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    © 2009 por Raul Marino Júnior 

    Revisão Bárbara Benevides João Guimarães

    Capa Douglas Lucas

    DiagramaçãoOM Designers Grá  ficos

    1ª edição – setembro de 2009

    Gerente editorial Juan Carlos Martinez

    Coordenador de produção Mauro W. Terrengui

    Impressão e acabamento Imprensa da Fé

    Todos os direitos desta ediçãoreservados para:Editora HagnosAv. Jacinto Julio, 2704815-160 – São Paulo – SPTel (11) [email protected] www.hagnos.com.br 

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Índices para catálogo sistemático :

    1. Bioética e ética 174.9572. Ética e bioética 174.957

    Marino Júnior, RaulBioética global : princípios para uma moral mundial e universale de uma medicina mais humana / Raul Marino Júnior.-- São Paulo : Hagnos, 2009.

    ISBN 978-85-243-0394-4

    1. Bioética 2. Ciência – Aspectos morais e éticos 3. ÉticaI. Título.

    09-03774 CDD-174.957

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    DEDICATÓRIA 

    TE DEUM

    Dedico o presente trabalho a Maria Ângela, luz daminha existência, que, certamente, vai me exculpar pelos dias e muitas horas que estes escritos roubaram denosso convívio.

    A meus filhos, Ricardo e Rodolfo, meus mais preciosos

     bens naturais, que me levaram à descoberta de meumaior propósito e vocação nesta vida: ser pai, transmi-tindo a eles a mesma e única vida proveniente de nossomesmo e Único PAI.

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    AGRADECIMENTOS

    O  presente estudo foi realizado no Departamentode Medicina Legal, Ética Médica, Medicina

    Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo, na disciplina de Bioética,e defendido como tese de livre-docência em Bioéticaem agosto de 2008.

    Agradecemos a todos os membros desse Departamento,especialmente aos professores titulares dr. Eduardo

    Massad e Daniel Romero Muñoz, por nos terem presti-giado como professor colaborador permissionário.

    A nossos iniciadores no curso de mestrado em Bioética,especialmente os professores William Saad Hossne eLeo Pessini, aqui ficam nossos reconhecimentos, es-

     pecialmente ao último, pelo prestigioso prefácio destelivro.

    A minha estimada secretária, Srta. Márcia Dantas,após três décadas de fiel dedicação e trabalho em nossacompanhia, agradeço pela paciente assistência e apoiologístico.

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    SUMÁRIO

    DEDICATÓRIA ............................................................................................. 3AGRADECIMENTOS .................................................................................. 5PREFÁCIO ...................................................................................................11EPÍGRAFE .................................................................................................. 15APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 17

    1. INTRODUÇÃO ....................................................................................... 211.1 Objetivo ............................................................................................ 22

    2. HISTÓRICO ............................................................................................ 232.1 Uma Breve História da Ética ............................................................ 232.2 A Moral de Sócrates – Pai da Filosofia Moral ................................. 252.3 A Moral de Platão ............................................................................. 262.4 A Moral de Aristóteles ..................................................................... 28

    2.5 Éticas do Período Helenista .............................................................. 302.5.1 Epicurismo – Estoicismo (Período Ético) ............................... 302.5.2 A Paideia .................................................................................. 31Uma verdadeira teoria da educação ................................................... 32

    2.6 Período Religioso .............................................................................. 322.7 As Éticas Medievais e o Pensamento Cristão .................................. 332.8 Santo Agostinho – O Doutor da Igreja.............................................. 352.9 Tomás de Aquino – O Doutor Angélico e a Escolástica ................... 362.10 O Pensamento Moderno ................................................................ 37

    2.11 O Racionalismo ............................................................................... 392.11.1 Spinoza ................................................................................... 39Vida e Obras ...................................................................................... 402.11.2 O Empirismo ........................................................................... 402.11.3 John Locke (1632-1704) ......................................................... 412.11.4 Jorge Berkeley (1685-1753) ................................................... 412.11.5 David Hume (1711-1776) ....................................................... 412.11.6 O Iluminismo ......................................................................... 42

    2.12 O Pensamento Contemporâneo ....................................................... 432.12.1 O Idealismo............................................................................. 482.12.2 O Positivismo ......................................................................... 482.12.3 A Fenomenologia e a Ética Material dos Valores ................... 49

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    3. FUNDAMENTOS DA BIOÉTICA ........................................................ 51As Teorias Éticas .................................................................................... 513.1 O Antinomismo: Não Há Normas ..................................................... 52

    3.2 Kierkegaard Transcende a Ética ...................................................... 523.3 Nietzsche Transvaloriza a Ética ....................................................... 533.4 O Existencialismo – Sartre Rejeita o Ético ...................................... 543.5 O Emotivismo – Ayer e a Eliminação da Ética ................................ 55

    Avaliação ........................................................................................... 553.6 O Generalismo – Não Há Normas Universais– O Utilitarismo ........ 563.7 Jeremy Bentham e o Utilitarismo Quantitativo ............................... 563.8 John Stuart Mill e o Utilitarismo Qualitativo .................................. 573.9 G. E. Moore, as Regras Gerais e a Obediência Universal ............... 57

    Avaliação ........................................................................................... 583.10 O Situacionismo – Há uma Norma Universal ................................ 59

    Avaliação ........................................................................................... 613.11 O Absolutismo – Há Muitas Normas Universais Não Conflitantes 62

    Platão ................................................................................................. 62O imperativo categórico de Kant ....................................................... 63Avaliação ........................................................................................... 65

    3.12 O Absolutismo Ideal – Há Muitas Normas

    Universais Conflitantes ........................................................................... 66Avaliação ........................................................................................... 67

    3.13 O Hierarquismo – Há Normas UniversaisHierarquicamente Ordenadas .................................................................. 68

    Avaliação ........................................................................................... 693.14 O Movimento Socialista ................................................................. 733.15 Socialismo Utópico e Anarquismo ................................................ 743.16 Marx e o Marxismo ....................................................................... 74

