EM BUSCA DE UMA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DE MEIO AMBIENTE

9
44 S EM BUSCA DE UMA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DE MEIO AMBIENTE três exemplos e uma exceção à regra Resumo: A política externa brasileira de meio ambiente carece de princípios claros, objetivos e estratégias. Por não compreender o que significa o desenvolvimento sustentável, o Itamarati freqüentemente privilegia os interesses econômicos de curto prazo, em detrimento da proteção do meio ambiente. A Convenção da Basi- léia, o Protocolo de Cartagena e a Convenção de Estocolmo são três exemplos dessa tese, enquanto a Conven- ção de Mudanças Climáticas é a exceção que confirma a regra. Palavras-chave: meio ambiente; política externa; desenvolvimento sustentável. Abstract: Brazil´s foreign environmental policy lacks clear principles, objectives and strategies. In its failure to understand the significance of sustainable development, the Itamaraty often favors short-term economic interests, to the detriment of environmental protection. The Basil Convention, the Cartagena Protocol and the Stockholm Convention are three supporting examples of this thesis, while the Convention on Climate Change is the exception that confirms the rule. Key words: environment; foreign policy; sustainable development. MARIJANE VIEIRA LISBOA ó uma conceituação muito frouxa do que seria po- lítica poderia permitir o uso do termo política ex- terna brasileira de meio ambiente para qualificar ça dos países em desenvolvimento. Três exemplos, a se- guir, ilustram essa realidade. CONVENÇÃO DA BASILÉIA A Convenção da Basiléia começou a ser negociada em 1989 e pretendia dar conta do grave problema e, ao mes- mo tempo, moralmente indecente crescimento das expor- tações de lixo perigoso do mundo industrializado para o mundo em desenvolvimento. Nos anos 80, a crescente consciência ambiental no mundo industrializado criava enormes dificuldades à construção de novos aterros e incineradores para resíduos perigosos. Isso que veio a ser chamado de Nimby Efect Not in my backyard – , tradu- zido como “não na minha vizinhança”, aliado a legisla- ções ambientais mais severas e aos novos compromissos internacionais de não mais se despejar resíduos perigosos nos oceanos, 1 fez que os custos de manejo de lixo perigo- so subissem vertiginosamente nos países industrializados. O comércio de lixo perigoso apresenta-se, então, como a alternativa, pois por baixos custos era possível encontrar companhias que comprassem esse lixo e o despejassem nos países em desenvolvimento. Ditadores corruptos de um conjunto de posicionamentos ambíguos e contraditó- rios intercalados por omissões sistemáticas que tem dado o tom da atuação brasileira na esfera internacional, em relação aos temas ambientais. A famosa diplomacia bra- sileira, no campo ambiental, tem sido bastante medíocre e uma explicação para o fenômeno desafia observadores e atores envolvidos nas negociações internacionais. A exceção que confirma a regra é o caso da política brasi- leira na área da Convenção das Mudanças Climáticas, mas se verá, mais adiante, que as condições que permitiram o desenvolvimento de uma política coerente para essa pro- blemática, não estiveram presentes em nenhum dos ou- tros temas relevantes da política ambiental internacional. A mediocridade da política ambiental brasileira con- trasta tragicamente com as pretensões mais gerais da di- plomacia brasileira de situar o Brasil como potência mun- dial, capaz de dialogar de igual para igual com os EUA, a União Européia e o bloco asiático, ao mesmo tempo em que se reivindica a posição de líder natural dos países la- tino-americanos, disputando ainda com a Índia a lideran- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(2): 44-52, 2002

description

EM BUSCA DE UMA POLÍTICA EXTERNABRASILEIRA DE MEIO AMBIENTE

Transcript of EM BUSCA DE UMA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA DE MEIO AMBIENTE

  • SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(2) 2002

    44

    S

    EM BUSCA DE UMA POLTICA EXTERNABRASILEIRA DE MEIO AMBIENTEtrs exemplos e uma exceo regra

    Resumo: A poltica externa brasileira de meio ambiente carece de princpios claros, objetivos e estratgias.Por no compreender o que significa o desenvolvimento sustentvel, o Itamarati freqentemente privilegia osinteresses econmicos de curto prazo, em detrimento da proteo do meio ambiente. A Conveno da Basi-lia, o Protocolo de Cartagena e a Conveno de Estocolmo so trs exemplos dessa tese, enquanto a Conven-o de Mudanas Climticas a exceo que confirma a regra.Palavras-chave: meio ambiente; poltica externa; desenvolvimento sustentvel.

    Abstract: Brazils foreign environmental policy lacks clear principles, objectives and strategies. In its failureto understand the significance of sustainable development, the Itamaraty often favors short-term economicinterests, to the detriment of environmental protection. The Basil Convention, the Cartagena Protocol and theStockholm Convention are three supporting examples of this thesis, while the Convention on Climate Changeis the exception that confirms the rule.Key words: environment; foreign policy; sustainable development.

    MARIJANE VIEIRA LISBOA

    uma conceituao muito frouxa do que seria po-ltica poderia permitir o uso do termo poltica ex-terna brasileira de meio ambiente para qualificar

    a dos pases em desenvolvimento. Trs exemplos, a se-guir, ilustram essa realidade.

    CONVENO DA BASILIA

    A Conveno da Basilia comeou a ser negociada em1989 e pretendia dar conta do grave problema e, ao mes-mo tempo, moralmente indecente crescimento das expor-taes de lixo perigoso do mundo industrializado para omundo em desenvolvimento. Nos anos 80, a crescenteconscincia ambiental no mundo industrializado criavaenormes dificuldades construo de novos aterros eincineradores para resduos perigosos. Isso que veio a serchamado de Nimby Efect Not in my backyard , tradu-zido como no na minha vizinhana, aliado a legisla-es ambientais mais severas e aos novos compromissosinternacionais de no mais se despejar resduos perigososnos oceanos,1 fez que os custos de manejo de lixo perigo-so subissem vertiginosamente nos pases industrializados.O comrcio de lixo perigoso apresenta-se, ento, como aalternativa, pois por baixos custos era possvel encontrarcompanhias que comprassem esse lixo e o despejassemnos pases em desenvolvimento. Ditadores corruptos de

    um conjunto de posicionamentos ambguos e contradit-rios intercalados por omisses sistemticas que tem dadoo tom da atuao brasileira na esfera internacional, emrelao aos temas ambientais. A famosa diplomacia bra-sileira, no campo ambiental, tem sido bastante medocree uma explicao para o fenmeno desafia observadorese atores envolvidos nas negociaes internacionais. Aexceo que confirma a regra o caso da poltica brasi-leira na rea da Conveno das Mudanas Climticas, masse ver, mais adiante, que as condies que permitiram odesenvolvimento de uma poltica coerente para essa pro-blemtica, no estiveram presentes em nenhum dos ou-tros temas relevantes da poltica ambiental internacional.

