ELIANE SIMÕES PEREIRA - teses.usp.br · Pereira, Eliane Simões Aspectos da variação na...
Embed Size (px)
Transcript of ELIANE SIMÕES PEREIRA - teses.usp.br · Pereira, Eliane Simões Aspectos da variação na...
-
UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULASPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM FILOLOGIA E LNGUA PORTUGUESA
ELIANE SIMES PEREIRA
Aspectos da variao na linguagem econmica do Brasil colonial
So Paulo2012
-
ELIANE SIMES PEREIRA
Aspectos da variao na linguagem econmica do Brasil colonial
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Filologia e Lngua Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo e ao Centro de Lingustica da Universidade Nova de Lisboa para obteno do ttulo de Doutora em Letras Clssicas e Vernculas.
Linha de pesquisa: Lexicologia e Terminologia do Portugus.
Orientadora: Profa. Dra. Ieda Maria AlvesCo-orientadora: Profa. Dra. Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino
SO PAULO2012
-
Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogao na PublicaoServio de Biblioteca e Documentao
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo
Pereira, Eliane Simes Aspectos da variao na linguagem econmica do Brasil colonial / Eliane Simes Pereira; orientadora Ieda Maria Alves; co-orientadora Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino. - So Paulo, 2012. 187 f. , il.
Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo. Departamento de Letras Clssicas e Vernculas. rea de concentrao: Filologia e Lngua Portuguesa, 2012.
1. Variao terminolgica. 2. Terminologia. 3. Economia. I. Ttulo. II. Alves, Ieda Maria.
-
PEREIRA, E. S. Aspectos da variao na linguagem econmica do Brasil colonial. Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutora em Filologia e Lngua Portuguesa.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. _____________________Instituio: _____________________
Julgamento: __________________ Assinatura: _____________________
Prof. Dr. _____________________Instituio: _____________________
Julgamento: __________________ Assinatura: _____________________
Prof. Dr. _____________________Instituio: _____________________
Julgamento: __________________ Assinatura: _____________________
Prof. Dr. _____________________Instituio: _____________________
Julgamento: __________________ Assinatura: _____________________
Prof. Dr. _____________________Instituio: _____________________ Julgamento: __________________ Assinatura: _____________________
-
minha famlia: Augusto, Ceclia e Margareth, fonte inesgotvel de amor e proteo.
Ao querido Fbio pelo incentivo e pelo companheirismo.
professora Biderman, que sempre me inspirar e que, em uma tarde de 2007, ajudou-me a traar o norte que este trabalho teria.
-
AGRADECIMENTOS
estimada professora Ieda Maria Alves, pela sua preciosa orientao, pelos conhecimentos comigo compartilhados e pelas tantas oportunidades que me
proporcionou.
querida professora Teresa Lino pela orientao e pela calorosa acolhida em Portugal.
Ao professor Joaquim Rodrigues Bento que tanto inspirou-me na colheita dos frutos desta tese.
Para os estudos feitos nesta pesquisa contamos com as colaboraes da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (processo
FAPESP no 2009/14240-8) e da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (processo CAPES no 4189-11-6).
Agradecemos ainda equipe do projeto do Dicionrio Histrico do Portugus do Brasil, cujo trabalho foi essencial para a perfeio do
corpus do projeto DHPB e, extensivamente, para o nosso. E especialmente estimada professora Clotilde de Almeida Azevedo
Murakawa.
s professoras Maria Aparecida Barbosa e Maringela de Arajo pelas benvindas dicas dadas durante o Exame de Qualificao.
s amigas Ana Maria Ribeiro de Jesus e Luciana de Oliveira Pissolato somos grata pelos vrios momentos inesquecveis.
Ao novo amigo Sebastio Camelo da Silva Filho.
-
mar salgado, quanto do teu salSo lgrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mes choraram, Quantos filhos em vo rezaram!
Quantas noivas ficaram por casarPara que fosses nosso, mar!
Valeu a pena? Tudo vale a penaSe a alma no pequena.
Quem quer passar alm do BojadorTem que passar alm da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele que espelhou o cu.
Fernando Pessoa
Nasci l na BahiaDe mucama com feitor
Meu pai dormia em camaMinha me no pisador.
Carlos Lyra
-
Resumo
PEREIRA, E. S. Aspectos da variao na linguagem econmica do Brasil colonial. 2012. 187 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012.
As prticas econmicas estabelecidas nos primeiros tempos do Brasil como colnia de Portugal possuem tal relevncia que o estudo de sua evoluo terminolgica pode lanar luz sobre esferas de nosso desenvolvimento histrico-social. No cenrio do Brasil colonial, a Economia, ainda antes de seu estabelecimento como cincia moderna, adotada como objeto desta tese para delinear aspectos da histria da formao do Portugus Brasileiro por meio do estudo da variao diacrnica de uma linguagem de especialidade. Para atingir esse objetivo, alm da devida contextualizao histrica, foram adotados procedimentos metodolgicos que se basearam na observao de um corpus. Nossa base informatizada reuniu textos produzidos no Brasil, ou sobre o Brasil, do sculo XVI ao XVIII, que tratavam da atividade econmica desenvolvida na colnia. A anlise percorreu uma trajetria diacrnica, por meio da qual foi possvel detectar elementos de variao entre termos do Brasil colonial. Foram eleitos termos econmicos que margeassem o universo fiscal, como quinto, dzimo, dzima, redzima, primcias, alm de alguns subsdios especficos. Os diversos tipos de variaes terminolgicas que tais termos sofreram, e que foram elencados nesta pesquisa, refletiram tanto o trao de grande dinamicidade da lngua portuguesa daqueles tempos como a caracterstica muitas vezes desordenada da administrao colonial que vigorava no Brasil. Conclui-se que estudar a dinmica do lxico de uma linguagem de especialidade, o qual rene aspectos centrais de uma cultura no decorrer de um perodo, como o elegido aqui, pode contribuir no s para captar e documentar a histria de uma sociedade como, tambm, para ampliar o conhecimento lingustico.
Palavras-chave: Tributos, Economia, Brasil colonial, Terminologia diacrnica, Variao.
-
Abstract
PEREIRA, E. S. Aspects of variation in the economic language of colonial Brazil. 2012. 187 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2012.
The economic practices established in the early days of Brazil as a colony of Portugal have such relevance that studying their terminological evolution may shed light on spheres of our socio-historical development. In the colonial Brazil scenario, Economics, even before its establishment as a modern science, is adopted as the object of this thesis to outline aspects of the history of Brazilian Portuguese formation through the study of diachronic variation of a specialized language. To achieve this aim, besides an appropriate historical contextualization, methodological procedures based on observation of a corpus were adopted. Our computerized database gathered texts produced in Brazil, and on Brazil, from the 16th to the 18th century, which addressed the economic activity developed in the colony. The analysis followed a diachronic path, through which it was possible to detect elements of variation between terms of colonial Brazil. Economic terms surrounding the fiscal universe, such as fifth, tithe, tenth, retenth, firstlings, besides some specific subsidies were selected. The different types of terminological variations that such terms underwent, which were listed in this research, reflected both the trait of great dynamism of the Portuguese language at that time and the often chaotic characteristic of the colonial administration existing in Brazil. One concludes that studying the dynamics of the lexicon of a specialized language, which gathers key aspects of a culture during a period, such as that elected here, may contribute not only to capture and document the history of a society, but also to broaden linguistic knowledge.
Keywords: Taxes, Economics, Colonial Brazil, Diachrony terminology, Variation.
-
LISTA DE ILUSTRAES
Ilustrao 1: Constructo terico das variantes terminolgicas_________________54
Ilustrao 2: Aspectos temporais na variao das estruturas terminolgicas______ 61
Ilustrao 3: Hierarquia jurdica no Brasil colonial__________________________76
Ilustrao 4: Dados quantitativos do corpus_______________________________99
Ilustrao 5: Ocorrncia do termo quinto________________________________135
Ilustrao 6: Ocorrncia do termo dzimo________________________________146
Ilustrao 7: Ocorrncia de expresses sintagmticas terminolgicas__________169
-
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Brasil - Produo de ouro 1691-1820_____________________________88
Tabela 2: Caracterizao do corpus______________________________________98
Tabela 3: Textos que perfazem o corpus__________________________________113
Tabela 4: Quinto no sculo XVII_______________________________________131
Tabela 5: Quinto no sculoXVIII_______________________________________131
Tabela 6: Dzimo no sculo XVI________________________________________142
Tabela 7: Dzimo no sculo XVII_______________________________________142
Tabela 8: Dzimo no sculo XVIII______________________________________143
Tabela 9: Balano quantitativo das variaes______________________________171
-
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal e Nvel Superior
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico
CTN Cdigo Tributrio Nacional
DHPB Dicionrio Histrico do Portugus do Brasil
FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
FCSH Faculdade de Cincias Sociais e Humanas
PB Portugus do Brasil
PE Portugus Europeu
SP Sintagma Preposicionado
TCT Teoria Comunicativa da Terminologia
TGT Teoria Geral da Terminologia
UNL Universidade Nova de Lisboa
-
SUMRIO
APRESENTAO__________________________________________________15
INTRODUO _____________________________________________________24
CAPTULO 1 - PRESSUPOSTOS TERICOS __________________________37
1.1 A evoluo da Terminologia enquanto disciplina _________________________43
1.2 A abordagem diacrnica da Terminologia ______________________________57
CAPTULO 2 - APRESENTAO DA REA OBJETO DE ESTUDO: A
ATIVIDADE ECONMICA NO BRASIL COLONIAL ___________________62
2.1 Apontamentos sobre os primrdios do pensamento econmico ______________63
2.2 A Expanso Comercial Europeia _____________________________________66
2.2.1 Os Ciclos Econmicos ____________________________________________69
2.2.1.1 Ciclo do Pau-Brasil _____________________________________________70
2.2.1.2 Ciclo da Cana-de-Acar ________________________________________78
2.2.1.3 Ciclo da Minerao _____________________________________________84
CAPTULO 3 - PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ________________91
3.1 A Informtica a servio da Terminologia _______________________________92
3.2 A montagem do corpus de estudo desta pesquisa _________________________94
3.3 Caracterizao do corpus da economia do Brasil colonial__________________99
CAPTULO 4 - ANLISE DOS DADOS E RESULTADOS DA PESQUISA __118
4.1 Questo sobre a terminologia do tributo no Brasil colonial ________________120
4.2 Observao da variao em um corpus de especialidade do Brasil colonial ___121
4.2.1 Quinto _______________________________________________________122
4.2.2 Dzimo _______________________________________________________139
4.2.3 Dzima_______________________________________________________ 148
4.2.4 Redzima _____________________________________________________150
4.2.5 Primcias _____________________________________________________152
4.2.6 Subsdios _____________________________________________________156
4.2.9.1 Subsdio Literrio ____________________________________________157
4.2.9.2 Subsdio Voluntrio para a Reconstituio de Lisboa _________________159
-
4.2.9.3 Subsdio Voluntrio para pagar os custos dos casamentos de Suas Altezas_ 161
4.2.9.4 Donativo para a Paz de Holanda __________________________________162
CONSIDERAES FINAIS _________________________________________168
REFERNCIAS ___________________________________________________174
-
Apresentao
As prticas econmicas estabelecidas no cenrio dos primeiros tempos de
explorao colonial possuem relevncia tal que um estudo lingustico da Lngua
Portuguesa desse perodo caracteriza-se como imprescindvel para lanar luz sobre
esferas de nosso desenvolvimento histrico-social, uma vez que a atividade mercantil
constitua-se como a razo de ser da presena europeia nas terras brasileiras,
sobretudo a partir do final do sculo XVI, como retrataremos em captulo adiante.
