Em Busca Dos Diamantes

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    Francisco Marins

    EM BUSCA DO

    DIAMANTE

    A volta da expedio aos Martrios

    Srie Vaga-Lume

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    TEXTO

    Editor: Fernando PaixoEditora assistente: Carmen Lucia Campos

    ARTE

    Edio e diagramao: Zig ZagLay out de capa: Ary A. Normanha

    Ilustraes da capa e miolo: Nelson Reis

    Editora tica, 1995

    Este e-book:Digitalizao: The Flash

    ePub: SCS

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    Contracapa

    Um enorme diamante destinado ao Imperador acaba de desaparecermisteriosamente. A suspeita logo recai sobre os integrantes da Expedio

    Langsdorff. Para provar a inocncia de seus amigos, Tonico e Perova se lanamem uma aventura que os colocar diante de tribos desconhecidas, escravosfugidos, bandidos perigosos e rios traioeiros.

    Venha explorar com esses dois herois um pouco do imenso territriobrasileiro e viva momentos da m ais pura emoo.

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    Navegando Rumo Aventura

    Aps quatro anos de viagem pelos sertes de Mato Grosso e Gois, Tonicoe Perova resolvem voltar a So Paulo. Os dois acabam se juntando a um grupo

    da famosa Expedio Langsdorff, que, sob o patrocnio do governo russo, estpercorrendo o territrio brasileiro com fins cientficos. Mas logo surge umproblem a quando os membros dessa expedio so acusados de terem roubadoum valiosssimo diamante.

    Enquanto toda a carga revistada, Tonico e Perova partem em busca daoutra equipe, que tem os documentos oficiais autorizando a pesquisa. Mal sabemeles, porm, dos perigos que os aguardam a cada curva do rio ou nas muitastrilhas que tero de percorrer...

    Para saber o que vai acontecer com nossos amigos, acompanhe asaventuras dessa dupla corajosa pelas terras selvagens do Brasil do sculo

    passado.

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    Conhecendo Francisco Marins

    Neste seu novo livro Francisco Marins continua a sua tradio literria:aventura e passado histrico se confundem, criando um enredo que, alm dedivertir, ensina muito dos costumes do nosso pas. Para isso, contribui o fato de oescritor ter vivido sua infncia em contato com o mundo rural, de onde colheuinspirao para suas obras.

    Nascido em Pratnia, interior de So Paulo, em 1922, Francisco Marinsprocura sem pre abordar temas brasileiros, com base nos episdios de nossahistria e nas lendas de nossa terra. Seus livros j se tornaram clssicos daliteratura para crianas e adolescentes, tendo sido editados dezenas de vezes etraduzidos para vrios idiomas.

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    Recado do Autor

    Aos jovens leitores que ainda no leram os escritos de Tonico sobre suasaventuras com Perova nos sertes bravios

    Tudo comeou quando, certo dia, Tonico e Perova, partindo da antigacidade de So Paulo, se engaj aram na famosa Expedio dos Russos que, comobjetivos cientficos e de conhecimentos dos indgenas, percorreria vastas regies

    pouco habitadas de So Paulo, Gois, Mato Grosso e at dos confins doAmazonas.

    Aps navegarem pelo Tiet e outros rios, em Cuiab, Tonico e Perovadespedem-se dos viajantes e partem para a regio dos Aras e da Montanha dasDuas Cabeas, procura do tio Juvenal, que sonhava encontrar os lendrios

    Martrios, regio de muito ouro e cheia de mistrios.Foram muitas as aventuras e sofrimentos, em contato com ndios, animais

    selvagens, garimpeiros e faiscadores de ouro e pedras preciosas. E vrias vezesnossos herois estiveram a pico de morrer nas mos do traioeiro Bugre-do-Chapu-de-Anta, obcecado por encontrar o lugar de tantas riquezas.

    Certo dia, tambm, a caverna em que ele se escondia foi atingida pelo fogoe Tonico e Perova tinham como certo que seu implacvel inimigo morrera.

    A serra dos Martrios fora vista pelo menino Antoninho, que seria maistarde o grande bandeirante Antonio Pires de Campos, e que havia ido aos sertescom seu pai, como era de costume naqueles tempos.

    Mais tarde ele tentou traar, de memria, um roteiro e um mapa parachegar quele lugar m isterioso.

    Mas, apesar de muitos aventureiros e sertanistas terem ido procura dosMartrios, o morro continuou, por dcadas, inencontrvel e no o foi nem pelo tioJuvenal, nem pelo Bugre, nem por Perova e Tonico.

    Atualmente j se tem certeza o lugar situa-se em terras do corao doBrasil. Os Martrios existem!

    Certamente seria o prprio Tonico, heroi daquelas narrativas, a pessoa maisindicada para recordar, com seu jeito gostoso de dizer as coisas, o que ocorreuantes da partida de Quilombo-Au, lugar situado nos sertes do Oeste, em quatroanos de longa e perigosa viagem. E, depois, tambm tintim por tintim, contar asaventuras da volta, ao longo dos rios e terras desconhecidas.

    Mas... vamos acompanhar o retorno dos dois, no ploc... ploc... dos remos,rio abaixo, rumo ao Am azonas!

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    Adeus Montanha das Duas Cabeas

    Perova, de p na canoa, levantou os braos e disse adeus ao morro, quelogo ia desaparecer de nossa vista, l onde as labaredas haviam destrudo todo overde e a paisagem ficara de cor escura e triste.

    Por aquela encosta ns dois havamos subido, muitos dias antes, procurado Bugre-do-Chapu-de-Anta.

    Gostou do nome que arranjei pra esse lugar, Tonico?

    Voc aceita em cheio ao colocar apelido nas pessoas e, tambm ,quando inventa palavras esquisitas que, depois, grudam mesmo respondi, ecompletei:

    Est batizado, mesmo sem padrinho. Fica sendo a Montanha das Duas

    Cabeas. E o motivo, ns dois sabemos. Espero que os nomes Coxip e Capataz, os bandidos que m altrataram os

    trabalhadores das minas, obrigando tanta gente a trabalhar como escravo, sejamesquecidos para sempre.

    isso! concordou Perova.

    Nem ele nem eu podamos prever que, muito tempo depois, eu iriaescrever minhas lembranas e contar as incrveis aventuras por ns vividas nointerior ainda selvagem do pas, atravs de florestas, pantanais, rios caudalosos eriachos de corredeiras.

    Assim, ao lado dos nomes dos companheiros de jornada e de tanta genteboa que encontramos, eu tambm haveria de colocar os dos perigosos inimigosou bandidos que cruzaram nossos caminhos. Entre estes, os donos daquelescrnios, espetados em duas estacas, e que l ficaram, brilhando ao sol. Os doistiveram castigo exemplar!

    Por aquelas cavernas do morro, nunca mais boto os meus ps!

    continuou Perova, demonstrando raiva. E at gritou, como a desafiar a serraqueimada:

    Te arrenego, te esconjuro, praga do cuizarruim!

    Nem eu! E pra qu? Pra ver as caveiras, pra lembrar o que aconteceucom o Bugre? Mas... pensando melhor, a gente nunca deve dizer desta gua novolto a beber, e, como voc mesmo diz, o homem pe e Deus dispe, no ?

    isso, mas antes de dar a primeira remada, joguei um pedregulho, bemredondinho, por cima da cabea e no quis ver onde caiu ngua e se feztchibum. Vamos com o vento, Tonico!

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    S com o vento bom. E a corrente tem que puxar, puxar ligeirinho e nosarrastar pra frente. Atrs, s vai ficar a esteira de borbulhas.

    Voc at parece troveiro, cantador, sei l...

    De fato, eu estava muito alegre quando, naquele dia, peguei no remo comdisposio para uma longa viagem, que ia comear na manh ensolarada, de

    aragem fresca a encrespar de leve a superfcie da gua, que rolava, rolava, pramuito longe.

    Estou tinindo de vontade de ver o Amazonas, o maior rio do mundo,como dizem. Um verdadeiro oceano de gua doce.

    ... ... voc vai ver! respondeu Perova, aumentando com energiaseus impulsos no remo.

    Naquele instante, no atinei bem com o sentido de sua resposta: voc vaiver. Mas guardei bem aquelas palavras.

    Realmente, ns dois iram os enfrentar, na volta, novos desafios, aps quatroanos de aventuras e sofrimentos em rios e selvas, desde o dia em que samos de

    So Paulo e, depois, pelo curso do Tiet e outros mananciais{1}, que rolavampara Oeste, seguimos, tal como os bandeirantes em tempos passados, para os

    rinces{2}de Mato Grosso e Gois.

    O roteiro de volta, entretanto, devia ser muito diferente. No mais via

    Cuiab, m as por Santarm e, depois, pelo Amazonas, o rio-mar{3}, at o Par.

    Uma coisa me preocupou ontem noite disse Perova.

    Que foi? interroguei, achando que no podia ser, pois Perova at alis revelara alegria e otimismo.

    que no contei pra voc, mas o bando do Maromba est emQuilombo-Au.

    Eu ouvira dizer sobre o aventureiro que, na regio dos Aras, atacara os

    ndios e garimpeiros, queimara choas{4}e causara mortes.

    E ele voltou?

    Sim. E espero que nada saiba sobre o grande diamante! respondeuPerova.

    A pedra preciosa est bem guardada com o Sr. Duro!

    verdade, mas a cobia caminho curto para o crime. Fiqueipreocupado. Ele tinha razo. Matar ou morrer certamente pouco importava paraaqueles bandidos.

    Mas ns estvamos deixando Quilombo-Au e no queramos mais pensar

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    no enorme diamante, descoberto por nosso amigo Tingu e que o Sr. Duro,funcionrio do governo, pretendia mandar ao nosso imperador, no Rio de Janeiro.

    Havamos navegado toda a manh e boa parte quando, em curva do rio,olhei para dar uma ltima despedida Montanha das Duas Cabeas, que jdesaparecera de vez. E no pude conter uma exclamao em voz bem alta:

    Caram ba! Essa no! Parece praga de urubu!Perova voltou-se rpido, colocou a mo na testa para se proteger dos raios

    do sol, olhou para a fita larga da corrente, ladeada pela floresta, e soltou um grito

    agudo, muito seu e que parecia ronco ou assobio de guariba{5}, anunciandochuva, mas apenas demonstrava surpresa.

    Paramos de remar e vimos uma canoa com seis remadores.

    Atrs de ns dois que no vm, no ?

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    S se voc fez alguma estripulia l no povoado arreliou Perova.

    Quem no deve no teme! S pode ser com os gringos! respondi,referindo-me aos viaj antes da Expedio dos Russos.

    A nossa frente seguiam cinco barcos, conduzindo parte de um grupo de

    viajantes estrangeiros que regressavam do interior aps quatro anos de longaviagem cheia de perigos e sofrimentos. Seus barcos estavam carregados e osremadores contratados se esforavam para mant-los em meio da correnteza.

    O Sr. Hrcules{6}, que melhor se entendia conosco e at se tornara nossoamigo, comandava aqueles expedicionrios.

    Eu e Perova conseguramos um lugar entre eles para nossa volta do serto,com a tarefa de abastec-los, no dia-a-dia, de caa e pesca. E, tambm, paraajudar no entendimento com moradores e tribos das regies ainda a percorrer,

    pois os anos de contato com aquela gente nos davam traquej o paracompreender-lhes as falas, os costumes e as atitudes, o que realmente no erafcil para os estrangeiros.