    A mediocridade da poltica ambiental brasileira con-trasta tragicamente com as pretenses mais gerais da di-plomacia brasileira de situar o Brasil como potncia mun-dial, capaz de dialogar de igual para igual com os EUA, aUnio Europia e o bloco asitico, ao mesmo tempo emque se reivindica a posio de lder natural dos pases la-tino-americanos, disputando ainda com a ndia a lideran-

    SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(2): 44-52, 2002

  • 45

    EM BUSCA DE UMA POLTICA EXTERNA BRASILEIRA DE...

    pases africanos ou centro-americanos autorizavam a des-carga de barris em praias desertas e reas abandonadas,em troca de depsitos bancrios em algum paraso fiscal.

    Tambm havia um outro destino para esse lixo perigoso.Fundies secundrias, que extraem metais com algum va-lor, partindo de resduos industriais, como o chumbo, o zin-co e o cobre, tinham interesse em adquirir essa matria-pri-ma barata. Em pases recm- industrializados como o Brasil,a ndia, a Indonsia ou as Filipinas, existem dezenas de in-dstrias deste tipo, poluindo o meio ambiente com metaispesados como chumbo, mercrio, cromo e arsnico, ao mes-mo tempo em que condenam invalidez sem assistnciamdica e previdenciria seus milhares de trabalhadores.

    Por presso dos pases africanos, principais vtimasdesse comrcio imoral, a ONU comeou a patrocinar ne-gociaes para elaborar uma conveno internacional, vi-sando coibir esse comrcio criminoso. A Conveno daBasilia, no entanto, assinada em 1989 em Basilia, de-cepcionou enormemente os pases africanos, por excluirum dispositivo que proibiria a exportao de resduos pe-rigosos do Primeiro Mundo para os pases em desenvol-vimento. Essa excluso deveu-se s presses de ltima horados EUA, um dos maiores exportadores de resduos peri-gosos para o mundo em desenvolvimento, juntamente coma Inglaterra e a Alemanha.

    Em dezembro de 1992, a 1a Reunio das Partes da Con-veno da Basilia deu-se em Piripolis, no Uruguai. Namesa, novamente, uma proposta de resoluo, apresenta-da pelo prprio secretrio-geral do Programa das NaesUnidas para o Meio Ambiente, o sr. Mustafa Tolba, quepropunha a proibio de exportao de resduos perigo-sos para os pases em desenvolvimento. Entretanto, devi-do enorme resistncia do bloco dos pases desenvolvi-dos, capitaneados pelos EUA, Canad, Austrlia, Japo,Inglaterra e Alemanha, Mustafa Tolba retirou sua proposta.O Grupo 77 e China, porm, inconformados com o desen-lace da reunio, deixaram registrado que pretendiam ado-tar e apresentar de novo a mesma proposta, na prximareunio das Partes, o que ocorreria em maro de 1994,em Genebra. Nessa reunio, finalmente, aps calorososdebates e negociaes que se arrastaram at alta madru-gada, aprovou-se a resoluo que passou a ser conhecidacomo a Proibio da Basilia. Por essa resoluo, a par-tir de fins de 1997 os pases industrializados estariam im-pedidos de exportar resduos perigosos para os pases emdesenvolvimento.

    Como comportou-se o Brasil em relao a essas nego-ciaes? Em contatos com o Departamento de Meio Am-

    biente do Itamaraty (Dema), ainda antes da realizao da1a Reunio das Partes, em Piripolis, o Greenpeace diag-nosticou certa resistncia brasileira aprovao de umaproibio total para importaes de resduos perigosos,em virtude do Pas costumeiramente importar resduos pe-rigosos de metalrgicas, para extrao de chumbo e ou-tros metais perigosos. Devido ao fato de no possuirmosjazidas de chumbo e a importao de minrio puro ser agra-vada por impostos especiais, tornava-se economicamenteinteressante para recicladoras de baterias automotivas noBrasil importar as baterias usadas dos EUA, de modo arecuperar-lhes o chumbo. Vale dizer, que a recuperaode chumbo, mesmo que realizada com a mais avanadatecnologia o que no era o caso no Brasil uma ope-rao altamente perigosa tanto para o meio ambiente, quan-to para a sade dos trabalhadores nela envolvidos.

    Embora concordasse com o esprito geral da propostade proibir as exportaes de resduos perigosos para oTerceiro Mundo, a existncia de um setor econmico den-tro do nosso prprio pas contrrio essa proibio ain-da que fosse um setor de expresso econmica insignifi-cante no conjunto da economia brasileira levou oItamaraty a assumir uma postura absolutamente discretadurante a 1 Reunio das Partes, em Piripolis.

    Um ano e tanto depois, por solicitao do Greenpeace,o Ministro Rubens Ricpero, na poca Ministro do MeioAmbiente, convocou uma reunio informal do ConselhoNacional de Meio Ambiente para discutir a posio a sertomada pelo Brasil na prxima reunio da Conveno, asegunda, a ser realizada em Genebra, em maro de 1994.Presentes diversos secretrios de meio ambiente, deputa-dos e entidades ambientalistas, o Ministro declarou nover qualquer inconveniente em apoiar resoluo que proi-bisse a importao de resduos perigosos. Paralelamente,em um de seus raros perodos proativos, o Ministrio doMeio Ambiente estava preparando legislao nacionalvisando eliminar as ltimas excees para importao deresduos perigosos, entre eles o chumbo.

