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Em busca do conhecimento

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Universidade Federal da Bahia

reitor naomar Monteiro de almeida Filho vice-reitorFrancisco Mesquita

editora da Universidade Federal da Bahia diretoraFlávia Goullart Mota Garcia rosa

conselho editorial

titUlares

angelo szaniecki Perret serpacaiuby Álves da costacharbel niño el hani dante eustachio lucchesi ramacciottiJosé teixeira cavalcante FilhoMaria do carmo soares Freitas

sUPlentes

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editora da UFBarua Barão de Jeremoabo, s/n - campus de ondina40170-115 - salvador - Ba tel: +55 71 3283-6164Fax: +55 71 [email protected]

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Hélio Silva CampoS

Em buSCa do ConHECimEnto

sobre antigas lições, ciência moderna e energia sutil

edufba salvador, 2009

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© 2009 by hélio silva campos

direitos para esta edição cedidos à edufba. Feito o depósito legal.

nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios empregados, a não ser com a permissão escrita do autor e das editoras, conforme a lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

caPa raul Marcacini

ProJeto GrÁFico e editoração

Gabriela nascimento

revisão e norMaliZação

adriana caxiado cruznídia lubisco

sistema de Bibliotecas - UFBa

campos, hélio silva. em busca do conhecimento : sobre antigas lições, ciência moderna e energia sutil / hélio silva campos. - salvador : edUFBa, 2009. 118 p.

isBn 978-85-232-0576-8 1.Filosofia e ciência. 2. holismo. 3. corpo e mente. 4. teoria do conhecimento. 5. Metafísica. 6. homens - influência sobre a natureza. 7. natureza e civilização. i. título. cdd - 128

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este trabalho é uma homenagem ao saudoso amigo fraternal Babalu, cuja vivência artística, simbolizada na capa deste livro, externa a sutil harmonia captada da onipresente espiritualidade da natureza que tanto zelava. enquanto ser humano, Babalu foi mensageiro e praticante da arte da afetividade, solidariedade e da amizade, deixando ensinamentos que preservamos como sábias lições para uma prazerosa convivência.

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dedico este livro à minha origem familiar, nas pessoas de minha mãe, celestina, e de meu pai, Francisco.

aos amados filhos alice, Guilherme e Felipe, expressões do meu aprendizado de vida.

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agradeço ao colega e amigo edvaldo nogueira Júnior pela leitura crítica e comentários objetivando uma melhor compreensão do texto.

ao dileto amigo raul Marcacini, por editar elementos simbólicos do artista Babalu que ilustram a capa deste livro.

a comunidade do instituto de Física da UFBa - professores, funcionários e estudantes -, o ambiente da minha vida acadêmica e de aprendizado das relações humanas.

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Sumário

13Apresentação

15Palavras Iniciais

DO SABER E DO CONHECER

19Capítulo 1.

DE ANTIGAS VISÕES DO MUNDO

A Noção Intuitiva da Totalidade 19Inferências do Reino Invisível 22

O Unus Mundus dos Alquimistas 23O Fixo e o Volátil 25

A Conjunção Alquímica Mente-Matéria 27A Projeção Celeste na Terra 29

35Capítulo 2.

A CIÊNCIA MODERNA: O REINO DA OBJETIVIDADE

A Realidade Objetiva 35O Materialismo Reducionista 38

A Afirmação da Ciência Moderna 40O Ser Humano e o Conhecimento Científico 41

A Projeção Iluminista da Ciência 43

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51Capítulo 3.

LIÇÕES DO MICROMUNDO FÍSICO

As Portas que se Abrem... 51Um Mundo sem Controle 52

Caos, Fonte de Ordens 53Acaso e Desordem 55

Irreversibilidade e Entropia 57A Luz é a Revelação: Matéria é Energia 61

Um Cenário para o Reino Quântico 66O Observador Participa... 70

Dualidade e Complementaridade 72A Incerteza como Lógica 73

De Variáveis Ocultas à Inseparabilidade Quântica 75 O Mundo Pleno-potencial 79

85Capitulo 4.

ENERGIA SUTIL E MATÉRIA

A Relação Mente-Matéria 85Níveis Sutis da Realidade 88

Bohm e a Energia Sutil 89Ordem Explícita, Ordem Implicada e Holomovimento 91

Implicações do Mundo Quântico para a Mente 93Pauli e as Simetrias da Natureza 95

Em Busca do Princípio Psicofísico 97Jung e a Sincronicidade 101

Integrando a Sincronicidade 105

111Palavras Finais

SOBRE A CONVIVÊNCIA UNIVERSAL

115Referências

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Apresentação

no domínio quântico o papel do observador está intimamente associado aos resultados dos experimentos. a dinâmica de terremotos e o comportamento do clima são eventos de difícil previsão. no caso dos sistemas biológicos, interações competitivas de longo alcance fazem parte da estrutura e funcionamento dos mesmos. todos esses fenômenos não podem ser adequadamente explicados pela ciência atual, pois a mesma segue um receituário que inclui forte objetividade, crença nas relações de causa e efeito e variáveis que interagem somente em uma vizinhança limitada do espaço e do tempo.

nos últimos anos têm crescido o número de cientistas, filósofos e pensadores dedicados a buscar alternativas para explicar a complexidade envolvida nos fenômenos acima citados. neste sentido, Em busca do conhecimento - sobre antigas lições, ciência moderna e energia sutil chega em momento bastante apropriado.

o livro oferece um passeio estimulante, rico e sereno sobre as diversas questões que afligem o desenvolvimento científico e filosófico na atualidade. trabalhando com maestria e sensibilidade informações oriundas de diferentes culturas, hélio campos constrói um sólido painel que conecta diversas abordagens da ciência, do homem e da natureza, cujo objetivo é ressaltar a necessidade de

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integrar os aspectos materiais e espirituais como fio condutor da produção de um conhecimento amplo, dinâmico e solidário, que possibilite aprofundar a relação do homem com a natureza.

além disso, sem nenhum ranço dogmático nem academicismo inerte, o livro aponta caminhos oferecendo alternativas que vão muito além de releituras de textos anteriores, sem abrir mão da riqueza e profundidade das ideias científicas e filosóficas que permeiam o universo de áreas distintas do conhecimento. desta maneira, hélio campos oferece uma reflexão própria sobre o nosso papel, aqui e agora, na construção de um mundo onde o coletivo, a superação das desigualdades, a sustentabilidade e a qualidade de vida sejam regras da nossa convivência em um mundo em permanente evolução e transformação.

no mais, Em busca do conhecimento é voltado tanto para leitores experientes que desejam aprender mais sobre essas questões, sem se tornar especialistas nesses assuntos, quanto para os não-iniciados no labor da prática científica e filosófica, mas que pretendem caminhar nesta direção a partir de uma base confiável de conhecimento.

Edvaldo Nogueira Jr. doutor em Física, professor do instituto de Física da UFBa.

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Palavras Iniciais

DO SABER E DO CONHECER

a cada novo ciclo o mundo renasce trazendo a esperança para a concretização dos nossos sonhos. neste início de milênio não é diferente. vivemos um período em que afloram, mais intensamente, o desejo e a necessidade de estabelecer um nível de convivência pautada por valores e atitudes respeitosas para com todos os seres e o nosso planeta como um todo. É surpreendente constatar a maneira como o ser humano vem praticando um individualismo societário, alimentado por relações estéreis e dogmas corporativamente impostos que alienam e isolam as pessoas de si mesmas e de seu meio. não restam dúvidas que as conseqüências dessa dissociação projetam um futuro nada animador.

a perspectiva de uma convivência harmoniosa1 exige uma profunda conscientização acerca do nos anima, enquanto ser vivo, posto que, em maior ou menor grau, somos influenciados e influenciamos tudo que nos rodeia. sendo criaturas da natureza aquinhoadas de uma inestimável riqueza psíquica, ‘exibimos’ uma configuração física (o nosso corpo) que depende, entre outros fatores, dos incessantes processos de troca com o meio que nos envolve. aqueles que vivem totalmente absorvidos numa metrópole urbana,

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nunca devem esquecer que as nossas origens distantes encontram-se nas planícies verdejantes, florestas, desertos, oceanos, montanhas, rios, ventos, enfim, em toda a complexidade do mundo natural que sustenta e propicia a nossa existência física. se, por um momento, imaginamos o mundo sem a presença humana, é inquestionável que, de fato, o vivenciamos. É o caso de observar, por exemplo, uma foto do nosso belo e azulado planeta terra viajando na escuridão do universo sem fim, e descobrir, lembrando uma citação do médico psiquiatra e criador de uma teoria psicológica, carl Gustav Jung de que, às vezes, é preciso olhar ‘fora’ para enxergar ‘dentro’ de nós.

§

a visão de mundo de um povo, externada na riqueza de seus relatos, costumes, crenças e cerimônias, reúne mitologia, arte, ética, ciência, metafísica, organização social, enfim, todas as formas de conhecimento e do saber acumulados ao longo de sua história. esta diversidade da expressão humana constitui uma fonte dos paradigmas balizadores de uma sociedade em suas relações e experiências cotidianas, a exemplo da singular mistura étnica indígena, africana e européia que forma a base do povo brasileiro. imbuídos desse espírito, podemos almejar uma conjunção de ’saberes e conheceres’, i.é., o antigo e o moderno, de modo a subsidiar uma descrição da realidade que contemple o aspecto subjetivo inerente a qualquer expressão da natureza. seguramente, uma busca ‘intuitiva-vivencial’ que induz questionamentos acerca da nossa existência, de modo que, possamos, enquanto seres em transformação, transcender o ‘pessoal’ e tornar-se ‘ser coletivo’.

desde o século Xvii, a geração do conhecimento científico é balizada por regras causais e determinísticas as quais possibilitam programar o futuro no presente. hoje, após um século da revolução quântica, que afirmou o papel do observador numa descrição da realidade, a objetividade permanece como a referência dominante

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em qualquer interpretação da fenomenologia da natureza. e não pode ser diferente. isto porque uma observação ou medida configura uma escolha caracterizando, portanto, uma atitude objetiva, condição sine qua non a qualquer teoria científica.

É fato que nas abordagens existentes não há espaço para a subjetividade, i.é., não envolvem, explicitamente, o observador (a sua mente). todavia, nas últimas décadas, cresce o interesse de alguns cientistas2 em desenvolver uma ‘nova ciência’ enriquecida com descrições complementares àquelas de ordens lógica e racional, aspirando por uma compreensão mais apurada dos mistérios da natureza. Uma proposição que resgata o sentido de unicidade presente em antigas concepções de mundo, ou seja, procura reconciliar o objetivo e o subjetivo numa interpretação da realidade enfatizando o papel da consciência no processo de evolução da humanidade.

neste trabalho, discorremos brevemente sobre os pilares guias da trajetória do conhecimento científico. Procuramos enfatizar a subjetividade ‘contida’ em antigas cosmovisões (tradicionais e alquímicas), nos princípios balizadores da ciência moderna e suas implicações para o pensamento iluminista e, ainda, reportamos que às lições do mundo quântico como subsídios para descrever mais proximamente os fenômenos naturais. Por fim, analisamos as incursões dos físicos david Bohm e Wolfgang Pauli sobre a concebida energia sutil permeando a relação mente-matéria. desta maneira, além de enfatizar a necessidade de uma interpretação científica mais abrangente da realidade vivenciada, espera-se que o ser humano desperte para o significado implícito à sua existência e, então, conscientize-se da importância vital de preservar um estado de equilíbrio entre o próprio e o planeta. de fato, uma trajetória já iluminada: basta assimilar as lições da natureza e comungar pensamentos e atitudes sintonizadas com o mundo em constante transformação.

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Notas

1. essa menção se refere a um ideal de convivência harmoniosa espelhada na fenomenologia da natureza. sendo inatingível como um estado, a sua busca é vivenciada como um processo gerador das lições para o nosso aprendizado. especificamente, o termo harmonia é atribuído ao cenário advindo das incessantes correlações, tendências e tensões que naturalmente ocorrem e sustentam todas as expressões físicas que conhecemos. o texto de Monteiro, J. a. M.; ayres, F. G. s.; Barros, J. G.; silva, r M. s. r.; tonholo, J.; Bastos Filho, J. B., Pleonexia enquanto obstáculo ao desenvolvimento. in: vinicius nobre lages; Josealdo tonholo. (org.). Desafios de Competitividade em Arranjos Produtivos Locais: Dinâmicas de Inovação e Papel das Incubadoras de empresas e parques Tecnológicos. : Brasília: anprotec, 2006, p. 43-72, traz uma análise bastante crítica sobre o conceito de harmonia.

2. entre eles, encontram-se os físicos, Brian Josephson, prêmio nobel de Física de 1979, da Universidade de cambridge, inglaterra, henry stapp da Universidade da califórnia-Berkeley, amit Goswani da Universidade do oregon, e victor Mansfield da Universidade de colgate, estados Unidos.

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Capítulo 1

DE ANTIGAS VISÕES DO MUNDO

A Noção Int uitiva da Totalidade

nas cosmovisões mais antigas, o mundo é descrito como sendo um só. tanto os povos negros africanos, a ‘semente original’ deste planeta, quanto os indígenas das américas, por exemplo, nutrem um saber milenarmente tecido de suas imaginações, vivências e interações com o ambiente ao redor. esses povos cultuam elementos simbólicos que expressam uma relação de intimidade com os fenômenos naturais, os quais exercem significativa influência no seu cotidiano. como exemplo, o ‘pensar’ do indígena, em especial aquele imerso no coração da floresta amazônica, transcende os limites da objetividade consciente e revela-se intimamente conectado aos processos e as transformações que ocorrem no meio em que vive. sintonizado com a dinâmica de uma realidade prenhe de ambigüidade e multiplicidade de expressões, o mundo mental desse indígena constitui a fonte genuína de suas visões e mitos, corriqueiramente representados nas celebrações que louvam a fenomenologia da natureza.

essa aproximação com o intangível reino da subjetividade revela um modus vivendi característico dos povos aborígines, onde cada um deles constrói sua própria linguagem a partir de suas

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relações com o ambiente próximo. a abrangência e a riqueza do conhecimento tradicional, profusamente vivenciado nos rituais e cerimônias, denotam uma autêntica e sutil integração com as ocorrências do mundo natural. Uma vez socialmente assimilado na comunidade, esse conhecimento torna-se o sustentáculo dos vários pilares sobre os quais um povo ‘mostra-se’ perante o mundo: arte, idioma, religiosidade, educação, ciência, medicina, culinária, etc., caracterizando o que seria uma ‘filosofia da natureza’. embora tal consideração não atenda os requisitos do ‘conhecer acadêmico’, a mesma traduz a antiga noção de que ‘tudo está ligado a tudo, e que nada pode ser compreendido, separadamente’1.

a noção de realidade infundida nas culturas aborígines ultrapassa o puramente físico, sensorial, ao tratar o aspecto subjetivo de uma maneira tão real quanto o objetivo. ao não imputar qualquer separação entre as expressões de ordem material daquelas imateriais, intangíveis, e certamente por conta disso, os antigos atribuíam ao ser humano uma dimensionalidade cósmica. esta conjectura pode ser observada no relato do indígena escritor Kaka Werá Jecupé: de acordo com a tradição dos Bororo (autodenominados Boe), um povo indígena que vive no estado do Mato Grosso, ‘somos feitos do pó das estrelas’, sustentando a crença que “as estrelas são os nossos avós e irmãos mais velhos”(JecUPÉ, 1998, p. 94).

surpreendentemente, esta acalentada citação guarde similaridade com interpretações cosmológicas modernas. segundo as mesmas, as misteriosas transmutações dos elementos (processo termonuclear que altera o número de prótons) ocorridas no coração das estrelas, como a fusão do hidrogênio e de outros elementos, deram origem ao mundo físico, em especial, a vida como a conhecemos. não por acaso, somam-se evidências desta concepção: ao analisar uma amostra do meteorito Murchinson (que caiu na austrália em 1969), cientistas da Universidade de Bremen, na alemanha, conseguiram isolar di-aminoácidos, um componente químico do material genético aPn (ácido peptídico nucléico), considerado o precursor do adn

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(ácido desoxirribonucléico) (MUÑoZ caro, et. al., 2002). em outra oportunidade, no material coletado na cauda do cometa Wild2, e analisado no instituto Max Planck de aeronomia, na alemanha, foi detectada a presença de coenzimas similares às denominadas PQQ (Pyrroloquinonine Quinone), substâncias encontradas em todos os seres vivos (Kissel et. al., 2004). embora convivamos com o onipresente e indecifrável mistério envolvendo o processo de criação dos genes, i.é., a fase anterior ao surgimento das primeiras formas de vida, sabe-se, hoje, que as coenzimas surgiram pela ação de radiação cósmica sobre as moléculas existentes na superfície de partículas minerais. evidências dessa natureza sustentam, inclusive entre cientistas, a ‘hipótese da panspermia’, segundo a qual, os átomos de nossos corpos foram criados no processo de síntese nuclear ocorrido no coração das estrelas.

acrescente-se a esse cenário de inusitadas ilações, um relato que transpõe os limites paradigmáticos na busca do conhecimento, induzindo uma lógica e uma causalidade próprias. há milênios, a tradição oral do povo Dugun (ou Habe, como se autodenomina), atualmente vivendo na república de Mali, na África ocidental, acalenta uma concepção do universo substanciada por registros em pedras e reproduções em máscaras, que remonta um período anterior a 3.200 a.c.. entre as várias descrições sobre as características do universo, é mencionada a existência de uma outra estrela, invisível, ao lado da já conhecida Sirius (teMPle, 1975). o surpreendente é que essa estrela, posteriormente denominada de sirius B, somente foi prevista pelos cientistas em 1844 e observada em 1862, com o uso de um telescópio. não obstante, a origem (inexplicável) desse conhecimento extrapole as categorias conceituais e, enfim, o universo conceitual da ciência moderna, o que impossibilita de ser caracterizado como científico, até o momento, o mesmo não se pode refutado ou classificado como ‘místico’.

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Inferências do Reino Invisível

Para as tradições mais antigas, o mundo dos sentidos é apenas uma parte diminuta da nossa realidade, muito mais ampla. como já referimos, os povos aborígines que vivem isolados da agitação urbana preservam uma fluida e enriquecedora interação com seu habitat natural e, por isso, nunca se sentem separados dele. se, do ponto de vista materialista, essa relação de intimidade pode parecer estranha, contudo, reza a milenar tradição indígena brasileira, por exemplo, que, desde cedo, as crianças ouvem histórias sobre plantas, animais e pessoas que mudam constantemente suas formas físicas e, deste modo, elas intuem que deve existir na natureza um ‘ser anímico’ (o espírito!?), todavia, real. Por conta dessa ‘relação vivencial’ elas são capazes de reconhecer e interpretar as transformações sutis verificadas ao seu redor. É natural, pois, encontrar nessas comunidades, pessoas que fazem pouca ou nenhuma diferença entre o espaço perceptual e o espaço simbólico da imaginação, ou seja, assimilam, conjuntamente, o aspecto objetivo e o subjetivo implícito à uma expressão da natureza. Pessoas dotadas com esse grau de sensibilidade podem, exercendo o seu livre arbítrio, vivenciar o cotidiano da realidade harmonizando suas ações às nuanças percebidas ao seu redor.

Uma vez que os supostos paradigmas de antigas cosmovisões não são baseados em conceitos estáticos, ou mesmo numa verdade absoluta, e sim, na ideia que tudo que existe é fluxo, logo, parece natural reconhecer a importância do mundo subjacente (não material) na vida dos povos aborígines. isto explica o profundo significado que os sonhos e visões exercem em suas atitudes e ações, porquanto representam uma forma de comunicação com reino imaginal, ou seja, portais para outras realidades, outros mundos. JecUPÉ (1998, p. 56) lembra que, para os indígenas, o sonho é o momento sagrado em que o espírito está livre para realizar várias tarefas, tais como purificar o corpo físico (sua morada) viajar até a morada ancestral e, algumas vezes, trilhar desde o passado até margear o futuro. contudo, é preciso destacar que, para os povos

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tradicionais, de um modo em geral, as vozes e as imagens oníricas não representam símbolos do inconsciente, como poderíamos atribuir, e sim, aspectos de uma realidade que é indescritível por meio de uma linguagem contemporânea.

através da ‘comunicação’ com o reino invisível dos ‘seres oníricos’, os antigos obtinham, e ainda obtém, respostas aos seus questionamentos, sejam de natureza pessoal ou de dimensão universal. algo estranho para a concepção filosófica-científica da realidade cujas menções dessa espécie não constituem fontes de conhecimento. Mesmo assim, existem relatos curiosos envolvendo conhecidos cientistas. É o caso da experiência visionária do matemático, físico e filósofo francês Jules henri Poincaré, ocorrida no final do século XiX, quando tentava desenvolver uma formulação matemática, sem conseguir. Um dia, ao subir em um ônibus em Paris que o levaria a calais, Poincaré ‘viu’, no ar, a formulação completa, ou seja, as equações e as soluções que tanto buscava. situação parecida foi vivida pelo químico alemão Friedrich august Kekule. após meses tentando configurar a molécula do benzeno, um composto orgânico, ele sonhou com a imagem de uma cobra mordendo o próprio rabo, enquanto descrevia um movimento cíclico. a interpretação dessa imagem o levou a deduzir a estrutura procurada, combinando 6 átomos de carbono com 6 de hidrogênio, na forma de um anel. tais vivências, independente de qualquer análise mais aprofundada, podem ser interpretadas, do ângulo psicológico, como respostas do inconsciente às inquisições da pessoa, a quem cabe, realmente, compreender o seu significado.

O Unus Mundus dos Alquimistas

a alquimia, ou a Arte2, como era conhecida em tempos mais remotos, foi uma das maneiras adotadas por estudiosos antigos para ‘alcançar’ a purificação e a transformação espiritual e,

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consequentemente, expandir a consciência com o desenvolvimento da inspiração e da intuição através de imagens. a característica principal da alquimia é a transmutação: consiste em transformar algo em outra coisa que é de uma natureza superior, seja de ordem material, psíquico e até mesmo espiritual. tanto nas tradições orientais quanto nas ocidentais, a alquimia era a fonte misteriosa capaz de prover subsídios para formalizar uma simbologia, onírica e esotérica, que tivesse um poder de alterar a consciência possibilitando conectar a alma humana à dimensionalidade cósmica, ao etéreo.