    E estvamos muito contentes com as possibilidades de tais trabalhos e daajuda que, de novo, poderamos lhes dar. J ramos conhecidos dos simpticosviajantes, com os quais havamos percorrido, anos atrs, o Tiet e vrios outrosrios, at Cuiab.

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    Atitude estranha do Capito

    Aos gritos e assobios, e tambm por gestos, um homem de p na popa {7}

    nos intimava a parar.

    Ningum com preendia o inesperado da situao. Mas o Sr. Hrcules, acontragosto, ordenou que os seus canoes se dirigissem para a margem, e foionde os perseguidores nos alcanaram. Reconhecemos o Sr. Duro, baixote,obeso e calvo. Funcionrio do governo, encarregava-se de fiscalizar, nas regiesde minas de ouro e diamantes, o pagamento de tributos. Tornara-se prepotente aocomandar um grupo de sertanistas armados, os quais tambm lhe serviam deremadores e o chamavam de Capito.

    Parem ! Parem ! So ordens!

    Todos os barcos foram sendo encostados.

    Mostrem a ordem oficial para navegar nos meus rios e carregardaqui plantas e pedras preciosas! gritava, exasperado.

    O Sr. Hrcules estava perplexo. Havia tanto tempo que ele e seuscompanheiros percorriam o interior do pas e nunca tinham sido interceptados de

    forma to intem pestiva{8}.

    O guardio das minas continuava a gesticular, ameaador. Queria ver osdocumentos que permitiam queles estrangeiros livre passagem pelos rios,conduzindo seus canoes.

    E se no meio daqueles numerosos volumes estivessem escondidos ouro oupedras preciosas?

    Para ns tal atitude era injustificada, pois, em Quilombo-Au, ele j tiveraconhecimento da Expedio dos Russos e fizera ligeira vista grossa. Conoscotambm procedera de modo cordial. Qual o motivo da reao tardia?

    Felizmente, entre as pessoas do grupo, vimos o Sr. Manfredo, nosso velhoconhecido, a quem devamos alguns favores.

    O Sr. Hrcules, muito nervoso, mal entendendo as palavras do exator{9}

    das minas e sem saber como atender-lhe s exigncias, olhava para mim ePerova, como a solicitar ajuda.

    O Sr. Duro inexplicavelmente fingiu no nos conhecer:

    Todos os fardos vo ser abertos! Todos! J e j!

    Dirigindo-me ao Sr. Manfredo, exclamei:

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    um absurdo! e perguntei-lhe se sabia o motivo da mudana deatitude do Capito.

    O Sr. Manfredo nos explicou que um mensageiro, vindo de Cuiab,trouxera ordens do governo para investigar todas as caravanas que percorriam ointerior, no sentido de combater contrabandos. Os viajantes deviam serexaminados e suas bagagens revistadas. Por outro lado, o Sr. Duro muito seespantara ao saber que a Expedio dos Russos levava cargas to numerosasque precisassem ser conduzidas at os barcos por cem mulas.

    O Sr. Manfredo, entretanto, boca pequena, nos confidenciou que o

    principal motivo da atitude inslita{10} do Sr. Duro prendia-se a umacontecimento terrvel: o diamante, que estava sob sua guarda, talvez o maior doBrasil e prometido ao imperador, fora roubado na noite anterior nossa partida.Um estranho penetrara no compartimento em que estava guardado e o

    surrupiara.Lembrei-me de que a pedra, encontrada algum tempo atrs por Tingu,

    ovem trabalhador escravo de um garimpo, com o qual fizramos boa

    camaradagem, tambm servira para lhe comprar a alforria{11} e a de seuirmo.

    A gema{12}preciosa causava admirao e certamente despertava cobia!

    O Sr. Manfredo ainda nos informou:

    O Capito, muito revoltado, deduz que, pela audcia e circunstnciado roubo, o responsvel pessoa astuta. E por que no suspeitar dos gringos?

    Decidira, ento, ir verificar se entre parasitas, bromlias, cactos e objetosindgenas, que a expedio conduzia, tambm haveria ouro, pedras preciosas etalvez, bem escondida, a preciosa gema.

    No restava outra alternativa: toda a bagagem , em fardos am arrados,devia ser conduzida pelos remadores dos barcos para a margem.

    Eu e Perova, bastante aborrecidos, tnhamos como certo que o Sr. Durotambm desconfiava de ns.

    Impotente, o Sr. Hrcules predisps-se a colaborar e , como previa demora,ordenou que machadeiros derrubassem rvores para construir ranchos de pau-a-

    pique{13}, cobertos com folhas de palmeira, para dar abrigo improvisado a todoo material recolhido, penosamente, de pontos longnquos do territrio, devilarejos e aldeias indgenas.

    Quero a ordem escrita! insistia, a esbravej ar.

    Em toda a viagem, lembrava-se o Sr. Hrcules, s em Cuiab o papel

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    oficial fora solicitado ao chefe, o baro de Langsdorff, mas este se encontravamuitas lguas frente, em outro grupo da expedio.

    O Sr. Manfredo tentou dissuadir o Capito, m as no conseguiu.

    Toda bagagem vai ser revistada! Toda! dizia.

    Perova quis saber do Sr. Manfredo detalhes sobre o roubo do diamante,

    mas este pouco sabia. Tudo o que ouvira fora da boca do prprio Capito, quetambm dizia suspeitar de um tipo estranho, meio ndio, meio branco, queaparecera no povoado com um grande chapu cabea, sandlias de couro e

    profundas gilvazes{14}na face.

    Ao ouvir sobre aquele tipo, eu e Perova ficamos chocados e muitoconfusos. A descrio se ajustava ao Bugre-do-Chapu-de-Anta que, por todas ascircunstncias, devia estar morto, quando labaredas, subindo pela encosta daMontanha das Duas Cabeas, alcanaram a caverna na qual nosso terrvel

    inimigo se escondera.

    Mas, sabamos, o Bugre sempre tivera sorte e flego de gato! E talvezhouvesse escapado ao fogo e fumaa!

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    Um barco solitrio em noite escura

    tardinha, enquanto os barcos dos viajantes iam sendo carregados, eu ePerova samos, com autorizao do Capito, para tentar alguma pesca, pois as

    bocas para comer haviam aumentado.

    Dirigimo-nos, por terra, a um corixo{15} e, j pelo escuro, nos

    acocoramos margemdorio, em meio s canaranas{16}, para tentar apanharalguns pintados.

    A lua cheia surgia, a intervalos, por entre nuvens escuras e carregadas epermitia-nos ver a corrente, de uma margem outra. As guas rolavam mansas,mal encrespadas por leve sopro da brisa.

    Vam os ter chuvaro nos prximos dias! disse meu amigo, olhando

    o cu.Queria dizer aguaceiros de vero, desses que caem, de repente, em

    mangas pesadas e provocam enxurradas volumosas como verdadeiros riachos.Depois ficou, por bom tempo, silencioso, com a linha do canio atirada gua, aruminar ideias. Nem parecia se dar conta de que o anzol j estava sem isca e,assim, nenhum peixe iria beliscar. Eu sabia, o modo de pescar com vara no era

    do seu agrado. Ele gostava de fazer ceva e cercar o igarap{17}e, como faziam

    os ndios, bater o cip-timb{18}, que soltava sua seiva na gua e paralisava os

    peixes. Assim, apanhava de monto. Fisgar um a um, com anzol e linhada, noera do temperamento de Perova.

    Eu, mais atento pescaria, peguei um pintado de bom porte, que exigiuesforos para ser retirado da gua. S ento meu companheiro pareceu despertar

    de seu alheamento{19} e veio em minha ajuda. Porm, tal ajuda eradesnecessria, pois o peixe no ofereceu resistncia e logo se tornou o exemplarsolitrio no cesto de taquara, que deveria, ao contrrio, voltar cheio.

    De fato, aquele no seria dia bom para pescador, mas o dia da pesca, poisnada mais pescamos. De repente, Perova colocou a mo em meu brao eapontou para a outra m argem do rio.

    A princpio no consegui enxergar seno a faixa lquida e, do outro lado,um barranco alto.

    Que foi? interroguei.

    Veja, nesta direo, um pouco adiante da copa da rvore mais alta,depois do pau seco...

    Atentei para o lugar indicado mas, no momento, uma nuvem voltava a

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    encobrir a lua. E nem eu nem ele pudemos ver mais coisa alguma.

    Que acontece? inquiri.

    Um barco desce pela outra margem!

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    Fiquei atento, na esperana de que, movendo-se a nuvem, voltasse o luar.Mas a escurido permaneceu e nada mais vimos.

    muito estranho! Um barco com vrios remadores confirm ou.

    Eu duvidava. Talvez Perova tivesse se confundido, pois dificilmente algumiria navegar noite, rente margem, sempre com bancos de areia, pontas de

    paus e pedras, em vez de ir pelo meio do rio. Voc tem algum palpite a respeito? perguntei.

    Perova pensou um pouco e respondeu:

    Estou confuso. Mas desconfio...

    Diga, ento!

    Pode ser mesmo o Maromba! Que, no caso, roubou o diamante e fogepara um lugar onde no conhecido, talvez para Santarm.

    No quis insistir, nem estava com disposio. E, com o as muriocas{20}

    no nos deixavam em paz, desistimos de pescar e voltamos para o acampamento

    com um nico peixe no sambur{21}.

    A nossa pescaria, eles vo dizer que nem d para palitar os dentes, ouassam no dedo.

    capaz de nos despedirem, por maus pescadores!

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    Noivado vista?

    No dia imediato, muito assustado, o Sr. Hrcules nos confidenciou quenotara a falta de dois de seus remadores, entre os trinta que compunham o grupo,

    e j ustamente os contratados em Quilombo-Au.Apoderaram-se de pequena canoa e fugiram .

    O Sr. Hrcules temia pela reao do Capito, ao saber da fuga, fato queno podia ser oculto por mais tempo.

    Procurei acalmar o Sr. Hrcules e ficamos conversando longam ente.

    Recordo-me de que sempre me tratava com muita considerao. E,quando nos convidou, em Quilombo-Au, para de novo fazermos parte de seu

    grupo, na viagem de volta, ele me repetira sobre nosso primeiro encontro,batendo em meu ombro:

    Jovem am igo, estou muito feliz! Muito alegre mesmo. Como j lhedisse, voc est ligado a uma tima lembrana de minha vida!

    Notei que desej ava m e falar novam ente sobre aquele assunto:

    O que est acontecendo, Sr. Hrcules? perguntei.

    Lembra-se da boa senhora, esposa do Sr. Alvares Machado, que acolheu

    voc em sua casa, em Itu, depois de nossa partida de Porto Feliz? Foi ela tambma responsvel por ter reencontrado os companheiros da expedio, dias depois.Pois essa senhora estava em companhia de uma linda e prendada moa, denome Maria Anglica.

    Sim, eu m e recordo de tudo respondi.

    Pois eu continuou o Sr. Hrcules nunca mais me esqueci dasenhorita Maria Anglica e at prometi ao pai que um dia ia voltar e, se ele meaceitasse como genro, pedia a mo de sua filha em casamento.

    O estrangeiro, muito alegre, tinha ento um papel na mo, que no cansavade ler e reler.

