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Em primeiro lugar e acima de tudo,quero agradecer a Deus Pai poreste momento e tudo aquilo daminha vida. Deixar uma palavraespecial ao presidente, dr.Fernando Gomes, pela confiançaque sempre depositou em mim. Nãoesqueço que comecei com umcastigo de oito jogos pendentes.A toda a direção e a todos os queviveram comigo estes meses. Aosjogadores, dizer mais uma vez quetenho um enorme orgulho em tersido o seu treinador. A estes eaqueles que aqui não puderamestar presentes. Também é delesesta vitória. O meu desejo pessoal éir para casa. Poder dar um beijo dotamanho do mundo à minha mãe, àminha mulher, aos meus filhos, aomeu neto, ao meu

genro e à minha nora e ao meu pai,que junto de Deus está certamentea celebrar.A todos os amigos, muitos delesmeus irmãos, um abraço muitoapertado pelo apoio masprincipalmente pela amizade. Porúltimo, mas em primeiro, ir falar como meu maior amigo e sua mãe.Dedicar-Lhe esta conquista eagradecer-Lhe por ter sidoconvocado e por me conceder odom da sabedoria, perseverança ehumildade para guiar esta equipa eEle a ter iluminado e guiado. Esperoe desejo que seja para glória doSeu nome.(Carta de Fernando Santos, lida naconferência de imprensa após avitória no Campeonato Europeu deFutebol, dia 10 de julho)

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FERNANDO SANTOS Fernando Manuel da Costa Santos

nasceu em Lisboa a 10 de outubrode 1954. Profundamenteapaixonado pelo futebol, foi atletajúnior no SL Benfica mas fixou-secomo jogador de primeira linha nopapel de defesa do GD Estoril Praia.Jogou também no CS Marítimo,tendo posteriormente regressado aoEstoril.Fernando Santos só pôde alimentara já referida paixão pelo futebolmediante uma condição impostapelo pai: teria de prosseguir osestudos. Assim, sem nunca deixarpara trás a carreira de jogador,estudou Engenharia Eletrónica e deTelecomunicações, acabando porformar-se em 1977, no ISEL. Vemdaqui o cognome de “Engenheiro”por que é conhecido no mundo dofutebol. Ainda enquanto futebolistainiciou carreira na área daengenharia, mas em 1987 nãoresistiu ao apelo do Estoril Praiapara assumir a tempo inteiro ocomando técnico da equipa. O bomtrabalho realizado ao longo de setetemporadas, com duas subidas dedivisão incluídas, despertou aatenção do Estrela da Amadora,então cimentado na PrimeiraDivisão

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Nacional. Entre 1994 e 1998 treinouna Reboleira, tendo alcançado amelhor classificação do clube naLiga, um sétimo lugar.Em 1998 foi contratado pelo FCPorto e sagrou-se campeãonacional logo na primeira época,naquele que foi o quinto títuloconsecutivo dos dragões e oeternizou como “Engenheiro doPenta”. Conquistou ainda duasTaças de Portugal e duasSupertaças Cândido de Oliveira.Em 2001 deixou as Antas e rumouao AEK de Atenas, ao serviço doqual conquistou a Taça da Grécia eo segundo lugar no campeonato,em igualdade pontual com ocampeão Olympiakos. Natemporada seguinte mudou-se parao Panathinaikos e em 2003/2004regressou a Portugal para treinar oSporting, tendo permanecido emAlvalade uma temporada. Deu-senovo regresso à Grécia e ao AEK,clube que ao cabo de dois anosrecolocou na Liga dos Campeões.Em 2006/2007 tornou-se o primeirotreinador português a orientar ostrês “grandes”, ao ingressar noBenfica. Permaneceu apenas umaépoca na Luz antes de retornar àGrécia, desta feita para um períodode três anos no PAOK Salónica.