Para os alquimistas, o mundo físico, material, era parte de um imenso aglomerado de outros mundos interconectados formando uma conjunção (coniunctio) primordial ou unus mundus, como denominou o alquimista alemão Gerhard dorn3 [1530 - 1584]. este termo da filosofia medieval para descrever a realidade una, subjacente a tudo que existe, - o cosmo unificado -, é também assimilado como uma projeção do “modelo potencial preexistente da criação na mente de deus” (FranZ, 1992, p. 198). sob uma perspectiva evolucionária, o que significa postular um mito da criação, o unus mundus também simboliza ‘o primeiro dia da criação quando não havia o segundo’. Quer dizer, o universo físico surgiu de uma creatio continua, o princípio gerador feminino, responsável pela criação da alma do mundo, a anima mundi dos alquimistas. tal princípio expressa a plenitude inobservável, metafísica ou espiritual, da qual o unus mundus é o seu aspecto energético. da noção de unus mundus depreende-se que a multiplicidade do mundo empírico pressupõe uma unidade original subjacente a tudo e, portanto, não existem, verdadeiramente, dois ou mais mundos paralelos ou entrelaçados.

a ideia de um mundo potencial, que transcende a dualidade da mente e da matéria, foi abordada por notáveis estudiosos. É o caso da noção de nous poiétikos apresentada pelo famoso médico e filósofo persa ‘abu ‘ali al-hussain ibn ‘abd allah ibn al-hassan ibn ‘ali ibn sina, [980-1037], o conhecido avicena. interessado no efeito da mente (psique)4 sobre o corpo, tendo inclusive escrito um tratado

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sobre psicologia, avicena acreditava que existia de uma inteligência criativa (espírito) na realidade cósmica, presente nas coisas em si mesmas (FranZ, 1991, p. 163). durante a renascença, o humanista Marsílio Ficino [1433-1499] também contemplou essa misteriosa qualidade anímica referindo-se ao universo inteiro como um ‘ser vivo’, onde o cosmo é seu corpo, a morada da alma do mundo, da nous divina. duzentos anos depois, o filósofo holandês Benedictus (Baruch) spinoza [1632-1677] defendeu a ideia de que existe uma substância fundamental, a causa sui, da qual derivam todas as manifestações físicas como diferenciações de uma totalidade.

cosmovisões desta natureza transcendem os limites intrínsecos a qualquer concepção dual da realidade e induzem considerações acerca de uma totalidade cósmica. isto é percebido na referência que os alquimistas faziam à oposição entre o sol e a lua, quando, na verdade, eles queriam enfatizar a noção de opostos complementares, assumindo que não existem antagonismos. esses persistentes ‘buscadores’ do conhecimento não faziam qualquer distinção entre as vivências do mundo interno da mente e as ocorrências do mundo externo, e sim, as assimilavam como manifestações do unus mundus. o que significa dizer que a aparente incompatibilidade discriminatória entre esses mundos, não passa de uma ilusão por conta das nossas limitações sensoriais.

Fixo e o Volátil

os alquimistas acalentavam a ideia de que o mundo físico originou-se de um ‘quatérnio primordial’, enquanto símbolo ‘intermediário’ da totalidade amplamente postulada em antigas sociedades5. Para eles, cada coisa que existe no universo era uma combinação dos elementos desse ‘quatérnio’ - fogo, ar, água e terra -, os quais deveriam ser liberados de volta aos seus lugares naturais e, então, recombinados em novas formas de matéria.

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como já abordamos, o unus mundus dos alquimistas projetava uma realidade onde o mundo sensorial era permeado e guiado por um elemento sutil, intrínseco à natureza, i.é., o ‘espírito da matéria’. operacionalmente, essa realidade seria alcançada através de processos transformadores de materiais, os mais caóticos possíveis, com o intuito de liberar o misterioso elemento. os textos alquímicos mencionem várias etapas desses processos como uma metodologia (experimental) para alcançar o lapis philosophorum (a pedra filosofal ou pedra do conhecimento), das quais três são típicas: a nigredo (negrume), a albedo (‘embranquecimento’) e a rubedo ou citrinitas (‘avermelhamento’ ou dourado).

em termos práticos, o objetivo central da obra alquímica (opus alchymica) consistia em tratar a matéria bruta (prima materia)6 ‘contaminada’ e ‘oculta’ no corpo humano ou na matéria ao nosso redor, purificando-a de modo a liberar o espírito, a qualidade divina. assim, poder-se-ia ‘contatar’ com o princípio anímico, o lapis philosophorum, para os alquimistas “a pedra enviada por deus ..... tem um espírito (pneuma), que deve ser extraído dela” (von FranZ, 1992, p. 180). antes de iniciar a opus, era preciso concentração e meditação profunda para purificar a alma, o espírito e o corpo e, assim preparados, podiam realizar a primeira etapa (a nigredo), quando se deparam com a desfiguração total da prima materia. isto porque, o processo de assimilação dos resultados experimentais (o labor) da opus, exigia do alquimista, de um lado, reconhecer as transformações ocorridas consigo mesmo, e de outro, uma profunda intuição (oratio) acerca do significado das experiências, proporcionando uma descrição mais abrangente da realidade. Uma vez assimilado esse ‘conhecimento transcendental’, imaginaram eles, poderiam curar todos os males, unir todos os opostos e todos os abismos e, ainda, delinear aquelas ‘raízes arquetípicas’ que tanto precisamos descobrir em nós mesmos. trata-se de um procedimento necessário para compreender a própria transformação e a do mundo ao redor, embora alguns alquimistas desejassem vislumbrar o que seria ‘o momento original’ da criação.

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séculos depois, enquanto desenvolvia sua teoria psicológica, o medico suíço carl Gustav Jung [1875-1961] captou esse propósito alquímico lembrando que “a tarefa da Arte seria a de separar o Archeus7, o spiritus mundi da matéria, produzindo a quinta-essência, cuja ação sobre a humanidade poderia ser comparada à de cristo” (JUnG, 1991b, § 512). essa designação transcendente - o spiritus mundi - é referenciada de maneiras diferentes em cada tradição. enquanto na alquímica oriental, e.g., a ioga indiana e o taoísmo chinês, buscava-se o elemento feminino do espírito, o qual uma vez ‘absorvido’, induziria a harmonia com a natureza separando o espírito do corpo, por sua vez, o objetivo da alquimia européia era o de libertar o ‘homem superior e mais nobre’ da matéria. em ambas as orientações, essa dinâmica cosmogônica é representada pela imagem de um dragão, ou uma serpente, mordendo a própria cauda, devorando a si mesmo num processo circulatório que simboliza a imortalidade e a renovação do universo. tal imagem, que depois ficou conhecida como Ouroboros8, tornou-se uma evidência inconteste, para os alquimistas mais astutos, de que a prima materia da ‘arte alquímica’ era o próprio alquimista (o ser humano). talvez por isso esses ‘buscadores’ do conhecimento confiassem plenamente nas suas visões, sonhos e inspirações para guiar e aperfeiçoar sua ‘arte’.

embora os escritos alquímicos tratassem dos mistérios da natureza sob uma visão metafísica da realidade, os mesmos foram cruciais para o desenvolvimento de metodologias científicas. É inegável que a alquimia e seus princípios que envolviam a experimentação e a teorização, podem ser considerados como ‘vertentes científicas’ de antigas tradições, porquanto deixaram marcas indeléveis no processo de geração de conhecimento.

A Conjunção Alquímica Mente-Matéria

o mundo dos alquimistas pode ser tomado como um guia para analisar o comportamento da mente, embora careça de soluções

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objetivas para os conflitos inerentes à nossa própria existência. isolados em suas atividades que envolviam tanto uma exploração externa quanto interna de sua personalidade, os alquimistas não diferenciavam o mundo da matéria daquele da mente e, deste modo, trataram as operações físicas e as mentais sob um mesmo contexto. Para eles, havia uma relação íntima entre o experimentador e o seu experimento, por acreditar que o ‘mundo de suas experimentações’ estava conectado ao ‘mundo do cosmos’. deste modo, em suas tentativas para desvendar os mistérios do universo, combinavam o aspecto físico (material) e o psíquico, uma vez que não faziam qualquer divisão entre os mesmos. tomados pela noção de unicidade, os alquimistas procuraram delinear uma conexão entre a sua própria natureza interna e a natureza interna da matéria, objeto de sua obra. Mais especificamente, buscavam associar os processos de separação e de purificação da prima materia a purificação interna de sua alma, vislumbrando uma transformação espiritual9.

Jung reconheceu a abrangência dessa concepção ao analisar as operações alquímicas como metáforas àquelas do processo de individuação10. em termos psicológicos é possível fazer um paralelo com as três etapas mencionadas: a nigredo (a etapa inicial da confusão, do caos total) com o arquétipo da Sombra11, que categoriza os aspectos rejeitados e não aceitos da personalidade; a albedo, (a etapa da germinação, do desenvolvimento) correspondendo à integração dos componentes contrassexuais interiores, o arquétipo da Anima12, no caso do homem, e do Animus, no caso da mulher; e a rubedo (a etapa final, quando a pedra filosofal começa a irradiar o efeito de cura cósmica) com o Si-Mesmo13, o centro, a fonte da integração interna da personalidade (FranZ, 1992, p. 181).

o fato é que Jung assimilou o propósito alquímico da transmutação dos elementos e seu simbolismo, como referência para conceituar o inconsciente, i.é., procurou reconhecer nos processos de refinamento da matéria uma maneira de espelhar as transformações do Si-Mesmo. a partir desta correlação, ele argüiu

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que o terapeuta, além de ‘observar’ a psique do paciente, também deve considerar sua própria transformação, pois, durante o processo analítico, ambos estão inextricavelmente conectados.

se, do ponto ângulo científico essa correlação mente-matéria pareça estranha, é inegável que a psique é a fonte, objetiva e teleológica, de todo o conhecimento que formulamos acerca do mundo. não podemos esquecer que as teorias científicas não são construções arbitrárias ou simplesmente surgem da maneira que relacionamos os fatos. elas são criações reais da mente humana, ou seja, da psique, como descreve Jung em sua teoria psicológica. Para este autor, toda ciência é função da psique na qual todo conhecimento está enraizado (JUnG, 1991a, § 357). neste sentido, a psique é o ambiente pleno da subjetividade que se expressa objetivamente em nossa consciência.

A Projeção Celeste na Terra

na alquimia, a exemplo de filosofias de povos tradicionais, preservava-se uma noção de inteireza e de completitude com o cosmos projetando uma conexão sutil entre o céu e a terra. a máxima da alquimia hermética14, ‘céu em cima, céu embaixo’ da Tabula Smaradigna15 (a placa esmeraldina), traduz essa união ao induzir a harmonia essencial em todo o universo, onde o ser humano é um microcosmo no qual o todo é refletido. Philippus aureolus Bombast von hohenheim, mais conhecido como theophrastus Paracelsus ou simplesmente Paracelso16, foi um famoso médico e alquimista suíço do século Xvi que defendeu essa relação. Para ele, o médico, além de ser um alquimista, também deve ser astrólogo, pois o firmamento é também fonte de conhecimento. Uma visão similar à cultuada em tradições como a africana e a indígena, segundo as quais, o céu é a fonte primordial, ‘onde tem muito mais coisas que na terra’. o que significa dizer que a terra nada mais é do que um reflexo do céu: tudo que está aqui tem de ter estado lá.

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a relação de intimidade desses povos tradicionais com o mundo natural, em especial com o cenário cósmico, possibilitou a confecção de calendários estelares discriminando as estações do ano, períodos de chuvas, de plantio e de colheita, e outras atividades regulares. Por outro lado, embora ainda incipiente, observa-se uma atenção maior de alguns acadêmicos voltados para o conhecimento e o nível de sabedoria dos indígenas brasileiros sobre o ambiente terrestre e a dinâmica de corpos celestes (aFonso, 2008). diferente das configurações elaboradas pelos cientistas, em que as constelações são formadas unindo as estrelas, na etnoastronomia indígena, as configurações estrelares reproduzem imagens de animais e de outras formas do mundo natural. É o caso, por exemplo, do aglomerado de estrelas conhecido como as Plêiades (Eixu para os Guarani do sul do Brasil e Seichu para os Tupinambá do norte, que quer dizer, ‘ninho de abelha’ ou ‘favo de mel’). Para ambos os povos (e outros aborígines), o aparecimento das Plêiades marca os interstícios do ano. após um período de invisibilidade (o ocaso helíaco, que corresponde ao mês de maio) devido a sua conjunção (proximidade) com o sol, as Plêiades surgem pela primeira vez a leste, no início do mês de junho, perto da linha do horizonte antes do nascer do sol, prenunciando o inverno para os Guarani e a estação seca para os Tupinambá do norte. É o nascer helíaco, marcando o início do ano. de um modo similar, o aparecimento das Plêiades em meados de novembro, a leste, logo após o por do sol, indica a chegada do verão no sul e do período de chuvas no norte. É o nascer cósmico ou anti-helíaco.

Notas

1. como um princípio, essa assertiva é até mesmo incorporada por cientistas na busca de uma ‘teoria do tudo’, aquela que explicaria não só as partículas de matéria mais também suas interações, a partir da unificação das quatro forças fundamentais conhecidas. ocorre que esse

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propósito exprime mais um desejo, ou melhor, um estímulo intuitivo sem qualquer perspectiva realização (ao menos por enquanto).

2. alquimia é uma palavra européia derivada de Al-Khem, a fonética árabe para um antigo nome do egito. nesta versão, era conhecida como a ‘arte do egito’. vale observar, ainda, que os registros sobre a alquimia em outras sociedades antigas, como a chinesa e a indiana, remetem a textos do cânon taoista e aos escritos védicos, respectivamente.

3. em sua obra Phyica Trismegist, Gerhard dorn (ou Gerardus dorneus, nome que o próprio adotou em latim) explica que, no princípio, deus criou um só mundo e, depois, o dividiu em céu e terra. contudo, estes não podiam existir sem o ‘terceiro’, o estágio oculto, que também podia existir sem os outros dois. esse ‘terceiro’ estágio é a unidade original do mundo, do qual emerge o Unus Mundus, o único mundo, o futuro do mundo eterno.

4. o termo psique é usado aqui intercambiável ao de mente, quando há uma conotação psicológica. descrita como um espectro imaginal/somático, a psique é tratada como um ‘sistema’ autônomo que não pode ser estudado em partes, tampouco reduzida a sistemas mais simples.

5. na literatura científica atribui-se ao filósofo grego empédocles de agrigento (483-430) a concepção de uma cosmogonia baseada nos quatro elementos, cujas relações são regidas pelo amor (união, amizade) e pelo ódio (separação, discórdia).

6. Prima materia se refere à ‘primeira matéria’, o ‘caos original’ de onde veio toda a matéria. Jung interpretou a prima materia como um conteúdo inconsciente pronto para ‘emergir’, mas precisando do ‘calor’ da consciência ‘desperta’ para transformá-la numa experiência consciente.

7. na linguagem alquímica, o Archeus é referenciado como o espírito mais elevado, mais digno e invisível e, ainda, a força secreta da natureza.

8. Ouroboros – antigo símbolo alquímico, supostamente originário do egito antigo, passando pelos fenícios até chegar a Grécia, onde recebeu essa denominação (que significa ‘o comedor de cauda’). o Ouroboros simboliza o ciclo natural das coisas, o eterno retorno, o renascimento, e ainda expressa a natureza dual de todas as coisas, onde os opostos não são conflitantes. essa referência é também encontrada em várias tradições, como a chinesa, asteca, hindu, indígena, na forma de uma serpente ou de um dragão mordendo a própria cauda.

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9. vale ressaltar que já no inicio do século Xvii, precisamente com a Philosophia perennis de Jakob Böhme (1575-1624), já se configurava a divisão da figura do alquimista no que veio a ser o ‘químico moderno’ e o ‘filósofo hermético’. deste modo, os alquimistas ‘herméticos’ ficaram sem uma base empírica que sustentasse suas interpretações da fenomenologia da natureza.

10. o processo de individuação é o movimento pelo qual uma pessoa integra conteúdos do inconsciente, desenvolve sua personalidade, levando-a a conscientizar-se do arquétipo da totalidade. É uma maneira para uma pessoa se aproximar do mundo realizando dois princípios: (a) um processo interno e subjetivo de integração e um processo igualmente indispensável de relacionamento objetivo. nenhum pode existir sem o outro, embora, algumas vezes, possa existir o predomínio de um sobre o outro.

11. Arquétipo: conceito da psicologia junguiana; conteúdo do inconsciente coletivo; um padrão inato de imaginação, pensamento ou comportamento que pode ser encontrado entre seres humanos em todos os tempos e lugares. Jung distingue Sombra pessoal (aspectos da personalidade rejeitados e não aceitos que, reprimidos, formam uma estrutura compensatória para os ideais do Ego e da Persona) e Sombra coletiva ou arquetípica (fonte de energia indiferenciada do inconsciente coletivo que pode irromper instintivamente na consciência).

12. Animus – imagem arquetípica do masculino eterno no inconsciente da mulher formando um elo entre o Ego-consciente e o inconsciente coletivo e, potencialmente, aquele que abre o caminho para o Si-Mesmo; Anima – é o correspondente feminino da imagem arquetípica para o inconsciente do homem.

13. Si-Mesmo (ou Self) - termo usado por Jung (tomado da filosofia indiana) para representar o arquétipo da totalidade (aquele que contém todos os arquétipos). É o centro regulador da psique e fonte de todas as imagens arquetípicas e das tendências psíquicas inatas para a estrutura, ordem e integração. como arquétipo do crescimento, organiza e governa o inconsciente coletivo, sendo dotado ainda do poder transpessoal que transcende o Ego.

14. alquimia hermética ou espiritual era um dos campos de atividades no qual os alquimistas trabalhavam para purificar a si mesmos eliminando

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a base natural do Si-Mesmo com o objetivo de alcançar o ‘ouro’ da iluminação. o outro campo de atividade, o físico ou mundano, tinha como propósito descobrir um processo para converter metais básicos (ex. o chumbo) em ouro.

15. a Tabula Smaradigna é um texto clássico atribuído a hermes trismegistus (Três Vezes Grande) uma versão grega da divindade egípcia thot,o criador das artes e das ciências.

16. Paracelso ou theophrastus Paracelsus foi o nome adotado por Philippus aureolus Bombast von hohenheim, médico, alquimista, astrólogo e filósofo nascido em 10/11/1493 em einsiedeln, suíça. o seu conceito de lumen natura (a luz da natureza que ilumina a consciência), algo como um céu interior, teve uma importância histórica para o materialismo que pavimentou o caminho para a ciência moderna.

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Capitulo 2

A CIÊNCIA MODERNA: O REINO DA OBJETIVIDADE

A Realidade Objetiva

os historiadores da ciência ocidental reportam a sua origem à Grécia antiga, onde sábios como Platão [427-347 a.c.], ousou perscrutar além das aparências: existe um mundo verdadeiramente mais profundo, o ‘mundo das ideias’, das ‘formas’ ou dos ‘ideais’ (como foi denominado no século Xviii), do qual, a realidade física nada mais é do que uma cópia. Provavelmente, reconhecendo a necessidade de afirmar sua ligação com o ambiente cotidiano, Platão tenha considerado esse ’mundo das ideias’ tão real quanto o mundo dos objetos imaginando que, através das ideias, a humanidade alcançaria a consciência do absoluto. Por sua vez, aristóteles, [384-322 a.c.], o discípulo mais famoso de Platão, externou uma noção sensorial da realidade concebendo a existência de uma força vital que orienta os organismos e os sistemas naturais, em um processo de auto-regulação.

em termos práticos, a lógica de aristóteles discrimina um mundo acima da lua, o suposto ambiente da quinta substância (ou essência) - que seria o éter - de um mundo abaixo da lua,

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onde ocorreriam transformações e mudanças envolvendo os quatro elementos: fogo, ar, água e terra. na sua obra Physis, base da conhecida física aristotélica, ele considera que a tendência desses quatro elementos em procurar seu lugar natural (origem) é a responsável pelo ‘surgimento’ de forças e dos movimentos das coisas. Para aristóteles, sendo a natureza perfeita, nada acontecia por acaso. Um propósito que associava o caráter teleológico a tudo que ocorre na natureza. É possível que, ao conceber a existência de uma uniformidade no mundo natural, aristóteles desejasse explicar todos os fenômenos, de modo que, qualquer descontinuidade (aparente) seria uma ‘conseqüência’ da interferência humana.

a visão aristotélica do mundo chegou a renascença, período em que culminou com a revolução na maneira de abordar a natureza: o nascimento da ciência moderna. os legados de pensadores ilustres como nicolau copérnico [1473-1543], Giordano Bruno [1548-1600], Galileo Galilei [1564-1642], Johannes Kepler [1571-1630] e rené descartes [1569-1656], contribuíram significativamente para a formalização da ciência moderna por isaac newton [1642-1727]. a noção da causalidade do movimento, de que são dotadas todas as substâncias, baseada na física aristotélica, foi substituída por uma descrição objetiva das ocorrências dos fenômenos da natureza e ‘traduzida’ em termos de caracteres matemáticos. esta nova maneira de obter o conhecimento foi afirmada pela capacidade de prever ocorrências e eventos, a partir de regras lastreadas por uma concepção epistemológica da realidade.

ao inaugurar o que se chamou ‘era da razão’, newton reconheceu: “se pude enxergar mais longe que os outros, foi porque esteve sobre os ombros de gigantes” (March, 1970, p. 22), uma menção aos cinco pensadores supracitados. dos ‘gigantes de newton’, copérnico cometeu a ‘heresia’ de afirmar que a terra não era o centro do universo, o que, além de provocar uma mudança dramática no mapa mental do ser humano acerca do seu lugar no panorama universal, suplantou o tabu da cosmologia aristotélica de

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que a terra estava em repouso, em torno da qual giravam planetas e estrelas; Bruno abraçou a ideia do heliocentrismo postulando, ainda, a existência de outros sistemas solares em um universo infinito; Kepler mostrou que a força oriunda do sol era a responsável pelas órbitas elípticas dos planetas e não circulares como acreditava aristóteles, além de aplicar a matemática na formulação de suas três leis do movimento planetário; Galileo estruturou a metodologia científica baseada na obser vação e análise dos fenômenos, estabeleceu a lei da inércia e a da queda livre, entre outros feitos e, ao descrever as montanhas e as crateras na face da lua usando um telescópio, substituiu o observador passivo pelo observador ativo; por fim, descartes, ignorando qualquer matiz de ordem religiosa ou subjetiva na geração do conhecimento, afirmou o caráter lógico e objetivo para o novo ‘pensar’ sobre a fenomenologia da natureza. desde então, a descrição objetiva de mundo sobrepôs-se àquela notadamente sensorial e intuitiva.

seguramente, um dos feitos mais marcantes da ‘nova’ ciência se refere à formulação elaborada por newton que suplantou a dualidade aristotélica, ‘unificando’ o céu e a terra com uma ‘ação não local à distância’, i.é., a força da gravidade. Por certo, ele assimilou uma das principais contribuições de Galileo: a ideia da ‘observação ativa’. em conseqüência, os instrumentos científicos passaram a ser tratados como uma extensão dos sentidos humanos para investigar tanto o mundo ao redor quanto o ambiente das coisas diminutas.

diferente da então dominante cosmovisão aristotélica que se propunha abranger todos os fenômenos, o objetivo de newton era o de analisar e prever o comportamento de um subconjunto de fenômenos, descritíveis através de equações. com o desenvolvimento da matemática (no caso, a geometria analítica e o cálculo1) e o aprimoramento da metodologia experimental, newton fundamentou a noção da continuidade para descrever as ocorrências da natureza, estabelecendo, ainda, as três leis do movimento para um cenário cosmológico inerte em que o espaço é imóvel e infinito e o tempo flui

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continuamente. Para ele, a magnitude geométrica observada como a distância entre pontos materiais e seus processos de mudanças no tempo, não determinaria completamente os movimentos no sentido físico. sob o pressuposto de que, além da massa e da distância, a qual varia com o tempo, existe algo a mais determinando o que acontece, newton idealizou o espaço absoluto, como estrato referencial para ‘situar’ uma realidade física, de modo que suas leis do movimento tenham significado. desta maneira, a noção de espaço e tempo absolutos e imutáveis tornou-se uma referência não só para descrever os movimentos dos corpos celestes como também aqueles observados na terra. séculos depois, o mundo tranquilo de newton, que dava forma e estrutura ao universo, deu lugar ao espaço e tempo flexíveis e dinâmicos da teoria da relatividade geral de einstein.

este foi o cenário em que se formalizou a descrição causal da realidade física baseada, de um lado, na observação e/ou medida e, de outro, na descoberta de leis matemáticas que possibilitam determinar qualquer estado de um sistema ou objeto no futuro e no passado.