    Pois , am iguinho Tonico, depois de tanto tempo recebi, por umverdadeiro milagre, neste serto distante, trazida por viajantes at Cuiab e de lat aqui, uma carta de Maria Anglica que posso chamar, de agora em diante, deminha noiva!

    E o senhor ento no voltar mais ao seu pas distante?

    No, o Brasil, j decidi, venho sem pre dizendo, vai ser minha ptria!Gostei de ter viajado por esses sertes bravos e conhecido sua gente rude e

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    sofrida, mas sempre acolhedora. Que territrio imenso tem o Brasil! Este passer o celeiro do mundo! conclura, daquela vez muito eufrico.

    O Sr. Hrcules mostrava-se muito preocupado com o acontecimento dodia:

    A nica forma de acalmar o Capito vocs dois descerem pelo rio

    Juruena at a aldeia dos Apiac, onde j deve ter chegado, procedente do rioArinos, o chefe da nossa expedio. Ele guarda os papis que nos autorizamviaj ar pelo pas.

    E quanto ao diamante? quisemos saber.

    Nada temos a ver com isso respondeu-m e de pronto. Mas o casoagora se complica e no sei como explicar a fuga dos remadores.

    E, o Capito, muito nervoso, no diz coisa com coisa... O Sr. Hrcules,entretanto, aguardava nossa resposta.

    Se Perova topar, vam os buscar os documentos disse. Ele alegrou-se.Tocou em meu ombro, com algumas palmadas:

    Que bom ter amigos assim. Agora s depende do Capito confiar econcordar.

    Mais tarde, o Sr. Manfredo se encarregou de conversar com o Sr. Duro.

    Este, a princpio relutou, pois no queria intermedirios! Acabou, porm,

    aceitando de mau humor e nos fez uma advertncia: Se desguaritssemos{22},no retomando com os documentos, iria atrs de ns e nos daria castigo.

    Seriamos considerados coniventes{23}com os crimes daquele grupo.

    Perova, que no era de engolir desaforo, revidou altura: Guardasse oCapito suas ameaas. Ns dois disse ele amos ajudar o Sr. Hrcules eseu grupo, certos de que no conduziam ouro ou pedras preciosas e, tambm,nada tinham a ver com o desaparecimento do grande diamante.

    E, num rasgo de coragem e desafio:

    Nossa palavra est em penhada e o senhor no duvide! Voltou-lhe ascostas e saiu pisando duro, cabea levantada, altivo como sempre.

    Temi que, naquele momento, o poderoso e prepotente guardio das minas

    mandasse nos amarrar com cordas e embiras{24}. Mas s resmungou palavrasde desprezo e se retirou.

    Naquele dia ainda percebi que o Sr. Manfredo quis se aproximar de ns sescondidas do Capito, mas no conseguiu, pois junto dele sempre havia um

    dos homens da guarda, por sinal mal-encarado, a se interpor entre ns bastanteameaador.

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    Compreendemos, porm, que queria nos segredar alguma coisa. No diaimediato, quando nos preparvamos para partir, o Sr. Manfredo se aproximourapidamente e disse:

    Tem dente de coelho nesse caso do roubo do diamante. Queria dizerque desconfiava. Ento o guarda com cara de mau chegou logo, ameaador, etratamos de sair.

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    Aventuras inesquecveis

    Nossobarco, para quatro pessoas, tinha na popa pequena cobertura de sappara nos proteger das ardncias do sol e, ao centro, provises de farinha,

    abrigadas por um couro ressequido. A elas juntei o peixe, que pescara noite,esviscerado{25} e moqueado{26}. De fato, no dava para tanta gente, masservia para ns dois.

    A embarcao leve, de madeira escavada, fora feita para servir de cabanaflutuante. Perova gravara na m adeira, a faco, na parte externa, os nossos nomes

    e garatujara{27}tambm duas figuras rsticas.

    Este voc! disse ele, apontando para o que tinha o brao levantado,

    como a dar ordens, pois me considerava o patro.A outra figura representava um remador, de chapu abudo{28}, com o

    varejo{29}a fazer fora este era ele mesmo. E deu piroga{30}o nome dePixura, para a gente se lembrar do amiguinho ndio que ficara l no serto ecom quem vivramos muitas aventuras.

    A turmavaiter que se contentar com carne pior! arreliou Perova.

    Os dois bam bas indo embora, o jeito se defenderem... com rabo de

    acar, bem assadinho, que no to ruim...A viagem prometia ser bem ao gosto de Perova que, pelo seu

    temperamento, preferia agir como livre atirador, em vez de atender sobrigaes dirias da expedio. E, tambm, no se sentia vontade nacompanhia dos viajantes. Sozinho podia correr mundo, ver sempre horizontesnovos, tomar decises, enfrentar perigos com as prprias foras. E estes,realmente, no tardaram a aparecer, com contnuos desafios.

    Quando penso hoje, tantos e tantos anos j passados, nos lances daquela

    viagem, cujo regresso mal inicivamos, no compreendo como reuni foraspara superar tantas dificuldades e perigos. Antes, percorrramos centenas de

    lguas{31} a p, a cavalo e, na maior parte do tempo, fora de remos evarejes, dentro de pequenos barcos, em guas infestadas de jacars gulosos, ousob galhos ou ramagens, onde se enroscavam sucuris preguiosas a digerircapivaras e pacas, ou ainda espreita de caas desprevenidas, que podiam serns mesmos...

    Foram, entretanto, aventuras e tempos inesquecveis que, muito depois, eu

    resolvi contar, escrevendo uma espcie de memrias. Assim, outras pessoasficariam conhecendo as aventuras de Tonico e Perova quando fomos procura

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    dos Martrios e, tambm, sobre os incidentes da volta. E, estou certo, tudo o queest escrito de fato aconteceu. No trouxe da viagem nenhuma riqueza material,mas durante aqueles anos fortaleci minha vontade e ganhei experincias quemuito haveriam de me servir nos anos futuros. E isso no foi um tesouro?Certamente que sim!

    Perova tinha um temperamento especial e disposio incomum paraenfrentar o dia-a-dia das viagens e suas adversidades. Alguns anos mais velho,ensinara-me, desde pequeno, a lidar com tropas de burros, a cavalgar, a remar ecaar. Era para mim como pai, embora sempre me tratasse como seu

    patrozinho. E suas experincias de vida e conselhos sem pre valeram muito.

    E no foi diferente naqueles dias. De p na proa, ele ria, soltavaexclamaes inesperadas, apontava para os pssaros que cortavam os cus,

    indiferentes, para os tuiuis{32}na areia das margens, para o bicho preguia a se

    mover lerdamente na galhada. Ser que vam os encontrar mesmo o chefo dos gringos? interrogou

    Perova.

    Lembrei-me de que no incio de nossa viagem, h quatro anos passados,conhecera o comandante da expedio um homem alto, forte, branquelo, quefalava firme com os seus e dava ordens numa lngua esquisita. Conosco,

    entretanto, quem se entendia era o Sr. Hrcules, que arranhava{33}o portugus emais tarde haveria de se tornar m eu am igo.

    Os demais membros do grupo tinham tarefas prprias. Uns apanhavamorqudeas, cactos, bromlias, samambaias e plantas exticas. Outros desenhavam

    ou dissecavam{34}animais. Um deles ficava noite a olhar, com uma luneta, asestrelas do cu; o Sr. Hrcules escrevia o seu dirio de viagem e desenhava

    paisagens.

    Naquele tempo no entendia as razes de os viajantes carregarem tantosamarrados contendo colares, enfeites, redes, sementes, arcos, tapetes e animaisempalhados, coisas para ns sem valor. E antes, Perova, muito desconfiado,quando descam os o Tiet, at me interrogara:

    Ser que essa gente no est atrs de ouro e de pedras preciosas? Talvezprocure as minas dos Martrios, como o Bugre e o seu tio Juvenal!

    Perova implicava por v-los falarem entre si meio cochichando e noentendermos bulhufas do que diziam.

    Eu me perguntava, ento, se valera a pena, para eles, tantos anos nas selvas a perda de um mem bro da expedio, como acontecera com o jovem

    Adriano, o desenhista, que se afogara em um dos rios, o sofrimento com as

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    maleitas-bravas e outras doenas para levar, ao final, aqueles volumes eamarrados...

    Por isso o Capito desconfiava. Deviam existir mais coisas escondidas!

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    ndios gigantes?

    O Pixura deslizava suavemente e ns, despreocupados, parecamosdonos de nosso destino.

    beira do Juruena estendiam-se alagadios, entremeados de ilhotas devegetao rala e, mais pra frente, terras onduladas e a floresta densa.

    Tnhamos um largo estiro a percorrer at a tribo dos Apiac, bastantepopulosa e formada por ndios que, segundo nos haviam explicado, no eramagressivos com os brancos. Viviam s margens do rio cham ado das Corredeiras,que cortava a floresta nossa direita e desaguava no Juruena. A aldeia ficavadistante duas lguas da foz daquele rio.

    Perova preferira navegar a regular distncia da margem. Aves aquticas eenormes jacars tomavam sol, pachorrentos, na areia. Presenciamos um delesabocanhar, sem esforo, um filhote de tuiui que, mal sado do ninho,desaj eitado, cara da rvore.

    Certamente estava mais saboroso para ele do que os nacos de carne depeixe assado sem sal, com farinha de milho ou mandioca, dos quais j estvam osenjoados.

    Algumas vezes Perova empurrava o Pixura para os lados, descia e

    sondava a regio, procura de carreadores{35}de capivaras ou de pacas.Certa feita, vimos uma trilha que mergulhava na mata e muitos rastros. Ali

    encontramos uma choupana com um morador, uns ps de pacova{36} e um

    renque{37}de palmiteiros. Um cachorro magro latiu.

    O homem parecia viver ali com a mulher, esta descendente de ndios. Malentendeu o que tentamos lhe falar. Perova queria saber sobre a picada parachegar aos Apiac .

    Ele abanou o brao em gesto negativo. Ficava a muitos dias de viagem rioabaixo, pela margem direita, junto a um coqueiral.

    E aquela trilha, ao fundo de sua casa, para onde conduz? perguntamos.

    Para o territrio dos Kranhacrore.

    Foi difcil guardar aquele nome, que o homem solitrio pronunciou muitomal e nunca tnhamos ouvido.

    Ento apareceu janela da choupana a figura da mulher. Seu rostoencarquilhado lembrava uma mmia. Ficou a nos olhar em silncio.

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    Quisemos saber se os tais ndios eram bravos. Ele franziu a testa e seencolheu.

    Sim.

    No queriam saber de estranhos ali. Isolados em sua regio, repeliamqualquer aproximao. Quanto a ele, que ali vivia por muitos anos, nunca lhe

    haviam feito mal. E o solitrio ainda explicou: So homens muito fortes. Valem por dois e, por gestos, procurou indicar

    o enorme porte dos selvagens.

    Como ele era franzino e pequeno, talvez tivesse razo.

    Perova realmente j ouvira falar da existncia de ndios gigantes, mas noimaginava que eles podiam habitar aquela regio.

    No quisemos permanecer ali por mais tempo e prosseguimos nossa

    viagem. No antes de trocarmos um pouco de farinha com um bom cacho depacova, a gostosa banana que por ali crescia.

    No momento de sairm os, Perova ainda perguntou:

    Por acaso alguma canoa passou por aqui, nestes dias?

