mic-cional e noctria), a primeira avaliao dos sintomasurinrios sempre clnica. O mdico realiza o diag-nstico diferencial e posteriormente encaminha para

    tratamento conservador, caso seja definido o diagns-tico de Bexiga Hiperativa idioptica.

    2. Avaliao do Hbito Urinrio

    O meio subjetivo de avaliao que oferece ummelhor quadro dos hbitos urinrios o DirioMiccional11. Tal instrumento um poderoso aliado nodiagnstico e na avaliao de um tratamento especfi-co. Constitui, por si s, um meio de reeducao, umavez que apenas ao preench-lo a paciente j se d con-ta de seus vcios urinrios e a simples conscien-tizao j a influencia. Por esse motivo, ensaios clni-

    Figura 1 Diagrama com as recomendaes para o tratamen-to da Incontinncia Urinria feminina, definidas no 3 Comi-t Internacional de Continncia, Mnaco, 2005. BH = BexigaHiperativa; IUE = Incontinncia Urinria de Esforo

  • 7/25/2019 Eletro Incon Urina

    3/768

    Marques AA, Herrmann V, Ferreira NO, Guimares RV. Eletroterapia como primeira linha no tratamento da bexiga hiperativa(BH). Arq Med Hosp Fac

    Cienc Med Santa Casa So Paulo. 2009; 54(2): 66-72.

    cos que se utilizam deste instrumento avaliatrio parao grupo placebo, no deveriam ser considerados comoplacebos genunos11.

    O grande inconveniente desse instrumento a to-tal dependncia de informaes fornecidas pela paci-ente, que pode levar a interpretaes imprecisas. Des-se modo, a correta orientao de como preench-lo imprescindvel ao sucesso de seu objetivo. Atentospara essa questo, o 3Comit Internacional Cientfi-co descreve detalhadamente como orientar a paciente

    ao preenchimento do dirio miccional. Em nosso ser-vio, utilizamos um dirio miccional que define asintomatologia por meio de figuras (Fig. 3), o que especialmente til para pacientes incapazes de ler ins-trues ou com dificuldade para compreenso.

    Com relao durao do dirio miccional,Tincello et al, (2007)13avaliaram 248 pacientes dividi-das em dois grupos: um preencheu dirios miccionaiscom trs dias de durao e outro com sete dias. Osregistros foram mais precisos em dirios miccionaismais curtos. Esses achados esto em concordncia comKu et al, (2004)14e com Brown et al, (2003)15, que en-

    contraram boa validade e confiabilidade em DiriosMiccionais de trs dias.

    3. Fisioterapia para o tratamento da BexigaHiperativa

    A utilizao de recursos fisioteraputicos parao tratamento da incontinncia urinria originou-se nadcada de 40, com as teorias de Arnold Kegel sobre asassociaes de fortalecimento muscular do assoalhoplvico e a funo de continncia. Posteriormente, nadcada de 70, a nomenclatura de tratamento conser-vador comeou a ser utilizada como referncia a uma

    srie de possibilidades teraputicas, no invasivas,capazes de regular a funo urinria. Incluem-se nes-te grupo as mudanas comportamentais, a reeduca-o vesical e a utilizao de dispositivos como os anise pessrios vaginais, alm das terapias fsicas.

    Nos ltimos 50 anos, o interesse dos fisioterapeu-tas nesta rea cresceu muito. Com a recomendao daSociedade Internacional de Continncia, em manter otratamento conservador como primeira abordagem notratamento para a incontinncia urinria, uma srie

    de estudos vem sendo realizados buscando compro-vao cientfica de alguns recursos da Fisioterapia taiscomo a Cinesioterapia, a Eletroterapia, o Biofeedbacke os Cones vaginais16,17.No caso da BH especificamen-te, os ndices de sucesso com tais mtodos variam en-tre 50% a 90% e vrias abordagens fisioteraputicastm sido amplamente utilizadas 18-26.

    Analisando como recurso fisioteraputico o exer-ccio muscular, Shafik e Shafik (2003)27estudaram 28mulheres que apresentavam hiperatividade dodetrusor e observaram que dez contraes do assoalhoplvico por dez segundos eram capazes de diminuir a

    intensidade da contrao do detrusor e aumentar apresso uretral, ao exame urodinmico. Atribuiu-seesses resultados a uma ao reflexa de relaxamentovesical que ocorre diante do exerccio.