No Brasil, o lento e complexo processo de gestao da civilizao e da
nacionalidade brasileiras, desde a sua descoberta, em fins do sculo XV, sempre
esteve estreitamente condicionado ao desalentado papel subalterno de colnia de uma
metrpole europeia. De acordo com Ianni (2004, p. 63), o Brasil Moderno ainda traz
em si grande marca desse perodo, j que
ao mesmo tempo em que se desenvolve e diversifica, preserva e recria traos e marcas do passado recente e remoto, nesta e naquela regio. O pas parece um mapa simultaneamente geogrfico e histrico, contemporneo e escravista, republicano, monrquico e colonial, moderno e arqueolgico. Toda sua histria est contida no seu presente, como se fosse um pas que no abandona e nem esquece o pretrito; memorioso.
De Afonso Arinos de Melo Franco a Caio Prado Jnior, de Celso Furtado a
Darcy Ribeiro, de Capistrano de Abreu a Florestan Fernandes (passando por Fernando
Henrique Cardoso, Jorge Caldeira, entre outros), importantes estudiosos apontaram,
com maior ou menor nfase, que tal condio impregnaria decisivamente a feio de
nossa ordenao social. A respeito de nossa tradio historiogrfica, Bicalho (2001, p.
267) nos diz que:
Logo nos vem mente o livro de Caio Prado Jnior, Formao do Brasil Contemporneo. Revolucionrio para a poca em que foi publicado na dcada de 1940 indispensvel ainda hoje, Caio Prado nos levou a incorporar definitivamente o sentido comercial da colonizao. Cerca de tinta anos mais tarde, a anlise magistral de Fernando Novais, Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial, explora e sofistica a noo do sentido mercantil da colonizao, incorporando o mecanismo do exclusivo metropolitano e a engrenagem do trfico negreiro como elementos primordiais na compreenso do pacto e do escravismo coloniais, insistindo no relacionamento e no conflito, mormente em tempos de crise, entre metrpole e colnia, chaves explicativas da dinmica da sociedade colonial.
15
-
A meno a tais intrpretes do Brasil nos faz considerar que uma
quantidade inestimvel de estudos e pesquisas como dissertaes, teses, livros tem
se desenvolvido h dcadas, sobretudo em ambiente universitrio, dedicados a
esmiuar e a avaliar o Brasil em seus trs sculos de vida colonial. Todavia, no
obstante a argcia interpretativa s vezes realizada com dedicada consulta de fontes
histrico-documentais com que tais estudos revelam a respeito do nosso passado
colonial, possvel apontarmos uma importante lacuna: um estudo terminolgico que
descreva facetas do cotidiano econmico desse perodo histrico.
Em 1973, Lapa, em sua obra Economia Colonial (1973, p. 10) argumenta que
a histria econmica do Brasil contava com uma bibliografia cientfica bastante
recente que, infelizmente, se prendia essencialmente aos estudos histricos. O autor
comenta ainda que entre os temas do Brasil colonial que aguardavam futuro estudo
estariam os processos de capitalizao e de redistribuio de capitais, a circulao de
riquezas e a ao fiscal. Mais recentemente, Noronha comenta tambm acerca da
carncia de estudos que tratem especificamente da Economia e do Direito no Brasil-
Colnia:
fcil verificar, numa rpida incurso pelos estudos dedicados ao primeiro sculo do Brasil, no que toca o direito, uma triste escassez bibliogrfica. Se, como afirmou Marchant, no seu clssico estudo sobre as relaes econmicas no Brasil de Quinhentos, os estudos dedicados economia neste perodo haviam sido negligenciados, outro tanto se poderia dizer acerca dos estudos voltados para as relaes jurdicas e a gnese do direito brasileiro (2005, p. 11).
Acreditamos que necessitamos de iniciativas que avaliem e descrevam o
comportamento do vocabulrio do meio econmico brasileiro do perodo colonial
baseando-nos em uma descrio lingustica, do ponto de vista terminolgico. Tal
lacuna em se recolher o material vocabular de um conjunto de textos representativos
da Economia do Brasil colonial deve ser preenchida claro pelo campo das
Letras, mais especificamente por duas importantes disciplinas das Cincias do Lxico,
a Lexicologia e Terminologia, as quais, por excelncia, se ocupam da palavra. De tal
forma, ser baseados em tais perspectivas lingusticas que intentamos fazer o estudo
diacrnico do vocabulrio da terminologia da Economia proposto nesta investigao.
Importante referir tambm que, como lemos em Dury (2006, p. 110),
observar a Terminologia por um ngulo diacrnico permite a essa disciplina abrir-se 16
-
aos estudos da histria da cincia e das tcnicas, histria das sociedades etc. Mas,
atualmente, os estudiosos da Terminologia no costumam se dedicar com afinco ao
recolhimento e anlise de textos do passado, ou seja, muito pouco ainda feito no
mbito da Terminologia Diacrnica, o que acaba por incrementar a relevncia da tese
que desenvolvemos para o campo dos estudos lingusticos. De tal forma, concordamos
com Guespin,
a diacronia, que a teoria expulsou pela porta afora, continua, de forma obstinada, alcanando o telhado, to forte que ela balana a bela construo: como explicar, sem a histria, as constantes sobrevivncias lexicais tanto na terminologia como na linguagem cotidiana?1 (1995, p. 206, traduo nossa).
* * *
A reflexo acerca do tema desta tese foi-se desenvolvendo com base em
conjecturas que abarcam quase quinze anos de nossa vida. Parte do contato que
mantivemos com a Cincia Jurdica foi durante a experincia da aprendizagem
universitria, j que nosso curso de graduao foi o de bacharelado em Direito,
concludo em 2003 pela Faculdade de Direito de So Bernardo do Campo. A vivncia
acadmica, e mesmo a profissional que se deu por meio da atuao em escritrios
jurdicos, empresas, nos Juizados Especiais Cveis e na Procuradoria de Assistncia
Judiciria do Estado de So Paulo, suscitou uma grande curiosidade a respeito das
caractersticas prprias do vocabulrio utilizado pelos profissionais do meio forense
no Brasil. Assim, em nossa pesquisa de mestrado, a Lexicologia, como ramo da
cincia lingustica que objetiva exatamente a observao das unidades lexicais, foi o
campo de estudo perfeito para a apreciao dos itens lexicais peculiares presentes no
discurso dos operadores do Direito.
17
1 [] la diachronie, que la thorie chasse par la porte, revient obstinment frapper au carreau, si fort mme quelle branle la belle construction: comment expliquer sans lhistoire les constantes survivances lexicales, en terminologie comme dans le langage quotidien?
-
Na dissertao que resultou de nosso curso de mestrado2 (BULHES, 2006),
interessamo-nos por fazer uma anlise por meio da qual foi possvel demonstrar que
no lxico jurdico havia grande quantidade de unidades lexicais com caractersticas
ornamentais e rebuscadas. O cotejo de unidades lexicais do domnio jurdico
contemporneo, recortadas de um corpus que constitumos de peties jurdicas, com
outras, provenientes de um corpus composto por textos jurdicos do sculo XIX,
reforaram a nossa hiptese inicial quanto existncia de uma marca de
conservadorismo que impregna a linguagem jurdica brasileira. Percebemos, inclusive,
que esse fato no se observa em outras reas, como a Economia, por exemplo, a qual
parece ser movida pelos signos da renovao e da novidade. Durante o perodo de
desenvolvimento da pesquisa de mestrado, entramos ainda em contato com campos
lingusticos como a Lexicologia, a Sociolingustica, a Terminologia e a Lingustica de
Corpus. Nossa dissertao, utilizando-se dessas teorias, situou o Direito brasileiro
como uma instncia que oferece grande resistncia renovao lexical, inerente
natureza da lngua, a qual, nesse campo de especialidade, procuraria ser refratria
mutabilidade.
Entre os anos de 2003 a 2005, obtivemos experincia no trabalho com a
Lexicografia e grande contato com a terminologia da Economia, ao aceitarmos a
misso de coadjuvar a pesquisa que deu origem ao Dicionrio de Termos Financeiros
e Bancrios, obra da lexicgrafa Maria Tereza Camargo Biderman, lanado pela
editora Disal, em 2006. Para os fins dessa colaborao, elaboramos um corpus3 da
Economia brasileira contempornea e auxiliamos na redao dos verbetes da obra.
Ainda acerca de nossa atuao profissional na rea da Lexicografia, no ano
de 2005, fomos convidadas pela professora Maria Tereza Biderman para integrar a
equipe do projeto de um dicionrio diacrnico: Dicionrio Histrico do Portugus do
18
2 A dissertao de mestrado desta pesquisadora, Estudo vocabular de peties jurdicas: ornamentao e rebuscamento, cuja defesa se deu em 2006, encontra-se em domnio pblico e disponvel por meio do site http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/bar/33004030009P4/2006/bulhoes_esp_me_arafcl.pdf. A pesquisa foi desenvolvida sob a orientao da professora Maria Tereza Camargo Biderman, na Universidade Estadual Paulista e com financiamento do CNPq.
3 Biderman (2006, p. 408), descreve a composio da base textual que fundamentou o dicionrio da seguinte maneira: Os termos coletados e os contextos utilizados para a sua definio foram extrados de 549 textos das reas financeira e bancria totalizando mais de 1,5 milho de palavras. Esses textos foram recolhidos nas fontes indicadas [...], provenientes quer de portais na internet [...], quer de publicaes impressas [], bem como de livros [...].