    O morador confirmou:

    Sim, cinco homens desceram o rio e at pararam. Dei a e les uns cachosde pacova. No me pagaram e nem deram nada em troca. No faz mal. Deus

    vai me retribuir em dobro!Perova olhou-me significativamente, depois acrescentou:

    Deve ser o barco que eu vi no dia da pescaria!

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    A Enseada dos Coqueiros

    Dois dias decorreram sem novidades. noite abicvamos{38} para

    dormir e descansar. No terceiro dia, reencetamos{39} a remagem, que no

    exigira, at ento, muitos esforos. A canoa descia, ao impulso das guas, eprecisvam os somente dar-lhe direo. Quando a mata se adensava,mantnhamos a embarcao a boa distncia da margem, precauo para nosermos surpreendidos por flechas de ndios bravos, escondidos entre asramagens.

    Cerca de meio-dia, j bastante sonolento com a calma e o calor, fuidespertado por um chamado de Perova, a apontar para a margem direita.

    De p, olhar fixo, ele parecia uma ona a farejar sua presa. Encam inhou oPixura para o lado, saltou e correu em direo ao barranco.

    aqui, Tonico!

    O lugar, em certa curva do rio, disfarava uma enseada entre coqueiros epequena praia de areia muito alva.

    Tem rastros frescos por aqui e sinal de canoa.

    Marcas no capim e na terra mida indicavam que uma piroga havia sidoamarrada a um tronco e, depois, de novo reconduzida gua.

    Perova avanou pelo terreno a ponto de perd-lo de vista e, quandoregressou, foi dizendo:

    Achei um trilho{40}batido{41}e com rastros frescos...

    E aconselhou:

    Vam os seguir por ele.

    Antes de nossa partida, meu amigo, sempre previdente, conversara com

    um dos remadores sobre o ponto certo em que deveramos deixar o Juruena paraatingir a regio dos ndios, o qual tambm coincidia com a indicao do moradorsolitrio.

    Escondemos o Pixura e, carregando as provises, seguimos atravs deterreno coberto de vegetao raqutica, a indicar a pobreza das terras. Ou talvez aregio tenha sido vtima de fogo continuado, que acabara com o arvoredo maisdenso.

    Logo frente encontramos, no trilho, algumas marcas de p.

    Perova, hbil rastreador, pressentiu habitao por perto, talvez de aldeia

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    abandonada, fato comum, quando os ndios sentiam rarear, no local, frutos ecaa.

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    O Curumim e o Velho

    Tnhamos avanado cerca de m eia lguaquando percebemos uma cabanade pau-a-pique, coberta de folhas de palmeiras e, bem frente, uma choamaior.

    Perova me deteve.

    O abrigo rstico no era certamente construo indgena, ao contrrio daoutra.

    Agachados e protegidos pela vegetao, nos aproximamos desta e, pelovo da porta, percebemos dentro fogo aceso.

    A prudncia aconselhava a exam inar melhor o lugar.

    Perova lembrou-se de emitir um piu, semelhante ao do mutum {42}, usadoentre alguns ndios para se comunicarem. Assim anunciava nossa presena.

    Depois de repetir por vrias vezes aquele canto rouco que, a bem daverdade, no achei muito semelhante ao da ave, ouvimos resposta, porm o

    repique{43}no vinha da choa.

    Temerosos, nos atiramos ao cho e, em seguida, para nossa surpresa,vimos no galho de uma rvore prxima algum que nos tinha inteiramente emsua m ira.

    O estranho saltou do galho e veio caminhando para o terreiro, com umarco mo. Era um curumim{44}.

    Ao se aproximar, o indiozinho ps-se a nos medir de alto a baixo,convencido de que estvam os indefesos em suas mos.

    Levantamo-nos e, embora incomodados, vista da flecha que nosapontava, sentimos que no ia nos atacar.

    Entram os na choa e vimos um homem deitado em cama rstica de paus e

    capim. Muito magro, com aspecto doentio, seu rosto quase desaparecia em meiode compridas barbas.

    Surpreso, tentou se levantar da enxerga{45}, mas, sem foras, apenassoltou um gemido de dor.

    Ao fundo, uma pequena rede, que imaginamos ser a do pequenino ndio.

    Ao centro um trip{46} e, atravessado por espeto de madeira, um lagarto jmeio tostado na brasa, a qual esfumaava o ambiente.

    Somos de paz! disse Perova.

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    O velho tinha o olhar vazio e a respirao ofegante.

    A gente procura a tribo Apiac ...

    ... ... resmungou, com dificuldade e, depois de bom tempo, tentouapontar com a mo para o nascente.

    Fica neste rumo.

    Vimos um capuz a lhe cobrir a cabea. E continuou:

    Tem um dia de viagem por terra.

    E a gente pode ir pelo Juruena?

    Ele apoiou-se parede e, erguendo-se, respondeu:

    No. A tribo fica num afluente e, da foz at l, a distncia curta, masaquele rio tem muitas corredeiras. Nenhum barco consegue sair do Juruena echegar aos Apiac. S indo, deste lugar, por terra.

    Notam os que no pescoo do homem havia uma corrente e, presa a ela,uma cruz.

    O indiozinho continuava no terreiro e, embora no nos ameaasse maiscom seu arco, mostrava-se preocupado com nossa presena.

    Perova perguntou ao enfermo se precisava de algo. Ajudou-o a sentar-se,acomodando-o melhor.

    Sou o padre Lopes balbuciou. Estou voltando dos Aras, onde

    peguei maleita-brava... E vocs?

    Perova me olhou de modo significativo. Era para no dizer aodesconhecido a razo de nossa presena ali. Coisa de seu feitio, embora o doenteno representasse, a meu ver, nenhum perigo. Pelo contrrio, via-se que seuestado de sade era bastante precrio.

    A gente pretende ir para Santarm , mas s depois de alcanar a triboApiac.

    O homem cofiou{47}a barba. Tossiu. Talvez desconfiasse de ns. O senhor sabe da presena, entre os Apiac, de um grupo de viajantes?

    Pe. Lopes se encolheu ainda mais e vimos seus olhinhos, quase

    desaparecidos entre as rugas do rosto e a barba hirsuta{48}, piscarem maisdepressa.

    Ouvi falar. Eles estavam no rio Arinos...

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    Sobre o roubo da piroga

    Nossa inteno era a de seguir viagem e nada mais dizer sobre ns, nemsobre o que pretendamos. Mas a situao do homem, doente e aparentemente

    abandonado, nos preocupou.O indiozinho se acocorara dentro da cabana e ento parecia indiferente

    nossa presena.

    Perova fez-me um sinal e samos para o terreiro.

    O sol j declinara e seria imprudente partirmos pelo trilho, que mergulhavana m ata, pois logo viria a noite.

    Veja bem esse curumim, Tonico, parecido com os ndios dos Aras.

    Tem tatuagens nas costas e anda meio agachado como procura de caa pelomato.

    isso, tambm desconfiei.

    Realmente lembrei-me do amigo Pixura, que deixramos feito caciquedos Mutucas.

    O indiozinho chamava-se Tatu e no teria mais de 10 anos.

    Pe. Lopes dem onstrou alegria pela nossa deciso de no seguir viagem.

    Estvamos sem compreender o motivo da presena dos dois no lugar epreocupados com o doente. Com fome, comem os banana e farinha de milho, de

    nosso embornal{49}, e pedaos de lagarto do braseiro.

    Pe. Lopes levantou-se com dificuldade, saiu ao terreiro para fazer

    necessidades fsicas e voltou beira do catre{50}.

    O cheiro da carne tostada e da fumaa empestavam o ar.

    Lembrando-me das marcas de uma piroga, na enseada, resolvi perguntar

    ao padre se algum mais estivera por ali.Respondeu com raiva que alguns canoeiros tinham passado uma noite na

    cabana de pau-a-pique ali existente. Chegaram pelo escuro e partiram antes de osol nascer e, ainda, lhes tinham causado um grande dano.

    ??

    Roubaram o nosso barco.

    Bandidos! exclamou Perova.

    E meu com panheiro de viagem Braz Antnio teve que partir a

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    pelo trilho at a tribo Apiac, para conseguir a lguma aj uda pra mim. Agora noposso ir a p e tambm no tenho barco.

    Perova, intrigado, fazia conjeturas: seriam os tripulantes do barco vistos nodia de nossa pescaria frustrada? E tinham eles alguma coisa a ver com odesaparecimento do grande diamante? Seria o Maromba?

    Outro fato tambm intrigava: os ladres, nos contou o Pe. Lopes, quandopartiram de madrugada, haviam abandonado em terra um dos companheiros.Este, desesperado, ainda correra pela margem do rio, tentando convencer oscanoeiros a no deix-lo, mas foi intil. Depois, o infeliz seguira a p, pelo trilho

    prximo choa, e desaparecera na mata.

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    Falar com Deus!

    A conversa se alongava noite adentro, pois o religioso, h tempo semdialogar com pessoas que falavam a sua lngua, sentia vontade de contar sua

    histria e externar sentimentos.Confiantes tambm em sua sinceridade, ns lhe dissemos as razes de

    nossa presena no serto. Contamos que tnhamos partido de So Paulo, h quatroanos, procura do tio Juvenal que, em companhia do Bugre-do-Chapu-de-Anta,tentava encontrar as fabulosas minas dos Martrios.

    Ento, Pe. Lopes se ergueu do leito, como se tocado por um raio, e nosencarou de modo estranho.

    Voc disse Martrios? inquiriu, irritado.

    Confirmamos, sem compreender sua reao.

    Aquelas minas malditas!

    Pe. Lopes voltou a se deitar, dando-nos as costas e logo adormeceu.Resmungando, dizia coisas incompreensveis.

    Em dado momento, porm, distinguimos um nome: Muiraquit.

    Lembramo-nos, imediatamente, da figura do ndio centenrio, da aldeia

    dos Aras, que ns conhecramos. E nos perguntamos: ser que o religiosotam bm se encontrara com o tio Juvenal e o Bugre-do-Chapu-de-Anta?

    No dia imediato, o padre apresentou melhora e, talvez reconhecido pelo

    gesto de ali permanecermos, voltou a falar sobre o assunto que espicaava{51}

    nossa curiosidade. E esta aumentou ainda mais quando se referiu ao meninoAntoninho, que, tendo ido aos sertes com seu pai, vira, aps terrvel tempestade,em meio aos clares dos relmpagos, a serra dos Martrios. Tempos depois eletraara de memria o roteiro para chegar quele lugar! Era ento o bandeirante

    Antonio Pires de Campos.Pe. Lopes, entretanto, usava frases curtas e s vezes descontnuas.

    Nas pedras, dizia-se, estavam gravados desenhos de coroas de espinhos,lanas, escadas, cravos, a relembrar os martrios de Cristo no Calvrio! Eu queriaestudar cada um dos sinais. Mas o mapa est desaparecido. Braz Antnio, setivesse o roteiro nas mos, teria nos levado at l!

    Sua voz se interrompia, depois voltava, quase apagada.

    Ser que existe um castigo dos cus para no mais se achar as minas?Ao p dos morros os bandeirantes aprisionaram uma nao inteira de ndios e

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    conduziram todos como escravos!

    Tem que ser castigo mesmo! E castigo dos grandes!