    4. TEORIAS BIOÉTICAS ........................................................................... 77Os Antecedentes ..................................................................................... 774.1 As Correntes ..................................................................................... 794.2 O Principialismo .............................................................................. 804.3 Corrente Casuística – O Raciocínio Baseado nos Casos .................. 854.4 Éticas da Responsabilidade ............................................................... 854.5 Ética Narrativa .................................................................................. 864.6 Ética da Virtude – Éticas do Caráter ................................................. 86

    4.7 Ética Baseada na Virtude – Natural e Teologal................................. 884.8 As Virtudes Teologais ....................................................................... 904.9 A Ética do Cuidar – Os Relacionamentos ......................................... 924.10 A Ética do Direito – O Individualismo Liberal ............................... 93

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    5. A BIOÉTICA ............................................................................................ 97Definições ............................................................................................... 97O Aparecimento do Termo ...................................................................... 97

    5.1 Âmbito e Multidisciplinaridade da Bioética .................................. 1005.2 A Filosofia ...................................................................................... 1005.3 A Ciência ........................................................................................ 1015.4 A Antropologia ............................................................................... 1015.5 A Sociologia ................................................................................... 1025.6 A Psicologia .................................................................................... 1035.7 A Teologia ...................................................................................... 1035.8 A Religião ...................................................................................... 106

    Religião versus Espiritualidade ....................................................... 108Avaliação ......................................................................................... 109

    6. MÉTODOS EM BIOÉTICA ...................................................................111

    7. BIOÉTICA ..............................................................................................1157.1 Gênese, Fundamentos e Desenvolvimento ......................................115

    A Ética como Ciência ......................................................................115O Ethos da Bioética .........................................................................1187.1.1 O Sonho de uma Ética Global ................................................118

    Princípios de uma Ética Global .................................................. 120A ética religiosa .......................................................................... 125A ética e a moral bíblica ............................................................. 125

    7.2 O Decálogo ..................................................................................... 1267.2.1 Ainda os Mandamentos .......................................................... 1297.2.2 A Autoridade de Deus ............................................................ 1337.2.3 O Decálogo e as Leis ............................................................. 135

    Contrastes no mundo moderno ................................................... 136

    7.2.4 Os Mandamentos e o Sentido da Vida .................................... 1387.2.5 Os Mandamentos e a Lei do Amor ......................................... 1397.3 Amor e Bioética ............................................................................. 1407.4 A Gênese da Lei Moral, Natural, Universal e Eterna...................... 147

    7.4.1 As Alianças, os Pactos e os Acordos da Escritura .................. 1487.5 A Lei Moral .................................................................................... 1497.6 Tipos de Lei ................................................................................... 1507.7 Legislar a Moral ............................................................................. 1517.8 A Lei Natural Revisitada ................................................................. 154

    7.9 A Lei Natural e a Bioética .............................................................. 157

    8. A BÍBLIA E A MEDICINA DA PESSOA ............................................. 1598.1 A Bíblia e a Prática Médica − Medicina da Pessoa ........................ 161

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    9. DEUS – UM TÍTULO?.......................................................................... 163

    10. JESUS FILÓSOFO .............................................................................. 165

    11. O JESUS HISTÓRICO ........................................................................ 169

    12. O SAGRADO E A SACRALIDADE DA VIDA ................................. 173

    13. TEÍSMO, ATEÍSMO E AGNOSTICISMO ......................................... 177

    14. HUMANISMO E HUMANISMOS ..................................................... 18114.1 O Humanismo Secular ................................................................. 186

    15. BIOÉTICA E O CRISTÃO .................................................................. 19115.1 Aborto ........................................................................................... 19415.2 Eutanásia e o Direito à Morte ....................................................... 19515.3 Experiências In Anima Nobili ...................................................... 19615.4 Alocação de Recursos Escassos .................................................... 19615.5 O Exemplo de Sir  William Osler .................................................. 197

    16. NEUROÉTICA E NEUROTEOLOGIA .............................................. 199Uma Neurofisiologia da Ética e da Moral ............................................ 19916.1 Neuroética: Uma Nova Extensão da Bioética .............................. 205

    16.1.1 O Papel do Neuroeticista ...................................................... 20916.2 A Neurobiologia do Comportamento Social eSuas Implicações Éticas ....................................................................... 209

    17. DISCUSSÃO ....................................................................................... 213Avaliação .............................................................................................. 217Uma medicina mais humana ................................................................ 230

    18. CONCLUSÕES ................................................................................... 235

    19. RESUMO ............................................................................................. 239

    SUMMARY ............................................................................................... 241

    20. REFERÊNCIAS ................................................................................... 243

    21. OBRAS CONSULTADAS................................................................... 253

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    PREFÁCIOLéo Pessini1

    É  para mim uma grande alegria honrar o convite de prefaciar a presenteobra intitulada Em busca de uma Bioética global , de autoria de um

    amigo da causa bioética, já um veterano cientista na área de neurocirurgiae neurologia, que tive o prazer de conhecer desde o início dos anos 1980,quando capelão do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo. Sua inquietude de busca por “razão e sentido”acima de todo o frenesi do pragmatismo contemporâneo dos pesquisadores

     faz dele também um dos grandes estudiosos do cérebro humano, re  fl etindo

     sobre o novo campo da neuroética. Esta publicação é uma concepção  filosó  fica de alguém que busca a

    razão e o sentido último da vida, do ser humano e de suas ações paraalém da argumentação de  filoso  fias imanentistas secularizadas fechadasà dimensão transcendental da vida humana. Estamos em face de alguémque não se contenta com a super   ficialidade das argumentações das maisdiferentes concepções  filosó  ficas que não deixam espaço para um “maisalém” da materialidade da vida e das coisas. Nessa perspectiva ele avança

    na argumentação teológica da ética cristã.O leitor imediatamente vai descobrir uma erudição ímpar do autor,

    um saber enciclopédico ao discorrer a respeito da história do pensamentoocidental e das diferentes correntes éticas (pluralismo ético) que surgiramao longo dos séculos e que embasam sua re  fl exão ética/bioética como

     pensamento estruturador da Medicina.

    1 Professor doutor no programa de bioética Stricto Sensu  do Centro Universitário São Camilo(São Paulo). Autor de inúmeras obras no âmbito da bioética, entre outras: com Christian de P. deBarchifontaine, Problemas atuais da bioética, 8. ed. São Paulo: Loyola, 2006;  Bioética: um grito por dignidade de viver , 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2008; com Luciana Bertachini,  Humanização ecuidados paliativos, 3. ed., São Paulo: Loyola, 2006.