-
Brasil: sculos XVI, XVII e XVIII (em fase de elaborao). Tal projeto, em execuo
desde 2006, com o financiamento da agncia CNPq, tem como objetivo a elaborao
do primeiro dicionrio histrico da lngua portuguesa em sua variante brasileira com
base em um corpus. Para isso, foi recolhida, nas primeiras etapas do projeto, uma
grande quantidade de documentos e obras dos trs primeiros sculos da colonizao
brasileira, 32.358 pginas, que busca documentar, fundamentalmente, a escrita da
Lngua Portuguesa de tempos anteriores ao perodo de normatizao ortogrfica. Para
compor o grande banco textual compilado nesse projeto, alguns documentos passaram
por um tratamento semiautomtico no qual foram digitalizados, tratados, outros
transcritos, e todos foram transformados do formato de imagem para o de texto.
Depois de finalizado o trabalho relativo ao banco de dados, passou-se ento redao
dos verbetes.
A forte impresso causada pela riqueza documental com a qual nos
deparamos em nosso trabalho como redatora de verbetes do Dicionrio Histrico do
Portugus do Brasil: sculos XVI, XVII e XVIII (DHPB), produzida pelo contato com
textos que retratavam a vida cotidiana do Brasil em diversas pocas, possuidores de
uma tipologia assaz diversa, ofereceu ensejo ao interesse em desenvolvermos uma
pesquisa acerca da cincia econmica no Brasil colonial, que utilizasse para isso uma
coletnea de textos pertencentes a essa poca.
Deste modo, o efeito proveniente das atividades cientficas relacionadas ao
Direito, Economia, Histria do Brasil e, principalmente, Lingustica sobre as
quais nos debruamos durante nosso percurso acadmico, somado a tal entusiasmo,
culminaram na pesquisa bastante interdisciplinar que ora apresentamos: Aspectos da
variao na linguagem econmica do Brasil colonial.
Destarte, importante ressaltar que a presente tese comunicou-se diretamente
com o projeto Dicionrio Histrico do Portugus do Brasil. De fato, nosso trabalho se
apresenta como uma espcie de particular ramificao desse grande projeto em curso,
espcie de fruto seu, j que tivemos o privilgio de montarmos o corpus desta
pesquisa de doutoramento - o Corpus da Economia do Brasil Colonial - a partir da
base informatizada criada para a elaborao do dicionrio histrico.
19
-
Nosso projeto de tese, posteriormente contemplado com bolsa da Fundao
de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), foi acolhido pela
Universidade de So Paulo. Nossa investigao beneficiou-se da ampla experincia de
nossa orientadora de doutorado, professora Ieda Maria Alves, principalmente na rea
dos estudos terminolgicos da Economia.
No projeto Observatrio de Neologismos do Portugus Brasileiro
Contemporneo da Universidade de So Paulo (Projeto TermNeo), financiado pelo
CNPq, a professora Ieda Maria Alves tem compilado termos da Economia desde 1991.
Esses termos esto armazenados em duas bases de dados, uma voltada para a
observao da terminologia da Economia empregada em cadernos de Economia de
jornais brasileiros de grande circulao, a Base de Termos da Economia (4745 termos
e 10975 ocorrncias), e outra, baseada em um corpus constitudo por livros, artigos e
teses, a Base de Termos Especializados da Economia, que conta, atualmente, com
5934 termos e 9571 ocorrncias. A observao da variao terminolgica na rea da
Economia consta como um dos objetivos do projeto, tanto em relao ao corpus de
divulgao como no que concerne ao corpus especializado. O projeto TermNeo teve
como fruto bibliogrfico a obra Glossrio de Termos Neolgicos da Economia
(ALVES, 1998), publicado pela Editora Humanitas.
Realizamos parte de nosso doutoramento em Portugal, na Universidade Nova
de Lisboa, com bolsa PDEE concedida pela Coordenao de Aperfeioamento de
Pessoal de Nvel Superior (CAPES). Tal estgio foi realizado em regime de cotutela e
sob a orientao de Maria Teresa Rijo da Fonseca Lino, professora catedrtica da
Faculdade de Cincias Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa
(UNL) e investigadora responsvel do Grupo Lexicologia, Lexicografia e
Terminologia. A UNL um centro acadmico privilegiado no que tange juno do
estudo da Lexicologia e da Terminologia s ferramentas da Lingustica
Computacional. E tal conexo trouxe enormes benefcios a nossa pesquisa. Por meio
da orientao da professora Teresa Lino, aprimoramos nossos conhecimentos sobre
teorias e metodologias conducentes anlise terminolgica e nos tornamos mais
20
-
capacitados para a manipulao de ferramentas computacionais sofisticadas para a
sistematizao de informaes terminolgicas.
Para a elaborao desta pesquisa, fizemos uso de muitos trabalhos sobre a
Histria Portuguesa e Brasileira, a Economia e o Direito, no de forma exaustiva, mas
deles tomamos emprestados alguns dos principais conceitos e descries utilizados
nesta pesquisa. Na rea de Lingustica, servimo-nos de pressupostos tericos de
diversas reas da Lingustica, como os da Terminologia, da Lingustica de Corpus.
Embora sendo tema central de nossa pesquisa, ao procurarmos, poucos estudos
encontramos que tratassem da Terminologia Diacrnica.
Acreditamos que, como resultado, o presente estudo, baseado na anlise da
variao no lxico da atividade econmica do Brasil colonial, possa subsidiar
estudiosos interessados no entendimento dos conceitos disseminados por tais unidades
terminolgicas variantes e, ao mesmo tempo, auxiliar outros a compreender de forma
mais aprofundada certas caractersticas da formao da Lngua Portuguesa no Brasil.
Eis, dessa forma, os intentos de nossa investigao diacrnica, que no tem a
pretenso de traduzir um momento histrico da lngua portuguesa to dinmico e
complexo, mas, como acreditamos que esse momento histrico reveste-se de
importncia significativa para os estudos terminolgicos, tencionamos, dentro dos
limites de nossas possibilidades, utiliz-lo como objeto de observao do
comportamento e da modificao de diversos termos de nossa lngua ptria no correr
dos anos.
Destacamos como objetivo fundamental que subjaz tese de doutoramento o
de recolher e analisar termos de uma das faces da rea econmica, a do meio
tributrio, provenientes de textos e documentos produzidos no Brasil nos sculos
XVI, XVII e XVIII. Pretendemos, com isso, verificar aspectos de variao lingustica
na evoluo da Lngua Portuguesa com base em um corpus de especialidade,
convencidas de que tal apreciao terminolgica pode iluminar aspectos essenciais da
histria da formao do Portugus Brasileiro4..Derivado desse objetivo essencial,
21
4 Portugus Brasileiro (PB) ou Portugus do Brasil o termo que designa uma variedade da lngua portuguesa, a falada pelos brasileiros que vivem dentro e fora do Brasil. considerada a variante do portugus mais falada, lida e escrita mundialmente.
-
outro se apresentou no decorrer da pesquisa: o desenvolvimento do Corpus da
Economia do Brasil Colonial.
Como hiptese, a partir desse objetivo, desenvolvemos a seguinte questo a
ser respondida por meio de nossa pesquisa: como teria se desenvolvido a
terminologia econmica do PB, em fase de implantao e desenvolvimento, em
termos de variao, no decorrer dos trs sculos de Brasil colonial?
Percorremos algumas fases no desenvolvimento de nossa pesquisa de
doutoramento, cuja estrutura iremos expor.
Na Introduo deste trabalho, procuramos apontar alguns conceitos
preliminares da interdisciplinaridade da pesquisa.
No primeiro captulo, passamos por uma etapa de estabelecimento dos
pressupostos tericos da Cincia Lingustica, os quais nos auxiliaram em nosso
intento investigativo. No que concerne s teorias da Terminologia, abordaremos dois
enfoques tericos que consideremos importantes: a Teoria Geral da Terminologia e a
Teoria Comunicativa da Terminologia. J a Socioterminologia merece destaque por
ser a abordagem que fundamenta nossa pesquisa, a qual versa principalmente sobre a
variao terminolgica, central para a anlise de termos do Brasil colonial. Importante
esclarecer o fato de a inteno deste captulo no ser a de fazer um minucioso trajeto
histrico acerca da evoluo dos campos lingusticos que iremos comentar, ou ainda
uma descrio exaustiva de suas teorias, mas apenas referimo-nos aos conceitos
principais que aliceram esta pesquisa.
No captulo seguinte, damos relevo rea do conhecimento objeto de estudo
desta pesquisa, ou seja, apresentamos um panorama histrico da atividade econmica
brasileira do perodo que investigamos: os sculos XVI, XVII e XVIII.
O trato metodolgico que utilizamos nesta pesquisa foi descrito em seguida,
no terceiro captulo. Nele, evidenciamos os procedimentos utilizados para a coleta e a
seleo das unidades lexicais terminolgicas de nosso interesse, a sua forma de
categorizao e estabelecemos os critrios para sua anlise.
22
-
O captulo seguinte foi, enfim, emprico, j que reservado para o tratamento
analtico do conjunto de palavras recolhidas segundo os critrios estabelecidos no
captulo anterior e procurou descortinar alguns fenmenos lingusticos presentes no
corpus compilado nesta investigao. Por fim, no captulo de concluso do trabalho,
realizamos uma sinopse das questes aqui apresentadas, a qual procurou fazer um
delineamento acerca dos resultados obtidos nesta pesquisa.
23
-
Introduo
Deixe-me dizer como vai ser: h um para voc, dezenove para mimporque eu sou o cobrador, sim, eu sou o cobrador.
Se cinco por cento parecer muito pouco, seja grato por eu no lhe levar tudoporque eu sou o cobrador, sim, eu sou o cobrador.
Se voc dirige um carro, eu vou tributar a rua, Se voc dirigir-se para a cidade, eu vou tributar o seu lugar,
Se voc ficar com muito frio, eu vou tributar o calor, Se voc fizer uma caminhada, eu vou tributar seus ps
porque eu sou o cobrador, sim, eu sou o cobrador.No me pergunte o que eu quero, se voc no quiser pagar um pouco mais
porque eu sou o cobrador, sim, eu sou o cobrador.E o meu conselho para aqueles que morrem: declare as moedas em seus olhos
porque eu sou o cobrador, sim, eu sou o cobrador, e voc no est trabalhando para ningum alm de mim 5
(HARRISON, 1966, traduo nossa). 6
O controle da atividade econmica uma das funes do Estado, a qual tem
por objetivo manter o suporte financeiro para as atividades pblicas. Da atividade
financeira decorrem relaes entre o Estado e os cidados no que se refere obteno
24
5 Let me tell you how it will be: there's one for you, nineteen for me 'cause I'm the taxman, yeah, I'm the taxman. Should five percent appear too small, be thankful I don't take it all 'cause I'm the taxman, yeah, I'm the taxman. If you drive a car, I'll tax the street, If you drive to city, I'll tax your seat, If you get too cold, I'll tax the heat, If you take a walk, I'll tax your feet 'cause I'm the taxman, yeah, I'm the taxman. Don't ask me what I want it for, if you don't want to pay some more 'cause I'm the taxman, yeah, I'm the taxman. And my advice to those who die: declare the pennies on your eyes 'cause I'm the taxman, yeah, I'm the taxman, and you're working for no one but me.