O Materialismo Reducionista

inquestionavelmente, a ciência moderna revolucionou a maneira de descrever o mundo com uma abordagem objetiva dos fenômenos naturais. o progresso das ciências, fundamentado no intercâmbio contínuo entre descrições matemáticas e as medidas experimentais, validam suas teorias. se, de um lado, a base matemática adotada por newton assume que todos os movimentos são contínuos, embora possam ser analisados separadamente, de outro lado, criou-se um mundo constituído de muitas partes como se fosse uma máquina. nesse ambiente previsível, onde o passado e o futuro estão matematicamente contidos no presente, qualquer coisa que pode influenciar, faz parte dessa máquina gigantesca.

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a descrição mecanicista de mundo incorporou a prática grega da ratio (ou divisão), firmando-se como um dos pilares paradigmáticos da ciência moderna. talvez porque a filosofia natural da Grécia antiga combinasse a razão aristotélica com uma espécie de materialismo. Um materialismo que reflete a noção de que existe um mundo externo independente do observador.

a ciência moderna reproduziu essa tendência, com a visão de mundo baseada no ‘fisicalismo’, quer dizer, estados ou até mesmo propriedades mentais podem ser explicadas em termos de estados e propriedades físicas. trata-se de uma premissa advinda do formalismo (consistente) desenvolvido por newton ao privilegiar uma descrição materialista da natureza sintonizada com o discurso filosófico de descartes que distingue a mente da matéria, enquanto ignora quaisquer injunções de ordem subjetiva.

de um modo em geral, essa indução ao materialismo pressupõe que todas as coisas podem ser reduzidas a propriedades da matéria, ou seja, todos os estados energéticos podem ser tratados como processos materiais, tornando-os passíveis de serem governados por leis da Física. em outras palavras, tudo que existe, desde a criação do mundo até os sonhos, pode ser descrito em termos dos processos sutis que governam os elementos fundamentais da matéria. se compreendermos tudo sobre tais elementos, então compreenderemos tudo mais que existe no mundo. embora essa corrente de pensamento constitua um ‘parâmetro guia’ para uma teoria ou qualquer formulação científica, não é possível considerar, por exemplo, que a mente possa ser reduzida ao cérebro. algo inconcebível, porquanto implicaria em transformar o abstrato, o subjetivo (a mente) em algo físico, material (o cérebro). de fato, apesar de serem reportados a um mesmo ambiente, mente e cérebro são denominações que expressam mundos diferentes.

ao adotar a objetividade, separando o que é observado do observador, a física newtoniana isolou o cientista do seu objeto de estudo. Um proceder que, embora ressalte a dualidade na

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interpretação de uma ocorrência, polariza o seu aspecto físico. É natural, então, ponderar que as dificuldades e as limitações conscientes para representar as influências de ordem subjetiva na estruturação do conhecimento, reforçaram o desenvolvimento de uma ciência dominantemente objetiva. entre outras conseqüências, a força paradigmática do reducionismo científico passou a sustentar a ideia que a realidade física podia ser explicada com a noção do átomo.

A Afirmação da Ciência Moderna

no final do século Xviii, a ciência moderna já proporcionava uma visão do mundo baseada em leis físicas bem estabelecidas. Uma vez conhecidas os parâmetros físicos de um sistema, ou objeto em estudo, seria possível realizar uma previsão de um comportamento futuro. essa noção de determinismo ‘perfeito’, defendida pelo astrônomo e filósofo francês Pierre simon de laplace [1749-1827], pressupunha uma lógica equivalente entre duas proposições da dinâmica newtoniana com respeito a dois instantes diferentes de tempo. o que tornou possível considerar o atual estado do universo como resultante de seus estados prévios e causa daqueles que se seguirão. nessa concepção, não havia espaço para o imprevisível, a subjetividade inerente ao ser humano, a natureza em si.

Foi neste panorama que surgiu a revolução industrial e, consequentemente, o desenvolvimento de máquinas que amplificaram as ações humanas provocando, desde então, alterações significativas no ambiente da convivência humana, bem como no seu habitat, o nosso planeta. É fato que a projeção da ciência ‘mecanicista’ de que o mundo funciona como se fosse um grande relógio, marcou o início da produção de bens materiais e outras conquistas em prol do bem estar humano. Uma delas se refere às grandes navegações ao ‘novo mundo’, abarrotando a europa com

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espécimes alimentícias desconhecidas, pedras e metais preciosos, madeiras e outros especiarias, o que contribuiu significativamente para viabilizar o progresso europeu na época.

É inegável que todo esse processo filosófico-histórico-econômico alterou radicalmente a maneira de gerar o conhecimento pela ciência. até então, comungava-se o pensamento aristotélico de que o universo era antropocêntrico. Prevalecia a ideia de que o mundo surgiu de uma ‘substância primordial’ (uma criação divina), evoluindo de acordo as leis da natureza. Paralelamente, acalentava-se a noção de que todas as informações acerca do ser humano, e do universo, possuíam uma conotação religiosa, originárias, que eram, de mosteiros e das poucas universidades. esse panorama mudou com a vigência do modelo heliocêntrico copernicano, que ‘removeu’ o ser humano do centro do universo. Um ‘modo de pensar’ que abriu caminho para a concepção newtoniana-cartesiana, onde o espaço absoluto e do tempo linear são os elementos ‘estruturadores’ do mundo mecânico ou, como poder-se-ia dizer, ‘o mundo que deus criou e o ser humano tomou para governar’.

enfim, a fenomenologia do universo passou a ser descrita através de uma linguagem matemática, e seus princípios, dogmas, regras e símbolos, viabilizando um cenário onde os parâmetros são controláveis. essa mudança, além de provocar a fragmentação no modo de pensar sobre o mundo externo, físico, tornou-se dominante no comportamento da sociedade em suas experiências de vida. Quaisquer alusões de ordem subjetiva, inerentes às ocorrências dos fenômenos naturais, são sistematicamente desprezadas, o que limita o espaço para as expressões da criatividade humana.

O Ser Humano e o Conhecimento Científico

a natureza, como único e incontestável ‘objeto’ de estudo, exibe um estado permanente de fluxos e de transformações constantes.

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Uma noção presente em quase todas as sociedades aborígines, para as quais tudo está ligado a tudo. no entanto, essa considerada unicidade primordial não é absorvida pela ciência moderna em sua representação do mundo externo, baseada em teorias da Matemática. não seria exagero afirmar, portanto, que o alarmante quadro de insensibilidade e de desrespeito para com a natureza, categoriza uma herança do racionalismo científico que separa o ser humano da sua fonte primordial e soberana. Uma situação que reflete o ‘pensar’ acadêmico, ao delimitar o papel do cientista como um agente, cuja função se restringe a analisar e/ou prever e, eventualmente, inferir alguma correção quando o sistema, ou o objeto de estudo, não flui como desejado.

Maravilhada com os avanços tecnológicos proporcionados pela ciência, a sociedade contemporânea mantém uma inexplicável distância do mundo natural, alimentando uma postura de indiferença em todas as categorias relacionais, quer individuais ou coletivas. Mesmo vivenciando a notável e misteriosa dinâmica transformadora da natureza, o ser humano não a trata de uma maneira empírica e indutiva como ensinou um dos precursores da ciência moderna, Francis Bacon [1561-1626]. revisando o pensamento filosófico de então, Bacon argüiu que a ciência deve ser pautada pela coerência, organização e reverência à natureza, diante da necessidade de preservá-la para as gerações futuras. entretanto, a maneira com que foi sintetizada a sua visão de mundo, i.é., ‘conhecimento é poder’, demonstra uma aplicabilidade individualizada e exclusivamente racional, marcada por atitudes e ações orientadas para o ‘conquistar’. É o que se percebe ao inferir qual o elemento motivador dos mundos econômico, político e social e, suas conseqüências para a formação educacional que valoriza o individual em detrimento do coletivo. não parece que seja esse o caminho a ser trilhado pelo ser humano, pois, enquanto expressão genuína da raça inteligente aquinhoada pelo livre arbítrio, deve evoluir em sintonia com sua fonte primordial, a

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natureza. diante desse quadro de insensibilidade, faz-se premente uma reformulação de paradigmas de modo a valorizar atitudes igualitárias, tanto nas relações pessoais quanto nas ambientais.

A Projeção Iluminista da Ciência

o iluminismo, um movimento que surgiu na europa em meados do século Xviii e avançou até o século XiX, procurou firmar-se como uma corrente filosófica, científica e literária, em oposição às concepções do mundo fundamentadas numa religiosidade institucional ou no misticismo. a associação desse movimento ao racionalismo científico alijou toda e qualquer conjectura de natureza anímica que poderia existir numa descrição da realidade. entre as conseqüências, a ideia alquímica e/ou religiosa de alma passou a ser identificada com a consciência, o que significa dizer que a alma ‘tornou-se’ o que se sabia dela.

esta corrente de pensamento encontrou na recém criada ciência moderna, com suas teorias, modelos matemáticos e metodologias experimentais, o desejado ambiente fértil no qual o poder da razão e o progresso crescente acabariam, eventualmente, por eliminar as desigualdades, a pobreza extrema e as injustiças que avassalam a humanidade. era um sonho inspirado em um elenco de certezas coletivamente estabelecidas com valores que todos aceitariam a exemplo do bem-estar comum, plena felicidade, razão, livre arbítrio, boa governabilidade, enfim, da obediência às leis. Pressupunha-se que a ciência, e sua tecnologia, poderiam resolver os problemas que a sociedade enfrentava, através da lógica, do conhecimento e da capacidade de previsão proporcionada pela matemática.

Para ilustrar essa transição, pontuamos, brevemente, algumas ideias categorizadas como ‘iluministas’ (oMnÈs, 2002). embora o cenário idealizado para representar as ocorrências da natureza seja

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o mundo newtoniano do espaço e tempo absolutos e perfeitos, vale observar as menções de natureza sutil relacionando mente e matéria, o que serve ao propósito deste trabalho.

as ideias de rené descartes [1596-1650] foram decisivas para a construção do ‘modo de pensar’ que orientou a ciência moderna. ao rejeitar todos os dogmas religiosos e ‘eliminar’ todas as figuras autoritárias numa concepção de mundo, descartes resgatou a noção do dualismo. Mas, em vez de discriminá-lo na forma de ‘ser’ e ‘mudar’ dos gregos antigos, o representou na forma de uma dialética complementar expressa na sua frase cogito ergo sum (penso, logo existo), obedecendo ao princípio de que o pensamento precede a existência. neste caso, uma reflexão usando esse pensamento e sobre o pensamento em si conduz ao método que possibilita uma compreensão completa.

a famosa frase de descartes também pode ser assim entendida: a palavra ‘penso’ expressa ‘mudança’ e, ‘existo’, caracteriza ‘ser’. imaginar o mundo em termos de matéria e movimento significa que ‘existir’ é a chave para mudar, e ‘mudar’ é uma necessidade para conscientizar-se. logo, ‘penso, logo existo’ implica que somente através da própria consciência, uma pessoa pode ter certeza da sua existência, o que é corroborado pelo próprio descartes ao induzir que ‘o corpo pode existir sem a mente, mas não ao contrário’.

o dualismo cartesiano não reflete uma divisão do mundo entre a ‘coisa’ física e o aspecto mental, algo como um ‘dualismo metafísico’. trata-se de um tipo de ‘dualismo epistemológico’ que nos permite apreender uma maneira de conhecer as coisas. vale lembrar que descartes considerou a mente2 como uma substância tão real e concreta quanto à substância que ele chamou ‘corpo’. este seria a matéria física ‘estendida’ no espaço (res extensa) e, a mente, a ‘coisa pensante’ (res cogitans) que não ocupava espaço e não era feita de qualquer matéria física, e sim, tratava de algo puramente espiritual. Para este pensador, na mente pode existir pensamentos distintos que correspondem, em conteúdos, a objetos

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distintos que estão separados, contudo, esses pensamentos não são de fato localizados em regiões separadas do espaço. ao inferir que não existe nada no conceito de corpo que pertença a mente, e vice-versa, descartes torna explícito que os mesmos (o corpo e a mente) possuem naturezas distintas e, por isto, somente deus, que os criou, poderia relacioná-los colocando nas mentes dos seres humanos os pensamentos distintos que são necessários para tratar a matéria como uma substância estendida. Podemos dizer que com esta visão, descartes eximiu-se de conceber qualquer relação comum entre esses mundos.

como se percebe, a filosofia cartesiana subsidia a noção de uma ‘realidade mecânica’ onde o mundo físico, e seus fenômenos, são vistos como uma máquina e suas engrenagens. É uma conseqüência de assumir a razão humana como a única base segura para compreender a natureza e a própria humanidade. tomando a razão, mais do que a natureza em si, como o ponto de partida para compreender o mundo, descartes afirmou um ‘realismo físico’ em que, através da investigação científica, pode-se obter um conhecimento completo da realidade, o que configura uma ‘realidade independente’.

o filósofo e cientista alemão Gottfried Wilhelm von leibniz [1646-1716], a exemplo de newton, também explorou o pensamento humano em sua descrição do mundo físico. ele questionou a noção de espaço no sentido convencional argüindo que se trata apenas de um termo para verbalizar o relacionamento entre a localização de um objeto e a de um outro. significa que o espaço e o tempo são termos que designam as relações entre a posição onde estão os objetos e os instantes em que acontecem os eventos. o que caracteriza uma posição ‘relacionista’, onde apenas o movimento relativo entre objetos materiais tem significado.

sem dúvidas, uma correlação mais ampliada entre os trabalhos desses dois supracitados autores, mostrar-se-ia bastante enriquecedora em qualquer estudo. no entanto, aqui a abreviamos. se, de um lado, newton formulou o cálculo infinitesimal e as

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conhecidas leis que estabeleceram uma nova maneira de obter o conhecimento perscrutando a fenomenologia da natureza, de outro, leibniz também desenvolveu, independentemente, o cálculo infinitesimal introduzindo uma novidade: a função matemática, um conceito que se tornou indispensável para a ciência. o fato é que o cálculo tornou-se numa ‘ferramenta’ incrivelmente versátil e fundamental para quase todas as abordagens científicas.

É imprescindível destacar, ainda, uma outra particularidade que ligava esses dois pensadores. newton tinha uma tendência ao oculto, enquanto também um alquimista interessado nos mistérios da matéria que se dedicou intensamente à busca da pedra filosofal, tida como um agente da transmutação universal. leibniz considerou a existência de uma harmonia preestabelecida3 instituída pela sabedoria divina, a qual ordena as unidades imateriais, invisíveis, evoluentes da consciência, que ele denominou de mônadas. tais mônadas são os pontos metafísicos mais fundamentais, os elementos primeiros da realidade que sempre existiram e jamais poderão ser destruídos. Quer dizer, toda a matéria é algo vivo e totalmente animada por mônadas, as quais representariam o princípio da continuidade sob um sincronismo absoluto entre acontecimentos do reino físico e do reino psicológico. contextualizando leibniz introduziu a expressão Philosophia perennis para caracterizar uma metafísica onde pressupõe uma ‘realidade divina substancial’ ao mundo das coisas, dos seres vivos e das mentes. significa que o mesmo princípio que se expressa em nossas mentes também é ativo na matéria inanimada, nas plantas e nos animais. como se observa, inferências desta natureza denotam uma transcendência no horizonte da ciência, que ambos (newton e leibniz) ajudaram a construir.

esta formulação de leibniz destoa do cenário produzido pela visão cartesiana onde a matéria é reduzida a ‘extensão’, sem levar em conta a resistência que a mesma oferece ao movimento. em outras palavras, descartes trata da mudança da posição de um corpo em relação a um sistema de coordenadas, mas não da reação da matéria,

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que leibniz chamou de ‘força’. não uma força física, e sim capacidade de atuar, de agir. logo, sendo a matéria essencialmente atividade, leibniz idealizou que o universo é composto por unidades de forças, que são as mônadas, a noção fundamental de sua metafísica.

Para o filósofo e teórico político John locke [1632-1704], o mundo que nos cerca proporciona os meios para pensar e para falar. assimilando o pensamento científico de newton, locke descreveu a mente humana como uma espécie de recipiente vazio contendo partículas distintas, separadas, chamadas ideias. todas essas ideias surgem direta ou indiretamente das experiências, podendo ser externas (sensoriais) ou internas (intuitivas) do próprio estado da mente. elas são classificadas como ideias simples e ideias complexas: as simples originam-se das experiências e, as complexas, surgem da mente operando as ideias simples. a combinação de todas as ideias inclui, em um primeiro estágio, espaço, expansão, forma, repouso ou movimento, permitindo que a mente ‘extraia’ similaridades entre as várias ideias simples através de reflexão e, deste modo, chegar à abstração. no estágio final, que é a linguagem, as ideias assim formadas são descritas por palavras, definindo os atributos comuns das coisas que percebemos.

esta construção empírica de locke foi confrontada ao pensamento de George Berkeley [1685-1753] e seu idealismo filosófico. enquanto locke argüiu que todas as nossas ideias são direta ou indiretamente derivadas das experiências sensoriais, para Berkeley, tudo que podemos ‘experienciar’ são as nossas percepções, pensamentos e sentimentos, de modo que não existe mundo físico, material, a não ser que pensemos nele. Uma posição que sugere a consciência como a única realidade. Berkeley acreditava que devia haver alguma coisa determinando essas qualidades mentais e, então, considerou a existência de um ‘espírito ativo, indiviso’, o responsável por produzir esses efeitos em nossas consciências.

Por sua vez, david hume [1711-1776] defendeu, a princípio, uma concepção similar a de Berkeley. ele enfatizou o papel do ser

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humano numa observação, argumentando que todo o poder criativo da mente não é mais do que a faculdade de compor, transpor, aumentar ou diminuir o material que os sentidos e as experiências nos proporcionam. numa interpretação restrita, significa dizer que a única função da mente é a de explorar fatos, os quais constituem a fonte de nossa representação do mundo, de nossa linguagem. e isto somente é possível porque eles (os fatos) têm uma regularidade suficiente que possibilita o uso da linguagem e da razão. ora, mesmo que essa regularidade seja descrita pelas leis científicas, essas leis em nada acrescentam a um mero sumário de fatos observados. É provável que este aspecto tenha levado hume a admitir, mais tarde, a existência de conexões sutis entre fatos, inferidas pelas leis da ciência, todavia, ressalvando a impossibilidade de apreender algo mais a este respeito.

immanuel Kant [1724-1804] foi dos filósofos mais importantes da modernidade, um pensador que tinha uma visão significativamente própria da realidade. em Crítica da Razão Pura, a sua famosa obra publicada em 1781, que inaugurou a moderna filosofia do conhecimento, ele propõe interpretar as experiências humanas em termos de conceitos. na visão kantiana, nada podia ser conhecido exceto os fenômenos, cuja organização era dominada por um ‘julgamento sintético’ que não se refere ao mundo à nossa volta, e sim, ao mundo ‘filtrado’ pela mente humana. Quer dizer, nunca experimentamos os ‘dados’ sensoriais in natura, i.é., ‘a coisa em si’, pois a nossa mente é estruturada da mesma forma que o mundo e, ainda, contém as verdadeiras categorias com as quais percebemos o mundo. tais categorias (ou estruturas) permeiam todo o mundo físico externo a nós e o mundo psíquico de nossos pensamentos. neste sentido, a realidade que vivenciamos surge da combinação desses mundos, moldada nas categorias do espaço e do tempo. assim, Kant admitiu a existência de um mundo real além do que conhecemos, mas que só pode ser observado através das lentes

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de nossas percepções mentais. Uma noção que afirma o papel da psicologia na abordagem dos fenômenos da natureza.

em suma, durante a renascença, o ser humano teve a oportunidade de ‘pensar livremente’, embora não soubesse a natureza do pensamento em si. Quando descartes afirmou que ‘ele existia porque ele pensava’, pode-se imaginar que, na verdade, queria enfatizar o pensamento de uma época saturada com sua ‘capacidade de pensar’. Por sua vez, newton considerou que era mais conveniente pensar um mundo constituído de partículas, distintas e separadas, configuradas num espaço e tempo absolutos. supunha-se que o pensamento consistia de experiências sensoriais discretas, numa correspondência unívoca com o mundo físico. leibniz com sua ideia de mônadas procurou inferir um sincronismo entre acontecimentos psíquicos e físicos. locke estruturou a mente em partes diminutas que ele chamou de ideias, as quais combinavam similaridade, contraste e contigüidade. Berkeley e hume ‘descobriram’ que o materialismo, levado à sua conclusão lógica, produzia o idealismo. Quer dizer, não conhecemos o mundo, exceto o mundo de nossos pensamentos e, portanto, não existe a necessidade lógica em estabelecer quaisquer asserções sobre o mundo ‘externo’. Kant postulou que a realidade é experimentada somente através de estruturas internas, as quais ordenam ‘o mundo de muitas coisas’. Para ele, o fato dos seres humanos terem a capacidade de estruturar a realidade física, permitindo assimilar as percepções sensoriais, implica na existência de estruturas psíquicas inatas, idênticas, em todos nós.