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    Em busca de uma bioética global|  12 |

    O autor não sofre de um complexo de inferioridade ao apontar a pers- pectiva religiosa cristã como uma das perspectivas fundamentais a serem perseguidas ao se buscar uma “bioética global, ecumênica e de aplicação

    universal embasada na lei natural cristã”. Ao perseguir esse objetivo,inspira-se no projeto de “uma Ética global” liderado pelo teólogo ca-tólico Hans Kung, que atua no parlamento mundial das religiões. Claroque, ao se aprofundar nessa perspectiva, a universalidade  fica um tantocircunscrita aos que professam a fé cristã. Resta o desa  fio de pensar umabioética para adeptos de outras religiões e não crentes, se isso for real-mente possível ao perseguirmos uma perspectiva “global” e “universal”.

     A razão iluminista orgulhosa de si própria, eleita na condição de “deusa”,

     se mostrou insu  ficiente nessa empreitada, como todos nós sabemos. Apósuma leitura atenta do texto em apreço, o leitor sentirá imediatamente quea re  fl exão do dr. Marino identi  fica-se com os valores do cristianismo na  fi gura central de Jesus de Nazaré.

    Outro objetivo que é trabalhado ao longo desta obra é a necessidadede cultivarmos uma medicina mais humana e mais humanizada. Podemosdizer que a bioética vem se tornando um grande lance de esperança paraa humanidade neste início de novo milênio, tanto do lado dos cuidadores

    quanto no resgate da dignidade do ser humano, impulsionando ações decuidados voltados ao ser fragilizado pela doença e pelo sofrimento noâmbito da saúde. Fala-se muito hoje na desumanização dos cuidados naárea de saúde. As instituições de saúde são como um espelho do que de

     pior e de melhor acontece em nossa sociedade desumanizada e desumani- zante. Hoje, sempre mais, temos instituições “tecnicamente perfeitas” coma presença de tecnologia de última geração, mas sem “alma humana”.

     Nessa questão o autor aponta que precisamos urgentemente reformar a

    ética das virtudes, e o faz inspirado nas re  fl exões do médico bioeticistanorte-americano, atualmente presidente da Comissão de Bioética dos Estados Unidos, Edmund Pellegrino.

     A humanização dos cuidados de saúde passa obrigatoriamente pelahumanização desse universo maior condicionante da sociedade. No Brasilestamos ainda em uma fase muito rudimentar quando falamos de cuidadodigno do ser humano, especialmente quando necessitamos dos cuidadosdo sistema de saúde. Há muito que fazer em termos de operacionalizaçãode políticas públicas de saúde humanizadoras, bem como intervir no apa-relho formador de pro  fi ssionais para criar uma nova cultura de respeitoà vida vulnerabilizada, sem esquecer a saúde e o bem-estar do cuidador.

     A  final, quem cuida de quem cuida?

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    Prefácio |  13 |

     Num contexto crescente de tecnologização do cuidado, é urgente o res- gate de uma visão antropológica holística do ser humano em suas váriasdimensões, ou seja, física, social, psíquica, emocional e espiritual. Para

    além da busca da difícil resposta à questão do “porquê” da dor/sofri-mento no campo das  filoso  fias e religiões, é preciso implementar cuidado

     solidário, que alia competência técnico-cientí   fica e humana; em outras palavras, que “coloque o coração nas mãos”. A bioética chega em umahora oportuníssima, nos alertando, em meio à crise global, de que esta éa hora da esperança maior de salvarmos o planeta e garantirmos o futuroda vida.

     Parabenizamos o autor da presente obra, que, assumindo seu idealis-

    mo ético −  que para muitos poderá soar simplesmente como um lancede romantismo acadêmico − , ousa não maldizer a escuridão da “crise

     global”, mas a enfrenta com sua ação pro  fi ssional humanizada e humani- zante, para, além disso, por meio de sua re  fl exão bioética, acender a luz daesperança no futuro da plena realização da vida, para além da vida.

     Alguém já falou que o século XXI ou “será ético ou simplesmente não será nada”! É muito oportuna a ousadia de nosso caro amigo por nosobrigar a pensar nessas questões de vida. Muito facilmente, se pudéssemos,

     fugiríamos desse encontro e debate. Esta obra chega em uma boa hora demuita “sede e fome” de aprofundamentos nessas questões de bioética, sem preconceitos ou com agenda fechada. O dr. Raul Marino Junior, com maisesta obra que é fruto de um exaustivo trabalho intelectual de re  fl exão paraa obtenção do título de Professor Livre-Docente da Faculdade de Medici-na da Universidade de São Paulo/Departamento de Medicina Legal, Ética

     Médica, Medicina Social e do Trabalho, vem enriquecer a já expressivabibliogra  fia de bioética elaborada em nossas terras.

     Ao agradecermos o gentil convite de prefaciar esta obra, fazemosvotos de que esta seja amplamente divulgada, debatida, aprofundada eapreciada por todos os que andam pelas sendas da bioética, bem como

     por aqueles que a estão descobrindo como uma esperança do futuro paraa vida, cósmico-ecológica em geral e em especial a vida humana.

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    EPÍGRAFE

    All Scripture, though communicated through varioushuman instruments, has one single Author. And

    that Author does not contradict Himself, nor does Heconfuse his servants.

    Hank Hanegraaff, The Apocalypse Code, Nashville: Thomas Nelson, 2007.

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    APRESENTAÇÃO

    O  presente trabalho é uma grande síntese de todo o pensamento que du-rante décadas acumulamos em lustros de dedicação às neurociências

    e à prática médica como neurocirurgião, neurologista e professor adjuntoem Psiquiatria no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo (FMUSP).