O trabalho destas três temporadas,nomeadamente o segundo lugar em2010 e o consequente apuramentopara a terceira pré-eliminatória daLiga dos Campeões, abriram aFernando Santos as portas daseleção grega, sucedendo aocampeão europeu Otto Rehhagel.Apurou a Grécia para o Euro-2012 eo Mundial-2014, tendo em ambos oscasos ultrapassado a fase degrupos. Ainda antes do Campeonatodo Mundo disputado no Brasilanunciou que abandonaria oscomandos da seleção helénica, porconsiderar que estava cumprido umciclo na sua carreira de treinador.O trabalho de Fernando Santos naGrécia valeu-lhe a distinção comotreinador do ano nas épocas de2001/2002, 2004/2005, 2008/2009 e2009/2010 e de treinador da décadanaquele país entre 2000 e 2010.Em 2016, levou Portugal ao seuprimeiro título europeu, depois deum percurso de um ano e novemeses sem qualquer derrota emjogos oficiais.

(wwww.fpf.pt)

O trabalho destas três temporadas, nomeadamente o segundo lugar em 2010 e oconsequente apuramento para a terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões,

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consequente apuramento para a terceira pré-eliminatória da Liga dos Campeões,abriram a Fernando Santos as portas da seleção grega, sucedendo ao campeãoeuropeu Otto Rehhagel. Apurou a Grécia para o Euro-2012 e o Mundial-2014, tendo emambos os casos ultrapassado a fase de grupos. Ainda antes do Campeonato do Mundodisputado no Brasil anunciou que abandonaria os comandos da seleção helénica, porconsiderar que estava cumprido um ciclo na sua carreira de treinador.O trabalho de Fernando Santos na Grécia valeu-lhe a distinção como treinador do anonas épocas de 2001/2002, 2004/2005, 2008/2009 e 2009/2010 e de treinador dadécada naquele país entre 2000 e 2010.Em 2016, levou Portugal ao seu primeiro título europeu, depois de um percurso de umano e nove meses sem qualquer derrota em jogos oficiais.(wwww.fpf.pt)

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Simples como as pombase prudentes como as serpentes

O selecionador nacional de futebol tem na afirmação “eu creio”

a certeza da sua fé e nela expressou também a convicçãona conquista de um título. Duas dimensões do crer que não se

misturam,porque não acredita em ‘fezadas’.

Em entrevista à Agência ECCLESIA no dia em que foi anunciada a suarenovação por 4 anos à frente da Seleção Nacional de Futebol,

Fernando Santos disse que este é o momento mais alto da sua carreiracomo treinador e recorda os momentos intensos que levaram Portugal

à conquista do primeiro campeonato europeu de futebol, a ajuda queencontrou na sua condição crente, a história de uma conversão

e a influência de uma frase da Bíblia na definiçãona estratégia para o jogo da final.

(Entrevista por Paulo Rocha)

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Agência Ecclesia – Como viveu estemarco na história do futebolportuguês?Fernando Santos – Sinceramenteainda hoje não sei. Há um momentode euforia, entusiasmo depois daconquista, “deslumbramento”…Depois, a chegada ao país, asmanifestações de regozijo, a famíliae os amigos… Tudo pesa muito!Segue-se uma espécie de esvaziarsentimentalmente, o que foi muitoduro nos primeiros dias. Depois,regressa a normalidade ecomeçamos a ter a noção de queaconteceu história. AE – E vai encontrando as razõesque levaram a esta conquista?FS – Sim, eu conheço as razõesdesde o início.Quando assumi o cargo deselecionador nacional - e creio quechegamos a falar sobre isso[entrevista à Agência Ecclesia emmaio de 2015, ndr] – tinha aconvicção de Portugal tinhajogadores de grande qualidade etalento. Sem fazer querer fazercomparações e pela experiênciaque tive na Grécia que me deu anoção do que era treinar umaseleção e competir numcampeonato da Europa e do mundo,fiquei sempre com a