    Quando parti para os sertes dos Aras no sonhava com riquezas, maslevar aos naturais a palavra de Deus. Entretanto, no fui ouvido pelos brancos quel estavam, os quais, depois de tanto sofrimento, haviam perdido as esperanas, e

    nem pelos ndios, para quem as oraes no faziam sentido. Ao lhes falar que todos ram os irmos e devamos amar uns aos outros,

    perguntaram-m e: por que o Maromba, infiltrado com o guia no grupo de meuamigo Braz Antnio, ateara fogo nas choas, aoitara os ndios, estuprara as

    cunhs{52}?

    Minha misso fracassou concluiu Pe. Lopes e meu amigo BrazAntnio foi quem mais sofreu.

    Suas ltimas palavras estavam entrecortadas de soluos. E quanto a Tatu? perguntamos.

    O indiozinho fora encontrado na aldeia, doente e machucado. Seus paishaviam morrido e ele vivia solta, disputando um prato de farinha ou peixe parasobreviver. Braz Antnio e Pe. Lopes o levaram para sua choa, curaram-no e otrouxeram em sua companhia.

    Depois, com enorme esforo, o padre ajoelhou-se no cho e, tomandopequeno crucifixo nas mos, nos perguntou:

    Vocs sabem rezar?

    Sim respondi , aprendi com minha mezinha quando era bempequeno!

    Ento vamos falar com Deus.

    E, em silncio, mergulhou em orao.

    Ns tambm , a nosso jeito, pedimos proteo ao Altssimo.

    Na manh seguinte, resolvem os partir. sada, Pe. Lopes nos repetiu queaguardava a volta de seu amigo e companheiro Braz Antnio, trazendo-lhealguma ajuda e, com esforo, nos acompanhou at o terreiro, apoiado a um

    bordo, agradecendo por deixar-lhe parte das provises.

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    Na clareira dos Q uilombolas

    A trilha muito estreita fraldeava morros e abismos. No podamos andar

    muito depressa, fracos ainda, porm j sarados das sezes{53} apanhadas emQuilombo-Au, as quais combatramos com infuses de uma planta chamada

    quina.Os viajantes da expedio tambm serviam-se dessas beberagens para

    aliviar os sofrimentos causados pela maleita, que provocava febres altas.Esfregando no rosto as folhas de uma planta de cheiro forte, recolhidas porPerova, conseguamos afastar, por momentos, as ondas de mosquitos famintosque nos picavam continuamente.

    Chegamos a uma bifurcao da trilha e paramos para decidir: a daesquerda, a mais batida, levava com certeza ao aldeamento indgena. Dali,

    podamos divisar terrenos levemente ondulados e vegetao mais rala at umacapoeira.

    A deciso, naquele ponto, de que lado seguir, foi difcil e Perova, agachado,examinava a terra e o capim. Estava em dvida e at resmungou mal-humorado.

    Depois levantou-se e enveredou por uma das azinhagas{54}, exatamente amenos batida e estreita, que mal percebamos em meio aos arbustos. Esta noslevaria s terras altas.

    No quis perguntar ao companheiro o motivo da escolha. Em tantasocasies me dera quinau{55}, por isso o melhor era segui-lo. Foi o que fiz.

    medida que caminhvamos, cada vez maisnosafastvamos das terrasplanas e mais nos aproximvam os do riacho das Corredeiras, tributrio doJuruena.

    A picada, quase intransponvel, contornava despenhadeiros. Em um dado

    momento, Perova estacou{56}. Encontrara, atravessada na trilha, uma cobraenorme, a aproveitar uma rstia de sol, filtrada atravs da ramagem. Por mim,cortava uma vara e batia no meio dela, para quebrar-lhe a espinha, modotradicional de abater rpteis. Mas Perova, sempre que possvel, as afastava. Suma vez, em ocasio semelhante, vi-o abater uma cobra por se interpor emlugar estreito e no nos permitir passagem.

    O bicho ser vivente e tem lugar na natureza! dizia.

    Percebi que o rptil havia caado uma ratazana e ia engolindo devagar a

    presa, pela garganta escancarada. Depois ela ia ficar j iboiando{57}, pensei.

    Aps aquele encontro, prosseguimos excitados, pois sempre tive horror a

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    cobras. Muitas vezes dormi em jiraus{58} ou nas forquilhas das rvores, commedo, embora Perova me explicasse que serpentes venenosas raramente sobemem rvores.

    Em certos pontos, a trilha se bifurcava de novo, mergulhando na matadensa. Perova escolheu a da direita, que, a meu ver, mais nos afastava do

    territrio dos Apiac.Pouco adiante, ouvimos latidos de cachorros e, em uma clareira,

    encontramos vrias choas cobertas com folhas de palmeira.

    No aldeamento indgena. Veja pela construo das casas comentou Perova.

    Confirmei, dando-lhe razo, e logo apareceram no terreiro frente daschoupanas alguns moleques bem pretinhos.

    Embaraados, amos voltar em silncio pelo mesmo trilho e buscar a outravariante quando notamos que os garotos, em grande algazarra, atraam para olugar homens de porte alto, dorso nu, vestidos apenas com cales de algodo.

    As casas eram revestidas de barro e, nas janelas, percebemos mulheres anos espiar assustadas.

    Cachorros vieram ao nosso encontro, em grande alarido, mas no semostravam agressivos. Pelo contrrio, queriam lamber nossas mos.

    Perova gritou, com voz firme:

    Somos de paz!

    Sua voz se perdeu ao longe. Ouvamos o canto de uma araponga, como sefosse o martelar de uma bigorna, e chilreios de outros pssaros.

    Ento, a porta de uma choa de barro se abriu e, no desvo, vimos a figurade um preto, forte, ps descalos, carapinha volumosa, que avanou firme. Seuscompanheiros, que falavam ao mesmo tempo linguagem incompreensvel, de

    pronto silenciaram .

    Estvamos num acampamento de quilombolas{59} e aquele que pareciaser o chefe nos perguntou:

    Garimpeiros?

    Perova me olhou interrogativamente, pois na verdade nem sabamos o queramos.

    Somos de paz.

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    O homem deu mais alguns passos, com arm a na m o.

    Aqui no entra garimpeiro!

    No havia mais dvida tratava-se de reduto de escravos fugidos.

    Ao lado das casas rsticas estendiam-se roas de mandioca, de milho,

    bananeiras e ps de abbora, sinais de que viviam por ali havia um bom tempo.No terreiro, todos estavam alvoroados com a nossa presena, sinal de que,

    certamente, h muito no viam pessoas como ns.

    Em boa nos metemos! disse. Se a gente tivesse tomado o outrotrilho, nada disto acontecia.

    Perova me explicou o motivo: tomara aquele trilho quando percebera queos sinais no cho no podiam ser somente de ndios.

    O homem forte nossa frente, e que nos interrogara, no se mostravaentretanto feliz com nossa presena.

    A gente procura a tribo Apiac disse eu, tentando amenizar.

    O outro levantou o brao e apontou no rumo do nascente.

    Sigam nesta direo! respondeu, de modo rude.

    Retornamos sobre nossos passos, caminhando devagar, enquanto osmoradores se recolhiam e logo fechavam as portas e janelas de suas casas.

    Voc esperava por um cafezinho coado? perguntei, referindo-me recepo pouco cordial.

    Essa pobre gente vive muito assustada! Escravos fugitivos, quandocapturados pelos donos, sofrem duros castigos e s vezes so mortos. E, quandoapanhados por garimpeiros ou sertanistas, tornam-se escravos deles.

    Pelo menos quanto a ns, nada tm a temer, no ?

    Espero que continuem a viver em paz, escondidos.

    Tomara que no aparea por a nenhum capito-do-mato{60}.

    No vam os abrir a boca sobre este quilombo, no ?

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    Segunda Parte

    AS CORREDEIRAS PERIGOSAS

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    Acidente na ribanceira

    Naquele dia, amos enfrentar um acontecimento desagradvel. Avanando

    pela picada, chegam os a um lajeado{61} de pedras muito brancas, queprecisava ser transposto. Na mata, Perova tinha agilidade de bugio, mas, nos

    barrancos e encostas rochosas, sentia dificuldades para se locomover. Era emrazo de ferimento provocado por uma pedra, que rolou sobre as pernas delequando o Bugre-do-Chapu-de-Anta nos prendeu dentro de uma gruta. Desdeento sofria dores em longas caminhadas, mas no se queixava, embora eu ovisse s vezes mancar.

    Aconteceu, ento, que, ao transpor desajeitadamente um obstculo naencosta ngreme, perdeu o equilbrio e rolou pela encosta, soltando um grito.

    Corri para aj ud-lo e verifiquei que estava no fundo de um valo, encobertopela vegetao.

    Onde voc foi parar? gritei.

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    Pela resposta, percebi que o acidente fora bastante srio e ele sofria dores.

    Voc pode se mexer? insisti.

    Assim, assim... mas vou tentar.

    Realmente, ele no conseguia sair do buraco fundo por suas prprias

    foras, e eu devia encontrar um modo de pux-lo. Espere um pouco, amigo.

    Sa procura de cip, que cortei na ramagem. Fiz um feixe para darresistncia e, de cima do barranco, atirei-lhe, tendo antes prendido a ponta emum tronco de rvore.

    Agarre firme!

    Perova no respondeu, mas senti que pegara o cip.

    Fora! ordenou.

    Porm, o barranco, muito ngreme, oferecia dificuldades. Procurei outrolugar, desamarrei o cabo e recomecei a operao, conseguindo afinal, depois demuito esforo, arrastar Perova da ribanceira.

    Estava ofegante e sua perna sangrava. Justamente aquela com ferimentoanterior, j cicatrizado.

    Senti que amos ter problemas para vencer os terrenos acidentados, pois,

    embora procurasse disfarar, meu amigo quase se arrastava e sentia muitasdores.

    Para contornar o lajeado de pedras, improvisei para ele uma muleta depau e tomei nos ombros as suas coisas. Lembrei-me de que, em situao inversa,me colocara s costas e m e carregara pela m ata. Mas ali era impossvel fazer omesmo.

    Felizmente o rio das Corredeiras, tributrio do Juruena, no se encontravamuito longe e logo chegam os s suas margens.

    Perova no reclamava, mas suas dores deviam ter sido muito fortes. Comos lbios cerrados, parecia revoltado com a m sorte, em ocasio to difcil.

    Minha esperana era de que, pelo rio, a gente encontrasse jeito de avanarem direo aldeia indgena. quela altura comecei a maldizer a deciso dePerova por ter preferido deixar a primeira trilha, a mais curta para a aldeia, einternar-se na mata, seguindo a picada estreita que levara aos quilombolas. Odesvio nos conduzira quele acidente.

    A corrente no era muito larga, mas encrespada em corredeiras. Paraprosseguir, precisvam os de uma piroga.

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    Perova sentara-se margem para descansar. Dali, aps examinar a

    floresta ciliar{62}, exclamou:

    Vej a, Tonico, um tucurizal!

    Lembrei-me das rvores preferidas pelos ndios para a feitura de barcos. Ocostume era descascar um tronco, de tamanho adequado, e amarrar a ponta em

    forma de bico para a quilha{63}. A parte de trs, mais larga, servia de assento. Sim, por a tem muita rvore, mas cad ferramenta para derrubar e

    escavar o tronco?

    Caminhei no rumo apontado por Perova e ento percebi, com surpresa, nocho, folhagem murcha de uma rvore abatida havia pouco tempo. Alguminiciara a feitura de uma piroga bem pequena, cortando a madeira mole a faco.Havia tambm rastros recentes ao seu redor.