Notas

1. a paternidade do cálculo infinitesimal foi objeto de disputa entre dois personagens importantes na criação da ciência moderna: isaac newton e Gottfried leibniz. historiadores da ciência consideram que ambos chegaram aos mesmos resultados, de maneiras independentes.

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recentemente, em agosto de 2007, George Gheverghese Joseph, da Universidade Manchester, e dennis almeida, da Universidade de exeter, ambas na inglaterra, descobriram que o cálculo infinitesimal foi criado por matemáticos e astrônomos da Universidade de Kerala, Índia, no século Xiv. segundo Joseph este conhecimento constará da terceira edição do seu livro The Crest of the Peacock: the non-european roots of mathematics, publicado pela Princeton University Press.

2. É importante enfatizar que descartes atribuía um significado equivalente entre alma e mente: às vezes identificava a consciência com a alma e, em outros momentos, com a mente.

3. de acordo como princípio da harmonia preestabelecida deus criou o universo de uma maneira tal que os fatos mentais e físicos ocorrem simultaneamente. significa que a correspondência das ideias com as realidades exteriores decorre da harmonia entre as ideias e as realidades, estabelecida desde a origem.

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Capítulo 3 LIÇÕES DO MICROMUNDO FÍSICO

As Portas que se Abrem...

o raiar do século XX trouxe uma revelação da natureza que transformou radicalmente o mundo da Física: o micro mundo tem suas próprias regras. até então, acreditava-se que a ciência, e suas leis, tinham a plena capacidade de conhecer, descrever e mesmo de projetar quaisquer comportamentos e situações com um elevado grau de previsibilidade. contudo, alguns acontecimentos ocasionaram uma mudança profunda neste modo de pensar. naquela época, o determinismo, a causalidade e a certeza reinavam soberanamente em toda descrição cientifica da realidade. o termo determinismo aqui se refere à dinâmica dos fenômenos naturais, vinculado às maneiras pelas quais os seres humanos são capazes de observar e descrever um objeto ou outro sistema1 físico qualquer.

esta situação começou a mudar com o trabalho de ludwig Boltzmann [1844-1906] sobre as configurações exibidas pelas moléculas de um gás, que questionou as leis determinísticas ao atestar irreversibilidade nos processos natureza. diante do conflito assim gerado, i.é., satisfazer as leis reversíveis da Física, Boltzmann postulou um cenário de reversibilidade para as ocorrências nesse

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micromundo físico. tal consideração foi subsidiada por um formalismo probabilístico que permite acompanhar a evolução de variáveis macroscópicas, objetivamente vinculadas e determinadas através de variáveis microscópicas. evidentemente que essa ‘ligação’ macro-micro não é algo definível, e sim, trata-se de uma pressuposição matemática atrelada às condições iniciais dos sistemas dinâmicos (caóticos) em estudo.

Um Mundo sem Controle

a força do paradigma newtoniano ultrapassou os muros da ciência, orientando cada vez mais o proceder da sociedade como um todo. talvez porque seja confortável vivenciar uma realidade sob parâmetros pré-estabelecidos pelo determinismo, causalidade e certeza, enquanto almeja o ‘controle total’ de uma situação ou ocorrência do mundo natural. Um cenário ilusório onde tudo fluiria ordenadamente sem qualquer sobressalto.

diante da impossibilidade de conhecer, ou mesmo descobrir os processos e as transformações que ocorrem na natureza, busca-se, sempre, estabelecer uma relação linear entre o agente causador e o efeito consequente, que é fundamental ao senso comum e à própria ciência. Por exemplo, quando observamos algo, ou temos a oportunidade de vivenciar uma situação qualquer, invariavelmente criamos um panorama mental sobre a ocorrência, imaginando a sua origem, i.é., o fator gerador, em busca de uma conexão tipo ‘causa e efeito’. o conhecimento desse elo ‘causa-efeito’ permite acompanhar, com algum controle, a realização de um experimento. na verdade, um controle já ‘inserido’ na objetividade científica proporcionada pela capacidade de previsão das equações matemáticas.

no mundo natural existem alguns processos bastante complexos que são extremamente sensíveis às pequenas perturbações, embora possam exibir comportamentos determinísticos. tal complexidade

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está associada ao grau de liberdade inerente às condições iniciais, não obstante, passível de ser ‘contextualizada’ ou assimilada através de um pretenso mecanismo de controle. entretanto, não há como garantir que um sistema ou processo da natureza reproduza sempre um mesmo quadro. isto seria inimaginável, tratando-se de uma descrição do mundo físico, pois deve existir uma ordem ou qualidade sutil na matéria – o elemento caótico ou irracional – que limita exaurir qualquer projeção sobre uma ocorrência, mesmo com o uso de supercomputadores.

em outras palavras, as conjecturas sobre a dinâmica reinante no micromundo físico, evidenciam a impossibilidade de prever, com um elevado grau de precisão, o comportamento de um parâmetro ou qualquer sistema desse ambiente, mesmo perscrutando a sua história. isto porque, em seus níveis mais sutis (o mundo microscópico), a matéria torna-se extremamente sensível a qualquer perturbação, a mínima que seja, podendo desenvolver um estado de desordem acentuadamente caótico. toda aquela expressão ordenada que se observa, nada mais é do que uma aproximação, uma ‘realidade de aparências’ gerada do próprio caos. logo, enquanto não é possível referenciar cientificamente essa suposta fonte anímica universal, o alegado controle não passa de uma ilusão.

Caos, Fonte de Ordens

o ano de 1900 deixou marcas profundas em várias áreas da atividade e do conhecimento humano, e.g., as artes, filosofia, genética, matemática, psicologia e a poesia. na ciência, uma das contribuições mais significativas se refere à noção do caos introduzida por Jules henri Poincaré [1854-1912], a partir de seus estudos sobre a dinâmica de fenômenos e eventos da natureza. vigorosa, essa noção desestruturou o esquema universal de newton dominado pela linearidade, previsibilidade e uma singularidade ordenada.

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a teoria gravitacional newtoniana descreve perfeitamente a interação entre dois corpos (por exemplo, terra-lua ou terra-sol), no entanto, mostra-se imprecisa para tratar o caso de três corpos. analisando esta questão, Poincaré demonstrou que havia um grau instabilidade e de infinita sensibilidade e, em seguida, classificou várias soluções possíveis para essa situação2 (steWart, 1991). segundo ele, na maioria das vezes as diminutas perturbações produzidas por um terceiro corpo distante não afetam significantemente a órbita final, mas existem situações em que tais perturbações acumulam-se, levando o corpo a mover-se de uma maneira extremamente errática, até mesmo exibindo um comportamento caótico.

ao inferir a existência de um comportamento ‘não linear’ nas interações entre corpos, Poincaré chamou a atenção para o caos que ‘adormece’ em toda configuração universal. Uma constatação que expõe o limite de nossa capacidade de prever a evolução de uma ocorrência do reino natural. logo, se não é possível realizar previsões com um elevado grau de certeza, ao menos se tem a possibilidade de detectar a existência de padrões que se repetem frequentemente, mesmo em escalas menores. desta maneira, a noção do caos foi incorporada como uma teoria do conhecimento.

a teoria do caos veio mudar radicalmente a nossa percepção da realidade: em vez de um mundo da repetição mecânica das ocorrências, temos um mundo constituído de padrões que evoluem numa acentuada complexidade; em vez de focalizar os componentes de uma ocorrência, a atenção é para os elos e as interações existentes nessa ocorrência; em vez de imaginar sistemas isolados, eles são abertos e, por conseguinte, a sua existência deve-se à troca constante de matéria, energia ou de informação com o seu meio. o que possibilita considerar as diminutas e repentinas transições (ou flutuações) existentes numa ocorrência do mundo físico, adotando uma formulação que não envolva quaisquer abstrações algébricas ou numéricas, mas que busque delinear uma geometria de padrões ou formas de comportamento. este proceder explicaria porque as ocorrências da natureza organizam-

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se espontaneamente, desenvolvendo estruturas internas, revelando graus de estabilidade, enquanto ajustam-se às incessantes mudanças e transformações. se lembrarmos que a aleatoriedade associada ao caos está relacionada mais à ideia de processos do que a estados, i.é., mais do ‘por vir’ em vez de ‘ser’, concluiremos, então, que o próprio caos é fonte de novas formas de ordens sutis.

sob uma perspectiva mais abrangente, a noção do caos ressalta a flexibilidade inerente à nossa existência, uma vez que é impossível viver uma realidade à parte. isto porque o caos está relacionado à quebra da ordem, a transição súbita, ao aparecimento de comportamentos inusitados na vida das pessoas, enfim, à última investida que rompe as barreiras da causalidade restrita. tais características atraem outros estudiosos, a exemplo dos psicólogos, na busca de uma referência para analisar os conteúdos de origem irracional da mente, na forma de um ‘diálogo’ entre o estado presente da ordem interna e o imprevisível cenário da mudança. de fato, a teoria do caos admite que sempre existe a possibilidade para manter algum tipo de racionalidade, mesmo com o ‘desmoronamento’ de toda a ordem de um sistema ou uma situação qualquer. Uma conjectura que lembra um ensinamento milenar: quando, eventualmente, abandonamos qualquer controle sobre nossas vidas, teremos a oportunidade de contatar a sabedoria profunda e os princípios orientadores da nossa existência.

Acaso e Desordem

Quando analisamos a complexa e incomensurável biodiversidade da natureza, intuímos que a mesma estabeleceu uma espécie de plano, ou princípio evolucionário, para assegurar a sobrevivência de todas as formas de vida, apesar das catástrofes e transformações que ocorrem incessantemente. nesse plano, o ser humano é o personagem e o observador capaz de avaliar os eventos extremamente complexos, gerados pela conjunção de padrões de comportamento

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que parecem seguir uma configuração prévia. imagina-se que tais padrões ‘evoluentes’ são induzidos por uma tendência ou força misteriosa atuando como um ‘atrator estranho’, o que pode ser inferido da noção do caos de Poincaré.

Uma vez que não é possível delinear, passo a passo, o comportamento de um sistema físico qualquer, supõe-se que, somente através de uma análise da configuração geométrica desse alegado ‘atrator estranho’, poder-se-ia obter informações sobre o comportamento global do sistema. Por outro lado, para evitar que a ação sistemática e unilateral desse ‘atrator’ conduza a um estado crítico generalizado, torna-se imperativo que o sistema se movimente. tal movimento seria o ‘fator de defesa’, perante o acaso que se anuncia. esse acaso, um movimento imponderável que se baseia na independência e na liberdade da matéria, é o responsável pela evolução de um sistema físico, impedindo-o de repetir padrões de comportamento. Quer dizer, o acaso é uma propriedade sutil e anímica da natureza, que caracteriza a imprevisibilidade em todas as ocorrências. vamos explicar um pouco mais.

o princípio da conservação da energia (universal) se constitui um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento das teorias do conhecimento. e isto é válido em qualquer situação. tomando um exemplo da Física, suponha que possamos observar as moléculas multicoloridas de um gás, contido numa ampola transparente. notaremos que as moléculas mudam incessantemente sua configuração espacial, ou seja, nunca repetem suas posições, não obstante, a intensidade da energia é conservada. É o que ocorre com todas as expressões físicas da natureza, independente das forças entre as moléculas. o processo evolucionário gerado pelo movimento caótico impede que um sistema físico qualquer reproduza uma mesma configuração. Um movimento que está longe de ser totalmente desordenado, ao contrário, evidencia uma estrutura aparentemente definida.

os sistemas da natureza nunca estão isolados. sempre existe um processo de troca de energia com o ambiente externo. Quando

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ocorre uma suave perturbação (ou desordem) nesse ambiente, o sistema absorve energia e a utiliza para sua auto-organização. Justamente por isso, a perturbação que ocorre na evolução de um sistema, dá-se de forma ordenada. e isso não resulta de uma antinomia entre ordem e desordem, mas de uma dialética, pois o movimento que desordena também ordena. essa foi a percepção de ludwig Boltzmann: em qualquer sistema físico, a tendência natural é o aumento da desordem, considerando-se que o restabelecimento da ordem só é possível mediante o dispêndio de energia. na verdade, trata-se de uma tentativa para compreender a misteriosa irreversibilidade da natureza como fonte de desordem, embora os formalismo matemáticos se refiram a padrões reversíveis, no caso de um sistema ou um conjunto qualquer dotado de um número significativamente elevado de elementos constituintes. este panorama mostra que é preciso haver desordem para ter ordem, sendo esta, um estado muito particular e estatisticamente pouco provável.

a palavra desordem aqui usada tem uma conotação diferente da linguagem comum. enquanto ‘desordem’ pode representar ‘falta de ordem’ ou ‘desorganização’, do ponto de vista científico, não quer dizer algo ruim, e sim, espelha a nossa apreensão sobre a dinâmica reinante no mundo natural. em termos físicos, a desordem resulta, em parte, da mobilidade térmica e, em parte, da mistura, ao acaso, de diferentes tipos de átomos e moléculas. isto porque, o movimento contínuo, e espaço-temporalmente irreversível, dessas partículas gera uma configuração diferente em cada instante de tempo, o que sustenta a ideia de desordem.

Irreversibilidade e Entropia

a termodinâmica é o campo da Física que trata dos movimentos das partículas de um sistema, determinando uma observação como um estado de equilíbrio térmico. sendo esse equilíbrio, dinâmico,

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fica evidente o papel da irreversibilidade na evolução (contínua) desse estado. Quer dizer a irreversibilidade intrínseca aos processos e as transformações que ocorrem no mundo físico como um todo, subsidia a ideia da desordem crescente como uma característica da própria natureza.

a medida dessa ‘tendência à desordem’, ou seja, a qualidade que avalia o aumento da desordem de um sistema qualquer na natureza é definida como entropia. o termo entropia deriva do que em grego antigo significa transformação, e foi introduzido por rudolf clausius3 [1822-1888], quando analisava a transferência de energia na forma de calor. clausius partiu dos estudos de sadi carnot [1796-1832] sobre a disponibilidade de energia e, concluiu que, no processo de conversão de calor em trabalho realizado por uma máquina qualquer, uma parte desse calor sempre é transferida para um ‘reservatório’, ou seja, torna-se indisponível para realizar trabalho. como a temperatura desse ‘reservatório’ é sempre menor que a temperatura da fonte de calor, então, o calor jamais fluirá, espontaneamente, de um corpo frio para um corpo quente. isto significa que todos os processos físicos envolvidos na conversão mecânica de calor ‘perdem’ alguma parte dessa energia para o ambiente. segundo clausius, é justamente a indisponibilidade dessa energia térmica (calor) que representa o incremento da entropia. na prática, implica que o ‘preço’ da conversão de energia é a produção de entropia.

esta concepção que fundamentou a definição da segunda lei da termodinâmica4, revela a existência de um vinculo entre a irreversibilidade das ocorrências do reino natural e a entropia, vez que o sentido dessas ocorrências caracteriza uma assimetria. como as leis fundamentais da Física não fazem qualquer distinção acerca do sentido de uma ocorrência, pois são reversíveis no tempo, então, faltava contextualizar essa assimetria.

Boltzmann deu uma explicação molecular para a entropia5. ao analisar o comportamento de variáveis macroscópicas (e.g., a temperatura e a pressão) no processo interativo entre átomos

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e moléculas de um gás contido em uma caixa, percebeu que o aumento da desordem está diretamente relacionado ao sentido da transferência de calor (PriGoGine; stenGers, 1984). então, concluiu que a tendência à desordem caracteriza um movimento de um estado improvável para um estado provável6 e, por conta disso, a irreversibilidade e o aumento da entropia são conceitos inseparáveis. Uma vez que o grau de entropia depende do número de possibilidades disponíveis em um sistema físico, Boltzmann introduziu o conceito de probabilidade, sob o pressuposto que, no transcorrer do tempo, o sistema deveria ‘visitar’ todas as configurações possíveis. esta relação da entropia com a probabilidade implica que os estados de maior entropia, sendo os mais prováveis, são, também, de maior desordem. em outras palavras, os sistemas evoluem no sentido de uma maior desordem ao mesmo tempo em que a entropia cresce.

a partir deste cenário, Boltzmann considerou o ‘princípio do aumento da entropia’ como equivalente a segunda lei da termodinâmica: a entropia de um sistema termicamente isolado qualquer permanece constante ou aumenta. contudo, devemos lembrar que, ao ‘isolar’ um sistema, Boltzmann ignorou o que ocorre no ‘resto’ do universo. na verdade, a entropia desse sistema nunca pode diminuir: permanece inalterada no caso de processos reversíveis (que é uma aproximação usual numa abordagem cientifica) ou aumenta, tratando-se de processos irreversíveis (o que verdadeiramente ocorre no universo). isto significa, por exemplo, que o estado de baixa entropia de um sistema dá-se à custa da elevação da entropia em algum lugar no universo. entretanto, por conta da irreversibilidade que caracteriza todos os processos naturais, a entropia do universo é sempre crescente. este é verdadeiro espírito da segunda lei da termodinâmica.

a irreversibilidade observada nas configurações em um sistema físico qualquer, além de fundamentar a ideia da entropia crescente, também subsidia a noção da linearidade do tempo. o inexorável aumento em entropia define o sentido do tempo, ou seja, aquilo que

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chamamos de futuro. Uma situação observada nos vários processos que ocorrem em nosso mundo cotidiano, explicitando um sentido único de suas transformações. Por exemplo, o café quente em uma xícara sempre esfria e nunca ocorre o contrário, espontaneamente. esta dinâmica interna, expressa como movimentos sequenciais verificados em todas as ocorrências da natureza, se deve à expansão do universo físico que torna possíveis todas as mudanças, transformações e processos que geram e sustentam tudo que existe, inclusive nós. no formalismo científico, a assimetria evidenciada por essa irreversibilidade é simbolizada por uma flecha do tempo termodinâmica.

esta característica assimétrica foi assimilada por ilya Prigogine ao estudar a estabilidade de organismos vivos, perscrutando como esses organismos são capazes de manter seus processos vitais, i.é., seus padrões de organizações, mesmo fora das condições de equilíbrio (PriGoGine, 1980). segundo ele, essa tendência à desordem’ não leva a um estado de equilíbrio estacionário, imutável, e sim, que todo estado de equilíbrio é essencialmente dinâmico. neste espírito reportou a existência de sistemas os quais, através de um processo de ‘sustentabilidade’ coletiva, mantém-se afastados da condição de equilíbrio.

com o objetivo de contextualizar essa situação, Prigogine procurou conciliar essa ‘tendência a desordem’ com o fato de que esses organismos são capazes de conservar as suas estruturas extremamente ordenadas e, ainda, reproduzi-las com grande precisão. ele classificou os organismos (sistemas) vivos como estruturas dissipativas, as quais são alimentadas por fluxo de matéria e/ou energia oriunda do seu ambiente.

a noção de estrutura dissipativa é baseada na ideia de uma coexistência paradoxal tipo ’ estrutura e mudança’ que foi categorizada como sistema ‘estruturalmente aberto e organizacionalmente fechado’. tal ideia configura um sistema onde a entropia interna é reduzida, permitindo estabelecer uma ordem aparente sobre o

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caos. isto explica porque Prigogine tratou as estruturas dissipativas como ilhas de ordem num mar de desordem, podendo até mesmo aumentar sua ordem à custa de uma desordem maior no ambiente ao redor.

do ponto de vista macroscópico, o aumento (crescente) da desordem, pode levar um sistema qualquer a um estado saturado ou mesmo à sua extinção, um fenômeno usual no universo. isto ocorre devido a baixa entropia do espaço imaterial, ou seja, o meio que permeia os corpos celestes. vamos dar um exemplo. Para o cosmos, o nosso planeta terra, e as constantes transformações que aqui ocorrem, sejam aquelas naturais ou as provocadas pelas espécies vivas, principalmente o ser humano, constitui uma fonte de alta entropia, porém, de baixa energia. Por outro lado, a luz que chega do sol ‘traz’ fótons altamente energéticos, mas dotados de baixa entropia. Graças a isso, todos nós, organismos vivos e, em especial, as plantas verdes em seu processo de fotossíntese, usufruímos dessa benesse cósmica e ‘devolvemos’ ao espaço (em expansão) energia majoritariamente na forma de calor, mas com alta entropia. isto explica porque a entropia é usada como medida da desordem no universo. se, hipoteticamente, as diferenças em energia entre as várias partes diminuíssem até se anularem totalmente, não haverá fluxo de energia e a vida será extinta. Quer dizer, quanto maior a entropia de um sistema qualquer (por exemplo, um organismo biológico), menor a sua energia livre disponível à sua existência.