ideia de que se Portugal tinha dejuntar a isso algum pragmatismo:não somos melhores do que osoutros nem somos piores.Sempre disse isso aos meusjogadores: se nos convencermos deque somos melhores e por issovamos ganhar, dificilmenteganharemos algum campeonato.Podemos ganhar alguns jogos, pelonosso talento, mas ganharcampeonatos tenho muitas dúvidas.Temos de ter a firme convicção deque também vai ser muito difícil aosoutros nos ganharem.Costumo fazer uma imagem noplacard, que repeti em Marcoussis:desenho uma balança e coloco deum lado o que eu entendo quetodos podem fazer e que não tem aver com o talento (a organização,paixão, humildade), quecorresponde aos outros, e do outrolado o que Portugal tem no mínimode igualar. Se igualarmos o que estáao alcance de todos, que tem a vercom uma questão humana, então onosso talento poderia fazer tender abalança para o nosso lado. Osjogadores acreditaram nisso, queera possível conquistar um grandetroféu assim.Depois do apuramento eu disse aosjogadores, creio que em março: oapuramento acabou, vamos entrar

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num novo ciclo e quem acredita quepode ganhar o campeonato daEuropa fica, quem não acreditar,com toda a naturalidade diga ‘olheeu não acredito bem nisto’ AE – Ninguém quis sair… FS - Ninguém iria querer sair,mesmo que tivesse algumadesconfiança.O que eu fui percebendo no grupo éque mais do que dizer ‘eu acredito’,disse ‘eu creio’.

Houve várias fases. Uma em que,depois da derrota com a Albânia, derepente iriamos ganhar os jogos eser apurados… Depois, aindadurante a fase de apuramento, o‘acreditar’ que é possível, que foisempre aumentando gradualmente:fizemos sete vitórias, acabamos emprimeiro. A partir do momento quefomos para França, começamos apassar do

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‘acreditar’ para ‘eu creio’.‘Eu acredito’ e ‘eu creio’ sãoexpressões completamente distintasna minha perspetiva e eu sempre odisse aos jogadores: uma coisa é‘eu acredito que é possível’ outra‘eu creio que sou capaz de o fazer’.Quando chegamos aqui, comeceisentir que ia mesmo acontecer.Claro que ninguém pode dizer quevai ganhar um campeonato daEuropa e nem eu nem os jogadoresdissemos isso. Eu tinha a fortíssimaconvicção que íamos sercampões da Europa efoi-o repetindo.

AE – No início do campeonato,depois de empates que nãoagradaram, repetiu essa convicção…FS – Sim, sem me sentir abaladopor isso. É verdade que nãoaconteceram os resultados quequeríamos nem as exibições quetoda a gente esperava.Eu tenho uma opinião muito própriaem relação a isso, com a noçãoexata de que os resultados nãoforam bons, mas também não forammaus porque estávamos a disputaruma prova completamente diferente das

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anteriores, curta, onde é preciso terem atenção as questõesmatemáticas, porque não é umcampeonato em que há tempo pararecuperar. As exibições tambémtiveram aquilo que no futebol épreciso e que acabamos por ternalguns momentos dos jogos: nãodirei momentos de sorte, mas emque as coisas acontecemnaturalmente. Portugal, nos doisprimeiros jogos teve maisoportunidades de golo do quenoutros em que ganhou. Nosegundo, com a Áustria, teve umaexibição bem conseguida, só nãomaterializou os golos. Isso dava-mea confiança de que as coisas iriamacontecer naturalmente. Claro quetambém há os pontos… Mas semprea leva os

meus jogadores a não se deixarema ir a baixo com as críticas.Eu devo ter sido a única pessoa emMarcoussis que nunca ligou atelevisão no quarto. Recusei-me aver televisão para não me deixarinfluenciar, nem pela positiva nempela negativa, em relação ao que sefosse dizendo. Eu sei que osjogadores ouviam essescomentários e então fiz força paraque fossem postos de lado e noscentrássemos só nos objetivos quenos tinham levado ali.