6 Taxman uma cano em cuja letra George Harrison faz uma crtica aos cobradores de impostos devido ao valor dos altos tributos cobrados na Inglaterra na dcada de 1960. Botelho (2005, p. 26) comenta que o coletor de impostos sempre foi comparado s figuras mais nocivas. Na Bblia, diversas passagens mencionam o repdio popular figura do cobrador de impostos, assemelhada a dos adlteros, pecadores, ladres e prostitutas. [...] Ver ainda o Evangelho de So Mateus, versculos 9 a 13: 9. Partindo Jesus dali, viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria e disse-lhe: Segue-me. Ele se levantou e o seguiu. 10. E sucedeu que, estando ele reclinado mesa na casa, eis que muitos cobradores de impostos e pecadores vieram e reclinaram-se com Jesus e seus discpulos. 11. Vendo isso, os fariseus perguntaram aos discpulos dele Por que come o vosso mestre com cobradores de impostos e pecadores? 12. Mas Jesus, ouvindo isso, disse: Os sos no precisam de mdico, e, sim, os doentes. Para Balthazar (2005, p. 20), a histria da civilizao mostra que cobrar imposto era uma atividade marginal, odiada pelos homens e, por isso, que o cobrador de impostos ou contratador, no caso do Brasil colonial sempre foi mal visto socialmente.
-
estatal de receitas, por meio da imposio, arrecadao e fiscalizao de tributos7, ou
seja, de impostos, taxas e contribuies (SILVA, 1995, p. 14).
Porm, essa relao retributiva, de proteo e de contraprestao,
aparentemente equilibrada, gera desde sempre inmeros conflitos. At mesmo na
mitologia grega h o episdio no qual o semideus Hrcules8 defende a populao da
cobrana injusta de impostos. Na antiguidade, os tributos eram desprezados pelos
cidados por serem considerados onerosos, servis e por ressalvar o carter de
dependncia que era gerado entre os pases vencedores e vencidos em guerras,
enquanto que na Idade Mdia, eles acabaram por perder seu carter de fiscalidade por
serem pagos ao senhor feudal e no ao Estado (BALTHAZAR, 2005, p. 17).
Foi com o surgimento dos Estados Nacionais, segundo Balthazar (2005, p.
17), que a tributao passou a ter caractersticas semelhantes s da atualidade, mas o
rei, que no separava suas riquezas das do errio, cobrava tributos de acordo com os
seus prprios interesses. Somente aps a Revoluo Francesa, houve a distino entre
os patrimnios do governante e do errio e surge a noo de Oramento Pblico.
Para Balthazar (2005, p. 18), aquilo que seria a histria dos tributos
confunde-se com a histria do Estado, assim a atividade tributria, historicamente,
sempre foi exercida pelos governos, sem exceo, de forma assistemtica,
desorganizada, com a cobrana dos tributos, de regra, feita base da fora bruta.
O exagero na cobrana de tributos tambm suscitou muitas controvrsias no
Brasil em seus tempos como colnia portuguesa. Poderamos mesmo apontar que a
maioria das revoltas ocorridas no perodo se sucederam por conta da excessiva
arrecadao de impostos por parte da metrpole portuguesa, de acordo com Vainfras
(2001, p. 509). Isso denota que, se houve um grande lucro Coroa portuguesa gerado
pela colonizao do Brasil, por outro, no existiu uma docilidade absoluta por parte
25
7 De acordo com o Cdigo Tributrio Nacional brasileiro vigente, em seu artigo 3o., tributo toda prestao pecuniria compulsria, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que no constitua sano de ato ilcito, instituda em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
8 Hracles, ou Hrcules para os Romanos, ao encontrar os enviados do rei dos Mnios, que vinham cobrar um tributo dos habitantes de sua cidade, consegue derrot-los aps uma grande luta. Por ter libertado o povo de Tebas do imposto abusivo, o rei Creonte, como prmio, ofereceu ao heri a mo de sua filha mais velha em casamento.
-
dos sditos residentes nestas terras, que consideravam as cobranas excessivas
sobremaneira:
a revolta da populao, a qual tinha que arcar com os pesados tributos, em nada diferia das revoltas das demais naes latino-americanas. Analisando-se a histria dos protestos populares, das revolues, sublevaes e tentativas de independncia ocorridas ao longo dos sculo XVI, XVII e XVIII, invariavelmente vamos encontrar como fundamento destas a pesada carga tributria imposta pelos Estados hegemnicos da poca. (BALTHAZAR, 2005, p. 48)
O caso mais grave e, quem sabe o mais conhecido, de conflito motivado pela
tributao no Brasil talvez seja o da Inconfidncia (ou Conjurao) Mineira no qual o
alferes Joaquim Jos da Silva Xavier o Tiradentes acabou enforcado9 em praa
pblica em 1792, durante o ciclo do ouro, por incitar uma grande revolta ao tentar
evitar a cobrana violenta da derrama por parte da Coroa Portuguesa. A Inconfidncia
Mineira teria levado s armas o sentimento de impopularidade do esquema tributrio
implantado (CAMPOS, 2004, p. 103-4).
De acordo com Ricupero, Padre Antonio Vieira foi um dos maiores crticos
da administrao colonial, especialmente condenava a cobia e a corrupo, como
podemos perceber no trecho do seguinte sermo pregado em 1656:
26
9 Verifiquemos abaixo um excerto, extrado do corpus desta pesquisa, da sentena que condenou Tiradentes, em 1792: Mostra-se que entre os chefes e cabeas da conjurao, o primeiro que suscitou as idias da repblica foi o ru Joaquim Jos da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi de cavalaria paga da capitania de Minas, o qual h muito tempo que tinha concebido o abominvel intento de conduzir os povos daquela capitania a uma rebelio, pela qual se subtrassem da justa obedincia devida dita Senhora, formando para este fim publicamente discursos sediciosos, que foram denunciados ao governador de Minas, antecessor do actual, que ento sem nenhuma razo foram desprezados [...] Porm persuadindo-se o ru que o lanamento da derrama para completar o cmputo das cem arrobas de ouro no bastaria para conduzir os povos rebelio, estando eles certos em que tinham oferecido voluntariamente aquele cmputo como um sobrogado muito favorvel em lugar do quinto do ouro que tirassem nas minas, que so um direito real em tdas as monarquias, passou a publicar que na derrama competiam a cada pessoa as quantias que arbitrou, que seriam capazes de atemorizar os povos, e a pretender fazer com temerrio atrevimento e horrenda falsidade odioso o suavssimo e iluminadssimo governo da dita Senhora, e as sbias providncias dos seus ministros de Estado, [...] A defeza a que os Reos recorrem he a Real piedade, sem refletirem quanto della se fazem indignos, por isso mesmo, que sendo ecclesiasticos tem maior influencia na consciencia dos povos, de que devem usar para lhes persuadirem a obedeiencia, sujeio e fidelidade que devem ter a dita Senhora; e no para os corromper e induzir rebelio; nem podio ter outro recurso mais do que clemencia Real, conhecendo bem que em semilhante qualidade de delicto, no pode haver previlegio, que os izempte da Real jurisdio, e das penas estabelecidas por direito, porque seria negar dita Senhora os meios de cuidar da conservao e seguransa do estado, ley suprema issencialmente inseparavel da soberania. Por tanto condemno os Reos Carlos Correa de Toledo, Joz da Silva de Oliveira Rolim como Chefes da Conjurao, e o Reo Joz Lopes de Oliveira como sabedor e consentidor delia a que com barao e prego sejam conduzidos pellas ruas publicas ao lugar da forca e nella morro morte natural para sempre e os condemno outro sim nas mais penas estabelecidas por direito nos crimes de leza Magestade de primeira cabea infamia e perdimento de todos os seos bens para o Fisco e Camera Real [...]. (Francisco Luiz lvares da Rocha [1792], Acordo em relao os da alada...)
-
Ainda falta por dizer o que mais vos havia de destruir e assolar. Quantos ministros reais, e quantos oficiais de Justia, de Fazenda, de Guerra, vos parece que haviam de ser mandados c para a extrao, segurana, e remessa deste ouro ou prata? Se um s destes poderosos tendes experimentado tantas vezes, que bastou para assolar o estado, que fariam tantos? No sabeis o nome do servio real (contra a teno dos mesmos reis) quantos se estende c ao longe, e quo violento e insuportvel? Quantos administradores, quantos provedores, quantos tesoureiros, quantos almoxarifes, quantos escrives, quantos contadores, quantos guardas no mar e na terra, e quantos outros ofcios de nomes e jurisdies novas se haviam de criar ou fundir com estas minas, para vos confundir e sepultar nelas? (RICUPERO, 2009, p. 127)
A justificativa para a injustia fiscal que ocorria em decorrncia dessa relao
de poder, no perodo compreendido entre os sculos XVI e XVIII, reside no fato de o
Brasil ter sido uma colnia de explorao10. Ou seja, a busca de novas terras pelo
imprio portugus no foi motivada por necessidade de expanso demogrfica, como
foi o caso da Grcia, mas foi feita com vistas ao acmulo de riquezas. Alis, a lenda
de riquezas inapreciveis por descobrir corria toda a Europa e suscitava enorme
interesse por novas terras.
Para Caio Prado Jnior, a expanso martima dos pases da Europa se
origina de simples empresas comerciais levadas a efeito pelos navegadores daqueles
pases (1995, p. 21), de modo que, no essencial, todos os grandes acontecimentos
desta era, que se convencionou com razo chamar dos descobrimentos, articulam-se
num conjunto que no seno um captulo da histria do comrcio europeu (1995, p.
22). Ao tentar dar um sentido histria do Brasil colonial, Caio Prado Jnior
afirma:
Aquele sentido o de uma colnia destinada a fornecer ao comrcio europeu alguns gneros tropicais ou minerais de grande importncia: o acar, o algodo, o ouro. [...] a nossa economia se subordina inteiramente a este fim, isto , se organizar e funcionar para produzir e exportar aqueles gneros. Tudo mais que nela existe, e que alis de pouca monta, ser subsidirio e destinado unicamente a amparar e tornar possvel a realizao daquele fim essencial. (PRADO JNIOR, 1995, p. 119)
Caio Prado Jnior, segundo Ianni (2004, p. 42), percebe a histria brasileira
como um caleidoscpio de 'ciclos' e pocas, diversidades e desigualdades sociais,
27
10 Nas colnias de explorao podemos perceber algumas caractersticas recorrentes, como a produo com base na grande propriedade, a gerao de produtos voltados para o mercado externo e o uso do trabalho escravo. Importante ressaltar que nem todas as colnias havidas na histria podem ser classificadas como de explorao, como percebemos no exemplo da colonizao de povoamento feita pelos ingleses na Amrica do Norte.