    A convivência com as doenças do cérebro, as emergências neurocirúr-gicas e neurológicas do Hospital das Clínicas, o maior pronto-socorro doEstado, a familiaridade com a dor, o sofrimento de milhares de pacientese de suas famílias, a morte cerebral e as muitas decisões e dilemas frente

    a doadores e receptores de transplantes de órgãos, cedo nos despertaram para os problemas da vida e da morte − esta como nossa constante compa-nhia. Tudo isso nos motivou a tentar responder a uma constante perguntadesde a precoce escolha de nossa especialidade: O que é a Medicina? Sem resposta durante muitos e muitos anos, apesar de nossos prematurosestudos filosóficos, já durante o curso de Medicina na Faculdade de Fi-losofia da Universidade de São Paulo – na saudosa rua Maria Antonia –,iniciados após vestibular no segundo ano de Medicina, persistiam novas

    questões sobre o melhor modo de exercer e cultuar a profissão e a carreiraque escolhemos em momento de graça, como: O que é a vida e o que é amorte? O que é o homem como ser humano? O que é humanismo? Quala conduta certa (ou errada) perante o sofrimento humano? É a ciência

     su  ficiente para explicá-lo? A  final, o que é ser médico? Como fazer para pensar medicamente ante a sacralidade da vida? Ela é mesmo sagrada?Se for, como surgiu? Que pensar do ateísmo e do agnosticismo, tão co-muns entre colegas de classe? Por que o homem existe? Quais são os

     propósitos e o sentido da existência? O que é a compaixão, a caridade,o amor e o respeito em face das doenças humanas? O que é dignidade?Como adquirir uma educação mais humana ou humanitária dentro de

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    Em busca de uma bioética global|  18 |

    uma Medicina tão ligada à matéria? Qual o signi  ficado da existência? Para que serve o homem? O que é a bondade? A quem recorrer para obtertantas respostas?

    Foi por essa época que nos lembramos de uma frase de Pascal há muitotempo sublinhada em suas Pensées e em suas obras completas, que semprenos acompanharam: “Pelo espaço o Universo me abraça e me engole comoum átomo que sou, mas pelo pensamento eu abraço o Universo”.

    Que revelação àquele grãozinho de poeira cósmica que estudava Me-dicina e Filosofia numa das melhores faculdades do país, mas que sabiatão pouco e não tinha respostas para nenhuma daquelas perguntas! Asrespostas, porém, começaram a aflorar. Foi uma grande descoberta quando

    descortinamos um véu e descobrimos que “A Medicina é a mais humanadas ciências e a mais científica das humanidades” (embora a mais empíricadas artes), segundo E. Pellegrino (101). Foi uma revelação. Assim, pas-samos a procurar para nós mesmos uma educação mais humana para ummédico ainda moço, em evolução e crescimento.

    Foi quando a Providência nos fez conhecer um notável teólogo e fi-lósofo, saído do clã dos jesuítas (onde durante algum tempo procuramosadentrar sem sucesso). Tratava-se de Huberto Rohden. Autor de mais de

    60 obras, suas preleções catecúmenas durante um ano sobre o Sermão daMontanha nos levaram a um afastamento dos filósofos que se contradiziamuns aos outros, deixando para trás a Faculdade de Filosofia antes de ter-miná-la, para nos dedicar, até recentemente, à filosofia cristã e à Teologia,sem, porém, deixar de lado a Medicina: foram quatro anos de residênciaem Neurocirurgia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo e mais seis anos entre Estados Unidos e Canadá,sempre com muitos livros do gênero à cabeceira.

    De volta ao Brasil, em 1970, recomeçamos a vida no Pronto-Socorrodo Hospital das Clínicas como plantonista em Neurocirurgia e preceptordos residentes. Após aperfeiçoamento em Neurofisiologia e Neuranatomiado sistema límbico com MacLean (no NIH) e Nauta (no MIT), ligamo-nostambém à clínica psiquiátrica. Nessa clínica fundamos um novo serviço,que batizamos de  Neurocirurgia Funcional , pois pretendia estudar todasas funções cerebrais decorrentes de suas disfunções. Criamos também a

     Neuropsicologia e uma nova Psicocirurgia.Seguiu-se um doutorado, uma livre-docência em Neurologia e, em 1990,

    a titularidade em Neurocirurgia, que nos tornou o primeiro professor a ocupara cadeira recém-criada. Não podemos esquecer também os dois concursoscomo professor adjunto de Psiquiatria, título que muito acarinhamos.

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    Apresentação |  19 |

     Nesse ínterim, conhecemos um ser humano que muito iria influenciarnosso pensamento. Primeiro por meio de suas inspiradas obras; depois,

     pelos meses de permanência em sua tebaida na Úmbria, na medieval vila

    de Spello, que não consta nos mapas da Itália, situada nas cercanias deAssis. Ex-presidente da Ação Católica, com sede no Vaticano, abandonouo honorável cargo, deixando para trás, em Roma, seus tratados de Teologia,dedicando-se aos desvalidos tuaregues, em Tamanraset, no Saara alge-riano, servindo por quinze anos como um dos Irmãozinhos de Foucault.Seu nome era Carlo Carretto, outro inesquecível catecúmeno que soube,mediante sua santidade e exemplo, introduzir milhares de leigos e tambémmuitos clérigos nos mistérios da religião.

    Quem ler um de seus preciosos volumes, como o “Cartas do Deserto”, por certo deixará de ser o mesmo como pessoa.

    Mas o “antigo estudante” ainda continuava a se fazer as mesmas perguntas de antanho. A algumas delas tentamos responder ingressandona Faculdade Pontifícia de Teologia Assunção (UNIFAI), na transição doséculo. Lá cursamos as matérias que mais nos interessavam, entre o 1o eo 4o ano do Diaconato. Entre elas, a que mais nos compungiu foi o cursode Teologia da Revelação, ministrado pelo brilhante teólogo suíço Renold