    Em Genebra, no entanto, a prpria delegao brasilei-ra surpreendida por novas instrues chegadas deBraslia. O Brasil no apoiaria uma resoluo que proi-bisse a exportao de resduos perigosos para pases emdesenvolvimento, j que ele prprio necessitava de algunsdesses resduos, como o chumbo.

    Isolado, porm, nessa posio dentro do Grupo Lati-no-Americano e do Caribe (Grulac), o Brasil, que almdo mais fora escolhido com o porta-voz do grupo juntoao G-77, teve que ceder posio consensual dos demais

  • SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(2) 2002

    46

    e endossar a proposta de proibio. Novamente apresen-tada ao plenrio da 2 Reunio das Partes pelo G-77, apsrduas negociaes, ela foi aprovada. Decisivo para essedesenlace foi a formao da Unio Europia, forandoInglaterra e Alemanha, grandes oponentes da proibio aaceitarem a posio majoritria dos outros membros daUnio, favorveis proibio.2

    Nos meses que se seguiram, o bloco dos pases expor-tadores, EUA, Canad e Austrlia, rearticulou-se, buscan-do invalidar os efeitos da Probio da Basilia. Endossa-ram a proposta feita pela Inglaterra, anterior formaoda Unio Europia, de transformar em emenda ao textoda Conveno apenas a parte da resoluo que menciona-va a proibio de exportao de resduos perigosos comvista ao despejo final. Com isso, deixava-se de fora justa-mente aquela parte mais significativa do trfico de res-duos perigosos que ia parar nas fundies secundrias dospases em desenvolvimento, classificado como resduoexportado para reciclagem ou recuperao.

    Para contornar essa manobra, a Dinamarca apresentouproposta de transformar em emenda Conveno o texto in-tegral da resoluo aprovada no ano anterior. Quando da 3Reunio das Partes, em setembro de 1995, tambm em Ge-nebra, uma distribuio de foras ligeiramente diferente seconfigurou: de um lado o bloco EUA, Canad, Austrlia,Japo e aliados e de outro o G-77, ainda que com algumasdefeces, mas com o apoio de toda a Unio Europia.

    O Brasil chegou a Genebra com uma delegao nume-rosa, tendo a sua frente um diplomata de grande experin-cia na rea de direito ambiental, defendendo a tese de queno era necessrio emendar a Conveno, pois resoluesadotadas livremente por pases em convenes internacio-nais deveriam ter fora de lei, ou seja, efeito vinculante.Esse argumento tcnico, no entanto, servia apenas comodesculpa para a recusa do Brasil em apoiar a proposta deemenda da Dinamarca. Durante as negociaes e mesmoem entrevista imprensa brasileira, a delegao brasilei-ra deixava transparecer a real razo de sua recusa em apoiara emenda dinamarquesa: sua postura contrria proibi-o aprovada no ano anterior.

    Novamente, no entanto, o Brasil tinha pouco espaode manobra. Premido entre os dois blocos, acabou por terque engolir a proposta dinamarquesa, quando esta foi apro-vada por consenso, depois que as ltimas resistncias dobloco EUA, Canad, Austrlia e Japo foram vencidas.

    Na verdade, a sada de Rubens Ricpero do Ministriodo Meio Ambiente tinha permitido que os setores econ-micos ligados metalurgia ocupassem vcuos de poder

    ali deixados. O grupo de funcionrios do ministrio quetentava desenvolver uma poltica ambiental para resduosfoi desbaratado e o ministrio chegou mesmo a promul-gar uma resoluo ad hoc do Conama, s vsperas do Natal,que deixava a exclusivo critrio do Ministro do Meio Am-biente autorizar a importao de resduos perigosos quandofosse de interesse nacional.

    Alm disso, o Greenpeace descobriu troca de corres-pondncia entre o Ministrio do Meio Ambiente e o De-partamento de Estado dos EUA, visando a elaborao deum tratado bilateral, que permitisse ao Brasil importar re-sduos perigosos dos EUA.

    Em 1996, o Ministrio do Meio Ambiente de GustavoKrause mobilizou-se ativamente para encontrar uma so-luo para alguns importadores de baterias usadas, em es-pecial para a empresa Baterias Moura, localizada na suarea eleitoral, em Pernambuco. Uma resoluo do Minis-tro autorizando a importao para vrias indstrias, tevede ser cancelada, graas presso do Conselho Nacionalde Meio Ambiente (Conama), impressionado com o dossitrazido pelo Greenpeace e a Aspan (Associao Pernambu-cana de Proteo Natureza), evidenciando com fotos eanlises laboratoriais a contaminao do solo e das guascom chumbo provocada pela Baterias Moura (Lisboa eRocha, 1997).

    Consultado pelos Ministrios de Minas e Energia, In-dstria e Comrcio e Meio Ambiente sobre como driblara Proibio da Basilia que vigoraria em fins de 1997, demodo que o Pas pudesse continuar a importar resduosperigosos, o Itamaraty prometeu negociar um perdo es-pecial para o Brasil, embora felizmente a Conveno daBasilia no contivesse esse dispositivo. O prazo de maisde 3 anos, aps a aprovao da proibio, em maro de1994, fora dado justamente para que os pases tivessemtempo para tomar as providncias necessrias.