    Berghmans et al (2000)28realizaram reviso siste-mtica da literatura de programas de exerccios parao assoalho plvico que visavam o tratamento da Bexi-ga Hiperativa entre os anos de 1980 e 1999 e conclu-ram que embora os resultados fossem promissores,h necessidade de estudos mais bem delineados. Omesmo grupo de pesquisadores realizou nova revi-so sistemtica especfica de tratamentos conservado-res para Bexiga Hiperativa em 2002. Das 81 publica-

    Figura 2 Causas de urgncia e frequncia miccional Figura 3

  • 7/25/2019 Eletro Incon Urina

    4/769

    Marques AA, Herrmann V, Ferreira NO, Guimares RV. Eletroterapia como primeira linha no tratamento da bexiga hiperativa(BH). Arq Med Hosp Fac

    Cienc Med Santa Casa So Paulo. 2009; 54(2): 66-72.

    es revisadas, apenas 15 contaram com critrios deincluso que exigiam bom nvel de evidncia cientfi-ca, validade interna e externa e poder estatstico doestudo. Os autores concluram que existiam resulta-dos positivos a favor do Tratamento Conservador e

    que a eletroestimulao intravaginal do tipo FES(Functional Electrical Stimulation) o nico recursofisioteraputico comprovadamente eficaz24.

    3.1 A EletroterapiaA utilizao do estmulo eltrico como tratamen-

    to se iniciou no Egito, com uma espcie de enguia el-trica encontrada no Rio Nilo. Atualmente existe nomercado uma srie de geradores de correntes maissofisticados, mas o prncpio continua o mesmo: umestmulo eltrico captado por receptores sensitivos dapele despolariza a membrana de clulas nervosas e,se ocorrer na durao e intensidade adequadas, tem apropriedade de gerar potencial de ao e despo-larizar a membrana celular. Esse estmulo se propagapela terminao nervosa e quando o potencial de aochega juno neuromuscular, ocorre abertura doscanais de clcio que migram para dentro da membra-na. Isso controla a funo secretora do neurnio quelibera neurotransmissores na fenda sinptica. Estmu-los eltricos so capazes de ativar fibras nervosas pe-rifricas, sensitivas e do sistema nervoso autnomo eproduzir efeitos como fortalecimento muscular, repa-rao tecidual, ativao circulatria, entre outros29.

    No caso da BH, Lindstrom et al, (1983)30Fall e

    Lindstrom (1991)31foram os primeiros autores a estu-dar a resposta neurofisiolgica da eletroestimulao.Por meio de estudos experimentais em gatos, essesautores tentaram observar o efeito da corrente eltri-ca no nervo hipogstrico e sugeriram que, atravs daeletroestimulao, existe ativao, por via reflexa, deneurnios simpticos inibitrios (ativao do nervohipogstrico) e inibio dos neurnios parasimpticosexcitatrios (nervo plvico), promovendo a reorgani-zao do sistema nervoso central e inibindo contra-es involuntrias do detrusor.

    Wang e Wang (2004)25sugeriram a superioridade

    da eletroestimulao e do biofeedback sobre o exerc-cio em um grupo de 103 mulheres com BH. Encontra-ram melhora subjetiva em 51% das pacientes tratadascom eletroterapia e 50% das que utilizaram biofeedback,contra 38,2% das que utilizaram exerccios do assoalhoplvico.

    Muitos destes estudos sobre a eletroestimulaoe BH utilizaram a FES como tipo de corrente e procu-raram definir quais seriam os diferentes parmetroseltricos ou protocolos ideais para o tratamento18,32,22,23.