    Blank, também autor de muitas obras. Ali tomamos contato com os cursosde Ética, moral social e de atitudes e os tratados de M. Vidal (129), que vie-ram enriquecer ainda mais nosso pensamento e responderam a muitas das

     perguntas que nos fazíamos como estudante pré-pascaliano. Os estudos deÉtica e Moral nos fizeram alistar no Curso de Especialização em Bioéticaorganizado pelo então professor Marco Segre na Faculdade de Medicinada Universidade de São Paulo. Esse novo curso nos fez, então, inquiriragora mais a Bioética que a Teologia, embora a última continue sendo

    nossa grande afeição extramedicina. Após essa especialização, procura-mos mais aperfeiçoamento, desta feita na Universidade São Camilo, apóso qual defendemos nossa Dissertação de Mestrado, intitulada “Avaliaçãode Métodos Confirmatórios e Complementares no Diagnóstico da MorteEncefálica – Aspectos Clínicos, Éticos e Bioéticos”,  em abril de 2007.Ali nos defrontamos com grandes professores, coordenados por um dos

     bioeticistas que talvez mais tenham contribuído para a Bioética nacional:o fundador da Sociedade Brasileira de Bioética, professor William SaadHossne, que muito nos tem inspirado. Após esse mestrado, temos nosconcentrado em outras produções científicas, associando-nos às principaissociedades americanas, inclusive à Sociedade Americana de Neuroética,e nacionais de Bioética, hoje trabalhando como professor colaborador

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    Em busca de uma bioética global|  20 |

     permissionário junto ao Departamento de Medicina Legal da Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo na Disciplina de Bioética, onde o

     presente trabalho e vários outros têm sido elaborados, com ênfase especial

    à Neuroética, essa nova e vibrante especialidade, ligada que está às fun-ções éticas e morais do cérebro humano, onde foram implantadas, por seuCriador, áreas especiais que condicionam o comportamento, a conduta, asescolhas, as atitudes e as decisões morais.

    Estas constituem as principais razões do presente trabalho, no qual procuraremos demonstrar, após todos esses anos, que nossas buscas nãoforam em vão, e que muitas daquelas perguntas poderão um dia ser res-

     pondidas, pelo menos em parte, por meio da fé ou da razão que ELE teve

    o cuidado de implantar no sistema neuronal dos humanos no processo denossa criação.

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    INTRODUÇÃO 

    Um ponto de partida que parece evidente quando pretendemos estudarum campo novo do conhecimento é perguntarmos: de que se trata?Por isso, começaremos por descrever em que consiste nosso assunto, paraulteriormente analisar sua história, apresentar suas teorias, contribuiçõese âmbito, dentro de um paradigma global e abrangente, de pesquisa e decompreensão, sabendo, de antemão, das dificuldades nos momentos de

    apresentar conclusões, mas guardando o empenho e o valor de nos permi-tir uma visão não reducionista de um assunto complexo como o que nos

     propomos a estudar, por vezes transcendental e sublime.A proposta do presente estudo é demonstrar, à saciedade, que a Bio-

    ética, hoje, é a mais bela expressão de uma construção comum do saberhumano perante o desafio da vida. Tendo ela a vida e a saúde do homemcomo objeto de estudo, por meio da Ética – ramo da Filosofia – tornou-se,hodiernamente, a mais vibrante área da Filosofia e da Ética aplicadas, com

    dimensões extrainstitucionais, já que, como ciência multi e transdisciplinarque é, relaciona-se com uma série de outras disciplinas, como Filosofia,Ética, Moral, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Teologia, TeologiaMoral, Ecologia e Humanismo, e também ao cuidado e às virtudes, cujasimplicações situaremos no decorrer de nossas exposições.

    Tais considerações e definições se farão necessárias pelo fato de quenosso objetivo central será o de interpretar – com base nessas disciplinas

     – o que deveria ser uma Bioética  global , ecumênica e de aplicação univer-

    sal, a qual englobaria seu cotejamento com todos esses conhecimentos, sefundamentada na lei moral natural , eterna e divina, escrita, implantadae revelada por seu Criador no âmago do coração do homem, como fontenatural de toda moral, de toda justiça, dos valores supremos e do sagrado,

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    certamente todos os requisitos necessários para uma nova Ética médica,uma nova Bioética e uma Medicina mais humana.

    Este livro, em razão de não abordar – como é costume nas teses médicas

     – tabelas, números, estatísticas, experimentos laboratoriais, o trato com pa-cientes ou casos clínicos, poderia ser advogado ou defendido em qualquermeio dedicado às humanidades, como Letras, Antropologia, Psicologia,Filosofia ou Teologia. Entretanto, escolhemos a Medicina, que é, como

     já dissemos, “A mais humana das ciências e a mais científica das huma-nidades”, e esperamos que seu conteúdo humanístico possa servir comoreflexão e modesta contribuição para uma verdadeira Medicina da pessoahumana, a qual, nos dias de hoje, cada vez mais, se distancia dos valores,

    do humanitarismo que a criou e da espiritualidade que a tornava sagrada.É nosso objetivo  senso lato que este trabalho contenha uma centelha

    interna de uma utopia, pois temos visto, através da história da humanidade,que algumas delas podem, algum dia, tornar-se uma realidade e uma luzinextinguível.

     1.1 ObjetivoPropor a fundamentação teórica de uma Bioética global, ecumênica e de

    aplicação universal.

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    HISTÓRICO

    2.1 Uma Breve História da ÉticaO pensamento clássico propriamente dito tem um fundamento no gêniofilosófico grego, que se inicia em princípios do século VI a.C. nas flores-centes colônias gregas da Ásia Menor (Jônia) e na Magna Grécia (Itália doSul), onde nasce a civilização grega por meio dos jônios em Mileto, dos

     pitagóricos em Samos, de Heráclito em Éfeso, dos eleatas com Xenofanes

    e Parmênides, de Empédocles na Sicília (Agrigento), de Anaxágoras deClazomena na Jônia e Demócrito na Trácia (Abdera), todos fundadores do

     primeiro período do pensamento grego, denominado naturalista pelo fatode ser voltado para o mundo exterior. Nesse período, que terminou em finsdo século V a.C., procurava-se também achar o princípio unitário de todasas coisas.