    Na quarta reunio da Conveno da Basilia, em KualaLumpur, Malsia, em fevereiro de 1998, a mesma estrat-gia hesitante foi adotada por nossa delegao. Desta veza ameaa Proibio da Basilia vinha do pedido israe-lense para que se permitisse a incluso de novos pases nalista dos que no poderiam exportar para os pases em de-senvolvimento, o famoso Anexo VII. Caso isso fosse pos-svel, pases como o Brasil poderiam ingressar nesse ane-xo e, embora impedidos de enviar seus resduos para outrospases em desenvolvimento, poderiam receber dos pasesque normalmente exportam resduos perigosos, como osEUA, Alemanha e outros. A delegao brasileira, nume-rosa, como sempre no expunha publicamente sua posi-

  • 47

    EM BUSCA DE UMA POLTICA EXTERNA BRASILEIRA DE...

    o, embora continuasse disputando um papel de lideran-a entre os pases em desenvolvimento, tendo obtido, tam-bm, a representao do Grulac. Em conversas privadas,no entanto, externava a opinio de que a proibio de im-portar resduos perigosos prejudicava a economia brasi-leira, impedindo-a de reciclar metais pesados a preoscompetitivos, ao mesmo tempo em que se criava um mer-cado cativo para os pases desenvolvidos. Era impres-sionante, portanto, a total ignorncia sobre a problemti-ca ambiental propriamente dita, ou seja, sobre o fato deque reciclar resduos de metais pesados uma operaosempre ambientalmente prejudicial, no havendo tecno-logias capazes de evitar a contaminao do meio ambien-te e dos trabalhadores com seus poluentes (Lisboa, 2000).A 4 Conferncia da Basilia foi concluda, no entanto,com a derrota da proposta de abrir o Anexo VII. Uma frenteque reunia o G-77, liderada pelos pases rabes, que te-miam a contaminao da sia Menor com os resduosperigosos que Israel pretendia importar e reciclar em seuterritrio, foi capaz de enterrar essa ltima tentativa dereverter a Proibio da Basilia.

    O dcimo aniversrio da Conveno da Basilia, du-rante a 5 Reunio das Partes, realizada na prpria cidadeem Basilia, foi comemorado com grande pompa. Autori-dades internacionais e ministros do meio ambiente reco-nheciam ser esta uma conveno ambiental de significa-do estratgico para o planeta, evitando que o mundo emdesenvolvimento se tornasse a lixeira do Primeiro Mun-do, ao mesmo tempo em que direcionava esse ltimo paraa chamada produo limpa, ao lhe proibir a soluo fcilda exportao de lixo perigoso. Por isso mesmo, o presi-dente do Programa das Naes Unidas para o Meio Am-biente, Klaus Tpfer, encarecidamente pedia aos pases-partes da Conveno que ratificassem a emenda aprovadaem 1995 (Tpfer, 1999). O Itamaraty, no entanto, discor-dava dessa interpretao, ainda que no abertamente. En-carava como uma discriminao injustificvel ao livre-comrcio, proibir um grupo de pases de receber resduosperigosos e defendia a tese de que pases que tivessemtecnologias apropriadas deveriam ser autorizados a im-portar esses resduos. Por isso mesmo, o Itamaraty pro-positalmente tem retardado at hoje os procedimentos re-ferentes ratificao da emenda aprovada em 1995.

    PROTOCOLO DE CARTAGENA

    O surgimento das plantas e animais transgnicos sina-lizou uma nova rea de perigo ambiental para o planeta: a

    biossegurana. Escapes de material transgnico podemtrazer riscos significativos ao meio ambiente e a sadehumana, como a perda de biodiversidade plantas, inse-tos, microorganismos e o desenvolvimento de novasenfermidades. Como se tratam de seres vivos, que se re-produzem espontaneamente, eventuais incidentes dificil-mente sero controlados, podendo inclusive ser irrever-sveis. Isso motivou a Conveno sobre a DiversidadeBiolgica elaborar um protocolo de biossegurana, quedeveria criar dispositivos que permitissem aos pases-mem-bros controlar o comrcio de organismos geneticamentemodificados, evitando que os movimentos transfronteiriosdessas substncias pudessem trazer danos a seus territ-rios e suas populaes. Sua lgica interna estruturava-seem torno do chamado Princpio de Precauo, princpiofundamental do direito ambiental, que estipula que casohaja indcios de que riscos de monta possam ocorrer aomeio ambiente, as autoridades no devem alegar faltade evidncia cientfica como desculpa para no tomar asprovidncias adequadas (Tickner, 1999). Portanto, combase no Princpio da Precauo, o protocolo pretendiaconferir aos pases-partes o direito de recusar a importa-o de organismos geneticamente modificados, caso es-ses pases considerassem que tais importaes poderiamtrazer danos a seu meio ambiente, sade e economias.

    Contrrios a essa formulao, de um lado, tnhamos ochamado Grupo de Miami, formado pelos EUA, Canad,Argentina, Austrlia, Chile e Uruguai. Os trs primeiros,produtores de transgnicos e defendendo seus interesses.Sendo a Austrlia uma tradicional aliada dos EUA nasquestes ambientais internacionais, o que havia de sur-preendente no Grupo de Miami era a presena do Chile edo Uruguai, que no so produtores de transgnicos. OGrupo de Miami, na verdade, era uma inteligentssima ma-nobra diplomtica dos EUA, capturando pases que erammembros tradicionais do G-77, como a Argentina, o Chi-le e o Uruguai e inviabilizando, conseqentemente, umaarticulao do G-77 como oposio ao Grupo de Miami.Favorveis ao Princpio de Precauo e ao direito dedizer no aos transgnicos, estavam todos os pases dafrica, a maioria dos pases asiticos e tambm a maioriados pases latino-americanos. Para opor-se ao Grupo deMiami, formou-se o Grupo dos Like-Minded. A UnioEuropia, que no apresentava uma posio to firme comrelao ao direito de dizer no, constitua o terceiro gru-po importante na mesa das negociaes.

    Durante os 13 dias de negociaes em Cartagena, naColmbia, os representantes da delegao do Brasil no

  • SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(2) 2002

    48

    defenderam as mesmas posies nos diversos grupos detrabalho. Isso se explica, em parte, em razo da composi-o da prpria delegao. Incluindo diversos representan-tes da Comisso Tcnica de Biossegurana (CTN-Bio),subordinada ao Ministrio de Cincia e Tecnologia e quevinha patrocinando a introduo dos transgnicos no Brasildesde a sua formao, a delegao contava com apenasum representante do Ministrio do Meio Ambiente e trsdiplomatas. Alm dessa falta de um consenso interno e dedisciplina por parte dos membros da CTN-Bio, que exter-navam suas opinies pessoais como se fossem as oficiais,agregaram-se as presses vindas dos EUA e das multi-nacionais presentes no Brasil, exigindo que o Itamaratyabandonasse sua posio favorvel incluso do Princ-pio de Precauo nos pargrafos operativos do texto daConveno. Alertado pelo Greenpeace, o ministro do MeioAmbiente teve que interceder diretamente junto ao presi-dente da Repblica, para que se mantivesse o que se esta-va considerando como um princpio ambiental, h muitoacatado pela diplomacia brasileira.