    3.1.1. Parmetros de Eletroterapia na Bexiga HiperativaParece haver consenso em eleger frequncias mais

    baixas (de 5Hz a 20Hz) como parmetro de eletro-terapia ideal para o tratamento e isso se deve aos es-tudos de Fall e Lindstrom (1991)31. Para esses autores,frequncias entre 5Hz e 10Hz so similares em refle-xos anais e genitais e capazes de ativar o sistema ner-

    voso simptico.Yamanishi et al, (2000)23utilizaram frequncia de10Hz e largura de pulso de 0,1ms, duas vezes ao dia,durante 15 minutos, por quatro semanas. Esses auto-res encontraram, em estudos randomizados e duplo-cego utilizando eletrodos intracavitarios, melhora sig-nificativa subjetiva e objetiva (parmetros urodin-micos) no grupo estimulado, comparado ao grupoplacebo. Atribuem 59% de cura para sintomasirritativos da bexiga eletroestimulao com essa fre-quncia. Embora utilizassem eletrodos intravaginaisem seu estudo, esses autores sugeriram eletrodostranscutneos para sintomas dolorosos ou irritativosda bexiga.

    O posicionamento dos eletrodos para o tratamen-to de patologias urinrias, at o presente momento,utilizava preferencialmente espaos intra-cavitriospor meio de estimulao do nervo pudendo. Emboraos tratamentos conservadores ofeream poucos efei-tos colaterais, alguns autores chamaram ateno emseus estudos para os efeitos indesejveis encontradosna eletroestimulao intravaginal: dor, sensaes de-sagradveis e incontinncia fecal23. Sand et al, (1995)33encontraram efeitos colaterais como irritao vaginal,infeces e dor em 14 das 28 pacientes estimuladas.

    Alm disso, a recomendao das empresas fabrican-tes de que eletrodos intra-cavitrios sejam de usoindividual, o que aumenta o custo do tratamento tor-nando-o pouco acessvel servios pblicos ou a po-pulao de menor poder aquisitivo. Constitui um pro-cedimento desconfortvel, principalmente para o tra-tamento em homens, e invivel em crianas e virgens.Justamente por esses inconvenientes, alguns pesqui-sadores investigaram diferentes localizaes de ele-trodos, no intracavitrios, para a realizao da eletroestimulao, como por exemplo a estimulao do ner-vo tibial posterior atravs de eletrodos de superfcie.

    Para isso, o TENS (Transcutaneous electrical nervestimulation) surgiu como uma corrente opcional.

    3.1.2 Utilizao do TENS na Bexiga HiperativaEssa corrente age no bloqueio de impulsos

    nociceptivos (conduzidos medula por fibras de pe-queno dimetro A delta e C) pelo estmulo de fibrasde grande dimetro (A beta mielinizada), capazes deativar neurnios inibitrios na substncia gelatinosada medula e fechar assim o portal da dor34. Nos es-tudos iniciais de Melzack e Wall (1965)34 a inibioproposta ocorria em nvel segmentar, mas esses auto-res j sugeriam que esses mecanismos inibitrios po-

  • 7/25/2019 Eletro Incon Urina

    5/770

    Marques AA, Herrmann V, Ferreira NO, Guimares RV. Eletroterapia como primeira linha no tratamento da bexiga hiperativa(BH). Arq Med Hosp Fac

    Cienc Med Santa Casa So Paulo. 2009; 54(2): 66-72.

    deriam estar sob influncia de centros superiores demodulao. No havia, at aquele momento, um co-nhecimento mais profundo sobre os neurotrans-missores e seus receptores, uma vez que a farmacolo-gia do sistema nervoso ainda no havia sido ampla-

    mente estudada35

    .Sabe-se hoje que diversos opiides esto envolvi-dos nos efeitos analgsicos do TENS, entre eles b-endorfina, metionina encefalina e dimorfina A, que soopiides agonistas e esse envolvimento acontece tan-to em baixa como em alta frequncia de estimulao36.Alm disso, existem receptores de opiides endgenosperifericamente, na regio anterior da medula (medularostral-ventral ou RVM) bem como em reas superio-res envolvidas, como a regio periaqueductal cinzen-ta (Peri-arqueductal grayou PAG). aceito que a inibi-o provocada por opioides endgenos ocorra pelaativao do sistema PAG-RVM, onde a serotonina oneurotransmissor utilizado para reduzir a dor. Anoradrenalina tambm participa da ao dos opioidesendgenos e liberada por grupos celulares pontinosdenominados A6 e A7 que ativam receptores a-2 epromovem a inibio no corno anterior da medula35.