-
econmicas, polticas e culturais, complicadas pelas diversidades e desigualdades
raciais e regionais.
Alexander Marchant (1943) publicou um importante estudo no qual descreve
os contatos inicialmente amigveis entre nativos e europeus, justificados pelas trocas
voluntrias de itens nacionais como pau-brasil, papagaios, saguis etc. por machados e
outros manufaturados europeus. Essas relaes cordiais foram extintas com o incio da
colonizao territorial pelos portugueses, em 1532. A partir da, tornou-se mais claro o
intento exploratrio da colonizao, revestindo-se de outra feio o colonizador, a de
um comerciante desejoso de riquezas, terras e da mo de obra compulsria indgena e,
posteriormente, africana.
A maioria dos historiadores brasileiros reconhece que o colonialismo
portugus era espoliativo, no tinha como inteno criar no Novo Mundo uma
sociedade complexa, com instituies prprias. Mas, ao contrrio, os portugueses
estabeleceram uma estrutura mnima para organizar a explorao voltada para o
escoamento dos produtos ao mercado externo: o sistema bsico de plantation, baseado
no trinmio monocultura-latifndio-escravido (PIRES, 2010, p. 13). Existe
praticamente um consenso entre os estudiosos acerca do desordenamento da
administrao colonial. Para Caio Prado Jnior (1957, p. 28-9), a Coroa mantinha na
colnia
apenas uma administrao rudimentar, o estritamente necessrio para no perder o contato, e atendia a pedidos com a relutncia e morosidade de quem no se decide a fazer grandes gastos com o que no lhe pagava o custo. [] No raro, por isso, fechavam os olhos (os governadores) a toda sorte de abusos que no tinham fora para reprimir ou castigar.
Para Ricupero (2009, p. 130), as competncias, jurisdies e hierarquias no
eram bem definidas, havia ausncia de especializao e de diviso de poderes o que
provocava, por vezes, choque entre autoridades e dificuldade de execuo das ordens
da Coroa. Para o autor, muitos elementos da administrao colonial dificultam nossa
compreenso, por serem extremamente destoantes do modelo contemporneo, como o
fato de rgos e funes, existentes em certos locais, faltarem em outros ou ainda a
distribuio de funes e competncias diferentes das anteriormente em vigor. Nela
havia ainda uma perceptvel falta de uniformidade, j que alguns cargos
administrativos podiam ser encontrados em certas capitanias e em outras no alm de 28
-
que duas pessoas podiam exercer o mesmo cargo de forma concomitante, sem que se
possa perceber uma lgica:
as pessoas podiam ser empregadas em qualquer dos ramos e, muitas vezes, ao mesmo tempo, como, por exemplo, o capito de uma capitania pouco desenvolvida podia acumular as funes de ouvidor, e o ouvidor geral serviu tambm durante vrios perodos o posto de provedor-mor. At os membros da Igreja podiam ser chamados, em certos momentos, a desempenhar papis na administrao, como, por exemplo, o bispo de Salvador que era presena constante nos governos-gerais interinos. (RICUPERO, 2009, p. 133-4)
A Igreja, no ultramar portugus, nos diz Ricupero (2009, p. 133), havia se
tornado um setor da administrao, nomeado, dirigido e pago pela Coroa, a quem
devia satisfao pelos seus atos, inclusive sob ameaa de sanes.
Assim, naquela poca, as competncias das esferas poltica, judiciria,
administrativa e eclesistica confundiam-se e misturavam-se. Vejamos em Hansen
(2007, p. 188):
Nos sculos XVI e XVII, os juristas catlicos juntam a noo de corpus mysticum, o nico todo unificado da vontade coletiva, de respublica, doutrinando com ambos a noo de corpo poltico para combater as teses do poder poltico de Maquiavel e Lutero. Em Portugal, a noo de corpo poltico fundamental na centralizao do poder monrquico e na conceituao do bem comum.
Possuidores de caractersticas sociais, culturais e polticas bastante
heterogneas, Portugal e sua colnia no poderiam partilhar do mesmo regulamento
jurdico sem que se fizessem adaptaes. Assim, conviviam, no contexto dos
primeiros anos de colonizao da Amrica portuguesa, uma legislao comum a
Portugal e Brasil e outra exclusiva da colnia.
Durante o perodo colonial, havia uma tentativa de organizao
administrativa e at mesmo de uniformizao regulamentar entre colnia e metrpole
por meio das Ordenanas ou Ordenaes Jurdicas11, mas havia muitas dificuldades.
Tal fato pode ser constatado no texto de Caio Prado Jnior (1995, p. 299 - 300):
Percorra-se a legislao administrativa da colnia: encontrar-se- um amontoado que nos parecer inteiramente desconexo, de determinaes particulares e casusticas, de regras que se acrescentam umas s outras sem obedecerem a plano algum de conjunto. Um cipoal em que nosso entendimento jurdico moderno, habituado clareza e nitidez de princpios gerais... se confunde e se perde.
29
11 As Ordenaes eram compilaes jurdico-legislativas, sem carter sistemtico, nas quais estavam coligidas as normas jurdicas promulgadas nos reinados portugueses. Elas tiveram incio com as Ordenaes Afonsinas.
-
As Ordenaes Manuelinas, assim denominadas em homenagem a Dom
Manuel, vigoraram de 1521 a 1603 e as Ordenaes Filipinas, cujo nome foi uma
homenagem ao monarca de origem espanhola Filipe II, de 1603 a 1867. O seu Livro II
destinava-se s relaes entre Estado e Igreja, aos privilgios da nobreza e aos direitos
do fisco.
Schwartz (1979, p. 114) nos informa que seria realmente complexo
determinar at que ponto chegaram colnia variaes locais no autorizadas das
Ordenaes Filipinas no Brasil j que, nas terras brasilianas de ento, legalidade e
realidade frequentemente se opunham. Campos (2004, p. 101) nos diz que o direito da
colnia era deveras diferente daquele em vigor na metrpole e, para evidenciar esse
fato, diferencia: a) o direito geral portugus, que valia para todo o reino;
b) o direito expresso por uma legislao especfica, ou colonial geral; c) o direito especial formulado para o Brasil. Foi o caso das minas e dos ndios; d) o direito emanado pela prpria colnia (os forais e os regimentos permitiam aos governadores, limitadamente, complementarem as leis da metrpole. Tambm as cmaras ou os senados das cmaras das vilas e cidades formulavam leis, pretendendo atender s necessidades da administrao municipal); e) o direito consuetudinrio, derivado dos usos e costumes locais, inclusive dos ndios autctones.
Como havia sido comentado anteriormente, as riquezas e potencialidades do
territrio colonial brasileiro prestavam-se a uma atitude francamente predatria,
constituda estritamente pelo interesse externo. Para Caio Prado Jnior (1995, p. 115),
tal fato era absolutamente consciente, pois a funo conferida colnia por sua
metrpole havia sido elevada categoria de um postulado na teoria econmica da
poca.
Assim, formou-se, no Brasil, uma economia complementar e subordinada
de Portugal. E essa relao de subordinao, quando se manifestava por meio da
cobrana e do pagamento de tributos, ia se mostrando, com o passar dos anos, cada
vez mais desequilibrada e mesmo desproporcional na relao entre o montante
cobrado e as posses dos contribuintes.
A cobrana de impostos teve incio nos primrdios da ocupao das novas
terras. No perodo de 1530 a 1548, a estrutura fazendria caracterizava-se apenas pela
30
-
existncia de funcionrios responsveis pela arrecadao de rendas e administrao de
feitorias, em cada capitania. No perodo colonial, tudo o que era produzido no Brasil
era quase que automaticamente tributado, ou seja, cobravam-se impostos pela
produo de acar, tabaco, algodo, ouro etc. Assim podemos perceber no trecho
extrado de uma obra, considerada um manual de governo em Portugal da poca, que
destinava um captulo forma de tributar.
Para sustento prprio, e lucro alheio,Revoa a destra abelha pelo prado,E tendo flor o suco tirado,Deixa-a servindo aos olhos de recreio.Assim fabrica, e seu cortio cheio,V de favos de mel puro, e doirado, Deixando ilesa a flor no antigo estado, Donde a to justo fim tir-lo veio.Com igual preciso, o Rei astuto,Podeis tirar, que a abelha vos ensina, Docemente dos povos o tributo.E se um reino a flor mais peregrina;Se quando esta se perde no d fruto, No lhe busqueis a ltima ruina. [grifo nosso] (CAMPUS, 1790, p. 175 apud FIGUEIREDO, 2007, p. 21)
O ponto mais crtico das revoltas em relao cobrana de impostos no
Brasil se deu no sculo XVIII, perodo conhecido como o do ciclo da minerao,
como discorreremos posteriormente. De acordo com Figueiredo (2004, p. 3), nessa
poca, cronistas, poetas, padres, missionrios, homens bons e, em determinado
momento, at os prprios conselheiros reais, que tinham por objetivo viabilizar o bom
governo, concorreram na denncia e condenao desses descomedimentos fiscais,
reconhecendo em diversas ocasies o excessivo peso dos tributos diante das foras
e cabedais dos vassalos. O autor cita o comentrio de um dos ministros do Tribunal,
Antnio Rodrigues da Costa: nem os portugueses souberam nunca pronunciar sete
milhes, que se refere exigncia do pagamento dos dotes com os quais os colonos
deveriam contribuir em 1727.
Em outro exemplo, de trecho extrado da obra Impostos na Capitania
Mineira, de 1741, integrante do corpus desta pesquisa, o secretrio do Conselho
Ultramarino, Caetano Lopes de Lavre, em carta ao rei de Portugal, escreve:
Por se achar vivendo em successiva opreo o Povo destas minas gemendo no tanto com o pezo dos quintos q.e a V. Mg.e pago, porq.e esses se podem dizer tributo devido, inda q.e deva ser cencivel pagalo q.m no he minr.o, como com os insuavis acessorios q.e em pena se estabeleceo em
31
-
direitura contra os rebeldes, nos impele a obrigao de accodir pello bem publico dar esta conta a V. Mag.e lembrados de q.e na criao das intendencias ficou salvo ao povo e cam.a o direito de propalar o seu vexame a todo o tempo q.e se sentissem agravados no q.e V. Mag.e logo mostrou o disvello com q.e por Pay commum detestava tudo o q.e fosse fechar as bocas p.a a exclamao das queixas [].