    O fracasso das negociaes de Cartagena levou o en-to presidente da Conferncia de Diversidade Biolgica,o ministro do meio ambiente da Colmbia, Juan Mayr, aconvocar uma reunio informal em Viena, visando acele-rar as negociaes entre o Grupo de Miami, o Grupo dosLike-Minded e a Unio Europia. Novamente trazendo umacomposio heterognea, com franco predomnio da tur-ma da CTN-Bio, a atuao da delegao brasileira na reu-nio de Viena foi ainda mais errtica do que a de Cartagena.Isolava-se do Grupo dos Like-Minded quanto redaodo artigo que definia as relaes entre o futuro protocoloe outras Convenes, somando foras com o Grupo deMiami. A questo a oculta era a possibilidade de quepases fossem processados por ferirem clusulas da Or-ganizao Mundial do Comrcio, caso no quisessem au-torizar a importao de transgnicos. Em defesa de suaposio, o Brasil alegava que o direito de dizer nopoderia ser usado como barreira no alfandegria. Al-guns pases do Grupo dos Like-Minded chegaram aexternar a opinio de que o Brasil estaria intencionalmenteatrapalhando a definio de uma posio conjunta por partedo Grupo e, assim, dificultando as negociaes.

    Nesse quadro de indefinies, o Protocolo de Bios-segurana foi para sua ltima rodada de negociaes emMontreal, em janeiro de 2000. Sob enorme presso de or-ganizaes no-governamentais, cooperativas de campo-neses e entidades de consumidores, cujas manifestaesexternas do centro de Convenes, com temperatura de

    -30, impressionam vivamente a mdia internacional, o Pro-tocolo foi finalmente assinado. Dessa vez, o Grupo dosLike-Minded no esteve sozinho. Alguns ministros do MeioAmbiente da Unio Europia vieram pessoalmente parti-cipar das negociaes e defenderam energicamente o Prin-cpio da Precauo e a independncia do futuro Protoco-lo diante de outras convenes, como a da OrganizaoMundial do Comrcio.

    J tendo adquirido fama de confusa e no confivel, adelegao brasileira continuou atuando da mesma forma,sendo comum ver-se os representantes brasileiros da CTN-Bio saindo e entrando na sala do Grupo de Miami, a todomomento.

    Finalmente, em maio de 2000, durante a 5a Reunio daConveno da Diversidade Biolgica, em Nairobi, quan-do o Protocolo de Biossegurana foi aberto solenementepara assinaturas, uma surpresa. Enquanto pases do Gru-po de Miami como a Argentina e o Chile assinaram o Pro-tocolo e Canad e Austrlia anunciaram que provavelmenteviriam assin-lo, depois de consultas internas,3 o Brasilcomunicou que ainda no poderia assin-lo, porque esta-va aguardando resposta de seus diferentes ministrios. Jse est em 2002 e parece que tais respostas no chega-ram, embora a Esplanada dos Ministrios tenha sido es-pecialmente desenhada para facilitar os contatos entre essesdiversos rgos do poder executivo.

    A questo que se coloca, : qual , afinal, a posiobrasileira com relao ao Protocolo de Biossegurana? favorvel ou contrrio, e por qu? Em defesa do Itamaratydeve-se reconhecer que o Executivo brasileiro, em sua to-talidade, no tem uma posio clara quanto liberaono meio ambiente de plantas e animais transgnicos. En-quanto o Ministrio da Cincia e Tecnologia, durante osmandatos Israel Vargas e Bresser Pereira, advogou publi-camente a favor dessa liberao, apoiado pelo Ministrioda Agricultura de Francisco Turra, o Ministrio do MeioAmbiente resistia discretamente por meio do Ibama, bemcomo o Ministrio da Justia defendia uma rotulagem plenapara os alimentos transgnicos. Mais tarde, a mudana mi-nisterial leva um Pratini de Morais a assumir papelprotagnico na defesa dos transgnicos, enquanto o novoministro da Cincia e Tecnologia, Sardenberg, adota umapostura mais discreta. A Justia Federal, em sucessivosjulgamentos em primeira e segunda instncia, d ganhode causa para o Greenpeace e o Idec, impedindo o plantiode transgnicos sem que haja estudo de impacto ambiental,mas a Unio entra como litisconsorte, ao lado da Monsantoe fora o Ibama, com medida provisria, a se retirar da

  • 49

    EM BUSCA DE UMA POLTICA EXTERNA BRASILEIRA DE...

    causa, com o Greenpeace e ao Idec. Seria compreensvel,portanto, que o Itamaraty no tivesse uma postura muitoclara para apresentar. O que estranho, sim, que haven-do participado das negociaes e do acordo consensualem torno ao texto final do Protocolo de Cartagena, recu-sou-se a assin-lo, com todos os custos polticos que essaatitude implicaria, quando at os seus maiores oponentesj o haviam feito, como a Argentina e o Chile.