    Uma vez que, os efeitos analgsicos do TENS ocor-rem como resultado de mecanismos espinhais e su-pra-espinhais, seria possvel concluir que o local pr-ximo leso no o nico possvel para a colocaodos eletrodos. Em estudos experimentais, Ainsworthet al, (2006)37se utilizaram de um instrumento pr-validado de comportamento doloroso em ratos e

    aplicaram a corrente eltrica tanto ipsilateral comocontralateral ao local da leso e concluiram que aeletroestimulao provoca a analgesia em ambos oslocais, reforando assim uma ao central de controle.Esse estudo possibilitou utilizar o recurso em casosde amputaes ou leses muito extensas, de difcilacesso.

    Estudos sobre a ao do TENS no sistema nervo-so autnomo demonstraram que baixas ou altas fre-quncias de estmulos aumentam transitoriamente ofluxo sanguneo em intensidades entre 10mA a 15 mA,se for observada com o Doopler a estimulao sobre o

    tecido cutneo38

    . Essa reao ainda mais intensa noestmulo baixa frequncia (aumento de 23% no flu-xo sanguneo) do que no estmulo alta frequncia(aumento de 17% no fluxo).

    O trato urinrio inferior sensvel ao deopiides endgenos. No passado essa relao j ha-via sido apontada por Doyle e Briscoe (1976)39pois, osestudos urodinmicos eram realizados com as paci-entes anestesiadas e esses autores sugeriram que asdrogas analgsicas tinham o efeito de diminuir a pres-so do detrusor e elevar a presso uretral e a capaci-dade vesical, comprometendo os resultados urodin-micos. Murray e Feneley (1982)40usaram um podero-

    so antagonista dos opiides endgenos, a naloxone, ecomprovaram reaes inversas: aumento na pressodo detrusor, antecipao no primeiro e forte desejomiccional e queda na presso uretral, comprovandoassim os efeitos das endorfinas no trato urinrio infe-

    rior.Alm da relao opiides endgenos (liberadospelo TENS) x inibio do detrusor, paradoxalmente,outra relao chama ateno: o TENS capaz de ati-var receptores muscarnicos, principalmente o do tipoM1 e M3. Essa associao foi observada porRadhkrishna e Sluka (2003)41 ao submeter ratos estimulao por TENS e observar o comportamentode receptores muscarinicos e nicotnicos. Os recepto-res muscarnicos esto localizados, predominantemen-te, na lmina II, no corno anterior da medula, que um local envolvido na transmisso de impulsosnociceptivos. Os autores no observaram ao daestimulao em receptores M2, nem efeitos nos recep-tores nicotnicos. Sabe-se que os receptores M3, em-bora em menor quantidade, so os mais importantespara a contrao do detrusor humano (Abrams et al,2005)5. Essa relao entre o TENS e receptoresmuscarnicos e o efeito na contrao ou relaxamentodo detrusor ainda no foi bem estabelecida.Radhkrishna e Sluka (2003)41sugerem que indivduosem uso de medicaes anti-muscarnicas teriam o efei-to analgsico provocado pela TENS atenuado.

    Nas disfunes miccionais, a TENS foi estudadana regio supra pbica por Fall e Lindstrom (1994) 31,

    no tratamento da cistite intersticial visando basica-mente alvio de dor. Estes autores observaram, almdo alvio da dor, diminuio da frequncia urinria eaumento da capacidade vesical.

    Existe forte correlao entre TENS-acupuntura ea eletroacupuntura, uma vez que ambas evocam a li-berao de opioides endgenos. A grande diferenaentre elas a utilizao, na eletroacupuntura, de pon-tos especficos da acupuntura chinesa. Estudos de-monstraram que a eletroacupuntura mais eficaz quea Acupuntura manual e to eficaz quanto estimu-lao por meio da TENS42.

    3.1.3 A estimulao do nervo tibial posteriorNa medicina tradicional chinesa, pontos de

    acupuntura capazes de inibir a atividade vesical es-to presentes no trajeto do nervo tibial posterior. Ins-pirado por esse conceito, em 1982 McGuire43propu-seram a utilizao de TENS a baixa frequncia (TENSAcupuntura) na inibio da hiperatividade dodetrusor em uma srie de quatro casos. Utilizaram noseu estudo eletrodos superficiais e obtiveram bonsresultados. Outros autores investigaram o uso desterecurso e obtiveram melhora na sintomatologia44-49.