De acordo com Figueiredo (2004, p. 3), no somente o sem-nmero de
impostos constrangiam os moradores da colnia brasileira, mas estes eram
acompanhados de
um verdadeiro bestirio de constrangimentos ao que se julgava ser o justo direito de sditos, mesmo aqueles que viviam no alm-mar: falta de consulta para o lanamento de contribuies, desvio no uso dos rendimentos, m diviso da arrecadao entre as capitanias, tiranias dos administradores, cobranas violentas, infinitude das exaes e clculos desproporcionais s condies dos contribuintes.
Percebemos, assim, durante o perodo compreendido entre os sculos XVI e
XVIII, a metrpole portuguesa regendo um processo de acumulao de riquezas, no
qual o Brasil atuava como o centro gerador, enquadrando-se na dinmica do sistema
colonial da poca Mercantilista. Segundo Novais (2001, p. 51), a poltica econmica
mercantilista:
tem em mira os mesmos fins mais gerais do mercantilismo e a eles se subordina. Por isso, a primeira preocupao dos Estados colonizadores ser de resguardar a rea de seu imprio colonial em face das demais potncias; a administrao se far a partir da metrpole, e a preocupao fiscal dominar todo o mecanismo administrativo. Mas a medula do sistema, seu elemento definidor, reside no monoplio do comrcio colonial.
Ao instituir a colnia brasileira, sob tais princpios mercantilistas, os
portugueses acabaram criando uma sociedade estvel que, aos poucos, a qual ia
adquirindo caractersticas nacionais (PRADO JNIOR, 1995, p. 31). Destarte,
Portugal nos legou, juntamente com tantas instituies, a Lngua Portuguesa. No
Brasil, segundo Darcy Ribeiro (1997, p. 448), essa massa de mulatos e caboclos,
lusitanizados pela lngua portuguesa que falavam, pela viso de mundo, foram
plasmando a etnia brasileira e promovendo, simultaneamente, sua integrao, na
forma de um Estado-Nao.
De matriz latina e ibrica, o portugus que migrara para o Brasil ajustava-se a
uma nova realidade fsica e cultural, adquirindo, aos poucos, um vocabulrio que no
seria impermevel aos influxos do novo mundo. Dessa forma, se por um lado a ele
apresentavam-se elementos da nova terra (plantas, animais, seres humanos) at ento
desconhecidos pelo falante portugus, por outro, um imenso arsenal lingustico lhe foi 32
-
transplantado diretamente da metrpole portuguesa. O Portugus Europeu, chegado
nova terra, passaria por certa aclimatao lingustica prpria do contato com
especialidades culturais do territrio colonial.
O perodo colonial espelha a longa e complexa trajetria de implantao e de
fixao da lngua portuguesa no Brasil. A miscelnea criada por tamanha diversidade e
interao lingustica a do Portugus Europeu, das lnguas indgenas, dos idiomas
africanos trazidos pelos escravos possibilitou uma espcie de caldeamento de
culturas muito desiguais, o que ocasionou mudanas nos padres lingustico-culturais
desses vrios grupos sociais e a criao de uma norma lexical brasileira. Muitas vezes,
a nova sociedade que se formava acabou por propiciar a criao de vocbulos bastante
distintos dos usados em Portugal. Ou seja, como a colonizao acabou por trazer
milhares de povoadores para o Brasil e colocou em contato direto diversas culturas,
ela se refletiu fortemente no vocabulrio do Portugus Brasileiro que ainda estava em
fase de maturao.
Durante esse perodo, o lxico do Portugus Brasileiro teve essencialmente a
lngua falada como suporte, como escreve Bastos (2004, p. 25), e, dessa forma, nessa
sociedade agrcola, a conservao dos discursos (em um sentido histrico) era
bastante precria. Segundo a autora, a escrita era feita por poucos brasileiros, os
manuscritos eram poucos e os raros alfabetizados detinham o prestgio e o poder.
Alm disso, as distncias entre os povoados e as dificuldades de locomoo
conduziam ao isolamento e favoreciam a variao l ingustica e o
multilingusmo (BASTOS, 2004, p. 26). De tal forma, a fixao do Portugus no
Brasil acabou por ser feita mediante um processo bastante lento.
Sabemos que os portugueses se estabeleceram primeiramente na costa
brasileira e, muito depois, avanaram para o interior, acompanhando as entradas e
bandeiras que avanavam pelo serto buscando por ouro e pedras preciosas. No sculo
XVI, a populao mestia que ia se formando em decorrncia da colonizao
portuguesa, tinha o tupi como lngua-me. Mais especificamente, durante o perodo
colonial brasileiro, nas palavras de Soares (2002, p. 157), trs lnguas conviviam:
ao lado do portugus trazido pelo colonizador, codificou-se uma lngua geral, que recobria as lnguas indgenas faladas no territrio brasileiro
33
-
(estas, embora vrias, provinham, em sua maioria, de um mesmo tronco, o tupi, o que possibilitou que se condensassem em uma lngua comum); o latim era a terceira lngua, pois nele se fundava todo o ensino secundrio e superior dos jesutas.
A lngua geral era uma lngua simples, com todo o aspecto de lngua de
necessidade, de reduzido material morfolgico, sem declinao ou conjugao
(SILVA NETO, 1976, p. 50), de tal forma que o seu uso foi se expandindo
rapidamente. Aryon DallIgna Rodrigues (1986, p. 21) nos informa que a lngua geral:
foi a lngua predominante nos contatos entre portugueses e ndios nos sculos XVI e XVII e tornou-se a lngua da expanso bandeirante no sul e da ocupao da Amaznia no norte. Seu uso pela populao luso-brasileira, tanto no norte como no sul da Colnia, era to geral no sculo XVIII, que o governo portugus chegou a baixar decretos (cartas rgias) proibindo seu uso. Uma das consequncias da prolongada convivncia do tupinamb com o Portugus foi a incorporao a este ltimo de considervel nmero de palavras daquele.
Nos sculos XVI e XVII, a lngua geral predominou como meio principal de
comunicao pelos ndios, por seus descendentes e tambm pelos portugueses. Ao que
tudo indica, os africanos, que foram trazidos ao Brasil desde o sculo XVII, se
adaptaram com relativa facilidade ao uso da lngua geral indgena, dando-lhe mais
estmulo e expanso (CAMARA JR., 1975, p. 31).
Contudo, a partir do sculo XVIII, a lngua geral entra em decadncia e o
portugus se impe definitivamente. Antes disso, a lngua portuguesa j havia se
tornado a lngua da administrao do Estado e o idioma empregado pelo aparato
judicial e pelos cartrios.
Os colonizadores portugueses trouxeram para o Brasil conceitos como, por
exemplo, o de propriedade que os habitantes indgenas no tinham. Eles instalaram
cartrios e todo o seu aparato era constitudo por meio de documentos escritos na
lngua dos colonizadores. Assim, essa cultura gradualmente assimilou as demais, no
s a dos indgenas mas tambm a dos negros que vinham sendo trazidos desde o
sculo XVII.
34
-
Em 1758, uma lei promulgada pelo rei Dom Jos I, O Diretrio dos ndios,
instaurou a poltica lingustica pombalina12 no Brasil, tornando, assim, o uso do
portugus obrigatrio pelas razes baixo expostas:
sempre foi mxima inalteravelmente praticada em todas as naes que conquistaram novos domnios, introduzir logo nos povos conquistados o prprio idioma, por ser indispensvel, que este um meio dos mais eficazes para desterrar dos povos rsticos a barbaridade dos seus antigos costumes e ter mostrado a experincia que, ao mesmo passo que se introduz neles o uso da lngua do Prncipe, que os conquistou, se lhes radica tambm o afeto, a venerao e a obedincia ao mesmo Prncipe. [] nesta conquista (no Brasil) se praticou pelo contrrio, que s cuidavam os primeiros conquistadores estabelecer nela o uso da lngua, que chamamos geral, inveno verdadeiramente abominvel e diablica, para que privados os ndios de todos aqueles meios que os podiam civilizar, permanecessem na rstica brbara sujeio, em que at agora se conservam, determina que um dos principais cuidados dos Diretores (ser) estabelecer nas suas respectivas povoaes o uso da lngua portuguesa, no consentindo por modo algum que os Meninos e Meninas, que pertencerem s escolas, e todos aqueles ndios, que forem capazes de instruo nesta matria, usem da lngua prpria das suas naes ou da chamada geral, mas unicamente da Portuguesa, na forma que S. M. tem recomendado em repetidas ordens, que at agora no se observaram, com total runa espiritual e temporal do Estado.
Para Serafim da Silva Neto (1976, p. 140-1), trs grandes fases demarcaram a
trajetria histrica da Lngua Portuguesa no Brasil. Na primeira, que ocorre de 1533 a
1654, h o bilinguismo, na qual a populao da Bahia de Pernambuco falava
predominantemente a lngua geral; na segunda fase, de 1654 a 1808, a lngua geral j
se limita s povoaes do interior e aos aldeamentos jesuticos. E, por fim, a partir de
1808, com a vinda de milhares de portugueses para o Brasil, o portugus difunde-se
definitivamente por todo o pas.
O ano de 1808 marcado pela criao da Impresso Rgia brasileira,
responsvel pela impresso dos primeiros livros e dos jornais que refletiam a realidade
brasileira. Mas ser somente no sculo XIX que os intelectuais brasileiros vieram a
debruar-se sobre o debate acerca de uma identidade lingustico-cultural brasileira.
35
12 Marcos Bagno (2002, p. 180) comenta a respeito dessa poltica lingustica que: A medida visava sobretudo a prtica pedaggica dos jesutas, que se serviam da chamada lngua geral, de base tupi, para catequizar os ndios brasileiros. A interpretao dos efeitos dessa proibio so controversas (cf. Soares, neste livro). A reforma pombalina, no entanto, constitui o primeiro exemplo dos procedimentos autoritrios que caracterizaro as polticas lingusticas no Brasil a partir de ento. A notvel repulsa da elite brasileira por seu prprio modo de falar o portugus encarna, sem dvida, a continuao no tempo desse esprito colonialista, que se recusa a atribuir qualquer valor ao que autctone, sempre visto como primitivo e incivilizado (cf. BAGNO, 2002). J Fontes denunciava em 1945 que 'esse desprezo de nossa lngua anda sempre irmanado ao descaso por tudo o que ela representa: a gente e a terra do Brasil' .