    Voltei ligeiro para junto do companheiro e lhe contei sobre a minhadescoberta. Ele sorriu de modo enigmtico.

    Encabulado, queria arrancar-lhe qualquer explicao, que no deu.

    Perguntou-me, ento, se o tronco j cortado podia boiar.

    bem pequeno, mas, com alguns varotes am arrados ao lado, talvezflutue e d para ns dois.

    Trate de arrast-lo at o rio!

    No sei se consigo. Vam os l!

    Com fora de vontade, apoiado em sua muleta, Perova foi at o lugarindicado, mais para me dar nimo. E, com a ajuda de uma vara, servindo dealavanca, comecei a em purrar o tronco para a m argem do rio.

    Estava convencido: a pessoa que tentara fazer a piroga abandonara a tarefapelo meio por nada conseguir com seu frgil instrumento cortante, ou, talvez,

    devido a algum imprevisto.Minhas preocupaes tambm cresciam ao ver o Perova encolhido, muito

    pensativo e impotente para enfrentar aquele obstculo. E conjeturava:

    Quem tentara fazer a piroga pretendia cruzar o rio e descer, pela margemoposta, at alcanar a aldeia indgena. Talvez algum estranho regio?

    Examinando melhor o tronco de madeira, meu companheiro disse que aforma de cortar adotada no era a dos ndios que, tambm, no utilizavam fogo

    para aj udar a escavar, com o ali acontecia. Lembrou que, pouco abaixo,

    achamos sinais de uma fogueira, cujas chamas somente poderiam ter sido

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    conseguidas com o uso de binga{64}, na forma tradicional, isto , um pedao de

    metal batido sobre uma pedra dura, a pederneira{65}. As chispas, tiradas pelofuzil, acendiam mecha de algodo em um chifre.

    E ns sabamos quem possua um tal instrumento o Bugre-do-Chapu-de-Anta!

    E, ainda, muito intrigava o encontro de rastros de sandlias de couro naterra mida da margem, marcas ainda frescas. S podiam ser as do nossoterrvel inimigo. Mas como explicar que ele houvesse conseguido sair com vidada caverna onde se escondia, atingida pelo fogaru da mata?

    A maior desgraa, porm, estava para nos acontecer.

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    O cu parecia desabar

    Amarrei, com cips, dois varotes laterais ao tronco e, com o auxlio de

    uma leva{66}, como alavanca, consegui empurr-lo para a gua.

    Comeava a escurecer e tnhamos esperana de que, descendo pelacorrente, encontraramos um abicadouro e, por terra, alcanaramos oaldeamento indgena, na margem oposta.

    Foi difcil para meu amigo se arrastar e s com meu apoio conseguiu secolocar sobre o tronco instvel, a balanar perigosamente, o qual, com forteimpulso de braos e pernas, comeou a deslizar.

    Saindo da orla da mata para o meio da corrente, percebi, com medo, que o

    escuro no era o da noite a se aproximar, mas o de uma tempestadeameaadora. um fato comum em certas regies quando, de repente, mesmoem dias claros e de cu limpo, o tempo mudava e fortes aguaceiros desabavam

    provocando grandes enxurradas.

    As guas, batidas pelo vento, mais se encrespavam e corriam ligeiras, aindicar a existncia de desnvel dali para frente.

    Perova, montado no tronco, manobrava o varejo e procurava nos darestabilidade, m as estvam os deriva.

    A situao piorou quando a vara por ele empunhada no alcanou mais ofundo do rio e, assim, se tornou objeto intil. S com a ajuda de pequeno pedaode pau, feito remo, tentamos avanar.

    Perova me alertou, gritando:

    A para baixo tem cachoeira!

    Ento me assustei ainda mais, pois mal conseguamos dominar o troncorolio.

    O sol desapareceu de vez e, aps muitos relmpagos, caiu um pesadoaguaceiro.

    Fuja do redem oinho!

    Entretanto, apesar de todo esforo, o tronco rodopiava.

    Temi pelo pior, mas consegui chegar margem. Quando a piroga tocou aterra e eu, j de p, tentava arrast-lo para lugar firme, uma onda se bateu sobrens, com massa de arbustos e galhadas de rvores.

    Meu esforo foi impotente e o tronco arrastado.

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    Aguente firme! Agarre com fora! gritava.

    No sei se essas palavras ainda foram ouvidas, pois no tive resposta. Coma roupa encharcada, tateando pelo escuro a cair e levantar, avancei pelamargem na tentativa de localizar m eu am igo.

    Btegas{67}desabavam formando uma cortina dgua que toldava{68} a

    viso e, como ltimo recurso, agarrei-me a uma rvore, sem saber o queacontecera a meu amigo, mas confiando em sua velha experincia e habilidade

    para se salvar em situaes difceis.

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    beira do abismo

    Como a rvore a que me segurara tinha galhada baixa e uma forquilha,subi nela, lembrando-me de que, em nossas andanas pelo serto e

    especialmente noite, quando chovia e era impossvel fazer fogueira,procurvam os abrigo em rvores para proteo contra cobras e outros inimigos.

    Cheio de angstia, por vrias vezes ainda gritei pelo nome de meu amigo!

    No ouvi resposta e, sem alternativa, depois de muita espera, amarrei-mecom um cip na forquilha da rvore com medo de cair e ali fiquei, desperto.

    A chuva persistiu, ainda, por largo tempo e s amainou de madrugada,quando os primeiros clares do dia vieram me encontrar encarapitado como umcaador, espreita de sua presa, orla da mata.

    O dia surgiu lmpido, com cu azul, sem sinal da tempestade que se abaterana boca da noite.

    Precisava urgentemente correr pela margem, rio abaixo, at o aldeam entoindgena.

    Mal conseguia, entretanto, caminhar pelas margens, tomadas porbarrancos altos, alagados ou pela mata. E minha inquietao crescia por nosaber sobre o destino do companheiro.

    Pensamentos maus comeavam a me dominar, principalmente por vertantas corredeiras no rio, cheio tambm de pedras pontiagudas.

    Deixei a margem e galguei um morrete, de onde podia alongar a vista pelodescampado. Ento localizei, a distncia, o aldeamento Apiac numa regio

    plana e muito verde. Ali o terreno form ava dois patamares, havendo entre estesum grande desnvel. E conclu: as guas iriam despencar, formando um

    salto{69}.

    Pouco adiante, cheguei a um lugar onde havia ramos quebradosrecentemente e cips a gotejar seiva.

    Formulei um pensamento positivo. Deus permitisse que fossem sinais demeu amigo. Mas, na areia, os rastros no pareciam os de seus ps. Ento ouvi um

    barulho forte, como o de um trovo. Era a cachoeira!

    Bem prximo, as guas despencavam para o abismo, formando cortina devapor, iluminadas pelos raios de sol, a se filtrarem atravs da vegetao.

    Um espetculo grandioso, mas que no podia apreciar devido s sombriaspreocupaes.

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    No andara, porm, mais que dez braas{70} e encontrei, em pequenobarranco seco, um vulto cado. Reconheci Perova.

    Atirei-me sobre ele, abraando-o, feliz por reencontr-lo, aps tantasdvidas. E, em desespero, pus-me a sacudi-lo e a cham-lo.

    Estava desacordado e com ferimentos. Sangue emplastava-lhe a fonte e as

    barbas, e tinha as roupas midas e rasgadas. Perova! Perova! Sou eu, o Tonico...

    Ele no respondeu, nem abriu os olhos. Encostei a cabea em seu peito enotei que seu corao batia.

    Ao examinar os arredores e as marcas do cho molhado, tirei umaconcluso intrigante: ele no chegara ali por suas prprias foras, mas fora semdvida arrastado por algum que o trouxera da corrente perigosa, salvando-o a

    tempo de despencar, poucas braas frente, em profundo abismo.Os sinais de ps na areia eram semelhantes aos que antes encontrramos

    unto margem do rio.

    Tentei, mais uma vez, reanimar Perova, que estava desacordado. E eu,sozinho, no podia tir-lo do local.

    Ento, como ele estava em lugar seguro, resolvi ir pela margem procurade socorro na aldeia indgena.

    A caminhada foi difcil, entre galhos espinhentos e cips tranados, semperceber que m inhas carnes ficavam arranhadas e at sangravam .

    Felizmente, encontrei na parte baixa do terreno um trilho batido que sedirigia cachoeira, talvez para os ndios nela se banharem.

    Os sinais do cho eram somente de ps descalos, e no encontrei entreeles as marcas de sandlias de couro.

    Ao me aproximar da taba, surgiu-me frente uma palhoa de pau-a-pique, coberta de folhas de palmeira. Dentro, m ulheres e crianas conversavam

    e gritavam.

    Tentei me comunicar, mas os moradores se mostravam indiferentes minha presena e, por gestos, indicaram que o povo estava nas roas ou nosigaraps.

    Ento vi um homem branco, vestido, sob uma rvore, sentado em umcepo, a tirar baforadas de um cigarro.

    Bom dia! arrisquei, aproximando-me.

    Respondeu ao cumprimento e interessou-se em saber o que eu desejava.

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    Muito nervoso, expliquei-lhe que um amigo meu sofrera um acidente eprecisava de aj uda.

    Ele se levantou e, solcito, estendeu-me a mo.

    Lembrei-me das palavras de Pe. Lopes e desconfiei de quem se tratava.

    Caiu na cachoeira? quis saber, assustado.

    Respondi que no. Mas estava ferido e no podia se locomover. Perguntei-

    lhe se me arranjava uma tapuirana{71}e dois homens fortes.

    O estranho, de fato, chamava-se Braz Antnio. Magruo, tinha estaturame, cabelos lisos e barbas ralas. Notei que seu brao esquerdo, apoiado aotronco, no se movimentava.

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    Terceira Parte

    NA ALDEIA INDGENA

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    O salvamento

    Braz Antnio se encaminhou para a sua maloca e de l voltou com umarede de tecido. Porm, s mais tarde apareceram alguns ndios vindos da pesca,

    os corpos vermelhos, pintados de urucu. Falou-lhes e dois deles se dispuseram anos acompanhar. Fui frente para indicar o caminho.

    Durante o trajeto, tentei agradecer o gesto amigo, dirigindo a palavra aodesconhecido, mas ele no dem onstrou vontade de m anter prosa comigo. E, umavez que se dispunha a ajudar-me, calado, no insisti.

    Em certo ponto, como andasse frente de todos, me distanciei enquantoeles tomavam trilha diferente. Ento precisei voltar e me pus a segui-los, poisdeviam saber o que faziam.

    De fato, atravessaram o riacho de modo mais fcil, em trechos de menorvolume de gua, e atingiram a margem oposta.

    Chegamos, finalmente, ao lugar onde se encontrava o ferido, aindainanimado. Colocado na tapuirana presa a um varote comprido, cujas pontas seapoiavam ao ombro de dois ndios, Perova foi conduzido maneira de os naturaistransportarem seus mortos.

    Naquele momento, e no estado de nimo em que se encontrava, tive maus

    pensamentos, mas tratei de afastar as ideias trgicas.Um fato, entretanto, me chamou ateno ao sairmos: Braz Antnio no

    acompanhou o grupo e ps-se a vasculhar as cercanias e o rio com enormefaco e, saltando pelas pedras, avanou at lugares que antes me pareceraminacessveis. Preocupado, porm, com a volta aldeia, perdi-o de vista.