    O segundo período da história do pensamento grego abraça substancial-mente o século IV a.C., iniciando-se com os sofistas e Sócrates, as escolas

    menores, cínica e cirenaica, precursoras respectivamente do estoicismoe do epicurismo, Platão e Aristóteles, que originaram a Academia e oLiceu. Durante esse segundo período, denominado sistemático, realiza-sea grande e lógica sistematização do pensamento grego, culminando comAristóteles, através de Sócrates e Platão, que fixam o conceito de ciência e do inteligível. Nesse período, os interesses giram não mais em torno danatureza, mas em torno do homem e do espírito, da metafísica, passando-se à gnosiologia e à moral, razão pela qual recebeu também o nome de

     período antropológico, pela importância e o lugar central destinado aohomem e ao espírito no sistema do mundo, até então limitado à naturezaexterior. Apesar de ter sido um período excelso do pensamento humano,

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    teve duração bastante curta e começou a decair no mesmo século, após otriunfo político da democracia grego-ateniense sobre as pessoas e sobre aretórica e a eloquência da sofística, que tinha Protágoras, Górgias, Hípias e

    Pródicos entre seus maiores, junto a uma plêiade de menores, demolidoresda ciência e da moral entre céticos e hedonistas.

    Foge do escopo deste trabalho analisar as teorias éticas e morais quecomeçaram a ser elaboradas por Sócrates no século V a.C. e pelos pré-socráticos. Assim, nos limitaremos a citar as de maior relevância histórica,que demarcaram três grandes fases na história da filosofia.

     Numa primeira fase, a qual compreende a Antiguidade clássica e aIdade Média, citaremos as teorias éticas baseadas na pergunta pelo “ser”,

    ou seja, pela verdadeira realidade das coisas, incluindo as coisas humanas,como a própria moralidade.

     Numa segunda fase, que compreende o período denominado  filoso  fia moderna, inaugurada por Descartes, e que se estende até princípios doséculo XX, examinaremos as éticas nascidas da reflexão ao redor da noçãode “consciência” como nova abordagem filosófica.

     Numa terceira fase, incluiremos as éticas que ecoaram da famosa “viradalinguística” característica da  filoso  fia contemporânea, fixadas filosofica-

    mente na existência da linguagem e da argumentação como fenômenosque procuram a busca e a exigência de sentido.Poderemos agora verificar que as doutrinas morais oferecem uma

    orientação imediata para a vida moral das pessoas, ao passo que as teoriaséticas  pretendem, antes, dar-nos conta do fenômeno da moralidade emgeral. Como veremos, as respostas soi-disant  filosóficas oferecidas pelosdiferentes filósofos – antigos ou modernos – às questões fundamentais davida ética e moral, como:

    • o que devemos fazer?• como organizar uma boa sociedade?• por que existe moral?• existem motivos para orientar nossa vida seguindo uma concepção

    moral determinada?• como escolher entre essas diferentes concepções?

    estão longe de ser unânimes entre diferentes correntes filosóficas. Cadateoria ética oferecerá determinada visão da moralidade, analisando-a a

     partir de uma perspectiva diferente, embora todas sejam elaboradas comos mesmos conceitos, já que não é possível pregar determinada moral

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     prescindido de valores, bens, deveres, consciência, felicidade, finalidadesda conduta, liberdade, responsabilidade, amor, virtudes. Essas diferençasentre as diversas teorias filosóficas ou éticas não têm origem nesses con-

    ceitos, mas no modo como os ordenam em prioridades e nos diferentesmétodos filosóficos que utilizam.

    Embora a história já milenar da ética reúna grande diversidade de teo-rias, com frequência contrapostas ou contraditórias, logo verificaremos que

     poucas delas, ou alguma em particular, poderiam ser válidas para nós comoseres humanos do século XXI – não cabendo também a inferência de quenenhuma delas nada pode trazer para a resolução de nossos problemas oudilemas éticos. Todas as teorias existentes, mesmo as mais modernas, têm

    revelado a enorme criatividade do pensamento clássico grego que inventoua Ética, a qual vem se adaptando aos problemas de cada época histórica,representando novas soluções, algumas à altura do nosso tempo, motivo

     pelo qual ora estudamos as principais escolas éticas do passado, nascidasentre os gregos, somando-se no Ocidente ao elemento latino, assimiladaaos romanos que lhe emprestaram sua própria contribuição. Ulteriormente,com a expansão da ética e da moral do cristianismo, o componente greco-latino de nossa cultura ocidental veio a se enriquecer com a influência

    oriental da sabedoria judaica – condensada no Antigo Testamento e nasleis de Moisés – e ainda mais com a própria contribuição cristã advindado Novo Testamento, o qual veio abalar todas as estruturas do pensamentoético e filosófico do Ocidente até os dias da moderna civilização.

    2.2 A Moral de Sócrates – Pai da Filosofia MoralSócrates, considerado o fundador da ciência em geral mediante a doutrinado conceito, foi também o fundador, em particular, da ciência moral ,

    mediante a doutrina de que a eticidade signifi

    ca a racionalidade e a açãoracional. Para ele, virtude é inteligência, é razão, é ciência e não apenassentimento, rotina, costume, tradição, lei positiva ou opinião comum. Tudoisso tem de ser criticado, superado, subindo até a razão, e não descer até aanimalidade, como ensinavam os sofistas, estabelecendo, assim, critériosracionais para distinguir a verdadeira virtude da mera aparência de virtude.O que o preocupa é a excelência própria do ser humano, o ideal de sermelhor (aristós) e, em consequência, o modo como deveríamos conduzirnossa vida. Os sofistas, seus predecessores, identificavam a excelênciahumana com o processo político e o último com o domínio da eloquência,a arte de convencer por meio de artifícios retóricos. Em contrapartida, Só-crates busca continuamente a verdade por meio do diálogo, da maiêutica e

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    da reflexão, não valorizando o domínio da retórica, muitas vezes utilizandoa ironia seguida de perguntas críticas, fato que lhe valeu o cognome de“mutuca (ou moscardo) de Atenas”.

    Embora não tenha deixado nenhuma obra escrita, os testemunhos daépoca nos permitiram reconstruir muitas de suas contribuições: Sócrateselevava a importância da razão para a ação moral até o intelectualismo que,ao identificar o conhecimento e a virtude, a ignorância e o vício, tornavaimpossível o livre-arbítrio. Sua gnosiologia, entretanto, carece de umaespecificação lógica precisa, o que leva sua ética a sofrer de um conteúdoracional, pela ausência de uma metafísica.