    Em estudo realizado em nosso Servio, 43 pacien-

  • 7/25/2019 Eletro Incon Urina

    6/771

    Marques AA, Herrmann V, Ferreira NO, Guimares RV. Eletroterapia como primeira linha no tratamento da bexiga hiperativa(BH). Arq Med Hosp Fac

    Cienc Med Santa Casa So Paulo. 2009; 54(2): 66-72.

    tes que apresentavam sintomatologia de BH, foramtratadas com esse recurso. Um gerador de correntebifsica despolarizada da Quark (Dualpex 961 Quarkmedical Products, Piracicaba, So Paulo, Brazil) esti-mulou o nervo tibial posterior durante oito sesses

    de 30 minutos. Para isso, dois eletrodos transcutneosde silicone, posicionados com gel, um imediatamenteatrs do malolo medial e outro 10cm acima, procura-ram localizar o nervo tibial posterior atravs de umacorrente de 1Hz. Essa posio foi confirmada com omovimento de flexo rtmica dos dedos. A frequnciafoi ento alterada para 10Hz, a largura de pulso fixa-da em 200 microssegundos e a intensidade ajustadasegundo o limiar de cada paciente, abaixo do limiarmotor. Esse gerador de corrente conta ainda com umdispositivo, o VIF (variao de intensidade e frequn-cia) que visa amenizar a acomodao dos receptoressensitivos e otimizar seus efeitos. Os resultados obti-dos nesse estudo demonstraram reduo significati-va nos sintomas de frequncia miccional diria, me-lhora significativa na capacidade cistomtrica mxi-ma, que variou, em mdia, de 323 ml para 381ml aofinal do tratamento. Conclumos que se trata de re-curso bastante interessante no controle da sintoma-tologia destas mulheres.

    Concluso

    O Tratamento Conservador consiste em recursosimples, de baixo custo, no invasivo e comprova-

    damente eficaz no alvio da sintomatologia da BexigaHiperativa, devendo assim ser utilizado como primei-ra abordagem teraputica.

    Referncias bibliogrficas

    1. Hunskaar S, Vinsnes A. The quality of life in women withurinary incontinence as measured by the sickness impact profile.

    J Am Geriatric Soc. 1991; 39:378-82.2. Abrams P. Padronizao da terminologia da funo do trato

    urinrio inferior. Neurol Urodyn. 2002; 21:167-78.3. Starkman J, Dmochowshi. Urgency assessment in the evaluation

    of overactive bladder (OAB). [Review] Neurol Urodyn. 2008;27:13-21.

    4. Teloken C, Caraver F, Weber FA, Teloken PE, Moraes JF, SogariPR, et al. Overactive Bladder: Prevalence and implication inBrazil. Eur Urol. 2006; 49:1087-92.

    5. Abrams P, Andersson KE, Brubaker L, Cardozo L, CottendenA, Dennis L, et al. Recommendations of the InternationalScientific Committee: evaluation and treatment of urinaryincontinence pelvic organ prolapse and faecal incontinence. In:Abrams P, Cardozo L, Khoury S, et al. editors Incontinence. [online] In: 3rdInternational Consultation on Incontinence. Paris:Health Publication; 2005. p.1589-630. Available from: http://www.urotoday.com/images/ici/ici2005summary.pdf [2008Sept 20]

    6. Chapple C. Towards patient-driven criteria in overactivebladder management. Int J Clin Pract. 2004; 58:2-3.

    7. Starkman J, Dmochowshi RR. Urgency assessment in the

    evaluation of overactive bladder (OAB). [Review] NeurolUrodyn 2008; 27:13-21.

    8. Ghei M, Malone-Lee J. Using the circumstances of symptomexperience to assess the severity of urgency in the overactive

    bladder. J Urol. 2005; 174:972-6.9. Cardozo L. The overactive bladder syndrome: treating patients

    on an individual basis. [Review] BJU Int. 2007; 99(supp.3):1-7.10. Kirby M, Artibani W, Cardozo L, Chapple C, Diaz DC, DeRidder D, et al. Overactive bladder: The importance of newguidance. [Review] Int J Clin Pract. 2006; 60:1263-71.