-
Ldtke (1974, p. 31) considera que todas as mudanas no vocabulrio se
relacionam, de algum modo, com mudanas polticas e culturais. Dessa forma, os
momentos histricos vivenciados pela sociedade nesses trs primeiros sculos do
Brasil, anteriores questo da identidade lingustico-cultural brasileira, veem-se
espelhados na Lngua Portuguesa em sua variante brasileira pelo seu longo e
complexo processo inicial de implantao e posterior de adaptao e de expanso.
A lngua, que no tem como caracterstica a de ser esttica, vai modificando
sua constituio de forma incessvel no decorrer do tempo. Assim, enquanto uma
lngua possuir falantes, ela ser passvel de sofrer alteraes, ou seja, muitas palavras,
expresses e modos de dizer surgiro por meio de diversos processos possveis,
enquanto outros se transformaro ou deixaro de ocorrer, continuamente. Agindo
como um reflexo dessa evoluo contnua, o fenmeno da variao lingustica torna-
se uma importante caracterstica intrnseca da lngua, que confere a ela as suas
caractersticas de riqueza e de diversidade.
Os navegadores e exploradores portugueses, ao chegarem ao Brasil, h mais
de 500 anos, trouxeram em suas naus muito mais do que simples cargas. Eles
acabaram por nos legar, juntamente com tantas instituies, a Lngua Portuguesa.
Durante os trs sculos que estudamos nesta tese, XVI, XVII e XVIII, no Brasil,
composto por numerosas culturas e uma grande diversidade tnica, houve diversos
eventos que se forma modificando essa lngua. Muitas dessas modificaes, ocorridas
por meio de diferentes escolhas vocabulares atravs do tempo, refletiram-se, inclusive,
no campo das lnguas de especialidade.
36
-
CAPTULO 1 - PRESSUPOSTOS TERICOS
A grande maioria das pessoas acha muito mais confortvel e tranquilizador pensar na lngua como algo que j terminou de se construir, como uma ponte firme e slida, por onde a gente pode
caminhar sem medo de cair e de se afogar na correnteza vertiginosa que corre l embaixo. Mas essa ponte no feita de
concreto, feita de abstrato... O real estado da lngua o das guas de um rio, que nunca param de correr e de se agitar, que sobem e
descem conforme o regime das chuvas, sujeitas a se precipitar por cachoeiras, a se estreitar entre as montanhas e a se alargar pelas
plancies... (BAGNO, 2007, p. 36)
37
-
Em qualquer sociedade humana, por mais simples que seja, a linguagem o
principal meio de comunicao. Ela desempenha, assim, um formidvel papel,
estabelecendo o homem como sujeito, mediando as relaes sociais e fornecendo
possibilidades de o indivduo conhecer a si prprio e ao mundo do qual parte. A
lngua se enraza na comunidade lingustica e na tradio cultural que ela reproduz e
transmite de gerao a gerao. Destarte, tanto a lngua como a cultura constituem
saberes partilhados pelos membros de uma dada comunidade, transmitidos atravs do
tempo e da histria.
Em decorrncia disso, o lxico age como um sistema capaz de incorporar
muitos aspectos (sociais, culturais, histricos, cientficos) de uma sociedade.
Aparecida Isquerdo (1996, p. 93) comenta que o lxico caracteriza-se como o
subsistema da lngua que mais configura linguisticamente o que h de recente na
sociedade transformaes socioeconmicas, cientfico-culturais e polticas nela
ocorridas.
O patrimnio lexical que as lnguas esto constituindo documenta a
acumulao do conhecimento humano na contemporaneidade (BIDERMAN, 2001,
p. 159). Dessa forma, o sistema lexical de uma lngua assume o importante papel de
agir como uma espcie de registro documental que compila e traduz as experincias
acumuladas por uma sociedade atravs do tempo, podendo deixar transparecer
particularidades da histria a quem se dispuser a observ-lo tecnicamente. Conforme
lemos em Biderman:
O lxico pode ser considerado como o tesouro vocabular de uma determinada lngua. Ele inclui a nomenclatura de todos os conceitos lingusticos e no-lingusticos e de todos os referentes do mundo fsico e do universo cultural, criado por todas as culturas humanas atuais e do passado. Por isso, o lxico o menos lingustico de todos os domnios da linguagem. Na verdade, uma parte do idioma que se situa entre o lingustico e o extra-lingustico (1981, p. 138).
O lxico evolui constantemente, movimenta-se, dado o fato de que muitas
das unidades lxicas que o compem tornam-se arcaicas, outras tantas so
incorporadas a ele, outras, ainda, mudam o seu sentido, e, tudo isso, ocorre de forma
gradual e quase imperceptivelmente aos usurios da lngua. Essa caracterstica, 38
-
conhecida como mudana lingustica, inerente s lnguas vivas (LEITE, 2005, p.
183-184). Elementos como a criatividade dos usurios de uma lngua, o seu contato
com outros grupos sociais e culturais e o desenvolvimento lxico-cientfico da
sociedade fazem das mudanas lexicais as mais perceptveis nas lnguas. Mesmo
assim, sendo tal fato uma caracterstica peculiar das lnguas, h quem se rebele contra
o fato de esse fenmeno gerar variaes na lngua e, assim, acabar por infringir a
norma lingustica13. A variao lingustica pode ser identicamente considerada a partir
do estudo dos subconjuntos lexicolgicos, como, por exemplo, no lxico de um grupo
social especfico ou no vocabulrio de uma rea do conhecimento.
medida que as comunidades lingusticas vo densificando o seu
conhecimento da realidade, elas criam, alm de tantas outras coisas, novas tcnicas e
cincias e, assim, vo surgindo e se aperfeioando alguns sistemas lxicos de maior
complexidade, as lnguas de especialidade:
As mudanas socioeconmicas e polticas tiveram repercusses em nvel vocabular: a cada nova inveno, a cada nova situao, atitude, produto, servio, reivindicao, lei, etc. surgiam novos termos correspondentes. O universo lexical das l nguas t ransformou-se, ampliando-se substancialmente, o mesmo sucedendo com o conjunto terminolgico que, alis, cresceu em maior proporo. (BARROS, 2004, 26)
Segundo Dubois (2004, p. 586), qualquer disciplina, e com maior razo,
qualquer cincia tem a necessidade de um conjunto de termos, definidos
rigorosamente, pelos quais ela designa as noes que lhe so teis: este conjunto de
termos constitui a terminologia.
Poder-se-ia mesmo dizer que a histria particular de uma cincia se resume na de seus termos especficos. Uma cincia s comea a existir ou consegue se impor na medida em que faz existir e em que impe seus conceitos, atravs de sua denominao. [] Denominar, isto , criar um conceito, , ao mesmo tempo, a primeira e a ltima operao de uma cincia. (BENVENISTE, 1989, p. 252)
O termo terminologia carrega em si polissemia. Chamamos de Terminologia
disciplina que tem como objetivo designar os conceitos das linguagens de
especialidade (LE), tambm terminologia a metodologia que tem por fim a
39
13 A norma lingustica considerada um sistema de realizaes obrigatrias, de imposies socioculturais que variam de acordo com a comunidade na qual se realiza. Qualquer transgresso gramtica, na qual esto descritas as normas de uma comunidade lingustica, considerado um desvio.
-
elaborao de vocabulrios e dicionrios, e, finalmente, o mesmo termo serve ainda
para dar nome ao conjunto de termos de uma determinada rea do conhecimento.
A Terminologia uma disciplina inter e transdisciplinar. Como diz Maria
Teresa Cabr, basicamente ela encarrega-se de analisar a expresso lexical formal da
organizao dos conhecimentos cientficos, tcnicos e tecnolgicos, ou seja, os termos
tcnico-cientficos. Mais especificamente, o objetivo da Terminologia seria o de
descrever formal, semntica e funcionalmente as unidades que podem adquirir valor terminolgico, dar conta de como ativam esse valor e explicar suas relaes com outros tipos de signos do mesmo distinto sistema para fazer progredir o conhecimento sobre a comunicao especializada e as unidades que so utilizadas nela14. (CABR, 1999, p. 124, traduo nossa)
A preciso uma condio necessria para a comunicao eficaz entre os
profissionais de qualquer rea tcnico-cientfica. O uso de termos especializados e sua
normatizao surge, ento, como uma necessidade evidente para a organizao do
campo discursivo desses profissionais. Assim, no discurso de especialidade, os termos
possuem duas funes: a de representao e a de transmisso do conhecimento
cientfico.
De acordo com Biderman (2001, p. 159), as terminologias cientficas so
sistemas classificatrios baseados em modelos cientficos, oriundos da estruturao do
conhecimento em modelos conceituais por meio dos quais se organiza cada uma das
cincias. A utilizao das terminologias cientficas tem um desempenho efetivo na
comunicao profissional, uma vez que uma cincia s se torna legtima ao expressar
os seus conceitos por meio de uma denominao especfica:
No caso das denominaes tcnicas, o componente lexical especializado permite ao homem denominar objetos, processos e conceitos que as reas cientificas, tecnolgicas e jurdicas criam e delimitam conceitualmente. Do mesmo modo, o lxico especializado contribui para expressar princpios e propsitos que constituem e animam diferentes reas sociais e profissionais. (KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 16).
Do mesmo modo como ocorre na lngua natural, devido ao seu constante
movimento evolutivo, nas lnguas de especialidade encontramos mudanas no sistema
40
14 [] decribir formal, semntica y funcionalmente las unidades que pueden adquirir valor terminolgico, dar cuenta de como lo activan y explicar sus relaciones con otros tipos de signos del mismo distinto sistema, para hacer progresar el conocimiento sobre la comunicacin especializada y las unidades que se usan en ella.
-
lxico como, por exemplo, o fenmeno da variao, ou seja, o termo, assim como
qualquer unidade lexical, uma entidade variante:
Todo processo de comunicao comporta inerentemente variao, explicitada por formas alternativas de denominao do mesmo conceito (sinonmia) ou por um significativo desdobramento de uma mesma forma (polissemia). Este principio universal para as unidades terminolgicas, enquanto admite diferentes gradaes segundo as condiciones de cada tipo de situao comunicativa []15 (CABR, 1998, p. 85, traduo nossa).
Devido ao mesmo processo, a constituio de novas terminologias cientficas
tambm implica a criao de novas unidades lexicais, neologias, dentro de cada
campo de especialidade. A cada transformao socioeconmica, cultural, tcnica etc.
ocorrida na lngua, esta, para se atualizar, obrigada a designar novos termos, ou
novos significados para termos j existentes. As novas unidades lexicais geradas por
meio desse fenmeno so chamadas de neologismos e podem agir como representao
histrica e social de uma poca, segundo Alves:
consideramos que a unidade lexical neolgica, que representa as necessidades cotidianas de nomeao, em muitos casos retrata um fato histrico, poltico, social, um desenvolvimento cientfico e tecnolgico. A maior parte dos emprstimos e os termos das cincias e das tcnicas reflete essa face do neologismo (2004, p. 79).