    A excelência e o fim do homem se revelam antes de tudo na atitude de

     busca do verdadeiro bem, a perfeição moral consistindo no abandono deatitudes dogmáticas e céticas – que são produtos da preguiça –, adotandouma atitude crítica que só se deixa convencer pelo melhor argumento. En-tretanto, Sócrates não sabe, nem pôde precisar esse bem, essa felicidade,

     precisamente porque lhe faltou uma metafísica. Afirma que ninguém queconhece o verdadeiro bem pode agir mal (doutrina do intelectualismo mo-ral) e quem o faz é na verdade um ignorante; daí a importância da educaçãodos cidadãos como tarefa ética primordial, os quais, se sábios, serão bons

    cidadãos.Afirma que a verdade habita no fundo de nós mesmos e que podemoschegar a ela mediante a introspecção e o diálogo. Na juventude adotoucomo lema de vida a inscrição do Templo de Apolo em Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”, o método maiêutico na busca da verdade.

    Traçou, assim, o itinerário que seria percorrido por Platão e acabadodepois por Aristóteles. Esses dois filósofos, partindo dos pressupostos so-cráticos, desenvolveram uma gnosiologia acabada, uma grande metafísica

    e, consequentemente, uma moral baseada na ação racional e uma ética doagir segundo a natureza. Dessa maneira, o homem alcança a felicidademediante a virtude. Logo, o fim do homem é a felicidade, para a qual énecessária a virtude, que por sua vez necessita da razão.

    2.3 A Moral de Platão Nas diversas passagens por seus Diálogos, vamos encontrar extensasreflexões sobre a maior parte dos conceitos morais, porém sempre sob ainfluência de uma formulação herdada do próprio Sócrates: a verdadeiramoral deve ser um conhecimento que presida ao mesmo tempo a vida doindivíduo e da comunidade, a do cidadão e a da polis, como um conhecimen-to que nos orienta para alcançar a felicidade; e o primeiro elemento desse

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    conhecimento já nos informa que os seres humanos só podem ser felizesno seio de uma comunidade bem organizada. Para chegar a essa cidadefeliz, onde cada um possa desfrutar da própria felicidade, Platão propõe

    um modelo ideal, uma utopia, elaborada pela razão e pela imaginação,como ponto de referência a todos que pretendam reformar os costumes eas instituições com o objetivo de melhorar a vida humana tanto individualcomo social. Ele expõe esse projeto utópico na república, como uma repre-sentação ampliada da alma humana. Essa concepção ideal, espiritual, éticae ascética do estado platônico, constituído por filósofos a quem caberiadirigir a república, pelos guerreiros que defenderiam o Estado externa einternamente e os produtores – agricultores e artesãos –, submetidos aos

    dois precedentes, a quem caberia a conservação econômica do Estado emconsonância à conservação moral e física desse Estado realizada pelos dois

     precedentes. A natureza do Estado é essencialmente a de um organismoético-transcendente, e sua finalidade primordial é pedagógico-espiritual. Aeducação fica nas mãos do Estado, que deve prover, antes de tudo, o bemespiritual dos cidadãos, educando-os para a virtude, e ocupar-se com seu

     bem-estar material apenas secundária e instrumentalmente. Platão idolatraa grandeza moral e tende a desvalorizar a grandeza militar e comercial, a

    dominação e a riqueza.Cada um desses elementos da  polis se caracterizaria por uma virtude específica que lhes permitiria realizar sua tarefa adequadamente: a) os go-vernantes ou filósofos pela prudência, entendida como a sabedoria que seaplica para alcançar o bem geral da cidade; b) os defensores ou guardiães

     pelo valor , como firmeza na defesa da cidade e no cumprimento das ordensdos governadores; c) os produtores, pela moderação ou temperança, comoautocontrole e harmonia na submissão voluntária à autoridade dos gover-

    nantes para que se realize um desenvolvimento ordenado da produçãoeconômica. A virtude própria da alma racional é a sabedoria ou prudência,a fim de alcançar o bem geral do indivíduo, permitindo a regulação detodas as ações do homem.

    A virtude da  justiça  seria a virtude fundamental, representando aharmonia das atividades da alma conforme a razão e com a sapiência.Suas famosas quatro virtudes naturais, depois chamadas cardeais, seriama prudência, a fortaleza, a temperança e a justiça, construindo a base dametafísica platônica da alma. Sua teoria ética insiste sobre a noção do bemabsoluto e objetivo, o Bem com maiúscula, que em sua finalidade de IdeiaSuprema no mundo das ideias constitui a razão última de tudo o que existee de toda a possibilidade de conhecimento, sendo o Bem uma realidade em

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    si mesmo – um encontro místico com o sobrenatural, dando-nos um tipo deconhecimento superior: uma ciência do Bem, que capacita a quem a possui

     preservar com retidão e justiça os assuntos da  polis, e que seriam os de-

    cantados governantes – filósofos, sua estatura moral não podendo ser maiselevada, pois o conhecimento do Bem os impedirá irresistivelmente a agir

     bem (segundo o intelectualismo moral socrático), sendo essa ideia do Bemtambém o centro da religião platônica. Seu culto essencial é representado

     pela ciência e pela virtude que dela deriva. Subordinadas a essa espécie deDeus supremo estão as demais ideias, denominadas por Platão de deuseseternos. Repele os deuses dos mitos de Homero, fantásticos, imorais eheróis, poéticos, mas aceita o politeísmo, cujas divindades são os astros e

    o cosmos, que chama de “deuses visíveis” subordinados ao Demiurgo, aideia do bem e as outras ideias, conservando a religião helênica purificadacomo religião de seu estado ideal.

    Entre as ideias e a matéria está o Demiurgo – o arquiteto do Universo – e as almas, de onde desce das ideias para a matéria o tanto de raciona-lidade que nela aparece. O Demiurgo plasma o caos da matéria sobre omodelo das ideias eternas, introduzindo-lhes a alma, princípio de ordeme de vida.

    Platão é um pampsiquista, isto é, a alma do mundo anima todo o Uni-verso e depois partes dele, dependentes e inferiores, que seriam as almasdos astros, dos homens etc. (106).