A Luz é a Revelação: Matéria é Energia

os primeiros anos do século passado foram determinantes para compreender a natureza da luz. desde a formulação da ciência moderna, persistiam dúvidas sobre a sua constituição. se a luz era constituída de partículas diminutas (ou corpúsculos) capazes de se moverem no espaço vazio, como sugeriu newton em 1690, ou

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tinha uma natureza ondulatória, de acordo com christiaan huygens em 1691 e thomas Young em 1820. a própria luz conduziu às respostas.

em suas memórias (einstein, 1982), einstein comenta o que seria a primeira revolução crucial na ciência moderna: a ação não local à distância’ (o campo gravitacional e seu alcance universal) da física newtoniana foi substituída pela ‘ação local do campo clássico’ (o campo eletromagnético), introduzida por James clerk Maxwell em 1864. ao demonstrar que o espaço vazio é preenchido por um campo eletromagnético vibrante, Maxwell teorizou que a luz era uma onda eletromagnética, o que implica na ausência do éter, o suposto ‘transportador’ da luz. a segunda revolução, iniciada por Max Planck em 1900, se refere à nova maneira de tratar objetos ‘não materiais’ (quânticos), ou seja, objetos que não podem ser descritos em termos clássicos de posição, velocidade, temperatura e energia. Uma lembrança que reporta a outra.

nesse mesmo ano, William thomson, o lorde Kelvin, então presidente da British royal society, destacando os avanços da Física, afirmou que as teorias mecânicas de newton podiam explicar até mesmo o comportamento da luz e do calor. segundo ele, apenas ‘duas nuvens’, relacionadas à teoria do calor e a propagação da luz, ainda empanavam a beleza e o brilho das teorias newtonianas. logo depois se verificou que tais ‘nuvens’ eram prenúncios das tempestades que revolucionaram a ciência: a teoria da relatividade e a teoria quântica.

a primeira nuvem reportava à maneira que a luz viaja no espaço. Já se sabia que a luz é uma vibração e, como tal, deveria ser tratada com as leis clássicas do movimento. entretanto, uma vibração tem que ‘vibrar’ em algo, segundo o dito na época.

de acordo com a concepção vigente na seara científica até meados do século XiX, para a luz do sol chegar até a terra, o espaço cósmico deveria estar preenchido por alguma matéria sutil, inelástico, o ‘éter luminífero’. esta consideração atendia o pressuposto de que

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o espaço não era um vazio material. em 1887, albert Michelson e edward Morley, ao constatarem que a velocidade da luz era a mesma, independente do referencial, inerte ou não, comprovaram que o éter não existia. era o que faltava. Maxwell já tinha demonstrado que o espaço era preenchido pelo campo eletromagnético vibrante e, portanto, a luz não precisa de um meio material para se propagar. nesse mesmo ano, heinrich hertz confirmou experimentalmente a existência de ondas eletromagnéticas, o que significa dizer que a luz é uma vibração espaço-temporal em um campo unificado, resultante da combinação (perfeita) de oscilações elétricas e magnéticas propagando-se por todo o universo.

a outra nuvem de Kelvin se referia ao compartilhamento da energia entre as moléculas vibrantes em um meio aquecido. Uma situação envolvendo luz e calor. naquela época, os físicos tentavam descrever o comportamento da radiação emitida por um corpo negro. Um corpo negro pode ser considerado como um forno comum, cujas paredes internas encontram-se tão aquecidas que os átomos dessas paredes vibram, liberando radiação para o interior da cavidade. essa radiação sendo reabsorvida pelas paredes, gera um quadro de emissão e absorção contínuas, atingindo um estado final do equilíbrio entre o ambiente da cavidade e as paredes internas desse corpo. contudo, as experiências não corroboraram essa previsão. verificou-se que a radiação não depende do material ou da forma da cavidade, mas somente da temperatura. Para cada temperatura havia uma radiação dominante. vamos analisar uma situação.

a luz do sol produz um espectro harmonioso de cores, a partir de sua coloração branca. Por outro lado, todos os corpos, independente da sua composição ou natureza química emitem uma mesma cor quando aquecidos a uma mesma temperatura. Quer dizer, quando se aquece um corpo a altas temperaturas, ele absorve energia térmica e emite energia luminosa, cuja cor (freqüência) depende da temperatura do corpo. ocorre que a intensidade da radiação emitida pelo corpo depende da sua quantidade de energia, após o equilíbrio

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térmico com o ambiente. Portanto, há uma relação entre a luz e o calor: corpos quentes brilham quando são aquecidos. É o caso de um atiçador de brasas que, sendo continuamente aquecido, exibe uma coloração avermelhada, depois brilha laranja-amarelada e, finalmente, as uma temperatura elevada, mostra-se azulado. algo similar pode ser também observado nas diferentes cores de uma chama, que, embora percebamos mais a cor amarelada, a parte mais quente corresponde à cor azul, de freqüência maior. Quanto mais quente se torna um corpo, maior a tendência de ficar embranquecido, por conta do crescente movimento dos seus átomos (ditos ‘osciladores’) constituintes. como a freqüência da luz observada tende a ser a mesma freqüência de vibração dos osciladores, ficou evidente que havia uma relação entre a cor e a freqüência vibracional dos osciladores.

naquela época, os formalismos (clássicos) não proporcionavam uma interpretação consistente com os fatos observados. de acordo com o modelo de rayleigh-Jeans, um corpo aquecido tende a emitir energia luminosa com uma freqüência mais elevada do que aquela dos seus ‘osciladores’. isto significa que um atiçador aquecido até a região do vermelho não exibiria uma cor vermelha, e sim azul, que tem freqüência maior! algo inconcebível diante dos resultados experimentais. como a faixa visível ao ser humano se estende do vermelho ao violeta, então, diante dessa alegação, um corpo que fosse aquecido até uma temperatura correspondente ao violeta, deveria emitir uma luz ultravioleta! Uma luz invisível para nós, seres humanos. esse quadro, que ficou conhecido como a ‘catástrofe do ultravioleta’, atestou a incapacidade das teorias clássicas para explicar a radiação luminosa emitida por corpos aquecidos.

com o objetivo de encontrar respostas para esta situação crítica, Max Planck propôs um modelo que abriu uma nova perspectiva para aprofundar o conhecimento da natureza (JaMMer, 1966). na reunião da sociedade alemã de Física, realizada em 19 de outubro de 1900, ele plantou a semente que iria se constituir na física quântica, a qual rege os fenômenos naturais na escala dos átomos e

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das moléculas. segundo Planck, nem sempre a energia térmica se convertia em ondas luminosas na região do de ultravioleta (invisível). ele argüiu que a troca de energia (luz) entre os átomos e a radiação não é um processo contínuo, e sim, discreto7. Quer dizer, a absorção e a emissão de luz ocorrem ‘descontinuadamente’, na forma de diminutos e imprevisíveis pacotes de energia (quanta), a depender da freqüência da luz. Uma concepção estranha ao formalismo clássico, de acordo com o qual a energia cinética dos elétrons é avaliada por meio da intensidade da radiação, ou seja, a energia emitida depende de sua amplitude.

a ideia de Planck, em termos práticos, significa que um elétron de um átomo qualquer, ‘salta’ de um estado de energia para outro, sem passar por quaisquer estados intermediários e, ao fazer isso, emite um quantum indivisível de energia luminosa. essa energia (E) é calculada como E = h.f, onde h é a constante de proporcionalidade, que depois ficou conhecida como constante (ou fator) de Planck e f, a freqüência de emissão. o inusitado é que esse movimento súbito (o ‘salto quântico’), não tem relação alguma com as propriedades ondulatórias da radiação, e sim, com a natureza interna da matéria.

a proposição de que a matéria absorve energia térmica e emite energia luminosa descontinuamente, contrariou os paradigmas do pensamento científico de então, que projetava uma relação contínua de causa e efeito nas ocorrências da natureza. o que explica a reação da comunidade científica em aceitar, a priori, a sugestão de Planck de que a energia pode ser emitida ou absorvida discretamente. entretanto, cinco anos depois, a resistência a essa descontinuidade começou a ser superada com a interpretação de albert einstein para um fenômeno muito estranho: o aparecimento de elétrons fora da superfície de um metal, sempre que se fazia incidir luz sobre o mesmo. e, mais ainda, isso ocorre sem que o metal se aqueça!

Partindo da sugestão de Planck, einstein demonstrou que a causa da descontinuidade na absorção e emissão de luz e calor se

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deve a uma propriedade intrínseca da própria energia, luminosa e térmica. segundo ele, a luz não era fundamentalmente constituída de onda, e sim, tinha uma natureza corpuscular! ela aparece como onda somente quando observada por um longo intervalo de tempo. se pudéssemos congelar a luz por um instante, perceberíamos que as ondas são feitas de diminutos grãos de luz. são esses grãos que, de fato, interagem com os diminutos elementos oscilantes de um corpo aquecido, ocasionando a descontinuidade. Quer dizer, os ‘osciladores’ da matéria não criam as ondas, e sim, ‘emitem’ grãos de luz, que são elementos diminutos de energia (quanta), calculada pela mesma equação (e = h.f). Mais tarde, os quanta de einstein foram denominados de fótons, e emissão fria dos elétrons passou a ser conhecida como efeito Fotoelétrico.

essa interconversão energia luminosa/matéria comum implica na existência de um elo indissociável entre essas duas formas nômicas (matéria e energia) da luz, ou seja, entre o aspecto físico, concreto e o sutil da sua natureza. Portanto, mesmo atestando a misteriosa descontinuidade existente no micro mundo, fica claro que um ente material, por exemplo, um elétron, ainda permanece associado a uma freqüência, que é uma propriedade ondulatória.

Um Cenário para o Reino Quântico

até então, os cientistas formulavam suas ideias sob regras da ciência moderna, que incorporou a noção aristotélica do continuísmo: o todo é a soma das partes. de acordo com esta noção, qualquer descontinuidade aparente seria explicada como uma associação de movimentos contínuos, algo como uma suave ‘transição’ matemática de um ponto ao seguinte. esta concepção de um universo ‘continuísta’, causal e determinista, perdurou até ser questionada com as revelações do mundo quântico.

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o novo cenário a ser projetado desafiou os estudiosos em suas tentativas para compatibilizar as revelações sutis da natureza com as interpretações da física clássica. a partir das revolucionárias inferências sobre o comportamento interno da matéria apresentadas por Planck, niels Bohr concebeu, em 1911, um modelo orbital (modelo esse que ficou conhecido como ‘o átomo de Bohr’) para o átomo do hidrogênio, que é o elemento mais simples do universo, formado por um núcleo e um único elétron. o objetivo era o de explicar porque esse átomo permanecia estável, mesmo emitindo energia. Planck (e depois einstein) tinha demonstrado que a matéria exibe um comportamento descontínuo, quando emite luz ou absorve energia térmica. Bohr, então, postulou que um átomo somente tem o ‘privilégio’ de emitir luz, quando um elétron ‘pula’ descontinuadamente de uma órbita para outra. de outra maneira, era proibido. e que isso acontece sempre que o elétron tiver uma quantidade mínima de energia, representado pelo fator de Planck, h, o quantum elementar de ação. Mas, a questão estava longe de ser resolvida. Por alguma razão, os elétrons não irradiam quando estão confinados em seus movimentos periódicos, i.é., em suas órbitas ‘quantizadas’ em torno do núcleo.

a situação começou a ser esclarecida, em 1922, quando louis de Broglie estudava o comportamento da luz, supondo que existe uma transferência instantânea de energia da luz para a matéria, e vice-versa. desejando encontrar uma explicação mecânica para a dualidade onda/partícula da luz, de Broglie ponderou sobre as razões pelas quais os fótons numa onda possuem uma energia que é determinada pela freqüência dessa onda, e concluiu que a matéria também possuía uma natureza ondulatória. Para representar esse imaginado comportamento, ele lembrou da harmonia exibida por uma onda estacionária8 gerada pelas vibrações de uma corda de violino. ora, o som da corda é ‘produzido’ pelos padrões de ondas estacionárias formadas pela superposição de harmônicos múltiplos inteiros. deste modo, Broglie intuiu uma relação entre o número de

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nodos9 e os padrões dessas ondas: para qualquer padrão de uma onda estacionária o número de nodos é inteiro, portanto, a freqüência mais baixa tem dois nodos, que são os extremos da corda; a freqüência seguinte tem três nodos, a próxima tem quatro, e assim em diante. Fazendo uma analogia com o comportamento da luz, de Broglie deduziu que os padrões ondulatórios assim criados - ‘ondas materiais’ -, ajustavam-se perfeitamente às órbitas (circulares) quantizadas do átomo de Bohr. ao calcular o comprimento de onda dessas órbitas, ele observou uma conexão matemática entre os aspectos onda e partícula da luz. Para cada órbita do átomo de Bohr, o momentum10(p) do elétron é igualado à constante h dividida pelo comprimento da onda, λ, ou seja, p = h/λ, uma fórmula tão importante quanto aquela encontrada por Planck. de Broglie identificou as órbitas de Bohr como padrões de ‘ondas materiais’ estacionárias, onde cada órbita tem sua onda estacionária padrão. Portanto, assim como a luz, a matéria tem uma natureza dual!

Uma vez postulado, e depois comprovado, que a matéria pode se comportar como uma onda (‘onda material’) faltava explicar como o movimento no interior de um átomo permite que um elétron mude de órbita e irradie seu excesso de energia como luz.

a solução foi obtida quatro anos depois com a famosa equação de erwin schrödinger, a qual possibilita descrever, matematicamente, padrões (variáveis) de ondas no interior de um átomo. schrödinger partiu da ideia de louis de Broglie que envolvia padrões ondulatórios numa corda de violino. ele considerou que o movimento do elétron de uma órbita para outra de energia mais baixa era como uma simples mudança de notas. Quando isso ocorre, existe um momento em que ambos os harmônicos11 (notas) podem ser ouvidos como um só, gerando o chamado fenômeno do batimento12. Quer dizer, assim como existem os batimentos entre duas notas (freqüências) formando um terceiro som harmonioso que ouvimos, de modo análogo, quando um elétron muda de uma órbita para outra emite ondas luminosas (fótons) com uma determinada freqüência. essa luz emitida

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corresponde justamente ao batimento criado pela superposição dos harmônicos, superior e inferior, das (agora) ondas de de Broglie-schrödinger, cuja freqüência resultante é dada pela diferença entre as freqüências desses harmônicos.

de certo modo, a equação ondulatória de schrödinger reconcilia os fenômenos da onda e os da partícula e, ainda, descreve como as ‘ondas materiais’ se propagam no espaço-tempo. tal consideração, que reforçou a posição ‘continuísta’, sugere que a radiação emanada de um átomo não é provocada pelo salto de um elétron de uma órbita para outra, mas resulta de um processo contínuo de batimentos harmoniosos. contudo, havia uma incongruência neste quadro imaginado por schrödinger: a intensidade da onda material de freqüência mais alta era gradualmente atenuada, tal que, ao final do processo, restava apenas o harmônico mais baixo. como não havia mais o harmônico superior para formar o batimento, o átomo deixava de irradiar e fica simplesmente vibrando sua onda de elétron na freqüência mais baixa. e agora?

a explicação foi dada por Max Born: não existem ‘ondas materiais’, e sim ‘ondas de probabilidades’13. Born argumentou que a onda não é a partícula real, mas, de algum modo, essa onda está conectada às possíveis configurações imaginadas para localizar um elétron. e que tais localizações14 estão ‘contidas’ numa região de descontinuidade, e podem ser calculadas através de uma função (distribuição) de probabilidade. o que significa dizer que o estado quântico de um elétron, uma parte diminuta da matéria supostamente ocupando um lugar no espaço subatômico, também pode ser descrito como uma ‘onda de probabilidade’.

o ‘mundo clássico’ das certezas deu lugar a um ambiente onde os acontecimentos são descritos por uma função de onda (a terminologia padrão para a onda de probabilidade), uma entidade matemática complexa, i.é., tem uma parte real e outra imaginária. ocupando todo o espaço abstrato (o espaço de hilbert, um concebido meio diferente do nosso espaço tridimensional), a função de onda quântica

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não descreve uma observação real, e sim, dá a probabilidade de ocorrer uma observação ou medida. operacionalmente, o cálculo15 dessa probabilidade é feito multiplicando a função Ψ, indicando a onda que ‘viaja para frente’ no tempo, com sua função recíproca, Ψ*, da onda que ‘viaja para trás’ no tempo, ou seja, Ψ.Ψ* = |Ψ|2. este resultado matemático (o quadrado da amplitude de uma onda material) representa a probabilidade de encontrar um elétron numa determinada região em torno do núcleo em um determinado tempo. Portanto, a função de onda expressa a incerteza para definir, com precisão, duas variáveis conjugadas (por exemplo, a localização e o momentum) de qualquer ente quântico16.

definitivamente, a visão de mundo baseada no continuísmo foi suplantada por uma outra que, embora reflita uma relação causa e efeito, incorpora a descontinuidade presente no processo interativo radiação-matéria. Uma descontinuidade que não é gerada pelas oscilações da matéria, mas surge do próprio estado de energia (luminosa e térmica), sem qualquer explicação lógica ou matemática. lembrando um provérbio alquímico, ‘natura non facit saltus’ (‘a natureza não dá saltos’), fica evidente a nossa incapacidade de perceber, mais intimamente, a dinâmica do reino natural, pois tudo que existe é vibração. o que significa dizer que não há abismos, divisões, buracos, intervalos no universo! essa ‘fratura’ no continuísmo, que é imprescindível à assimilação (consciente) da realidade como uma seqüência de fatos, na verdade, induz a existência de uma intangível fonte primordial. Uma concepção acalentada em antigas sabedorias e, até mesmo, por alguns físicos contemporâneos17.

O Observador Participa...

em nossas atividades cotidianas, a escolha é um ato natural diante de qualquer situação vivenciada. algo próprio à visão de

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mundo regida pelo dualismo que descreve a realidade de forma discriminada, fragmentada, e outras classificações de ordens peremptoriamente excludentes. somos impulsionados a escolher uma entre duas (ou mais) opções aparentemente antagônicas sem, contudo, atentar para suas origens, ou mesmo a possibilidade de serem complementares. se, de um lado, esse proceder facilita a vida de uma pessoa, de outro, despreza a possibilidade de certos valores ou características circunstancialmente danosas se transformarem.

É justamente essa noção ‘estática’ da realidade que orienta o pensamento dominante da sociedade contemporânea que, assim polarizada, não assimila as sutilezas ubíquas às ocorrências do cotidiano. Uma atitude estranha para as sociedades tradicionais, em que uma escolha não é sistematizada pela necessidade maior de excluir a outra porque uma escolha é ‘boa’ e, deste modo, a outra é ‘ruim’. nessas sociedades, comunga-se a ideia de que a realidade ‘emerge’ de fluxos e processos da natureza, o que significa dizer que nada existe permanentemente. logo, uma escolha se constitui uma expressão do momento, pois, o que é ‘bom’ agora, depois poderá não ser, e vice-versa.

as considerações acerca do mundo quântico podem servir de referências para intuir além das ordens duais vivenciadas por nossa consciência. enquanto, no mundo de nossas percepções a dualidade tem uma função crucial, pois o ato de fazer uma escolha significa ignorar ou eliminar uma outra opção, por outro lado, na fenomenologia quântica, uma opção representa uma escolha do que deseja avaliar naquele momento. as outras opções continuam existindo como possibilidades reais ou potencialidades. a inacessibilidade (consciente) a esse ambiente significa que o ato de medir ou detectar uma propriedade exige uma decisão prévia do observador (o experimentador), quer dizer, de antemão ele influencia na ‘construção’ da realidade. desta maneira, as revelações do mundo quântico dissolveram os paradigmas que fundamentam uma existência independente numa interpretação científica, ao

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envolver, no contexto operacional, o formalismo e o aparato utilizado, além, claro, da participação do observador, quem escolhe o que pretende avaliar.

Dualidade e Complementaridade

aprendemos da teoria quântica que os sistemas físicos ‘possuem’, entre suas propriedades, a dualidade onda/partícula, característica da luz. de fato, a luz é uma entidade física não dual: ‘contém’ ambos os aspectos, embora não se pode observá-los ou registrá-los simultaneamente. em termos da física clássica, essa dualidade revela um paradoxo tipo ou/ou, o que reflete a nossa limitação, seja de ordem psíquica-fisiológica ou pela inexistência de dispositivos tecnológicos, para formular uma descrição plena dessa fonte de energia infinita. se pensarmos ‘quanticamente’, aceitaremos esse paradoxo como intrínseco às maneiras que as coisas são. isto porque, não há, de fato, dualismo onda/partícula numa realidade quântica, pois, tanto o ‘aspecto onda’ quanto o ‘aspecto partícula’, pode se transmutar um no outro. Mesmo quando nos referimos à luz como partícula, intimamente também envolvemos sua natureza ondulatória e vice-versa. Portanto, a dualidade surge da influência humana: é a interferência externa que discrimina a natureza da luz. isto mostra porque se associa o ‘aspecto onda’ à probabilidade de encontrar a partícula em uma determinada posição.

este foi o panorama analisado por niels Bohr. Para ele, todo o processo de observação é um único fenômeno, embora não completamente analisável. imbuído do propósito de contextualizar o caráter não dual da luz, Bohr considerou que os aspectos, onda e partícula, formam um par de opostos complementares. Uma maneira sutil para superar os limites da convivência conflituosa que a dualidade provoca numa descrição polarizada da realidade. de fato, mesmo que só se possa viver uma face da realidade em cada vez, não se deve esquecer que tudo tem seu lado complementar.

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aqui temos mais uma lição do reino quântico. Uma observação minuciosa sobre a dinâmica da realidade ao nosso redor, evidenciará quão paradoxal é o universo físico. o universo parece ser composto de fatos que exprimem determinadas qualidades e, concomitantemente, de seus opostos, mas só podemos ‘observar’ cada fato (ou o seu oposto), separadamente, nunca ambos ao mesmo tempo. Podemos ter uma ideia desse paradoxo, imaginando um cubo transparente onde aparecem apenas suas arestas. enquanto é possível discriminar as duas faces, numa perspectiva paralela no plano do papel, por exemplo, somente temos consciência da imagem do cubo se fixamos o olhar na face mais próxima, ou então, na face posterior. cada escolha proporciona uma imagem diferente do cubo, ou seja, têm-se duas realidades diferentes. esta analogia torna evidente que é o ato de escolha por parte do observador que constrói a realidade observada. este é o cerne do princípio da complementaridade de Bohr.

o princípio da complementaridade é um dos pilares ‘guias’ encontrados em antigos ensinamentos, a exemplo do budismo, que enfatiza a não exclusão, a não separação, como uma maneira de conviver com a ambigüidade projetada no mundo físico. algo como assimilar o mundo e suas ‘contradições, sem fazer juízos de valor de uma forma precipitada e unilateral, inferindo que aspectos aparentemente incompatíveis coexistem em um mesmo ser, objeto ou situação. Um reflexo da própria natureza, como se observa na infinidade de pares de opostos complementares inerentes à expressão humana: feminino e masculino, subjetividade e objetividade, pensamento e ação, sentimento e raciocínio, etc.