    A rede com o ferido foi presa pelos punhos{72}em duas estacas dentro deuma choa, a mesma que abrigava Braz Antnio. L, Perova permaneceu em

    profundo sono.

    Sozinho, tentei mais uma vez faz-lo voltar a si. Foi intil. Bem mais

    tarde, ao dar-lhe gua de uma porunga{73}, ouvi um resmungo e, sem abrir osolhos, com o brao estendido, exclamou:

    ele! ele!

    Tais palavras me pareceram absurdas e sem significado.

    A tardinha, Braz Antnio surgiu na choupana acompanhado de um ndioidoso. Este, colocando-se frente da rede, ps-se a fazer muitos gestos e a soprarfumaa tirada de comprido cigarro sobre o rosto do doente. Todo o ambiente se

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    encheu do aroma de ervas queimadas.

    Braz, ao lado, acompanhava atento as atitudes do paj que, tambm,

    pronunciava palavras cabalsticas. Tirou ainda de um alforj e{74}ram os e folhas,que umedecia com a saliva e colocava sobre as feridas do doente. Talvez BrazAntnio tivesse inteno de levar o feiticeiro para proceder mesma cerimnia

    de cura em Pe. Lopes.A seguir, o curandeiro, usando beberagem de uma cuia, tentou coloc-la

    boca abaixo de Perova. Este repeliu-a, inconscientemente, estendendo o brao eafastando a vasilha com vigor. Foi impossvel o tratamento.

    Eu assistia a tudo, sem interferir na cerimnia, mas com esperana de quea tentativa amenizasse as dores de m eu amigo.

    Terminado o trabalho, o ndio se retirou, sem nada dizer, na companhia deBraz Antnio que falava sua lngua.

    Fiquei bastante intrigado com a atitude daquele homem, quando se afastarade todos ns na proximidade da cachoeira e, ao regressar, no me dissera umanica palavra sobre o acontecido.

    De minha parte, tambm adiei o momento de lhe contar sobre o encontrocom o Pe. Lopes e Tatu.

    Iria passar aquela noite quase sem dormir, ao lado de Perova. L fora, oluar alumiava o terreiro onde os ndios se reuniam e discutiam, em altos brados

    ao redor da fogueira, certamente sobre o estranho acontecimento do dia.De regresso, Braz Antnio acomodou-se em sua rede, adormeceu

    profundam ente e roncava to forte que a choupana parecia tremer. Eu, queestava faminto, pois desde manh nada comera, uma vez que tinha perdido as

    provises de farinha, encontrei por sorte no rancho algumas razes de

    mangarito{75}. Elas me valeram por uma refeio.

    Depois, tam bm ca no sono e no me dei conta de mais nada ao redor.

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    espera dos viajantes

    No dia imediato notei que Braz Antnio, aparentemente muito tranquilo,conversava no terreiro com os ndios. Aproximei-me e fui lhe dizendo:

    O senhor se esqueceu do Pe. Lopes e de Tatu?

    Ele ento me encarou muito surpreso.

    Quem voc?

    Seu amigo est muito mal! Precisa de tratamentos continuei.

    O meu modo de dizer foi arrogante e intempestivo, mas o outro reagiu demodo ponderado.

    Calma, meu jovem . Estou tentando com muita insistncia, desde quecheguei, levar socorro para m eu companheiro, mas no consigo ajuda da tribo. E

    preciso seguir por terra foz do riacho e, depois, subir pelo Juruena at a enseadados coqueiros. Necessito, porm, de alimentao, ervas medicinais, de um barcoe remadores. Mas no recebo ajuda de ningum. Esse povo no arreda p daqui,desde h vrios dias, porque a Expedio dos Russos j chegou foz e sedesloca para c. Toda a tribo est em alvoroo.

    Realmente, eu e Perova sabamos sobre o grupo dos viajantes, entre osquais estava o seu chefe, baro de Langsdorff, e que viria pelo rio Arinos at osApiac. Por isso ns estvamos ali, com a misso de lhes falar.

    Braz Antnio parecia muito desolado por no conseguir apoio para irbuscar o Pe. Lopes e Tatu. No conseguiu convencer os ndios. Quis saber,tam bm, se eu conhecia os estrangeiros.

    Respondi-lhe que sim.

    tarde, sa para o terreiro, depois de ouvir vozes e gritarias.

    Chegavam os viajantes, acompanhados de grande nmero de ndios, osquais tinham ido at a foz e ajudavam no transporte de suas bagagens.

    Finalmente pensei podia comunicar ao chefe sobre o que tinhaacontecido ao grupo do Sr. Hrcules.

    Toda a tribo estava em grande alvoroo. As mulheres e crianas iam evinham pelo terreiro, curiosas.

    Volumes e mais volumes iam sendo carregados para algumas taperas aofundo da choa m aior.

    Procurei identificar alguns dos recm-chegados. Lembrava-me

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    vagamente do Sr. Lus{76}, com quem falara em Vila Bela. Quanto ao chefe, obaro, j fora levado em rede para uma barraca improvisada peloscompanheiros. Estava muito doente, atacado pela malria.

    Braz Antnio acompanhava toda a movimentao incomum e tambmqueria lhes falar, apresentar-se, contar sobre trabalhos junto aos ndios.

    A caravana vinha preparada para uma razovel permanncia na tribo,antes da partida para Santarm. Desejava, alm de proceder a estudos dosindgenas, obter mantimentos para a longa viagem. Ali, conforme combinado,aguardaria a chegada do Sr. Hrcules e seus companheiros.

    De minha parte, fiquei mais tranquilo ao perceber que, de fato, o Sr. Lusfazia parte do grupo e comandava todas aquelas providncias.

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    O Cacique com uniforme de Capito-Mor e o Baro vestido de Cnsul

    Naquele dia eu ia presenciar uma cena estranha, diferente, e da qualamais haveria de me esquecer, bem como de seu significado profundo, que s

    mais tarde pude avaliar melhor.Foi assim:

    Com o sol ardente do meio-dia, toda a tribo Apiac estava no terreiro frente da maloca coletiva onde vivia. Homens e crianas, corpos pintados comlistras vermelhas de urucu e pretas de jenipapo, exibiam-se com enfeites de

    penas de aves de vrias cores: azuis, am arelas, encarnadas, roxas; dentes deanimais e at figuras pequenas emcermica.

    Um belo espetculo, que com certeza Perova gostaria de ver. O coitado,porm, continuava recolhido, em bora apresentasse melhora.

    Todo o povo se agitava em frente, a pular, tentando demonstrar alegriacom a chegada dos estrangeiros. Estes foram se aproximando, algo desconfiados.

    Ento surgiu o cacique, homem forte, alto, porm vestido de modo bastanteestranho e muito diferente dos demais membros da tribo. Apresentava-se com

    uma farda militar, com dragonas{77}, chapu de bico cabea, calas dealgodo grosso. E, em contraste, estava sem camisa e com os ps descalos!

    Sua presena excntrica provocou enorme curiosidade entre os viajantes,que se mantiveram atentos e srios, embora a bizarra vestimenta pudesse

    provocar risos.

    O cacique vestia o uniforme que, segundo me informou depois BrazAntnio, lhe fora dado em Cuiab, quando visitara o presidente da provncia e aautoridade tambm lhe concedera a patente de capito-mor.

    Muito garboso no uniforme, sua figura, entretanto, destoava de forma

    flagrante dos companheiros, embora ele se julgasse vontade e consciente deseu papel de chefe da tribo.

    Os viajantes no esperavam por tal recepo festiva.

    O baro, chefe supremo do grupo, avisado pelos companheiros, entenderao significado que o cacique queria em prestar visita incomum e, mesmo doente,devido s febres, veio de seu abrigo, empertigado e vestindo um luzidio uniforme

    de cnsul-geral da Rssia, com tricrnio{78} de plumas, espadim ao lado econdecoraes.

    Nunca mais me esqueci daquela cena e, s muito tempo depois, atinei para

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    o seu significado: em meio selva, sob a ardncia do sol, de um lado a raaindgena altiva, mas acolhedora, e, de outro, a dos civilizados. Cada uma tentarademonstrar sua autoridade e tambm seu respeito outra, ao seconfraternizarem.

    Que momento aquele! Depois de muitos anos, sempre contava-o comofato inesquecvel da viagem .

    O grupo de ndios continuava, porm, a pular e a danar, indiferente. Paratodos era m ais uma festa, cheia de alegria.

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    Misso parcialmente cumprida

    Eu continuava ansioso para dar o recado do Sr. Hrcules e me aproximeido Sr. Lus. Ento lhe expliquei as dificuldades em que se encontravam os seus

    companheiros, retidos pelos caprichos do Sr. Duro.O viajante se encheu de preocupaes ante aquele fato gravssimo e se

    props a partir em socorro.

    Precisava ir a p at a foz do riacho das Corredeiras, tomar um barco epartir Juruena acima com os docum entos de autorizao do governo brasileiropara percorrer rios e regies, as mais distantes, com objetivos cientficos.

    Todos os viajantes, ao saberem a respeito, sentiram-se revoltados com aatitude do Capito.

    Feliz por ter cumprido parte da misso, eu me sentia em dvida se podiapartir na com panhia do Sr. Lus, em face das condies de sade de Perova, dequem no gostaria de me afastar.

    Entretanto, havia o problema do nosso barco, o Pixura, amarradoalgumas lguas acima, margem do Juruena, na enseada dos coqueiros,

    prximo ao local onde encontrramos o Pe. Lopes e Tatu.

    De forma alguma desejava abrir mo da piroga, que considerava como a

    minha casa sobre o rio. Tambm Perova, que tanto esforo empregara emconstru-lo, jamais iria me perdoar se abandonasse a embarcao.

    Um fato, entretanto, ia me ajudar.

    Como a tarde avanava e o Sr. Lus ainda devia reunir m antimentos para aviagem, e s partir no dia seguinte, procurei Braz Antnio.

    Este, j sabedor de tudo a meu respeito e de Perova, tornava-se maisamigo e comunicativo. Isso me levou a propor-lhe um plano, embora com receio

    de que no aceitasse. Eu aproveitaria a ida do Sr. Lus com canoeiros rio acima elevaria at a enseada dos coqueiros os recursos de alimentao, ervas ebeberagens para Pe. Lopes. E at o paj , se quisesse, poderia ir. Ele, BrazAntnio, ficaria a fazer companhia a Perova. O Sr. Lus, a partir daquele lugar,

    prosseguiria a viagem e eu regressaria com o religioso e o curumim noPixura.

    Braz Antnio ficou confuso e eu mesmo tinha muitas dvidas, em razo dasade de meu companheiro.

    Felizmente, durante a noite percebi suas melhoras. Dei-lhe gua para beberpor duas vezes e at lhe ofereci um naco de peixe, que comeu com farinha. De

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    vez em quando me olhava meio assustado, como que no me reconhecendo.Depois se acalmava. E, como no gemia, deduzi que as dores haviamdesaparecido.

    Em dado momento, voltou a repetir.

    Foi ele! Foi ele!

    E at julguei ouvir-lhe dizer a palavra Bugre!No dia seguinte, tudo acertado, parti com o Sr. Lus e alguns remadores.