A indeciso em relao designao de uma nova noo, de acordo com
Alves, tambm pode gerar a formao de novos itens lxicos sintagmticos, os quais
so bastante frequentes nas terminologias. A partir disso, a denominao em forma
de sintagma pode vir a ser substituda por uma nica base ou o sintagma pode chegar
a cristalizar-se e inserir-se no lxico da lngua (1994, p. 54).
Os neologismos podem, conforme preceitua Alves (1994a, p. 5), de forma
diacrnica e sincrnica, ir sendo incorporados lngua por meio de processos
autctones ou mesmo pela incluso de itens lexicais provenientes de outras lnguas.
Assim, podemos observar, sob um ponto de vista diacrnico, que uma criao lexical
surgida em determinado momento na lngua integra-se ao seu lxico e norma (isso
obviamente no caso de no ter entrado em desuso), o neologismo, ento,
41
15 Todo proceso de comunicacin comporta inherentemente variacin, explicitada en formas alternativas de denominacin del mismo concepto (sinonimia) o en apertura significativa de una misma forma (polisemia). Este principio es universal para las unidades terminolgicas, si bien admite diferentes grados segn las condiciones de cada tipo de situacin comunicativa []
-
desneologiza-se. Para a autora, no que diz respeito insero do neologismo no
dicionrio,
No basta a criao do neologismo para que ele se torne membro integrante do acervo lexical de uma lngua. , na verdade, a comunidade lingustica, pelo uso do elemento neolgico ou pela sua no difuso, que decide sobre a integrao dessa nova formao ao idioma. (ALVES, 1994a, p. 84)
O fenmeno neolgico ocorre nas lnguas naturais, e nas de especialidade,
desde sempre. Alves (2001, p. 54 apud KRIEGER; FINATTO, 2004, p. 24) informa
que as relaes entre terminologia e neologia podem ser encontradas desde que os
primeiros homens comearam a denominar conceitos e elementos de seu ambiente.
Alm disso, a neologia, que cumpre a funo de representar as necessidades
cotidianas de nomeao, acaba por, muitas vezes, retratar um fato histrico, poltico,
social, um desenvolvimento cientfico e tecnolgico (ALVES, 2004, p. 80).
A importncia dos estudos em Terminologia atravs do tempo inegvel,
tanto que a prtica terminolgica testemunhada desde a antiguidade. De acordo com
Rondeau (1984, p. 12, traduo nossa), to longe quanto se remonte na histria do
homem, desde que se manifesta a linguagem, nos encontramos em presena de lnguas
de especialidade, assim que se encontra a terminologia dos filsofos gregos, a lngua
de negcios dos comerciantes cretas [...].
Campos (1992, p. 1) comenta a respeito de obras terminolgicas produzidas
na Idade Mdia que j confirmam a preocupao com o vocabulrio especializado, sua
difuso e sua compreenso.
Alves (1998, p. 97), historiando a trajetria evolutiva da terminologia narra
que, no Ocidente, os trabalhos com inclinao terminolgica surgem na poca
renascentista, como, por exemplo, o Glossrio rabe-latino de Termos Mdicos, do
sculo XVI, e o Livro dos Segredos da Agricultura, do ano de 1617. Lavoisier e
Baertholler, nos sculos XVII e XVIII, faziam evidente a necessidade do estudo dos
termos.
Interessa destacar o surgimento, no sculo XVIII, da primeira obra
lexicogrfica em Lngua portuguesa, o Vocabulario Portuguez e Latino, elaborado por
Raphael Bluteau, e que por ter grande preocupao com a linguagem de especialidade,
conceitua termos e referencia obras de carter tcnico e cientfico. J o sculo XX, 42
-
em decorrncia do grande desenvolvimento das cincias e tecnologias, considerado,
segundo Elejalde (1997), o sculo do desenvolvimento da Terminologia como
disciplina organizada e sistemtica.
1.1 A evoluo da Terminologia enquanto disciplina
A Terminologia, tal como a conhecemos nos dias de hoje, surge somente no
sculo XX com os estudos de Wster, proveniente da Escola de Viena, e Lotte, vindo
da Escola Russa. Porm ser Wster, por meio da publicao de um dicionrio de
engenharia mecnica, que ficar conhecido como o fundador da moderna teoria
terminolgica. Interessa a esta pesquisa revisitar este fato para fins de embasar a
abordagem lingustica de nossa anlise, sem, no entanto, nos propormos a uma
descrio exaustiva.
Nos anos trinta do sculo passado, em um cenrio de ps-guerra, o
engenheiro Wster, tendo como pano de fundo um contexto histrico e
socioeconmico de crescente desenvolvimento tcnico e cientfico e de grande
expanso comercial, pretendia superar os inmeros obstculos de comunicao
profissional ocasionados por fatores como impreciso, diferenciao e polissemia. Tal
necessidade surgia tambm por conta dos ideais de cooperao internacional e de
univocidade comunicativa caractersticos da poca. Assim, a vocao da pesquisa
terminolgica de ento era a de assumir o controle terminolgico para harmonizar os
usos e a de ser uma prtica metodolgica prescritiva e normalizadora em mbito
global.
Para isso, Wster props trs pilares fundamentais para a Terminologia,
pressupostos estes que ficariam mais tarde conhecidos como a Teoria Geral da
Terminologia ou TGT:
a) os termos surgiriam como formas de denominar os conceitos; 43
-
b) a terminologia seria um sistema de denominao de uma rea
especializada, na qual haveria uma relao de univocidade entre conceito e
termo;
c) a terminologia teria a funo prescritiva e normalizadora de fazer o
levantamento sistemtico dos termos de uma rea especializada para ento
prescrever a padronizao de seus usos terminolgicos, com vistas a
melhorar a preciso comunicativa.
Para a Teoria Geral da Terminologia, os conceitos, cujo conjunto estrutura
determinada rea de especialidade, seriam universais e antecederiam a denominao.
Por meio do sentido onomasiolgico, primeiramente, surgiria o conceito para s ento
o terminlogo criar o termo adequado a ele. Nesse caso, qualquer aspecto polissmico,
sinonmico ou homonmico perturbaria essa relao e deveria ser totalmente evitado.
Pela perspectiva onomasiolgica, por sua vez, h a observao e a anlise do conceito
e das relaes conceptuais para se chegar denominao ou aos termos. O termo,
nessa perspectiva, atuaria como uma unidade estvel, com caractersticas desejveis
de imutabilidade.
Segundo os princpios wusterianos, um termo acabaria por infringir a regra
da biunivocidade ao comportar-se de forma a incorporar um novo conceito ou mesmo
quando um conceito faz referncia a mais de um termo. De acordo com Faulstich
(2001, p.17), Wster:
no seu Die internationale Sprachnormung in der Technik, besonders in der Elektronik, defendia a tese de que a terminologia no deveria acolher ambiguidades realizadas por denominaes plurivalentes (termos homnimos e polissmicos) e por denominaes mltiplas (termos sinnimos). Segundo essa perspectiva, interpretavam-se como anmalos os casos que gerassem ambiguidades e motivassem a variao. No modo de entender de Wster (1998, p. 150), variao lingustica era toda perturbao da unidade lingustica.
Recentemente, a Terminologia veio a superar os princpios de Wster, ao
criticar e contestar o seu carter prescritivo e a sua desconsiderao em relao aos
aspectos pragmticos da lngua, como a variao.
Segundo Sager (1993 apud Faulstich, 1995, p. 1), dez anos aps os trabalhos
de Wster, a tarefa dos terminlogos era a de fazer o registro estritamente dos termos
aceitos, ou seja, das formas recomendadas quele conceito. Porm, mais 44
-
recentemente, os terminlogos passaram a reconhecer que a fixao de um dado termo
deve levar em considerao o uso estabelecido, ou seja, a observao do uso
possibilitaria fazer a identificao e a categorizao das variantes terminolgicas.
A Teoria Comunicativa da Terminologia, proposta pela professora Maria
Teresa Cabr no final do sculo XX tambm rev os pressupostos wusterianos e
determina outro vis descritivo para a prtica terminolgica. Essa teoria surge em um
momento histrico de alto crescimento das tecnologias de informao e em que, na
pesquisa lingustica, o acesso aos corpora e ao uso de programas computacionais
destinados anlise lingustica comeam a generalizar-se, especialmente nos estudos
lexicogrficos. Tal contexto, ope-se viso lingustica que deixa de apreciar a
diversidade terminolgica, a qual pode ser detectada por meio dos corpora
informatizados.
A Teoria Comunicativa da Terminologia, ou TCT, reconhece a dimenso
textual e discursiva dos termos e refuta a ideia wusteriana de que os termos teriam
contedo imutvel ao admitir a possibilidade de variao dos conceitos e das
denominaes. Cabr (1999, p. 119) defende uma perspectiva semasiolgica na qual o
termo seria o ponto de partida para se chegar ao conceito, por ser sua representao
lingustica. Dessa forma, os termos teriam forma e contedo.
No mbito da TCT, Cabr nos traz uma definio de termo na qual ele s
adquire um sentido preciso quando inserido em um contexto que lhe afere o valor
especializado. Assim, qualquer unidade lexical poderia adquirir funo terminolgica
se usada em um determinado domnio, ou seja, os termos so unidades lexicais,
singularmente ativadas por suas condies pragmticas de adequao a um tipo de
comunicao16 (1998, p. 123, traduo nossa).
Cabr (1993, p. 128), desse modo, serve-se de uma diferenciao entre a
lngua de especialidade (LE) e a lngua comum (LC). A LC seria o conjunto de
regras, unidades e restries que fazem parte do conhecimento da maioria dos falantes
45
16 Los trminos son unidades lxicas, activadas singularmente por sus condiciones pragmticas de adecuacin a un tipo de comunicacin.
-
de uma lngua17, enquanto que a LE teria unidades com as mesmas caractersticas
que as do sistema lingustico da LC, com idnticos padres morfolgicos,
fonolgicos, sintticos e semnticos, mas com utilizao em situaes especficas de
uso.
A polissemia, relacionada variao dos aspectos semnticos do termo, e a
sinonmia, fenmenos combatidos pela TGT por possibilitar ambiguidades
semnticas, so enfim reconhecidos como possibilidade em processos lingusticos
pertinentes s unidades terminolgicas. A observao do uso real das terminologias
acaba por revelar que um conceito pode ser expresso de diferentes formas alm de ser
influenciado pelas situaes de comunicao, o que constitui o Princpio da Variao
da TCT.
A partir da ltima dcada do sculo XX, surgem novas abordagens tericas,
como a Terminologia