    11. Hashim H, Abrams P. Overactive bladder: an update. [Review]Curr Opin Urol. 2007; 17:231-6.

    12. Leeuwen JC, Castro R, Busse M, Bemelmans BL. The placeboeffect in the pharmacologic treatment of patients with lowerurinary tract symptoms. Eurol Urol. 2006; 50: 440-53.

    13. Tincello DG, Williams KS, Joshi M, Assassa RP, Abrams KR.Urinary diaries : a comparison of data collected for three daysversus seven days. Obstet Gynecol.2007; 109:277-80 .

    14. Ku JH, Jeong IG, Lim DJ, Byun SS, Paick JS, Oh SJ. Voiding diaryfor the evaluation fo urinary incontinence and lower urinarytract symptoms : prospective assessment of patient compliance

    and burden. Neurol Urodyn. 2004; 23:331-5.15. Brown JS, Mc Naughton KS, Wyman JF, Burgio KL, Harkaway

    R, Bergner D, et al. Measurement characteristics of a voidingdiary for use by men and women with overactive bladder.Urology. 2003; 61:802-9.

    16. Borello-France D, Burgio K. Nonsurgical treatment of urinaryincontinence. [Review] Clin Obstet Gynecol. 2004; 47:70-82.

    17. Berghmans B. El papel del fisioterapeuta plvico. Acta Urol Esp.2006; 30:110-22.

    18. Godec C, Cass AS, Ayala GF. Bladder inhibition with functionalelectrical stimulation.[Review]Urology. 1975; 6:663-6.

    19. Smith J 3rd. Intra-vaginal stimulation randomized trial. J Urol.1996; 155:127-30.

    20. Brubaker L, Benson JT, Bent A, Clark A, Shott S. Transvaginalelectrical stimulation for female urinary incontinence.Am J

    Obstet Gynecol. 1997; 177: 536-40.21. Bo K. Effect of electrical stimulation on stress and urge urinary

    incontinence. [Review] Acta Obstet Gynecol Scand. 1998; 168:3-11.

    22. Okada N, Igawa Y, Nishizawa O. Functional electricalstimulation for detrusor instability. [Review] Int Urogynecol J.1997; 10:329-35.

    23. Yamanishi T, Yasuda K, Hattori T, Suda S. Randomized, double-blind study of electrical stimulation for urinary incontinencedue to detrusor overactivity.Urology. 2000; 55:353-7.

    24. Berghmans B, van Waalwijk, van Doorn E, Nieman F, de Bie R,van den Brandt P, Van Kerrebroeck P. Efficacy of physicaltherapeutic modalities in women with proven bladderoveractivity. Eur Urol. 2002; 41: 581-7.

    25. Wang A, Wang Y, Chen M. Single-blind, randomized trial of

    pelvic floor muscle training, and electrical stimulation in themanagement of overactive bladder. Urology. 2004; 63:61-6.

    26. Quek P. A critical review on magnetic stimulation: what is itsrole in the management of pelvic floor disorders? [Review] CurrOpin Urol. 2005; 15:231-5.

    27. Shafik A, Shafik IA. Overactive bladder inhibition in responseto pelvic floor muscle exercises. World J Urol. 2003; 20:374-7.

    28. Berghmans B, Hendriks HJM, de Bie RA, van Waalwijk VD, BoK, Kerrbroeck V. Conservative treatment of urge urinaryincontinence in women: a systematic review of randomizedclinical trials. [Review] BJU Int. 2000; 85:254-63.

    29. Frampton CV. Estimulao nervosa eltrica transcutnea(TENS). In: Kitchen S, Bazin S. Eletroterapia de Clayton. 10 ed.So Paulo: Manole; 1996. p.276-94.

    30. Lindsdstrom S, Fall M, Carlsson AS, Erlandson BE. The

  • 7/25/2019 Eletro Incon Urina

    7/772

    Marques AA, Herrmann V, Ferreira NO, Guimares RV. Eletroterapia como primeira linha no tratamento da bexiga hiperativa(BH). Arq Med Hosp Fac

    Cienc Med Santa Casa So Paulo. 2009; 54(2): 66-72.

    neurophysiological basis of bladder inhibition in response tointravaginal electrical stimulation.J Urol. 1983; 129:405-10.