    Entretanto, como Braz Antnio no conseguiu convencer o velho paj a sedeslocar da tribo, este entregou-me um amarrado de ervas e uma porunga de

    beberagem de gosto horrvel e ainda queria me ensinar sobre a fum igao.Quanto a esta, no me dispus a aprender e nem sabia se Pe. Lopes iria aceit-la.

    Caminhamos a p pela margem do riacho das Corredeiras, por duaslguas, at a sua foz. L encontramos, estacionadas, as canoas do grupo do baro.Tomamos uma delas e, com quatro remadores, principiamos a subir o Juruena,de guas calmas e sob um sol esplndido, mas abrasador.

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    De volta Enseada

    A canoa, impulsionada por aqueles remeiros, deslocava-se rapidamente e oSr. Lus repetia palavras de revolta contra a atitude do Sr. Duro.

    uma violncia! Uma arbitrariedade!

    Eu me limitava a concordar, com gestos de cabea, e matutava sobre asintenes do Capito. Alertado antes por Perova, tambm desconfiava de seusatos.

    Quando chegamos, j ao escurecer, enseada dos coqueiros por mimdenominada Angra do Pe. Lopes, abicamos e eu logo tratei de ver se o Pixuraainda estava escondido na ramagem.

    Foi um alvio encontr-lo. Do barraco, sa em disparada na direo do

    velho aldeam ento e, porta da choupana, encontrei Tatu. Al, amigo! disse batendo em seu ombro e entrando na choa.

    Pe. Lopes cuidava de uma caa no braseiro. O cheiro apetitoso da carnerecendia.

    Alegrei-me. O religioso, bem disposto, parecia outro e me cumprimentoucom euforia.

    Ora vivas! Que dia feliz para ns. E onde est o Braz Antnio?

    O Sr. Lus tambm chegava. da Expedio dos Russos disse-lhe.

    Pe. Lopes cumprimentou-o, mas queria saber do seu amigo.

    Aconteceu alguma coisa ao Braz?

    Apressei-me a acalm-lo, contei-lhe rapidamente sobre nosso plano eacrescentei que, caso estivesse disposto, eu iria conduzi-los tribo Apiac.

    J estou bem melhor! A carcaa aqui ainda no est para urubu! disse em tom de arreliar.

    Como veem , amigos, h carne no braseiro e ainda mais por assar. Tatu,certeiro na pontaria, abateu hoje uma paca bem grande.

    E ns trouxemos farinha e frutas.

    Ento todo mundo comer! E depois descansar.

    Naquela noite, eu e o Sr. Lus nos acomodam os na prpria cabana em quePe. Lopes e o curumim se alojavam. Os remadores ficaram na habitao de

    pau-a-pique, meio em runas, ao fundo, a mesma em que provavelmente o

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    Maromba e seu bando tinham se escondido, antes de fugirem rio abaixo, aps oroubo da canoa.

    A noite foi tranquila e dormi a sono solto.

    Na manh seguinte, tambm o tempo se mostrava bom, o cu sem nuvense o sol a brilhar. Ouvia o trinado alegre e via o voo baixo dos pssaros sem medo,

    nas rvores prximas. Espreguicei e respirei fundo.Nisso, ouvi gritos vindos do lado do rio e, em seguida, Tatu entrou

    correndo pelo terreiro.

    Que foi? Que aconteceu?

    O curumim apontava para a enseada. Samos correndo naquela direo.Somente Pe. Lopes no nos acompanhou.

    Com grande surpresa, vimos chegar numerosas embarcaes, todas

    minhas conhecidas.Eu no queria acreditar, mas chegava a Expedio dos Russos. E minha

    alegria foi enorme ao reconhecer, frente, o Sr. Hrcules.

    Com seu porte, chapu largo, se destacava a dar ordens ao pessoal,enquanto as vrias canoas, algumas de bom porte, iam abicando e eramamarradas por grossas cordas s rvores ribeirinhas.

    O Sr. Lus se apressou a cumprimentar os companheiros, e o Sr. Hrcules,ao me reconhecer, fez questo de me dar um aperto de mo e muitas batidas nas

    costas. Logo foi perguntando:

    Onde est o restante do nosso grupo? E o Perova? Creio que temosmuitas coisas a explicar uns aos outros, no ?

    Entre tantas indagaes, queria logo saber como haviam se livrado doCapito e sobre a presena do Sr. Manfredo, o qual tambm mecumprimentara.

    Logo fiquei a par de tudo e o m esmo aconteceu com o Sr. Hrcules.

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    As tramoias descobertas

    Tratei de falar a ss com o Sr. Hrcules que, muito aborrecido, meesclareceu sobre as trapaas do Capito:

    Saindo de Quilombo-Au e afoitamente indo atrs do grupo deexpedicionrios, escondia intenes delituosas em relao ao grande diamante. Emudara de ideia: em vez de remeter a gema preciosa ao imperador, iria ficarcom ela.

    O imperador D. Pedro I se encontrava to longe, no Rio de Janeiro, edificilmente iria saber que naqueles cafunds do mundo fora encontrada, talvez,a maior pedra do Brasil! comentou o Sr. Manfredo, com uma ponta demalcia.

    E da tramou com Maromba? perguntei.

    verdade. E alardeou para encobrir o embuste{79}que a pedra tinhasido roubada.

    E quis culpar maldosamente os viajantes?

    Da fingir a revista das cargas, a pretexto de encontrar contrabando.

    Ento o Sr. Manfredo me perguntou:

    Voc se lembra da fuga de dois remadores, enquanto o Sr. Duroprocedia ao exame das bagagens?

    Sim respondi recordava-me!

    Pois aquilo tambm fez parte da tramoia. Os dois remadores tinham seengajado em Quilombo-Au, na Expedio dos Russos, a mando do Capito.

    E que aconteceu com eles?

    Quando fugiram, foram procurar o Maromba e seus homens, que desciam

    em um barco pelo Juruena. Eram pessoas de confiana do Capito. No entendo.

    Duro pretendia, assim, incriminar os m em bros da Expedio, ao dizerque os rem adores haviam fugido levando embora o grande diamante.

    Um plano muito audacioso!

    verdade. E a pedra preciosa j estava com o Maromba para sernegociada em Santarm, pois o Capito no podia vend-la em Cuiab, onde,

    por ser conhecido, levantaria suspeitas.

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    E com o o senhor ficou sabendo de tudo isso? perguntei.

    Os dois homens que deveriam acompanhar o Maromba, assistir vendada pedra e trazer o dinheiro para o Capito, deram com a lngua nos dentes!

    Como assim?

    Existe um ditado brincou o Sr. Manfredo que diz que quem rouba

    de ladro tem cem anos de perdo. Pois os dois remadores no conseguiramachar o barco do Maromba naquela noite. Se desencontraram. E retornaram

    para o acam pam ento.

    E o Capito?

    Virou uma fera, vtima da prpria arm adilha. Revoltado, castigou oshomens e partiu imediatamente, liberando assim os viajantes, que tiveramenorme trabalho para reem barcar as cargas.

    E quanto ao senhor? perguntamos ao Sr. Manfredo. Depois de saber dessa trampolinagem{80}, no quis aceitar mais a

    companhia do Sr. Duro. Preferi partir com os viajantes.

    E o diamante?

    Em Santarm ou Belm vou falar com as autoridades, pois a pedrapertence ao governo.

    O caso pode ainda se complicar se o Capito, que voltou para

    Quilombo-Au, resolver m andar gente atrs do Maromba. Se j no fez isso. Mas ele deve estar longe!

    Ainda temos muita gua a correr para o Amazonas, com o se diz concluiu o Sr. Manfredo.

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    De novo os dois grupos juntos?

    Os viajantes no queriam perder mais tempo e combinaram um planocom o Sr. Lus. Iriam descer pelo Juruena at a foz do riacho das Corredeiras e

    de l, por terra, at a tribo Apiac, de onde trariam seu chefe e os companheiros.Ento, de novo, todos juntos navegariam em direo ao Am azonas.

    Despedi-me do Sr. Hrcules e do Sr. Lus, que muito lamentaram, devido scondies de Perova, no poder contar mais com nossos servios de caa e

    pesca.

    Recebi, ainda, do Sr. Manfredo um abrao muito efusivo.

    Quem sabe a gente ainda se encontra , o mundo pequeno! disse ele.

    Quando os barcos partiram, fiquei na beira do rio a lhes acenar adeus.Voltei para junto do Pe. Lopes e de Tatu. Este mostrava-se indiferente ao

    movimento da enseada. E combinamos tambm nossa partida, pois o padresentia-se disposto. Esta s ocorreu trs dias depois.

    Com o sol a pino, eu me senti orgulhoso de levar no Pixura, rio abaixo,os dois amigos.

    Tatu, com um remo, esforara-se em fazer os mesmos movimentos queos meus, enquanto Pe. Lopes acomodara-se, sentado e protegido do sol por umacoberta de folhas de palmeira. Levvamos abastecimento para dois dias, tempoestimado para a viagem at a foz do rio das Corredeiras.

    Tudo decorreu normalmente e, ao chegarmos ao lugar, encontramos nossa espera Braz Antnio, com uma rede para o transporte de Pe. Lopes. Foraavisado antes pelos expedicionrios que, descendo o Juruena, juntaram-se aosoutros companheiros na tribo Apiac.

    Todos j haviam partido.

    Minha primeira pergunta a Braz Antnio foi sobre Perova.A resposta no me pareceu satisfatria.

    Quando chegamos por terra, aldeia, corri procura de meu amigo.

    Encontrei-o sentado em um cepo, ao centro da maloca. Parecia meioareo, embora esboasse um sorriso, indicando me reconhecer. Tentei tambmlhe dizer alguma coisa sobre os expedicionrios e o Sr. Manfredo, mas nodemonstrou interesse. Em certo momento, inesperadamente, inquiriu-me:

    E o Pixura?

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    Viemos com ele! Est sua espera!

    Seus olhos brilharam .

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    Sobre o surro de couro

    No dia imediato, Braz Antnio cham ou-m e para fora da cabana e, pelosseus modos, percebi que desejava saber ou me confidenciar alguma coisa.

    Fomos caminhando em direo ao riacho das Corredeiras. Realmente,

    aps ter conversado longamente com Pe. Lopes, ele devia estar sabendo de tudoa m eu respeito e de Perova.

    E foi direto ao assunto que pretendia me comunicar:

    No dia em que fom os buscar o seu amigo ferido, eu fiquei uma boadistncia para trs, lembra-se, Tonico?

    Deveras, aquilo me causara estranheza.

    E qual o motivo?

    Me embarafustei{81}pelo mato, rente cachoeira, por ter visto algunsram os quebrados recentemente. Depois, saltando por entre as pedras, cheguei ato meio da corrente e ali vi um objeto estranho.

    Atento, no perdia uma s palavra de Braz Antnio.

    Um pequeno surro{82}, com presilha e ala que, por sorte, se prendeuem uma ponta de pau e, assim, no caiu na cachoeira. Essa sacola de couro

    pertence a voc ou ao Perova?

    No! respondi prontamente.

    Foi o que imaginei. Com grande esforo, e depois de arrumar um varotecomprido e uma forquilha, consegui apanhar o saco.

    E o que tinha dentro?

    A, amigo, fiquei muito espantado...

    Diga logo.

    Uma folha de papel amarelado com escritos e rabiscos, indicando rios,serras, pedras altas. Tudo difcil de se entender. Parece um mapa muito rstico,um rote