A Incerteza como Lógica

após seu primeiro encontro com Bohr, de quem ouviu que os átomos não são ‘coisas’, Werner heisenberg conjeturou sobre o que seria o átomo. não fazia sentido aplicar as ideias clássicas para

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o mundo quântico, pois os conceitos são validados somente quando eles descrevem uma observação real, e não as nossas ideias sobre o que pensamos que está ocorrendo. de todo modo, mesmo que os átomos não sejam observados, percebe-se a luz emitida por ele.

a dualidade onda/partícula da natureza da luz foi o ponto de partida para heisenberg formular o seu princípio da incerteza (ou da indeterminação). de acordo com este princípio, uma realidade quântica só pode ser avaliada quando se faz uma escolha. até lá, tudo é indeterminado. no ambiente quântico, é impossível definir um fóton como uma onda ou uma partícula, até que se faça uma medição. embora seja possível detectar o ‘aspecto partícula’ ou registrar seu ‘aspecto onda’, sabe-se que nenhum dos dois é primordial ou permanente. se detectarmos o ‘aspecto onda’, significa que o seu ‘aspecto partícula’ estará oculto, existindo como uma qualidade potencial à revelação, ou seja, como possibilidades. logo, a certeza sobre um desses aspectos implica, inexoravelmente, na incerteza acerca do outro.

este cenário de incerteza se constituiu numa ‘lógica’ do mundo quântico, atrelada às possibilidades de ocorrer um evento. de fato, o ato de perscrutar um evento quântico exige transpor as barreiras do discreto, da certeza e do determinismo e imergir no reino das probabilidades, de onde se configurará as várias realidades possíveis. É o que se verifica, por exemplo, com uma partícula, enquanto um estado material fisicamente mensurável. explicitando: não existe o que chamamos de matéria, e sim, configurações ou padrões de energia formados pela superposição de ondas de probabilidades.

Para o cientista, essa ‘lógica’ da incerteza expressa o campo de probabilidade intrínseco ao exercício do seu livre arbítrio, uma qualidade sutil que o ser humano nem sempre a usa de forma evolutiva e respeitosa. não há duvida que só podemos viver uma realidade a cada momento, pois a incerteza impera sobre as demais. É o que se constata em nossas experiências de vida: quando nos restringimos aos fatos de uma situação qualquer, alijamos a perspectiva de ter

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uma visão contextual; se optarmos por uma visão ampliada dos acontecimentos, não perceberemos os detalhes da situação.

desta maneira, o micromundo da Física revelou um aspecto crucial para descrever a realidade: o imprevisto, a mesma qualidade que alimenta o processo evolucionário de nossas relações, pessoais ou coletivas. essa imprevisibilidade explica porque as nossas construções mentais são geridas por um indeterminismo sutil que nos impede de viver, exclusivamente, sob leis causais. o fato é que o princípio da incerteza evidencia a impossibilidade de exaurir, com precisão, uma descrição espaço-tempo de qualquer ocorrência na natureza. Graças a essa ‘incerteza’ sobre o futuro, somos impulsionados a uma trajetória na busca de desvendar os mistérios do universo.

De Variáveis Ocultas à Inseparabilidade Quântica

o ano de 1927 chegou ao seu final com a teoria quântica proporcionando uma interpretação consistente do micromundo da Física, lastreada pelo formalismo ondulatório de schrödinger, o princípio da incerteza de heisenberg, o princípio da complementaridade de Bohr, o principio da exclusão de Pauli, entre outras contribuições fundamentais. conhecida como a ‘interpretação ortodoxa da mecânica quântica’ (ou ‘escola de copenhague’), a mesma envolve duas dinâmicas qualitativamente diferentes: uma evolução temporal determinística do padrão de ondas (quântico) de um sistema isolado, e a ideia de que um ‘colapso’ (indeterminístico) do padrão torna-se algo detectável.

o instrumento básico do formalismo acima referido é uma equação de ondas (a equação de schrödinger), que não descreve as posições de um elétron, por exemplo, e sim, dá a probabilidade de observá-lo. neste caso, o conjunto de todas as localizações possíveis do elétron em órbita em torno do núcleo é representado pela onda (pulso) de schrödinger ‘espalhada’ por todo o meio. significa que

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a localização do elétron é definida no ato de observação, quando todas as probabilidades dadas por essa onda (função de onda) são reduzidas a uma única observação (ou medida). Um evento que ficou conhecido como o ‘colapso da função de onda’. embora esse ‘colapso’ não seja ‘contemplado’ no formalismo matemático da teoria quântica, muitos físicos tentam explicá-lo. Mas, não era o caso de einstein, notório crítico da noção de descontinuidade, que considerava o ‘colapso’ como algo perturbador. einstein costumava dizer que a teoria quântica de Bohr e heisenberg era uma ‘teoria estatística’, portanto incompleta. segundo ele, faltava ‘algo’. (‘variáveis ocultas’?)18.

este panorama, que gerou o famoso debate Bohr-einstein19, traduzia a preocupação deste último em conhecer, detalhadamente, a evolução dos processos espaço-temporais que ocorrem no nível quântico. enquanto Bohr dizia que isto não era possível, einstein insistia que devia existir uma maneira. assim, sustentando uma noção de realidade local, externa, einstein argüiu que a função de onda da interpretação de copenhague descreve a nossa ignorância das coisas, nada mais e, ainda, que a matéria exibe um comportamento materialmente causal, enquanto se move no espaço e no tempo. de seu lado, Bohr enfatizou que não é preciso explicar o ‘colapso’ da função de onda, pois o mesmo não é a derradeira realidade. isto porque, não há onda para ‘colapsar’, a menos que a onda seja observada. Bohr costumava lembrar que toda análise é uma observação, e uma observação é fundamentalmente um evento descontínuo, o qual não está necessariamente conectado a qualquer ocorrência do passado. com esta visão de mundo, Bohr colocou o observador (a mente humana) no palco central do mundo da Física.

o debate seguiu até que, em 1935, einstein, juntamente com Boris Podolski e nathan rosen, publicou um artigo que causou muita polêmica. tratava-se de um ‘experimento pensado’ para testar a interpretação da mecânica quântica (de ‘copenhague’) defendida

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por Bohr e outros pioneiros, segundo o qual, o caráter probabilístico da mecânica quântica não pode ser explicado em termos de uma teoria determinística, pois não se trata de uma limitação do nosso conhecimento.

numa versão moderna desse experimento, também conhecido como Paradoxo EPR, tem-se um sistema formado por dois fótons que, após interagirem, deslocam-se em sentidos opostos. o objetivo é o de medir uma determinada propriedade em um dos dois e, simultaneamente, ter o conhecimento da mesma propriedade no outro fóton. ora, de acordo com a teoria quântica, não é possível aferir um atributo físico de um objeto sem perturbá-lo. Uma vez escolhida a propriedade a ser prevista, é impossível obter seu valor exato nos dois fótons ao mesmo tempo, o que violaria o princípio da incerteza de heisenberg.

este paradoxo tem uma explicação: ao fazer a sua previsão, o observador não perturba o objeto em si, mas perturba o outro objeto que teve contato prévio com o primeiro. em outras palavras, o observador conhece um atributo físico do primeiro objeto ao observar o segundo objeto, porque existe algo que os físicos chamam de correlação entre os dois objetos que interagiram antes. essa correlação quântica decorre do fato de que os objetos são conectados por uma única função de onda, contendo todas as informações sobre eles. a partir dessa característica, comum aos dois objetos, infere-se que é possível determinar, com relativa precisão, uma mesma propriedade, não importa quão distante estejam.

a existência ou não dessa correlação foi um tema comodamente relegada na Física. até que david Bohm apresentou uma teoria na qual a noção da complementaridade de Bohr é associada a uma ontologia ‘realista’, com o propósito de superar o abismo entre o mundo dos objetos e o mundo imaginado pelo observador sobre os mesmos (BohM, 1952). ao introduzir parâmetros extras no formalismo, Bohm deu abrigo à ideia das supostas ‘variáveis ocultas’ numa descrição da realidade. Por isto, faz-se necessário, numa

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previsão quântica, que os valores das grandezas físicas reflitam tanto as propriedades dos objetos quanto o seu ‘contexto’. o que significa dizer que os valores atribuídos às grandezas podem ser alterados instantaneamente por ações remotas. (É provável que Bohm tenha assimilado esse ‘contextualismo’ implicado, ao considerar a ideia da totalidade em seus escritos posteriores).

Mais tarde, John stewart Bell resgatou esta proposição de Bohm sobre a realidade não local (teoria da ‘variáveis ocultas’) e propôs, na forma de um teorema, uma maneira de avaliar um efeito instantâneo entre duas localizações quaisquer entes físicos no universo (Bell, 1966). Bell não concordava com a descrição da realidade proporcionada pela teoria quântica e, então, lançou um desafio: provar que nenhuma descrição ‘realista local’, ou seja, com posição e momentum previamente definidos, contempla todas as possibilidades da mecânica quântica. se existem as supostas ‘variáveis ocultas’ afetando o ambiente imediato, i.é., se forem locais, então elas produzirão resultados observáveis, contraditórios às previsões da mecânica quântica.

os primeiros resultados experimentais significativos, obtidos pelo grupo liderado por John clauser em 1978, e quatro anos mais tarde por alan aspect e colaboradores, mostraram que eventos atômicos individuais violam a causalidade clássica. embora, a princípio, essa medida pareça contrariar os requisitos de uma realidade objetiva localmente causal, o que implicaria numa troca de informações com uma velocidade superior a da luz entre dois fótons movendo-se em sentidos opostos, na verdade, atesta a postulada correlação quântica (interna) entre propriedades dos fótons20. Uma constatação surpreendente, porquanto revela que os dois fótons estão emaranhados como um só, tal que, a sua dinâmica é uma manifestação direta da forma global da função de onda que abrange o sistema inteiro. esse feito, que tem sido amplamente corroborado por vários pesquisadores através de experimentos cada vez mais sofisticados, levou à noção da não localidade ou inseparabilidade quântica,

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pressupondo que existe algo como um campo unificado operando além dos limites estabelecidos pelas atuais teorias científicas.

a não existência de uma realidade verdadeiramente indepen-dente, i.é., ‘realidade local’, tem fomentado conjecturas sobre a natureza essencial do mundo físico. Uma delas, proposta pelo físico nick herbert em seu livro Quantum Reality, contém oito interpretações (herBert, 1985): (1) não existe realidade subjacente; (2) a realidade é criada pela observação; (3) a realidade é uma totalidade indivisa; (4) existem muitos mundos; (5) o mundo obedece a uma espécie de ‘raciocínio’ não humano; (6) o mundo é pleno de objetos ordinários; (7) a consciência cria a realidade; e (8) a realidade quântica não mensurada existe apenas como potencial. diante desta abrangência, é natural imaginar que cada uma dessas sugestões ‘possui’ seu respectivo paradoxo. não obstante, qualquer consideração a ser feita sobre a realidade deve envolver a interação com o reino não local.

O Mundo Pleno-potencial

a ideia do holismo quântico, que costuma povoar nossas mentes, denota um panorama onde todas as potencialidades encontram-se emaranhadas, i.é., intrinsecamente conectadas. como abordado na seção anterior, trata-se de um emaranhamento em que os entes quânticos são indistinguíveis configurando, portanto, um reino da inseparabilidade (ou da não localidade). ora, se tudo que existe é fruto das inter-relações desse ‘mundo de potencialidades’, então, é natural considerar uma abordagem unificada envolvendo esse mundo imperceptível.

os fundadores da ciência moderna já buscavam uma formulação única para os fenômenos observados. Johannes Kepler unificou as órbitas celestes, isaac newton combinou a gravidade com os movimentos orbitais e, depois, James Maxwell, com a teoria do

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eletromagnetismo, reuniu a eletricidade e o magnetismo, até chegar, no século XX, com a interconversão energia/matéria demonstrada por albert einstein.

em 1928, Paul dirac apresentou uma teoria quântica relativística do elétron, que combinava a teoria quântica e a teoria de relatividade especial21. a teoria de dirac continha uma equação de ondas (a ‘equação da beleza’), que descrevia o comportamento de um elétron livre, admitindo duas soluções matemáticas. Uma delas proporcionou os resultados esperados para o comportamento de um elétron. a outra solução sugeria a existência de partículas dotadas de uma propriedade muito esquisita: estados de energia negativa, algo jamais observado. dirac explicou que o universo é um meio completamente cheio de elétrons ocupando todos os estados disponíveis com energia negativa. Um mundo estranho, até mesmo para os físicos daquela época. nesta concepção, o considerado ‘espaço vazio’ do universo não passa de uma plenitude de elétrons de energia negativa dotados de cargas positivas, ao contrário daqueles elétrons (de carga negativa) da realidade física conhecida. inquestionavelmente, um meio que transcende qualquer aferição ou observação direta.

Quatro anos depois, esta inusitada concepção de dirac foi experimentalmente comprovada por carl anderson, introduzindo, assim, o mundo da antimatéria na ciência. além dos elétrons reais ‘observáveis’ de energia positiva, no mundo físico existem elétrons (virtuais) de energia negativa, os denominados de antielétrons (ou pósitrons), que são inobserváveis e não exercem qualquer influência direta sobre o mundo dos objetos. o intrigante é que o mundo real, inclusive nós, existimos justamente nesse ‘mar’ de partículas inobserváveis (o mundo da antimatéria), sem jamais sentir qualquer um de seus efeitos, assim como não sentimos a tremenda pressão que a atmosfera exerce sobre os nossos corpos. vale ressaltar, contudo, que existe uma interação entre esses mundos: quando um elétron é forçado a entrar no mundo da antimatéria, ocorre o fenômeno

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chamado ‘aniquilação mútua’ de pares elétron-pósitron, ou seja, dá-se a superposição ‘matéria e antimatéria’ liberando uma enorme quantidade de energia. trata-se, pois, de uma conversão completa de matéria em energia. este fenômeno é a base para um dos mais sofisticados e poderosos recursos tecnológicos já desenvolvidos para a medicina: o Pet (Positron Emission Tomography), com o qual é possível mapear o cérebro e, ainda, avaliar, comparativamente, o grau de excitação de cada região do mesmo.

a teoria de dirac possibilita conjeturar sobre a natureza essencial do universo. de acordo com a sua versão atual, a teoria quântica de campo, todas as coisas existentes no universo são expressões ou padrões dinâmicos originários do estado fundamental, também chamado de estado puro, vazio absoluto, ou vácuo quântico, o suposto nível abstraído de toda matéria e energia (energia zero!). ora, uma vez que a incerteza é uma premissa básica do mundo quântico, não se pode assumir que a energia desse estado tenha um valor exatamente zero! isto porque, a esse nível, não há certeza de nada. entretanto, sob a ideia de que o estado fundamental (o vácuo quântico) é o reino de flutuações constantes, é possível admitir que, no efêmero instante de uma diminuta fração de segundo, o valor médio de sua energia seja zero.

o panorama assim delineado alterou profundamente a maneira de abordar o mundo físico. em vez de uma realidade material constituída de moléculas, átomos e partículas elementares conectadas a algum estado fundamental, ‘insubstancial’, o universo que conhecemos surge exatamente desse estado, porquanto é o reino pleno-potencial, a totalidade da energia criativa de tudo que existe.

Notas

1. o termo sistema, aqui usado, designa um conjunto físico em estudo que pode ser um ser biológico ou um corpo material qualquer.

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2. com uma visão mais abrangente da Matemática, Poincaré concebeu uma nova geometria envolvendo padrões e relações que ficou conhecida como topologia, que trata do estudo geral da continuidade. nessa geometria todos os comprimentos, ângulos e áreas podem ser torcidos de modo que uma figura geométrica se transforma em outra.

3. a partir do conceito de entropia, clausius (e também William thomson) postulou que o universo acabaria por esfriar ou ‘morrer’. Quer dizer, se as diferenças em energia entre as várias partes diminuem até zero, não haverá fluxo de energia e, portanto, todas as formas de vida serão extintas. Uma suposição que sofreu críticas severas de outros cientistas, e também de filósofos, argumentando a ideia do ‘universo cíclico’.

4. as outras leis da termodinâmica são: a lei Zero que expressa o equilíbrio entre corpos; a Primeira lei, a conservação da energia; e a terceira lei infere que a entropia de qualquer sistema deve desaparecer quando a temperatura absoluta (graus Kelvin) tende a zero.

5. Boltzmann considerou uma caixa dotada de uma parede móvel, dividindo-a exatamente ao meio. inicialmente, o gás está contido em uma das metades, estando a outra metade está totalmente vazia. ao remover a divisória, o gás rapidamente difunde por toa a caixa gerando, assim, um ambiente com mais desordem e maior entropia.

6. embora não exista impedimento, do âmbito das leis físicas, para o movimento oposto, i.é, da desordem para a ordem, a aleatoriedade intrínseca aos movimentos das moléculas de um gás, torna esse sentido bastante improvável.

7. em sua hipótese do quantum, Planck assimilou o postulado de Boltzmann de que os estados de energia de um sistema físico poderiam ser discretos, ou seja, a absorção e a emissão ocorrem em quantidades (discretas) de energia.

8. espécie de onda gerada quando uma corda tensionada (ou em um tubo sonoro) é deslocada lateralmente e solta. as vibrações criadas propagam-se em sentido opostos, cuja superposição forma padrões de interferências caracterizados por posições fixas de deslocamento zero (os nodos) e por deslocamento máximo (os antinodos).

9. Nodos: um ponto ou uma região onde uma propriedade qualquer de uma onda estacionária tem energia mínima (ou zero).

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10. Momentum: inércia em movimento. É calculado multiplicando a velocidade e a massa da partícula.

11. Harmônicos: qualquer componente cuja freqüência seja um múltiplo (inteiro) de freqüência fundamental (a mais baixa) é chamada de harmônicos. o primeiro harmônico se refere à freqüência fundamental.

12. Batimentos: seqüência de reforço e enfraquecimento de duas ondas superpostas, com freqüências ligeiramente diferentes, podendo ser vistos (ou ouvidos) de forma pulsante.

13. ‘onda de probabilidade’: na teoria quântica se refere a onda que codifica a probabilidade de encontrar uma partícula em uma determinada posição.

14. deve-se ressaltar que os parâmetros clássicos da posição e da velocidade são aplicados ao reino quântico como a único objetivo de ter uma compreensão desse reino.

15. É o que proporciona a solução da equação de schrödinger, operando a função de densidade de probabilidade na forma, Ψ.Ψ*.

16. na linguagem da teoria quântica, as propriedades mensuráveis são também chamadas de observáveis: energia, posição, momentum, momentum angular. embora a abordagem quântica não atribua valores definitivos aos observáveis, e sim faz previsões sobre a probabilidade de obter cada um dos possíveis resultados na medição de um observável, existem certos estados quânticos que são associados a um valor definido de um determinado observável. esses estados são conhecidos como auto-estado do observável. Usualmente, um sistema não está vinculado a um auto-estado, para qualquer observável escolhido, no entanto, ao medir o observável, instantaneamente a função de onda estará em um auto-estado daquele observável. esse processo -o conhecido colapso da função de onda- implica na expansão do sistema para incluir o aparato de medida, o que gera imprecisão nos cálculos de natureza quântica. a ideia básica é que quando um sistema quântico interage com um aparato de medidas, suas respectivas funções de onda tornam-se emaranhadas tal que o sistema original deixe de existir como uma entidade independente.

17. seria, por exemplo, o que o físico amit Goswami denomina de Consciência Cósmica.

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18. referência feita a partir das considerações de einstein sobre a mecânica quântica, a qual, para ser completa, deveria haver algo como ‘variáveis ocultas’. essas são concebidas como entidades quânticas subjacentes a realidade física, todavia não detectáveis pelas técnicas de medidas conhecidas.

19. os debates começaram publicamente em 1927, no âmbito quinta conferencia solvay, realizada em Bruxelas e patrocinada pelo industrial belga ernest solvay.

20. não há violação do princípio da relatividade especial, considerando-se que não ocorre transferência de uma propriedade física (no caso, informação), entre eles.

21. teoria de einstein, segundo a qual o espaço e o tempo não são absolutos individualmente, pois dependem do movimento relativo entre diferentes observadores. a outra teoria de einstein, da relatividade geral, invoca a curvatura do espaço e do tempo.

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Capítulo 4

ENERGIA SUTIL E MATÉRIA

A Relação Mente-Matéria

sabemos que as descrições científicas do mundo não fazem qualquer referência à participação direta do observador (a sua mente), cabendo, portanto, considerações filosóficas, religiosas ou outras de natureza metafísica, na busca de respostas às inquirições concernentes à existência humana. as primeiras tentativas para encontrar uma fundamentação científica envolvendo a subjetividade resultaram nas abordagens categorizadas como ‘fisiologia psicológica’ e ‘psicologia filosófica’. especificamente, a partir dos estudos do médico e físico, Gustav theodore Fechner (1801-1887) ao realizar, com rigor científico, os primeiros experimentos que viabilizaram o desenvolvimento da ‘nova’ psicologia1.

em sua obra Elemente der Psychophysik, publicada em 1860, Fechner propõe, após cuidadosa avaliação de experiências sensoriais, uma abordagem que envolvia fenômenos físicos e mentais. ele considerou a existência de um vínculo entre a mente (psique) e o corpo e, então, relacionou, empiricamente, o aumento da energia corpórea ao correspondente aumento da intensidade mental. nessa experiência, uma pessoa segura uma massa aferida e, depois, uma outra

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de massa um pouco maior, tal que permita avaliar, sensorialmente, a menor diferença perceptível entre elas. Para quantificar essas relações Fechner analisou uma série de experiências efetuadas por ernst heinrich Weber (seu antigo professor de anatomia) na tentativa de ‘descobrir’ o limiar da consciência sensorial. Weber já tinha concluído que o mundo sensorial é ‘experienciado’ através de relações e não de uma diferença absoluta, ou seja, tudo o que a mente humana percebe são relações, as quais parecem ser inatas.

o desenvolvimento de Fechner, que o próprio denominou de Psicofísica, diferencia uma abordagem ‘psicofísica interna’ (a relação entre sensação e excitação dos nervos) de outra ‘psicofísica externa’ (a relação entre sensação e simulação física), argüindo uma verdade (básica) filosófica: a mente e a matéria são apenas diferentes maneiras de conceber uma única e mesma realidade. ao demonstrar que eventos mentais podem ser avaliados em termos de suas relações com eventos físicos, Fechner evidenciou o potencial para a exploração quantitativa (experimental) da fenomenologia das experiências sensoriais, sugerindo a psicofísica como um dos métodos principais para a ‘emergente’ psicologia científica.

com uma visão similar, o também médico hermann ludwig Ferdinand von helmholtz [1821-1894] procurou explicar as bases fisiológicas associadas a energia térmica de um animal, um fenômeno que às vezes era usado para justificar a ideia do vitalismo2. após realizar várias medidas da velocidade de impulsos nervosos, helmholtz concluiu que havia uma compensação energética de natureza psíquica, o que serviu de base para o seu famoso trabalho sobre a conservação da energia, publicado em 1847. tal feito rompeu com o pensamento usual na época de que a energia estava associada a algo material, passando, então, a ser tratada como ‘possibilidade de transformação’. de fato, o termo energia conceitua um estado intermediário (não definido) entre dois estados definidos. sendo uma qualidade, ou seja, imaterial, este termo (energia) pode também designar a energia psíquica.