    31. Fall M, Lindstrom S. Electrical stimulation- A physiologicApproach to the treatment of urinary incontinence. [Review]Urol Clin North Am. 1991; 18:393-407.

    32. Zllner-Nielsen M, Samuelsson SM. Maximal electrical

    stimulation of patients with frequency, urgency and urgeincontinence. Acta Obstet Gynecol Scand.1992; 71:629-31.33. Sand PK, Richardson DA, Staskin DR, Swift SE, Appel RA,

    Whitmore KE, et al. Pelvic floor electrical stimulation intreatment of genuine stress incontinence: a multicenter placebo-controlled trial. Am J Obstet Gynecol. 1995; 173:72-9.

    34. Melzack R, Wall PD. Pain mechanism: a new theory. [Review]Science. 1965; 150:971-9.

    35. Sluka KA, Walsk D. Transcutaneous electrical nervestimulation: basis science mechanisms and clinical effectiveness.

    J Pain. 2003; 4:109-21.36. Hughes GS Jr, Lichstein PR, Whitlock D, Harker C. Response of

    plasma beta-endorphins to transcutaneous electrical nervestimulation in healthy subjects. Phys Ther. 1984; 64:1062-6.

    37. Ainsworth L, Budelier K, Clinesmith M, Fiedler A, Landstrom

    R, Leeper BJ, et al. Transcutaneous electrical nerve stimulation(TENS) reduces chronic hyperalgesia induced by muscleinflammation. Pain.2006; 120:182-7.

    38. Wikstrom SO, Svedman P, Svensson H, Tanweer AS. Effect oftranscutaneous nerve stimulation on microcirculation in intactskin and blister wounds in healthy volunteers. ScandJ PlastReconstr Surg Hand Surg. 1999; 33:195-201.

    39. Doyle PT, Briscoe CE. The effects of drugs and anesthetic agentson the urinary bladder and sphincters. Br J Urol.1976; 48:329-35.

    40. Murray K, Feneley R. Endorphins- A role in lower urinary tractfunction? The effect of opioid blockade on detrusor and urethral

    sphincter mechanisms. Br J Urol. 1982; 54:638-40.41. Radhkrishna R, Sluka KA. Spinal muscarinic receptors are

    activated during low or high frequency TENS-inducedantihyperalgesia in rats. Neuropharmacology. 2003; 45:1111-9.

    42. Ulett G, Han S, Han Ji-sheng. Electroacupuncture: Mechanismsand Clinical Application. Biol Psychiatry 1998; 44:129-38.

    43. McGuire E, Shi-Chun Z, Horwinsk ER, Lytton B. Treatment ofmotor and sensory detrusor instability by electrical stimulation.J Urol. 1982; 129:78-9.

    44. Stol le r M. Affe re nt nerve st im ulat io n fo r pelv ic fl oordysfunction. Eur Urol. 1999; 35 (Suppl 2):16.

    45. van Balken MR, Vandoninck V, Gisolf K, Vergunst H, KiemeneyL, Debruyne F, et al. Posterior tibial nerve stimulation asneuromodulative treatment of lower urinary tract dysfunction.

    J Urol. 2001; 166:914-8.46. van Balken MR, Vandoninck V, Messelink B, Vergunst H,

    Heesakkers J, Debruyne F, et al. Percutaneous tibial nervestimulation as neuromodulative treatment of chronic pelvicpain. Eur Urol. 2003; 43:158-63.

    47. van Balken MR, Vergunst H, Bemelmans BL. Prognostic factorsfor successful percutaneous tibial nerve stimulation. Eur Urol.

    2006; 49:360- 5.48. Govier F, Litwi ller S, Nit ti V, Kre der KJ, Rosenb latt P.

    Percutaneous afferent neuromodulation for the refractoryoveractive bladder: results of a multicenter study. J Urol. 2001;165:1193-8.

    49. Karademir K, Bayakal K, Sen B. A peripheric neuromodulationtechnique for curing detrusor overactivity: Stoller afferentneurostimulation. Scand J Urol Nephrol. 2005; 39:230-3.

    Trabalho recebido: 16/10/2008Trabalho aprovado: 09/04/2009