    2.4 A Moral de AristótelesAristóteles foi o primeiro filósofo a elaborar tratados sistemáticos deÉtica. O mais importante deles, Ética a Nicômaco, até hoje consideradouma das obras-primas da filosofia moral, foi dedicado a seu filho Nicô-

    maco. Aristóteles nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, em 384a.C., e aos 18 anos ingressou na Academia de Platão, onde ficou por20 anos, até a morte do mestre. Em 335, fundou seu Liceu, perto dotemplo de Apolo Licio, daí seu nome. Sua escola chamou-se peripatéticaem virtude do costume de dar lições em amena palestra, passeando nosumbrosos caminhos do ginásio de Apolo, rivalizando com a gloriosaAcademia platônica. Segundo Aristóteles, a filosofia é essencialmenteteorética: deve decifrar o enigma do Universo, em face do qual a atitudeinicial do espírito é o assombro do mistério, e seu problema fundamentalé o problema do ser e não o problema da vida. Seu objetivo próprio sãoas essências imutáveis, e a razão última das coisas, isto é, o universale o necessário, as formas e suas relações. Foi o criador da lógica como

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    ciência especial, sobre a base socrático-platônica, por ele denominadaanalítica e que representa a metodologia científica (Organon), onde estácontida sua gnosiologia.

    Aristóteles trata da moral em suas três Éticas: Ética a Nicômaco, em 10livros, Ética a Eudemo, inacabada, e a Grande Ética, compêndio das duas

     precedentes, em especial da segunda. Nelas o autor apresenta a questão-chave de toda investigação ética: qual é o fim último de todas as atividadeshumanas? Esse fim, a que todos os outros fins se subordinam, não pode seroutro que a eudaimonia, a vida boa, a vida feliz. Em que consiste a verda-deira felicidade? Seria um bem perfeito, que o buscamos por si mesmo enão como meio para outra coisa e não a ânsia por normas e riquezas. Enfim,

    o bem supremo do homem se constituirá em algum tipo de atividade quelhe seja peculiar sempre que tal atividade possa ser realizada de uma ma-neira excelente – uma chave para o bem último – como missão que todostemos a cumprir na própria comunidade, e nosso dever moral  é justamente

     bem desempenhar nela nosso papel, para tanto sendo necessário adquirir asvirtudes correspondentes a suas funções sociais. Para ele, a felicidade mais

     perfeita para o ser humano reside no exercício da inteligência teórica, istoé, na contemplação ou compreensão dos conhecimentos, cuja atividade

    nunca terá fim e que infelizmente só é possível para os deuses. Outro ca-minho seria o exercício do entendimento prático, que consiste em dominaras paixões e conseguir uma relação amável e satisfatória no mundo naturale social em que estamos integrados, ajudados pelas virtudes (que distingueem éticas, que constituem propriamente o objetivo da moral, e dianoéticas,que a transcendem), sendo a virtude concebida como um justo meio entredois extremos, isto é, entre duas paixões opostas: porquanto o sentido

     poderia esmagar a razão e não lhe dar forças suficientes.

    A principal virtude dianoética é a prudência, que constitui a verdadeirasabedoria prática e nos facilita o discernimento e a tomada de decisões,guiando-nos para a obtenção de um equilíbrio entre o excesso e a falta,sendo guia de outra virtude que Aristóteles chamava de  phronesis, ousabedoria prática, e Tomás de Aquino denominou recta ratio agilibilium,uma retidão em agir com a razão: a fortaleza ou coragem, termo médioentre a covardia e a temeridade; ser generoso seria um termo médio entreo esbanjamento e a mesquinhez. Mas o termo médio não é uma opção pelamediocridade, e sim pela perfeição. Uma pessoa virtuosa será certamenteuma pessoa feliz, desde que viva numa sociedade regida por boas leis. Ologos, essa capacidade que nos possibilita a vida contemplativa e a tomada

     prudente de decisões, também nos capacita para a vida social. Por isso,

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    a ética não pode desvincular-se da política: o maior bem individual, afelicidade, só é possível numa polis dotada de leis justas.

    Em resumo, a ética aristotélica afirma que a moral existe porque os seres

    humanos buscam irrefreavelmente a felicidade, a ventura, e, para alcançaresse objetivo, necessita das orientações morais; quais comportamentos equais virtudes e que tipo de caráter moral  são mais adequados para essafinalidade, sendo a vida moral um modelo de “autorrealização” (éticaeudaimonista) em contraste com as éticas que buscam apenas o prazer (ouhedonistas, de hedoné) (3).

    2.5 Éticas do Período Helenista

    2.5.1 Epicurismo – Estoicismo (Período Ético)O terceiro período do pensamento grego abrange três séculos: da morte deAristóteles até o início da era vulgar. Esse período toma o nome de helenis-mo, significando a expansão da cultura grega, ou helênica. Na história dafilosofia, denomina-se período ético, já que o interesse filosófico volta-se

     para os problemas morais.O epicurismo e o estoicismo retornam à metafísica materialista dos

     pré-socráticos, bem como à moral das escolas socráticas menores, cínica ecirenaica; depois o ceticismo e o ecletismo anulam toda a metafísica e con-sequentemente toda a moral, voltando-se para a sofística e menosprezandoo grande desenvolvimento filosófico platônico-aristotélico. Seu pensa-mento pragmatista deve ser procurado na decadência espiritual e moral daépoca, faltando aos homens o interesse e a força para a especulação purae sensibilidade diante do mal, encontrando a orientação moral na renúnciaao mundo e à própria vida.

    A moral epicurista é uma moral hedonista, em que o prazer sensível é ofim supremo da vida. Esse prazer não consiste na consecução de um bem,mas no afastamento do sofrimento. Como a estoica, é uma moral ascética,negativa, em que a virtude suprema é a renúncia e o bem supremo dohomem é a quietude (ataraxia). Epícuro, seu fundador, admite como ápiceda vida humana os prazeres espirituais positivos, como a amizade, a arte, o

     pensamento, a alma perecendo com o corpo. O que move nossa conduta é a busca do prazer e será sábio quem for capaz de calcular corretamente quaisatividades proporcionam maior prazer e menor sofrimento.

    O estoicismo foi fundado por Zenão de Cítio (334-262 a.C.), que abriu aescola Estoica em Atenas em 360 a.C. Depois ela contou com figuras comoPosidônio Sêneca Epicteto e o imperador Marco Aurélio Para os estoicos