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o propósito de categorizar a energia psíquica envolveu ainda outros estudiosos, entre eles Wilhelm Wundt [1832-1920], que foi assistente de helmholtz, e theodor lipps [1851-1914]. o primeiro resgatou a noção de ‘psicologia fisiológica’ imaginando desenvolver uma teoria psicológica da ‘percepção do espaço’. rejeitando uma base metafísica para a consciência, Wundt argüiu que era possível transcender os limites de uma abordagem direta da consciência estudando a sua natureza genética, comparativa, estatística e histórica, além, claro, de adotar uma metodologia experimental. Para ele, somente desta maneira poder-se-ia reconhecer a necessidade de assimilar os fenômenos da consciência como ‘produtos complexos’ da mente inconsciente. Por sua vez, lipps distinguindo o conceito de energia psíquica daquele de força psíquica, afirmou que “a força psíquica é a possibilidade de que na alma surjam processos que alcancem um determinado grau de eficiência” enquanto que a energia psíquica “é a possibilidade, inclusa nos próprios processos, de que esta força passe a atuar” (JUnG, 1991a, § 26). deste modo, ele chama a atenção para a qualidade energia, que se expressa tanto como psíquica quanto física.

como enfatizado por Jung, na experiência, a energia (física) é manifestada como movimentos e forças, enquanto que, em ato, a energia (psíquica) se manifesta nos fenômenos dinâmicos da alma, tais como afetos, ações, tendências, etc., que são forças psíquicas. Mesmo que não seja possível provar a equivalência entre energia psíquica e energia física, pode-se considerar o ponto de vista energético para descrever fenômenos psíquicos.

no ocaso do século XiX, o campo experimental da psicologia estava dividido entre fisiologistas clínicos e fisiologistas experimentais. os primeiros desenvolviam uma abordagem médica com interesse restrito nos resultados, enquanto o modelo elaborado pelo segundo grupo enfatizava o aspecto da mente que poderia ser examinado por técnicas experimentais. este impasse começou a ser mudado com um trabalho de sigmund Freud envolvendo ambos os aspectos: o

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fisiológico clínico e o fisiológico experimental. com o propósito de fundamentar cientificamente a sua abordagem, Freud inspirou-se em padrões e conceitos da Física e, deste modo, ignorou qualquer referência de natureza mística, metafísica. então, a sua teoria psicológica firmou-se como uma ciência estruturada em modelos e métodos empíricos que possibilitam analisar o reino da psique humana. nascia a psicologia clínica.

anos depois, carl Gustav Jung deu uma nova perspectiva para a relação mente-matéria com a ideia da sincronicidade, na forma de um princípio que correlaciona eventos acausais (físicos e psíquicos) sob um mesmo significado. encorajado pelas inúmeras conversas com pioneiros da física quântica, entre eles, albert einstein, erwin schrödinger, Pascual Jordan e Wolfgang Pauli, Jung observou que a descrição proporcionada pela física quântica para as ocorrências acausais poderia subsidiar uma desejada interpretação dos inusitados conteúdos relatados por seus pacientes. ele defendeu uma nova concepção da realidade projetando uma correlação psicofísica inferida a partir da dinâmica do mundo quântico, a qual deve enfatizar a participação do observador (o subjetivo) em todo e qualquer evento investigado.

Níveis Sutis da Realidade

o objetivo de perscrutar a subjetividade intrínseca às complexas manifestações da natureza próxima, e mais amplamente do universo, é um fator motivador para a evolução da ciência e, claro, de todas as formas do conhecer. em várias áreas do conhecimento, já se percebe o interesse de cientistas numa descrição da realidade incluindo, explicitamente, o observador. cada vez mais são realizadas experiências atestando a mente humana3 como a fonte geradora de um conhecimento que se estende além do puramente pessoal, ou seja, não está relacionado às experiências individuais.

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a busca por uma abordagem científica envolvendo a mente enfrenta dificuldades de ordem fenomenológica, considerando-se que a realidade descrita se refere a objetos isolados, onde as interações entre eles só acontecem devido à ação de uma força ou pela transferência de energia. Para uma visão mecanicista de mundo, em que tudo é fixo e eterno, e as ações devem ser explícitas e objetivas, não há espaço para as ordens criativas da natureza. entretanto, a partir de teorias da física moderna, e suas inferências sobre a subjetividade da natureza, i.é., aquelas oriundas do micromundo (quântico) e do macromundo (relatividade), é possível encontrar uma maneira de externar o papel do ser humano no contexto de uma interpretação científica. É o caso de considerar, por exemplo, a existência de formas ou padrões dinâmicos subjacentes a todas as manifestações da natureza, seja material ou mental, que se correlacionam entre si.

nessa incursão para relacionar o mundo material e o mundo mental, surgem ideias geralmente classificadas como metafísicas, místicas ou mesmo intempestivas. entre elas, destacamos a elegante abordagem de david Bohm sobre energia sutil, introduzindo a noção de informação ativa como o elemento transcendente numa composição matéria-energia-informação, e o desígnio de Wolfgang Pauli para descrever a realidade sob uma ótica psicofísica, uma consideração intimamente relacionada à ideia de sincronicidade desenvolvida por carl Gustav Jung.

Bohm e a Energia Sutil

david Bohm foi um físico que buscou uma nova concepção da realidade, questionando a interpretação ortodoxa (de copenhague) da mecânica quântica. estimulado por einstein, ele desenvolveu uma abordagem para a ‘realidade quântica’ (BohM, 1951), cuja linguagem envolve características físicas como ordens sutis

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de processos, fluxos, movimentos, transformações, simetrias e relações.

na sua interpretação (causal), Bohm considera o elétron como uma partícula seguindo uma trajetória bem definida, sempre acompanhada por novo tipo de campo quântico aqui, lembramos que a noção de campo pode ser matematicamente representada por expressões chamadas de potenciais, tal que, um potencial descreve um campo em termos de uma potencialidade existente em cada ponto do espaço, agindo sobre uma partícula que está nesse ponto. diferente da noção clássica, em que os potenciais (magnético e elétrico), dependem da intensidade de seus respectivos campos, o potencial quântico (que representa o campo quântico) depende apenas de sua forma (BohM, 1952). significa que um ente físico qualquer sofre a mesma influência do potencial quântico, independente de onde for localizado.

ao inferir as propriedades do campo quântico, Bohm considerou que, assim como ocorre com a matéria, a energia também está sujeita às transformações e, ainda, forma padrões. Quer dizer, da mesma maneira que a energia atua sobre a matéria, ‘alguma coisa’ também o faz com a energia. esse algo misterioso, que Bohm chamou de energia sutil ou ‘campo de informações’, não é simplesmente um registro dos fatos, mas se trata de uma atividade física da natureza.

neste contexto, ele introduz a noção de informação ativa como resultante da ação potencial quântico através desse campo de informações, a qual tem o papel de orientar todos os processos físicos da natureza, formando suas estruturas e configurações. Bohm tomou o significado literal da palavra, i.é., ‘in-formar’, a qual é ativa para formar alguma coisa ou permear alguma coisa com forma. significa que, a informaçao ativa é potencialmente ativa em toda parte, mas realmente ativa quando um ente constituinte é localizado. ele explica: “a ideia básica da informação ativa é que uma forma tendo pouca energia adentra e direciona uma energia muito maior” (BohM; hileY, 1999, p. 35).

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em outras palavras, a informação ativa é uma espécie de forma que ‘conhece’ a distribuição interna da matéria, dá forma a energia e, reciprocamente, essa energia ‘formada’ atua sobre a matéria promovendo as transformações, as quais, por sua vez, realimentam a informação ativa. Para se ter uma ideia da ação dessa informação ativa, basta considerar, por exemplo, o sinal eletromagnético emitido por uma estação de tv que chega até um televisor alimentado pela energia elétrica, ainda ‘sem forma’. É justamente o conjunto de informações contido no sinal, que dá ‘forma’ a essa energia, gerando imagens e sons no televisor.

com a noção de informaçao ativa, Bohm suplanta a dualidade matéria-energia concebendo uma interconexão triangular envolvendo matéria, energia e informação, algo como um novo princípio universal.

Ordem Explícita, Ordem Implicada e Holomovimento

david Bohm observou que a completitude inferida no reino quântico poderia fundamentar uma possível relação mente-matéria, viabilizando uma descrição mais abrangente da realidade física. ele assumiu que o universo inteiro está, de algum modo, ‘contido’ em todas as coisas e que cada coisa está ‘contida’ nessa totalidade, configurando um vínculo relacional que é ativo e essencial para cada coisa existir. inferindo que a natureza das coisas não pode ser reduzida a fragmentos ou partículas, Bohm sugeriu que o universo se revela através de um movimento ininterrupto de ‘dobramento’ e ‘desdobramento’, inter-relacionando tudo que existe (BohM, 1992).

o termo ‘desdobramento’ caracteriza as relações externas reveladas como uma ordem explícita, na qual, cada coisa é \percebida relativamente separada. esta ordem se refere ao mundo mecânico, o mundo das coisas que se atraem e se repelem. embora a ordem explícita seja dominante nas experiências comuns (aquelas

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descritas pela física clássica), a mesma não pode ser propriamente compreendida sem levar em conta a sua origem, i.é., a ordem implicada - o ‘dobramento’-, que se situa além das categorias de espaço e de tempo. É a realidade subjacente, oculta, logo, empiricamente não verificável. Juntas, as duas ordens constituem uma totalidade, fluida e indivisa, expressando a unicidade de todas as coisas. desta maneira, não é possível analisar, separadamente, qualquer uma de suas partes, pois todas elas estão indissociavelmente ligadas.

a noção de ordem implicada pressupõe a existência de uma fonte inacessível cuja dinâmica revela-se como um processo constante de ‘mudança’ e desenvolvimento’ que Bohm chamou de holomovimento, invocando uma analogia com o holograma4. significa que todas as expressões físicas da natureza (a ordem explícita) surgem desse holomovimento, o qual as contém como potencialidades e, ao final, retornam a ele. É justamente esse processo constante de ‘dobramento’ e ‘desdobramento’ que garante a existência das coisas em suas formas relativamente estáveis e independentes como uma ordem explícita.

em vez de tratar com objetos, na maneira usual do mundo macroscópico, agora se lida com processos para investigar como uma determinada ordem explícita pode ser revelada de outra ordem, a dinâmica ordem implicada. Por exemplo, não se pode dizer que um elétron existe de fato, e sim, trata de ‘algo’ que surge e desaparece repetidamente. Uma vez que tais ‘aparições’ são infinitamente próximas, o que possibilita registrar a sua trajetória, então, o elétron é o resultado de um processo intermitente de ‘colapsos e aparições’ que ocorre nos níveis mais profundos da realidade. Quer dizer, o universo físico não é verdadeiramente constituído de formas materiais, posto que, tudo que é percebido e/ou registrado, não passa de manifestações físicas nesse holomovimento, espelhando uma totalidade inatingível.

o micromundo imaginado por david Bohm é um lugar estranho, místico, onde coexistem o passado, presente e o futuro. Um reino

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em que os objetos, e até mesmo as partículas elementares, têm uma importância secundária. esta conjetura que denota uma expansão da Física pressupõe um ambiente preenchido pelos incessantes e fundamentais movimentos de ‘dobramento’ e ‘desdobramento’ dos quais emergem os objetos materiais, como abstrações. enquanto dissolve a certeza absoluta postulada na visão newtoniana, o universo de Bohm oferece um cenário de potencialidades, aquele de incontáveis realidades, onde uma realidade física qualquer pode ser apreendida como um reflexo dos constantes processos de mudanças e de transformações da natureza.

Implicações do Mundo Quântico para a Mente

a ideia de perscrutar uma conexão que está além da realidade causal, despertou em Bohm o ímpeto para estabelecer um elo entre processos físicos e mentais. admitindo que padrões quânticos de informação ativa seriam equivalentes a padrões de pensamento, ele postulou que, no reino das partículas elementares, i.é., em seus níveis mais sutis da ordem implicada, existe uma qualidade ‘tipo-mental’, de natureza rudimentar. Uma qualidade que se revela, de certo modo, na maneira que a informaçao contida na função de onda atua sobre as partículas, onde os movimentos destas não podem ser totalmente determinados. algo deveras inusitado e desafiador para uma formulação científica, porquanto exige uma correlação ou uma analogia mais profunda, e certamente mais complexa, entre os processos quânticos e os processos mentais.

em sua interpretação ontológica da teoria quântica, Bohm sugere que tais processos são essencialmente os mesmos, pois tudo que ‘vivenciamos’ como mente, em seus inumeráveis níveis de sutilezas, internamente ‘leva’ o corpo ao patamar da influência do potencial quântico. este potencial se revela como a conexão não-local responsável por padrões das partículas elementares que se

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movimentam organizadas e ordenadamente como se fossem uma coreografia (uma ‘dança de partículas’) guiada por uma informação comum (por exemplo, uma música). em uma analogia simplória, a função de onda global desse sistema de partículas corresponderia à mente e o conjunto de partículas, e seu comportamento microscópico (a ‘dança’) no espaço físico, seria correspondente a matéria. Uma concepção que possibilitaria correlacionar esses mundos (o físico e o mental), visto que o potencial quântico é a fonte geradora da informação ativa que orienta a ‘dança’ das partículas. não obstante, Bohm enfatiza: “a realidade profunda é algo além da mente ou da matéria, da qual ambas são apenas aspectos que servem como expressões para análises.” (BohM; hileY, 1999, p. 387).

aqui temos um cenário que pode ser usado para expressar uma analogia complementar entre mundos aparentemente tão díspares. da mesma forma que o movimento de uma partícula contém o ‘significado’ de uma informação, intrínseco ao campo quântico, o movimento do corpo humano revela, por exemplo, o que está implícito em níveis mais sutis do pensamento. Uma vez que a consciência se manifesta em ambos os lados, então, a informação ativa, embora ainda precise ser descrita ontologicamente, pode ser tratada como uma ponte entre o físico e o mental. no entanto, os dois lados são inseparáveis, considerando-se que a informação ‘contida’ no pensamento que ‘sentimos’ como o ‘lado mental’ é, ao mesmo tempo, uma atividade relacionada aos aspectos neuropsicológico, químico e físico, ou seja, o ‘lado material’ do pensamento. Bohm exemplifica: uma pessoa lendo uma página impressa não absorve a substância do papel, e sim reconhece as formas das letras, das quais surge a informação na mente para, então, se manifestar nas atividades da mesma. trata-se de uma experiência subjetiva em que a atividade é a parte mais importante do pensamento.

este panorama induz a ‘presença’ de uma totalidade, na qual os lados mental e físico participam interativamente um do outro, pois não existe divisão real entre a mente e a matéria. significa que

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o envolvimento da mente, e seu fluxo constante de pensamentos, sentimentos, desejos e impulsos, numa relação mente-matéria, não pode prescindir de uma ordem subjacente que promova uma descrição consistente da realidade. vivemos expectativa de que, ao perscrutar os níveis mais profundos da realidade, reconheceremos a premência de incluir o aspecto transcendental numa interpretação do mundo físico.

Pauli e as Simetrias da Natureza

Wolfgang Pauli é lembrado como um dos mais criativos entre os pioneiros da física moderna. ele ganhou notável reputação no meio acadêmico ao propor soluções inspiradoras que, a princípio, pareciam estapafúrdias, no entanto, revelaram-se brilhantes depois. entre suas contribuições mais significativas, estão o princípio da exclusão, que lhe deu o premio nobel em Física no ano de 1945, onde explica a incomensurável quantidade de formas materiais diferentes do universo e, a previsão do neutrino, uma ‘partícula’ eletricamente neutra de massa zero e velocidade igual a da luz. ambas as contribuições atestam a sua excepcional intuição e crença nos princípios da simetria e na conservação da energia na natureza5.

inquestionavelmente, as simetrias, e as leis da conservação associadas, sempre direcionaram a vida intelectual de Pauli. este ignorou a busca do derradeiro nível da natureza em termos de partículas elementares, acreditando que o estado material, na forma que conhecemos, é uma manifestação de algo mais profundo: o reino da simetria. Uma vez que os sistemas quânticos são descritos por uma função de onda (matematicamente ‘existindo’ em um espaço abstrato), Pauli argüiu que a ‘forma’ dessa função é governada por uma espécie de simetria. segundo ele, todos os entes quânticos devem ter uma das duas formas possíveis, que são excludentes, definidas como o princípio da simetria e o princípio da anti-simetria.

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o princípio da simetria governa os entes quânticos agregados em um único estado coerente de energia, ou seja, quando todos estão em fase, gerando um efeito cooperativo entre pares de spins6 opostos, que são os bósons (mésons, fótons). estes quantas de luz são os elementos constituintes de três das quatro forças fundamentais do universo7: a força eletromagnética e as forças nucleares, fraca e forte. Já o princípio da anti-simetria revela uma função discriminatória, a depender das estruturas materiais, pois governa os entes físicos que não exibem os mesmos níveis de energia ou estados quânticos. são os chamados férmions (elétrons, prótons e nêutrons), partículas constituintes de toda matéria sólida que conhecemos. essa anti-simetria ‘impede’, por exemplo, que todos os elétrons se agrupem com mesmos estados quânticos e, deste modo, exibem os padrões de energia característicos ao átomo que pertencem. em outras palavras, o princípio da anti-simetria é o responsável pelo ‘empilhamento’ dos elétrons em um átomo formando uma série de níveis de energia, tal que, cada átomo é quimicamente distinguível de outro.

este desenvolvimento, conhecido princípio da exclusão8 de Pauli, de importância crucial para a ciência, resulta da concepção (abstrata) de que partículas subatômicas possuem uma habilidade para ‘excluírem-se’ uma da outras, onde duas delas (ou mais) não podem ocupar o mesmo estado quântico. o que não ocorre tratando-se dos fótons (‘simétricos’). Pauli usou o fato de que sistemas elementares (no caso, férmions, bósons) de mesma espécie são indistinguíveis e, então, considerou que cada estado quântico de um sistema transforma-se de acordo com uma representação (irredutível) do grupo de permutação que pertence. significa dizer que existe um fato empírico nessa permutação, tal que os estados de um sistema de férmions idênticos transformam-se anti-simetricamente enquanto os estados dos bósons transformam-se simetricamente. com o propósito de assimilar esta dinâmica, Pauli analisou os resultados experimentais e, então, intuiu uma maneira como as coisas são conectadas, ao mesmo tempo em que tentava

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racionalizar suas intuições desenvolvendo um rigoroso esquema matemático que comprovasse suas ideias.

o fato mais intrigante nessa dinâmica do micromundo físico é que a mútua exclusão das partículas não resulta de alguma força operando entre elas ou mesmo de uma reação causa-efeito, e sim, é uma conseqüência do próprio movimento (abstrato) anti-simétrico global que afeta o comportamento de cada partícula. deste modo, ao postular a existência de uma mútua exclusa entre partículas subatômicas, Pauli descobriu que os padrões fundamentais da ‘matéria quântica’ são governados por um princípio de conexões acausais. Graças a esse princípio, podemos compreender as configurações físicas existentes, sejam moléculas, células, seres, plantas, rochas, planetas, estrelas e tudo mais, pois, de outro modo, o cosmo não exibiria toda a sua incomensurável riqueza.

Em Busca do Princípio Psicofísico

em 1931, enfrentando uma crise emocional e psicológica, Pauli procurou a ajuda de Jung. o resultado deste encontro foi o início de uma longa e profícua relação de amizade e colaboração entre eles. de um lado, Jung sentiu-se fortalecido por encontrar um interlocutor extremamente intuitivo, no caso, um físico notável que o ajudou a desenvolver o seu conceito de sincronicidade. de outro, Pauli, um ser humano dotado de uma personalidade bastante questionadora e incisiva, encontrou nesta relação com o mundo da psicologia o ambiente adequado para dialogar com os níveis mais profundos de seu inconsciente, que ele passou a valorizar, analisando, consistentemente, os conteúdos psíquicos que tanto o atormentavam para, então, a integrá-los à consciência.

com o fortalecimento dos interesses comuns, estes dois pensadores passaram a buscar, conjuntamente, as bases empíricas dos fenômenos marginais que permeiam a relação entre o mundo

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externo e o mundo interno, i.é., a matéria e psique. eles se dedicaram a interpretar, com mais apuro, à noção de realidade, ou seja, aquilo que, de fato, está ao alcance de nosso conhecimento e o que não está.

inicialmente, Pauli reconheceu que a existência de uma divisão entre o observador ou os meios de observação, de um lado, e o objeto de estudo, do outro, é uma condição necessária para a cognição humana. no entanto, sob a ótica da física moderna, essa disposição, até certo ponto, é arbitraria, e resulta de uma escolha convenientemente co-determinada e, logo, parcialmente independente. neste aspecto, Pauli chamou a atenção para o verdadeiro papel da consciência humana: “uma vez que o observador físico escolheu seu arranjo experimental, ele não tem mais influência sobre os resultados da medida, o registro objetivo do que é universalmente aceito. as propriedades subjetivas do observador, ou o seu estado psíquico, são irrelevantes nas leis da mecânica quântica da mesma maneira que são para as leis da física clássica” (PaUli, 1994, p. 152).

ao considerar que havia uma analogia entre conceitos quânticos e psíquicos, Pauli sentiu-se estimulado a delinear um ambiente que reunisse o conhecimento científico do mundo dos objetos externos e o conhecimento psicológico da realidade interna. segundo ele, independente da dificuldade de relacionar o mundo físico e o mundo psíquico, a physis e a psique podem ser tratadas como aspectos complementares. especificando esta relação, Pauli identificou o inconsciente coletivo como o elemento objetivo na psique, argüindo que a Física, por sua vez, deveria considerar o aspecto subjetivo da matéria, que chamou de ‘irracional’. com efeito, as implicações ontológicas da teoria quântica sugerem que a realidade física, enquanto exibe seu aspecto racional, assimilado segundo as leis naturais, possui também uma irracionalidade própria da ‘liberdade’, caracterizada, e.g., pelo comportamento imprevisível de eventos individuais. isto porque, é possível formalizar ‘leis’ estatísticas para os valores médios de quantidades físicas, mas não para seus valores

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em eventos individuais. a menção feita à irracionalidade da realidade significa que uma formulação científica exclusivamente ‘racional’ não é capaz de descrever tudo que é real. deste modo, a Física não proporciona um cenário independente para esse micromundo, e sim, uma realidade empírica construída a partir da construção racional que fazemos do mesmo.

adentrando mais ainda no mundo da psicologia junguiana, Pauli procurou assimilar a ideia de arquétipo como um elemento básico de uma descrição psicofísica da realidade, conjeturando sobre as mudanças significativas que provocaria na ciência e em suas derivações epistemológicas. vale lembrar que os arquétipos representam o conceito central na psicologia junguiana, pois são conteúdos do inconsciente coletivo. durante vários anos, Jung vivenciou um processo de maturação para compreender a natureza dos arquétipos. inicialmente, ele os tratou como imagens psíquicas que aparecem em sonhos, fantasias, lendas, mitos, porquanto são ‘conteúdos universais’ das profundezas da psique humana.

com o tempo, Jung aprimorou a definição de arquétipo: “aquilo que entendemos por ‘arquétipos’ é, em si, irrepresentável, mas produz efeitos que tornaram possíveis certas visualizações, i.é., as representações arquetípicas” (JUnG, 1991a, § 417). enquanto conteúdo inconsciente, o arquétipo se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta. numa visão mais ampliada, significa que os arquétipos só se manifestam através de observação e de experiência, ou seja, pela constatação da sua capacidade de organizar ideias e representações em um processo que só pode ser detectado posteriormente. neste sentido, os arquétipos podem ser considerados como fatores ‘formais’ responsáveis pela organização dos processos psíquicos inconscientes e, por conseguinte, caracterizados como padrões de comportamento.