    CONVENO DE ESTOCOLMO

    A Conveno de Estocolmo, sobre os Poluentes Org-nicos Persistentes, comeou a ser negociada em 1995,quando o Programa de Meio Ambiente da ONU formouum grupo de trabalho para analisar as polticas a seremadotadas em relao aos poluentes orgnicos persisten-tes. Perigosos por serem persistentes no meio ambiente ebioacumulativos, ou seja, transferindo-se ao longo da ca-deia alimentar, os poluentes orgnicos persistentes,comumente chamados de POPs so, entre outras coisas,cancergenos, disruptores do sistema endcrino e supres-sores do sistema imunolgico. Na maioria dos casos mui-to volteis, so carregados pelas correntes atmosfricasdesde as regies mais quentes do planeta, condensando-se nas baixas temperaturas das reas prximas aos plos,a se depositando. As correntes martimas tambm encar-regam-se de distribuir esses poluentes por todo o planeta,transformando-os em poluentes globais. Cinco reuniesinternacionais foram necessrias para preparar o texto daConveno, que finalmente foi aprovado em maio desseano, em Estocolmo. O principal dispositivo da Conven-o a deciso de se eliminar a produo e consumo de12 dos piores POPs, grande parte deles, agrotxicos jproibidos na maioria dos pases. Ponto de especial dispu-ta, no entanto, era o artigo que definia que os pases deve-riam adotar medidas para eliminar tambm aqueles POPsde produo no intencional, como as dioxinas e furanos,que so produzidos sem que se possa evitar sua forma-o, nas indstrias que utilizam o cloro. Ainda que o arti-go deliberadamente adotasse uma formulao ambgua,propondo que a eliminao desses POPs ocorresse ape-nas quando vivel, a indstria qumica opunha-se resolu-tamente a essa idia, tendo seu ponto de vista defendidocom toda a energia pelos EUA, Canad, Austrlia e Ja-po. Na delegao brasileira, a indstria qumica estevepresente em todas as negociaes, por intermdio um re-presentante da Abiquim, muito ativo. Foi ele o autor daproposta, que exigiu enormes esforos para ser retirada

    posteriormente, de que o artigo referente aos POPs nointencionais se redigisse de modo que s adotasse medi-das de eliminao caso elas fossem tcnica e economica-mente viveis. Manifestamente, as delegaes brasileirastinham problemas com o Princpio da Precauo, presentetanto na introduo da Conveno, como em seus par-grafos operativos. Embora o Brasil j tivesse aceitado aincluso do Princpio da Precauo em diversos outrosacordos internacionais, relutou at a ltima hora em darseu apoio a incluso desse princpio nessa conveno, ale-gando que a conferncia estava alterando sua formulaoclssica. Alm de retornar ao clssico argumento brasi-leiro, de que o Princpio da Precauo pode ser usadocom barreira no-tarifria contra os pases em desenvol-vimento. Entretanto, a surpresa maior veio quando a Con-veno de Estocolmo foi assinada, em maio de 2001. O Bra-sil assinava o texto, mas pedia uma exceo de uso, de seisanos para um dos agrotxicos a serem eliminados, oheptacloro. Utilizado no passado para tratamento de madei-ra, para evitar cupim, o heptacloro foi abandonado paulati-namente por ser altamente txico, e por existirem alternati-vas menos perigosas no mercado. A ltima fbrica queproduzia o heptacloro, a empresa norte-americana Vesicol,fechou suas portas h dois anos, nos EUA. No entanto, a em-presa brasileira Action, que comprou os estoques da Vesicol,conseguiu que o ministrio de Indstria e Comrcio interce-desse a seu favor, vencendo as resistncias, alis sempredbeis, do Ministrio do Meio Ambiente. Em virtude dessafbrica, assim como no caso da Basilia, por causa das Bate-rias Moura, o Brasil solicitou uma exceo especial, contra-riando o esforo coletivo de eliminar no mais curto espaode tempo possvel e em todos os casos para os quais hajaalternativas, esses perigosos poluentes.

    FALSO DILEMA

    A causa principal da mediocridade de que padece apoltica externa brasileira de meio ambiente parece resi-dir na prpria concepo errnea do que venha a ser umapoltica ambiental para o Itamaraty. Nossos diplomatasainda concebem a questo ambiental de forma isolada,separada das demais atividades humanas relacionadas economia. De fato, comum ouvir dos nossos represen-tantes diplomticos afirmaes do tipo, se por um lado oBrasil se preocupa em defender o meio ambiente, por ou-tro lado, por ser uma potncia industrial, no pode permi-tir que princpios ecologistas venham a prejudicar a econo-mia, o emprego e o progresso material e cientfico do pas.

  • SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(2) 2002

    50

    Ora, separar economia e meio ambiente como se fos-sem dois lados estanques e complementares de uma reali-dade qualquer, indica que o j velho conceito do desen-volvimento sustentvel dos anos 70 ainda no chegou aser compreendido em seu contedo substantivo. Uma eco-nomia sustentvel do ponto de vista ambiental uma eco-nomia que no destri suas prprias condies de exis-tncia. Por isso, no pode haver a contradio entre umaboa poltica ambiental e uma boa poltica econmica. Oque mau para o meio ambiente mau tambm para aeconomia, ainda que a traduo dos danos ambientais emprejuzos econmicos possa no ser perceptvel a curtoprazo. Mais tarde ou mais cedo os custos ambientais se-ro infalivelmente cobrados em sade pblica, qualidadede vida, esgotamento de recursos naturais e desvaloriza-o de bens materiais e imateriais.

    A separao entre economia e ecologia, portanto, umamiopia. Ao contrrio, a economia deveria subordinar-se ecologia, que, como cincia dos ecossistemas, estuda abase fsica na qual qualquer tipo de economia podeestruturar-se (Alier e Schlupmann, 1991). Desenvolvimen-to sustentvel, portanto, aquele tipo de desenvolvimen-to que garante a permanncia dessa base fsica.

    A chegada da filosofia neoliberal ao departamento demeio ambiente do Itamaraty, o Dema, em meados dos anos90, s pode piorar as coisas. Esse credo neoliberal conde-nar medidas polticas que probam atividades considera-das prejudiciais ao meio ambiente, como incuas e con-traproducentes. Defender a tese de que os incentivoseconmicos so o nico gnero de poltica capaz de pro-vocar mudanas de comportamento e que a excessiva in-gerncia do Estado na atividade econmica por meio depolticas ambientais pode levar a uma atrofia dessas ati-vidades. Alm disso, grande parte das restries estabe-lecidas pelos acordos ambientais internacionais s ativi-dades consideradas como prejudiciais ao meio ambientepassaram a ser interpretadas como barreiras no-tarif-rias, formas de cercear as exportaes dos pases em de-senvolvimento nos mercados do Primeiro Mundo.