Uma vez que os arquétipos transcendem o reino do pura-mente mental, ou seja, extra-psíquico, Jung imaginou que os

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mesmos existem em um nível psicóide, compartilhado tanto pela matéria quanto pela mente (a psique), situado além das distinções criadas pelo nosso pensamento. isto implica que os arquétipos são exclusivamente não-psíquicos, embora eles possam se manifestar no domínio psíquico. nada mais natural, considerando-se que tanto a mente quanto a matéria contém impressões de suas origens, estruturas internas e relações que poderiam ser chamadas de simetrias abstratas. Uma inferência implícita pelo fato dos arquétipos ‘serem’ psíquicos e psicológicos: são ‘experienciados’ na psique na forma de imagens e ideias, mais também revelam uma natureza que transcende qualquer definição. assim, inspirado na ideia do unus mundus, a qual pressupõe um nível ontológico descritivo sem qualquer cisão entre os domínios mental e material, Jung concluiu que os arquétipos geram as estruturas subjacentes à psique e à matéria, constituindo-se a base unitária psicofisicamente neutra além da dualidade mente-matéria.

de seu lado, Pauli observou que esse (sutil) nível psicóide poderia configurar tanto a dimensão psíquica quanto o reino quântico (físico), possibilitando fundamentar uma ‘realidade psicofísica’. com este propósito, ele sugeriu que os arquétipos e a função de onda, irrepresentáveis em si mesmos e diretamente inobserváveis, seriam os elementos psicofísicos, ‘estruturadores’ dessa nova realidade, pois são expressões de um ambiente imaginário comum - o nível psicóide - às ordens da mente e da matéria. de fato, o caráter ambivalente dos arquétipos, i.é., a sua capacidade de constelar na psique (seu aspecto subjetivo) e, concomitantemente, pertencer ao reino coletivo que se situa fora do indivíduo (seu aspecto objetivo), o torna um ‘elemento estruturador’ dessa nova realidade. a partir de então, poder-se-ia dizer que o ‘espaço’ entre o fenômeno físico em si e o que é registrado na mente está simbolicamente ocupado tanto pelos arquétipos, enquanto formas de apreensão (herdadas) da nossa psique, quanto pela função de onda, a forma matemática para explicitar a dinâmica acausal dos entes quânticos (caMPos, 2002).

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como percebemos, a almejada combinação de conteúdos físicos com inspirações psicológicas conduz a uma realidade que não pode ser acessível diretamente, mas através de uma nova simbologia a ser desenvolvida. nesta perspectiva, Pauli semeou os fundamentos necessários para um princípio psicofísico dotado de uma ‘linguagem neutra’ que poderia explicar como um evento em observação está correlacionado a algo da nossa mente9. Mesmo que nessa desejada linguagem, seja empiricamente inevitável distinguir o ‘psíquico’ do físico’, a mesma deve envolver, de um modo ontologicamente equiparado, o aspecto psíquico e o físico, tendo em vista a natureza abstrata do mundo material inferida pela física quântica. o caminho está aberto. as dificuldades são muitas. isto porque, em geral, qualquer referência em uma abordagem sobre fenômenos psíquicos, desperta resistências na comunidade científica, principalmente daqueles estudiosos da mente comprometidos com o princípio da causalidade.

Jung e a Sincronicidade

a natureza, em sua complexa e incomensurável biodiversidade, exibe um processo evolutivo global que desafia a compreensão humana. Basta lembrar os padrões (abstratos) de organização da natureza, como o sistema imunológico, que reconhece e acusa a presença de um vírus invasor ou, ainda, o fenômeno da supercondutividade detectada em certos metais que, levados a uma temperatura crítica mínima, desaparece a resistência elétrica interna, passando a exibir um comportamento cooperativo.

as descrições elaboradas com base em teorias físicas induzem a existência de um princípio ordenador, indefinível, conectando todas as coisas do universo. no macromundo dos acontecimentos, a ação desse imaginado princípio dá-se no reino da causalidade, aquele das interações previsíveis. É o caso da força gravitacional responsável pela queda de uma maçã ou, referindo-se à seara psicológica,

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poderíamos dizer que a ansiedade foi a causa do esquecimento de um compromisso. no caso do mundo quântico, onde não há qualquer relação causal entre duas ocorrências, consecutivas ou não, as irregularidades observadas em tais ocorrências induzem a existência de uma interconectabilidade envolvendo todos os eventos quânticos potenciais. nesse ambiente inacessível, em que não se adota conceitos tais como posição e velocidade, toda aferição é probabilística.

Jung assimilou essa interconectabilidade como uma ‘ordenação acausal geral’ no mundo psíquico, envolvendo o fator tempo e a causalidade. ele tentava compreender as ocorrências imprevisíveis e aparentemente inexplicáveis de eventos acausais, a exemplo de conteúdos oníricos, os quais, a princípio desconectados, mostram-se correlacionáveis a padrões de eventos externos. após entabular uma busca referencial em outras fontes de conhecimento, e.g., antigas escrituras alquímicas, filosofia oriental e na própria física moderna, Jung descreveu essas ocorrências, de ordem acausal, como expressões de sincronicidade10. esclarecendo melhor este conceito para evitar enganos de ordem terminológica, Jung argumenta:

emprego [...] o conceito geral de sincronicidade, no sentido especial de coincidência, no tempo, de dois ou vários eventos, sem relação causal mas com o mesmo conteúdo significativo, em contraste com ‘sincronismo’ cujo significado é apenas o de ocorrência simultânea de dois fenômenos. (JUnG, 1991a, § 849).

como se observa, este conceito se refere a uma correlação sincronística entre eventos que lembra a noção arquetípica do unus mundus, cuja natureza holística implica num emaranhamento entre os estados que descrevem os domínios material e mental.

as sincronicidades não são necessariamente simultâneas. Frequentemente definidas como coincidências significativas, i.é., ocorrências que induzem um significado para quem as vivenciam, sem uma explicação causal, são dotadas de uma ordem qualitativa que

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ignora qualquer preceito lógico-probabilístico em suas ocorrências. a própria característica da sincronicidade transgride o domínio da causalidade e, até mesmo, um esquema epistemologicamente clássico, demandando assim, uma outra abordagem que contemple sua natureza acausal numa paridade complementar a causalidade. não obstante, Jung ainda diferencia a sincronicidade de outras experiências de ordem acausal, afirmando que a sincronicidade é um casus particularis de uma ‘acausalidade geral’ na qual o arquétipo pode ser reconhecido como o seu fundamento (transcendente). explicitamente, é o significado comum que distingue uma ocorrência sincronística de um fenômeno para-normal (acausal), ou até mesmo uma mera coincidência.

esse significado comum, que categoriza as ocorrências sincronísticas, parece que está associado a uma ativação energética nas profundezas da psique. como se a formação de padrões na mente inconsciente fosse acompanhada de padrões físicos no mundo externo. Por exemplo, pensar em alguém e naquele exato momento toca o telefone e descobre que é justamente a pessoa do pensamento.

a experiência do significado é um daqueles ‘momentos de iluminação’ em que eventos distintos se fundem num padrão reconhecível, despertando para a numinosa11 presença universal em cada um de nós, quando intuímos que o mundo interno e o mundo externo coincidem. sentimos dissolver as fronteiras entre a mente e a matéria e ignoramos as usuais distinções que fazemos entre os mundos interno e externo, entre o objetivo e o subjetivo, entre a mente (psique) e a matéria, ou seja, transcendemos as nossas ordens normais de espaço, tempo e causalidade. enfim, o significado envolve tanto a energia psíquica quanto a energia física, pois atua como uma ‘ponte’ entre a consciência (mente) e a matéria, provocando uma súbita e intensa percepção da natureza.

em termos vivenciais a sincronicidade ‘opera’ através de metáforas, imagens e alusões, ocorrendo, por exemplo, quando uma

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pessoa atravessa uma crise ou uma mudança profunda; quando está apaixonada ou engajada numa atividade profundamente criativa ou, ainda, quando se encontra à beira de um colapso nervoso.

Jung cita uma experiência sincronística particularmente sutil envolvendo uma conexão acausal com o ambiente, que lhe foi contada pelo diplomata e sinólogo alemão richard Wilhelm (JUnG, 1970, § 604n). É a história de um ‘fazedor de chuvas’, a qual revela a essência de uma cosmovisão chinesa sobre a maneira que o ser humano e a natureza formam um todo. após um longo período sem chuvas, os moradores de um vilarejo no interior da china mandaram buscar um ancião conhecido como ‘fazedor de chuvas’. este, ao chegar, imediatamente retirou-se para uma cabana providenciada para ele, e lá permaneceu por alguns dias sem realizar qualquer atividade, até que começou a chover. Quando lhe perguntaram como ele provocou a chuva, o ancião explicou que esta não era a questão. contou que, ao chegar ao vilarejo, percebeu um estado de desarmonia alterando profundamente os processos normais da natureza no lugar. ele próprio sentiu-se afetado e, por isso, recolheu-se na cabana até recompor-se. Quando a sua harmonia e o seu equilíbrio interno foram restabelecidos, então a chuva caiu. tal vivência parece induz uma numinosa sabedoria que está além do nosso conhecimento consciente. Uma experiência dessa natureza sugere a existência de um nível sutil conectando todas as manifestações físicas da natureza, tal que, a mente e o corpo (a matéria) tornam-se uma só, projetando uma interconectividade entre tudo que nos envolve.

É inquestionável a força paradigmática da sincronicidade numa descrição da realidade, ao incluir o observador (a sua mente) numa interpretação científica. independente de que a noção da sincronicidade encontre similaridades em antigas concepções de mundo, ela se baseia em observações e fatos empíricos, logo, passíveis de aferição pelas regras da ciência. Mas não é uma tarefa fácil. o domínio da objetividade científica, associada ao legado iluminista que não considera quaisquer implicações de natureza

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teleológica nos eventos, representa um dos principais obstáculos à aceitação da sincronicidade. e isto se verifica até mesmo entre filósofos e psicólogos. talvez porque esse reconhecimento exija a superação de valores culturais, paradigmas e ideias firmemente enraizadas no princípio da causalidade e na descrição racional de mundo. entretanto, sabemos que a evolução do conhecimento não tem fim. a nossa convicção é que as experiências sincronísticas, e a consequente assimilação do seu significado, podem contribuir para superar estas restrições vislumbrando um cenário que, mesmo sendo irrepresentável, enriquecerá significativamente a nossa percepção de mundo.

Integrando a Sincronicidade

É próprio observar nesta consideração mente-matéria que, enquanto uma expressão da ‘ordenação geral acausal’ no mundo físico, o princípio da exclusão mostra-se similar ao princípio da sincronicidade de Jung, possibilitando estabelecer uma relação entre ocorrências acausais, físicas e psíquicas. algo como o antigo princípio alquímico da Correspondentia que envolve, simbolicamente, os elementos físicos e psíquicos. essa desejada integração serviria de base para qualquer reformulação paradigmática na ciência ou em uma outra área de conhecimento. desta maneira, poder-se-ia descrever a realidade incluindo (diretamente) a mente do observador bem como o significado inerente a cada ocorrência ou experiência de vida. e isto ocorreria por conta da ‘internalização’ (o ato de conscientização) do significado12 que move o ser humano (o observador) a intuir a razão de sua existência e o seu papel neste mundo em transformação, enquanto parte dele.

com o princípio da sincronicidade, Jung resgatou a noção de simetria e, então, formalizou essa unicidade entre os domínios físicos e psíquicos, relacionando conceitos da física e sua psicologia

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de profundidade (JUnG, 1991a, § 948-954). inicialmente, ele posicionou a Sincronicidade como o quarto elemento da tríade, Espaço, Tempo e Causalidade, formando dois pares de opostos complementares (diagrama a). depois, por sugestão de Pauli, envolveu a Energia (indestrutível) do universo numa abrangência psicofísica, enfatizando tanto a diferença quanto a semelhança entre a Sincronicidade e a Causalidade (diagrama B):

esPaço

caUsalidade sincronicidade

teMPo

diagrama a: Mostra uma relação direta da Sincronicidade aos outros três princípios, onde a unidimensionalidade do Tempo é relacionada à tridimensionalidade do Espaço. trata-se de uma associação marcada pela independência das dimensões físicas, em que o panorama da realidade é explicitado como pares complementares: ‘onde’ e ‘quando’, para caracterizar o Espaço e o Tempo e, ‘o que ocasionou’ e ‘o que implica’, relacionando Causalidade e Sincronicidade. enquanto o primeiro par de questões pode ser respondido sob a égide da Causalidade, o outro par, demanda por reconhecer e assimilar o significado inerente a toda experiência sincronística.

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enerGia indestrutível

conexão constante conexão inconstante através da contingência, através da equivalência causa e efeito. ou significado.

caUsalidade sincronicidade

esPaço-teMPo continuum

diagrama B: este diagrama atende aos postulados da teoria da relatividade que trata o Tempo como quarta dimensão, formalizando, assim, o Espaço-Tempo Continuum, irrepresentável. também satisfaz as concepções da psicologia junguiana onde a Sincronicidade e o próprio caráter do significado induzem uma imagem do mundo, igualmente irrepresentável. tal associação reflete um princípio fundamental, uma realidade psicofísica em que os eventos sincronísticos são vivenciados nas expressões arquetípicas. algo como um canal para estabelecer uma relação cooperativa com o universo, sintonizada com o ‘pensar’ de Jung: ‘o que está dentro, também está fora’.

Notas

1. durante suas atividades de pesquisa e docência na Universidade de leipzig, alemanha, Fechner sofreu um profundo colapso nervoso, acarretando conseqüências graves em seu estado físico, principalmente a visão. após um longo período de depressão, e reclusão, Fechner voltou a ensinar, desta vez como professor de Filosofia, e publicou, em 1848, um tratado metafísico onde esquematiza um panorama psicológico da relação mente-matéria.

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2. Vitalismo – doutrina, segunda a qual as atividades orgânicas estão sob a orientação de um elemento independente da matéria: a energia ou força vital.

3. atualmente pode-se dizer que há um consenso sobre a plenitude da mente, a partir das experiências de estados alterados da consciência realizadas pelo psicólogo transpessoal stanislav Grof, comprovando que a mente é um campo de energia operando além dos limites do tempo e do espaço.

4. Holograma - padrão de interferência microscópico bidimensional que mostra imagens óticas tridimensionais.

5. em todas as suas atividades, principalmente na Física, Pauli sempre procurou reconhecer a simetria e a harmonia nas leis da natureza. com este mesmo propósito, explorou a psique tão profundamente quanto o mundo físico, levando a investigar o famoso debate do século Xvii entre Johannes Kepler e o médico e alquimista robert Fludd, que opunha o pensamento quantitativo-científico-materialista versus o pensamento qualitativo-mágico-simbólico para descrever a fenomenologia da natureza.

6. Spin – na mecânica quântica é a propriedade de um ente quântico, pela qual ele possui um movimento rotacional (a exemplo do pião da mecânica clássica), podendo girar no sentido horário e anti-horário.

7. a força gravitacional não é aqui considerada por desconhecimento de sua natureza.

8. Pode-se dizer que a ‘descoberta’ deste princípio é um resultado da preferência de Pauli pela noção da quaternidade alquímica, levando-o a considerar que o estado do elétron depende de um quarto número quântico.

9. nas ultimas décadas, observa-se um interesse crescente de alguns físicos e filósofos em retomar a ideia do matemático alfred Whitehead [1861-1947]: os elementos básicos da realidade são processos e não substancia tais como a mente e a matéria. É o caso do físico r. haag que discute um modelo ontológico para a física quântica, onde a noção de eventos é o elemento principal, baseada em duas premissas, advindas do indeterminismo intrínseco reinante no ambiente quântico: (i) os objetos quânticos são considerados como vínculos causais entre eventos

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e, (ii) a localização no espaço e no tempo se refere a eventos e não a objetos.

10. Jung procurou fundamentar epistemologicamente a ideia de sincronicidade com os escritos de dois ‘pilares’ intelectuais: de arthur schopenhauer assimilou a ideia de que ‘a unidade da prima causa (causa primária) produz a simultaneidade e interrelaçao de acontecimentos não ligados causalmente de maneira imediata’; e a ideia da harmonia preestabelecida de Gottfried von leibniz, i,é., de que existe um sincronismo absoluto dos acontecimentos psíquicos e físicos [Jung, 1991b,§927]. após o seu encontro com Pauli, ele pode assegurar com argumentos mais apropriadamente científicos o conceito de sincronicidade.

11. o termo numinoso foi introduzido pelo teólogo e psicólogo rudolf otto para descrever uma ‘experiência divina’. Jung usou para referenciar a influencia de uma presença invisível que provoca uma alteração peculiar na consciência. em grego antigo, um momento numinoso é chamado de kairos, significando um momento mágico no qual ocorrem eventos sincronísticos. também pode ser compreendido como o ardor emocional ou a fascinação ou ainda o poder de um arquétipo ativado.

12. a ideia do significado aqui não se atém às palavras da pessoa que vivencia a experiência de sincronicidade, e sim ao contexto, linguagem, atitudes e as memórias que caracterizam toda uma sociedade.

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Palavras Finais

Sobre a Convivência Universal

a incessante busca do ser humano para adentrar nos mistérios da natureza aproxima cosmovisões científicas de ensinamentos tradicionais, sob a ideia de que o universo é uma plenitude vibratória de energia. se concebermos que o próprio ser humano é um mito, logo, indecifrável, nos conscientizaremos de que, apesar da inevitabilidade desse desejo, reconheceremos a existência de uma fonte primordial da qual tudo se originou. de antigos saberes às inferências e comprovações científicas atuais, essa fonte intangível é referenciada como sendo a luz, a dimensionalidade universal da energia. tudo veio da luz! a partir dessa noção, apreendemos que não há, de fato, qualquer separação entre seres e objetos do universo, pois, subjacente a todas as formas e expressões que observamos, reina uma indivisa totalidade de incomensurável grandeza.

§

a humanidade segue em sua trajetória. e, claro, todos nós participamos deste movimento. o que diferencia é a qualidade e o grau de engajamento de cada um, neste propósito. É o caso de

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indagar, por exemplo, sobre o que fazemos para cuidar de nossa ‘morada’, - o planeta terra-, e deixá-la melhor para as gerações futuras ou mesmo questionar se, verdadeiramente, as nossas ações nos qualificam-nos como seres humanos.

indubitavelmente, o sonho de uma humanidade integrada demanda uma convivência marcada pela afetividade nas relações individuais e comunitárias, enquanto elo sutil que une todos os seres, sem distinção. acreditamos que a ciência pode ajudar nesta busca. enquanto a física clássica proporciona uma descrição objetiva do ser humano, como aquele que observa e interpreta as ocorrências ao seu redor, por outro lado, a interpretação ontológica da física quântica evidencia uma perspectiva mais ampliada e profunda ao contemplar aspectos sutis (mentais) do observador. neste sentido, poderíamos assimilar, metaforicamente, características próprias do mundo quântico, e.g., a não dualidade, complementaridade e a inseparabilidade, como lições para as nossas experiências de vida desejando conectar a mente e o coração com práticas e atitudes inspiradas na harmonia entre seres. seria uma maneira de superar condicionamentos e dogmas que enrijecem a nossa visão de mundo, porquanto estaríamos sintonizados com o onipresente e misterioso equilíbrio dinâmico que rege tudo e a todos.

esta caminhada não é de poucos. cada vez mais firma-se a ousadia de físicos, neurocientistas, psicólogos e outros estudiosos em assumir posições historicamente consideradas como místicas, as quais sustentam ideias e mesmo crenças que afirmam uma interconectibilidade entre todos os fenômenos e as expressões físicas do universo. Uma postura que reforça vínculos e cria interesses comuns entre diferentes concepções científicas e filosóficas, intuindo uma sintonia com o verdadeiro significado da existência humana.

definitivamente, seja através da ciência ou outra fonte de conhecimento, é preciso ‘viver’ a realidade de que somos observadores e também participantes do universo, pois, agraciados com uma existência psicofísica, temos a responsabilidade pelo

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impacto de nossa presença no mundo. esta sutil característica pode ser captada na antiga sentença alquímica, ‘dissolve e coagula’, intuindo um pensar sobre a efemeridade cíclica e continuamente persistente do universo físico, configurando a miríade de formas materiais das quais somos um exemplo. Uma vez conscientizado da realização deste sutil e intrigante processo, o ser humano poderá evoluir criativo e afetuosamente, incorporando o saber tradicional ciente de que, ao se transformar, ele transforma o mundo. espera-se, contudo, que essa transformação não deve ser através da dor ou do horror, tão presentes na humanidade, e sim, pelo amor incondicional do afeto que não julga tampouco exige, como ensina um antigo provérbio tibetano. É preciso intuir que todo sonho se realiza enquanto se vive imaginando que não há sonho final.

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esta obra foi composta em lapidary333 Bt e documenta impressa em Papel alcalino 75 g/m2 no setor de reprografia da edUFBa

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