    Dividido quanto a que partido tomar entre o meio am-biente e a economia, a sada do Itamaraty freqentementetem sido a busca de um meio termo, de uma mdia entre oque seriam os interesses ambientais e os interesses eco-nmicos. Favorece as solues mais moderadas, prope adilatao dos prazos para adoo de medidas, avana comprudncia infinita, configurando um estilo de poltica que,no nosso prprio pas, chamaramos de ficar em cima domuro.

    A concepo de poltica ambiental como uma mdia aser tirada entre os diversos aspectos de uma problem-tica, ilustra-se magistralmente pela forma como o Itamaratyrealiza suas reunies preparatrias para negociaes deconvenes internacionais de meio ambiente. Os diver-sos ministrios que possam considerar-se atingidos por de-terminada problemtica ambiental so convidados para de-bater a poltica a ser definida. Alm dos Ministrios doMeio Ambiente e do Ministrio da Indstria e Comrcio,podero estar presentes o Ministrio da Sade, se houveralgum vnculo direto com a sade, bem como Minas e Ener-gia, Fazenda, Cincia e Tecnologia. Representantes dosetor industrial e organizaes no-governamentaisambientalistas tambm podero ser convidados para ex-por suas preocupaes. Como no podia deixar de ser,nessas reunies o Ministrio do Meio Ambiente sempreminoria, ainda que conte com o apoio das organizaesno-governamentais, forando matematicamente as posi-es a serem defendidas pelo Brasil a favorecer, antes detudo, os interesses econmicos do curto prazo, defendidosciosamente pelos ministrios da Indstria, Fazenda, Minas eEnergia.

    Esse procedimento para tomada de deciso no permi-te a elaborao de uma poltica ambiental. No h umconjunto de princpios que norteie as posies adotadas,um conjunto de objetivos e estratgias e alianas visandoalcanar esses objetivos. Enquanto em uma convenoapoiamos certos princpios, em outra podemos rejeit-los.Tampouco h uma continuidade nas posies assumidasno interior de uma mesma negociao. Mudam nossasposies ao sabor dos representantes diplomticos envia-dos e no h qualquer preocupao em garantir que nose perca a memria e a experincia acumulada pelos di-plomatas que so transferidos de setor.

    DIFCIL LIDERANA

    O curioso dessa situao que ela contraria o objetivoto caro diplomacia brasileira de situar o Pas como po-tncia mundial, pois a tibieza e a omisso no costumamchamar a ateno. Discursos bem construdos, delegaesnumerosas e manobras diplomticas para garantir o postode porta-voz do Grulac e do G-77, grupo que rene ospases em desenvolvimento, contrasta com a pobreza daspropostas por ns apresentadas e com a nossa falta de cla-reza sobre o que queremos. Os EUA e o Canad, por exem-plo, destacam-se por serem sempre contra quaisquer avan-os em matria de legislao ambiental internacional. Os

  • 51

    EM BUSCA DE UMA POLTICA EXTERNA BRASILEIRA DE...

    EUA no assinaram a Conveno sobre a DiversidadeBiolgica, a Conveno da Basilia, e batem o p em noassinar o Protocolo de Kyoto. Os pases nrdicos, ao con-trrio, em geral esto na vanguarda das questes ambien-tais. Em aliana com os pases em desenvolvimento, oG-77, Sucia, Dinamarca e Noruega sempre esto fren-te das grandes negociaes em andamento. A Colmbia,na Amrica Latina, tradicionalmente tem posturas ousa-das e coerentes em prol do meio ambiente, enquanto a Ar-gentina secunda, quase sempre, os EUA. Os pases afri-canos, unidos em um bloco slido pela Organizao daUnio Africana (OUA), transformaram sua fragilidade emfortaleza. Do Brasil, no entanto, quase nada que mereadestaque pode ser apontado, na poltica ambiental.

    RESPONSABILIDADES COMUNS,MAS DIFERENCIADAS

    preciso reconhecer, no entanto, a parte da culpa quecabe ao Ministrio do Meio Ambiente nessa questo. Comexceo do perodo de Lutzemberg, quando o Ministrioainda era Secretaria do Meio Ambiente e do curto pero-do do Rubens Ricpero, todos os demais ministros do MeioAmbiente foram incapazes de pressionar o Itamaraty paraque adotasse qualquer poltica externa ambiental coeren-te. Na maioria dos casos, porque eles prprios no pos-suam qualquer entendimento a respeito da questoambiental e, portanto, tampouco tinham qualquer coisa asugerir como poltica externa. Alguns deles ganharam oministrio do Meio Ambiente na tradicional diviso dobolo ministerial entre partidos e regies, deixando que osegundo escalo continuasse fazendo o que bem lheaprouvesse, desde que no lhes criasse problemas com seusprotegidos. Quando isso acontecia, no entanto, os funcio-nrios zelosos eram desautorizados e transferidos de car-go, convergindo tudo isso, ao fim, para um total imobilismoda mquina governamental.

    Jos Sarney Filho , de fato, o primeiro ministro doMeio Ambiente que entende de Meio Ambiente, se ex-cluirmos Lutzemberg, um dos fundadores do movimentoambientalista brasileiro e Rubens Ricpero, diplomata decarreira, que embora no fosse da rea, dominava bastan-te bem a problemtica da floresta amaznica, tendo sidoum dos articuladores principais da Eco-92. Infelizmente,no entanto, Jos Sarney Filho no demonstra qualquerinteresse pela poltica externa ambiental. Alis, mesmo na-cionalmente, seu interesse restringe-se questo da pro-teo Amaznia e Mata Atlntica, abandonando inteira-

    mente ao Itamaraty as temticas referentes poluioqumica e segurana biolgica. freqente a situaoem que o Ministrio do Meio Ambiente no envia repre-sentantes seus para integrar as delegaes diplomticasbrasileiras nas negociaes internacionais de meio ambien-te, alegando falta de recursos.

    J o mesmo no ocorre com os demais ministrios comoo da Agricultura, Cincia e Tecnologia, Indstria e Co-mrcio e Minas e Energia, que esto sempre presentes nasdelegaes diplomticas enviadas s convenes de meioambiente. Como o Ministrio do Meio Ambiente mani-festa pouco interesse em defender os interesses difusosem jogo nas questes internacionais, de um lado, e de outroos ministrios da rea econmica so resolutos na defesadaqueles interesses econmicos, que alm disso costumamter nome, endereo e padrinhos polticos, o Itamaraty tendenaturalmente para a defesa dos ltimos.

    CLIMA, UM CASO PARTE

    O caso da Conveno das Mudanas Climticas per-mite analisar a diferena que um Ministrio pode fazer naelaborao de uma poltica diplomtica coerente e inteli-gente para o meio ambiente. Por circunstncias que aquino cabe desenvolver, alguns altos funcionrios do Mi-nistrio de Cincia e Tecnologia e de outros institutos depesquisa vieram acompanhando as negociaes para a ela-borao da Conveno das Mudanas Climticas desdeo seu incio, antes da Eco-92. Participando da definiodos princpios bsicos em que se deveria basear essa con-veno, o Princpio da Precauo e o das Responsabili-dades Comuns, mas diferenciadas e das principais medi-das para controle das mudanas climticas, bem comodesenvolvendo clculos e propostas especficas, como asdo mecanismo limpo, o Brasil se imps, assim, como umdos mais importantes negociadores no cenrio diplomti-co dessa conveno. isso que confere ao nosso pas, hoje,autoridade moral para criticar o Presidente Bush, por suarecusa em assinar o Protocolo de Kyoto.

    Vale comentar, no entanto, que aquilo que se exige hoje,do Brasil, para cumprir com seus compromissos diante dosdemais pases-partes da Conveno de Mudanas Clim-ticas no afeta quaisquer interesses econmicos a curtoprazo em nosso pas. Como o Brasil no se encontra entreos pases do Anexo I, os que possuem a maior responsa-bilidade histrica nas mudanas climticas que hoje ex-perimentamos, e que, portanto, devem em primeiro lugarreduzir suas emisses de gases estufa, no se est exigin-

  • SO PAULO EM PERSPECTIVA, 16(2) 2002

    52

    como se viu nos trs exemplos que iniciam esse artigo.Lamentavelmente, pois, a gravidade da crise ambiental pelaqual atravessa o planeta exige respostas rpidas e respon-sveis por parte de toda a comunidade internacional.

    NOTAS

    1. A Conveno de Londres surgiu em 1973, logo aps a Confernciade Estocolmo para o Meio Ambiente, e tinha como objetivo regula-mentar o despejo de resduos perigosos no mar. Em 1985 adotou umamoratria indefinida para despejo de resduos radioativos de baixo teore em 1988 props a suspender a incinerao de resduos lquidos emnavios, que entrou em vigor em 1990. Nesse mesmo ano, decidiu-sesuspender o despejo de resduos industriais nos oceanos, o que foi efe-tivado em 1995.

    2. Sobre as condies polticas que levaram a que toda a Unio Euro-pia apoiasse a Proibio da Basilia ver tese de doutoramento daautora (Lisboa, 2000).

    3. Os EUA sequer assinaram a Conveno da Diversidade Biolgicae, por isso, no poderiam assinar o Protocolo de Cartagena, que uminstrumento negociado dentro dos marcos dessa Conveno.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALIER, J. e SCHLUPMANN, K. La ecologia y la economia. Cidadedo Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1991.

    LISBOA, M. A proibio da Basilia: tica e cidadania planetriasna era tecnolgica. Tese de Doutoramento. So Paulo, Programade Ps-Graduao em Cincias Sociais da PUC-SP, 2000.

    LISBOA, M. e ROCHA, S. Chumbo grosso: o caso das Baterias Moura.So Paulo, Greenpeace e Aspan, 1997.

    TICKNER, J. A Map Toward Precautionary Decision Making. In:RAFFENSPERGER, C. e TICKNER, J. (orgs.). Protecting PublicHealth and the Environment: Implementing the PrecautionaryPrinciple. Washington DC/Covelo, 1999.

    TPFER, K. Editorial. Notre plante. Nairobi, PNUD, v.2, n.4, 1999.

    MARIJANE VIEIRA LISBOA: Sociloga, Diretora Executiva do Greenpeace,Professora de Sociologia dos cursos de Relaes Internacionais e Cin-cias Sociais da Faculdade de Cincias Sociais da PUC-SP.

    do da economia brasileira nenhuma mudana drstica emsua forma de atuar. Nessas circunstncias, fcil cobrardos EUA e outros pases suas responsabilidades, o quesoa ainda menos sincero quando consideramos que as emis-ses brasileiras de gases estufa esto aumentando em umavelocidade assustadora e no h sinais de que se estejaconsiderando quaisquer medidas para reduzir esse cresci-mento. O complexo industrial automobilstico continuamerecendo incentivos do governo federal bem como dosgovernos estaduais, em guerra fiscal na disputa de fbri-cas automobilsticas. Grande parte das verbas de trans-porte e construo civil so destinadas infra-estruturanecessria para expandir o transporte de carga e de passa-geiros automotivo. O Prolcool foi abandonado assim queo preo do petrleo baixou, embora se tratasse de com-bustvel renovvel, portanto, no prejudicial ao clima. Aecloso da recente crise energtica veio promover deze-nas de termoeltricas a gs e mesmo algumas a carvo opior dos combustveis fsseis para as emisses de dixidode carbono na atmosfera , ameaando modificar o perfilde nossa matriz energtica, que at ento baseada emhidroeletricidade, no contribua significativamente paraas mudanas climticas. Por outro lado, as polticas paracombater o desmatamento e as queimadas, a principal for-ma de contribuio do Brasil s mudanas climticas, con-tinuam dbeis e ineficientes.

    Tomando como exemplo a posio brasileira na ques-to das mudanas climticas, poderamos dizer que a re-ceita para uma boa poltica ambiental externa parece ser,em primeiro lugar, a ausncia de quaisquer presses eco-nmicas contrrias essa poltica. Em seguida, impor-tante que haja uma rea tcnica, possuidora de massa cr-tica capaz de analisar a problemtica em questo e proporsolues como o caso do Ministrio de Cincia eTecnologia e, finalmente, uma boa diplomacia. Uma re-ceita difcil de se reproduzir em outros temas ambientais,