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AE – Foi nessas circunstâncias queavisou a família de que sóregressaria a Portugal no dia 11para fazer a festa. Quem lhe disseque iria ser assim?FS – Ninguém me disse que iria serassim. Era a minha convicção.Eu sou um crente por natureza.Toda a gente sabe, mas a algunsfaz confusão…No dia do jogo com a final, estava

a ver uma imagem do público noexterior e uma pessoa abeirou-se dojornalista que lá estava e mostrouuma fotografia que tinha tiradocomigo na missa, nessa manhã. E éverdade! E o jornalista comentou:‘se calhar foi à missa hoje poralguma razão especial’. Acheicurioso porque, desde que chegueia Marcoussis fui à missa todos osdomingos, como é meu dever. Nãofiz nem mais nem menos do que

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faço na minha vida normal, porqueacho que é um dever do cristãoparticipar na Eucaristia pelo menosao domingo. Fui a essa paróquia, a10 minutos do local ondeestávamos, durante o tempo em queestivemos em Marcoussis. Naprimeira vez vi um português e noúltimo domingo, no da final, estavammais de dez.As pessoas acham que isto é tudouma questão de “fezada”. Não! Étudo natural na minha vida. Desde1994 assumi um compromisso comCristo.

Tal como o crucifixo que tenho nobolso, desde esse dia. Disseram-me: ‘Cristo conta contigo’, e eu disse‘pode contar’. Assumindo estecompromisso, o normal num cristãoé o que eu faço. É a mesma coisaque respirar: é normal rezar, talcomo respirar.Algumas pessoas confundem “fé”com “fezada”. E uma coisa não temnada a ver com a outra.Por vezes vou dar umas palestrassobre a fé e conto sempre umahistória, que também contei aos

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meus jogadores: uma pessoa pediaque lhe saísse o totoloto eprotestava com Deus porque nãosaía, quando Deus veio ao seuencontro e disse-lhe ‘mete oboletim’; ou também aquele ditado‘fia-te na virgem e não corras’. Euusei numa palestra estas histórias

para dizer aos jogadores que nãohá milagres se estivermossentadinhos à espera que elesaconteçam. Mas se trabalharmosmuito, lutarmos muito, se fizermostudo muito, então aí podementender que temos esse mérito eesse mérito pode conduzir-nos àvitória. Nesse tipo de milagresacredito seguramente. Mas nãoacredito em “fezadas”.

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AE – As suas convicções de féajudam à sua convicção na vitória?FS – Isso ajudam! É fundamentalpara mim.O que peço a Deus todos os dias,quando invoco o Espírito Santo, éque me dê sabedoria e humildadepara guiar a minha vida, familiar,profissional… Peço todos os diasque me conceda este dom, porqueacredito nos dons do Espírito Santo!Se acredito, peço que me ajude afazer bem, não só aos outros, masprofissionalmente também! E é issoque procuro fazer todos os dias.Depois à noite, às vezes digo-Lhe:‘desculpa lá, isto saiu tudo mal…’ Nos momentos em que eu vou refletir, a fé que eu tenho émuito importante para mim.Mas tenho a certeza de que não é sóatravés da fé que vamos ganharjogos. Se não corrermos, nãolutarmose não trabalhar, não ganhamos osjogos. O que a fé nos dá é outracoisa: não é ‘sentir bem’… Eu nãotenho muito jeito para explicar estarcoisas… O que a fé me dá é umacoisa completamente diferente: eusaí do ‘acreditar’ para o ‘eu creio’.Eu acredito que o homem foi à lua,porque vi umas imagens. Mas istonão é ‘eu creio’.Eu creio, mesmo!

A chave da vitóriaAE – Disse que o segredo da vitóriaestava numa frase de São Mateus,no capítulo 10…FS – Usei na minha palestra com osjogadores. Em todas as palestrasuso algumas palavras e semprecolocava a chave do jogo na minhaopinião. Nesse dia, o Evangelho eraesse. E de manhã, quando melevantei aquilo ‘bateu em mim’. Eraisso que a equipa precisava paraesse jogo AE – “Simples como as pombas eprudentes como as serpentes”(Evangelho do dia 8 de julho de2016: Mt 10, 16-24)FS – Sim. AE – Inspirou-se no Evangelho dodia?FS – Sim!Quando estava a ler o Evangelho, eia ter palestra passado uma hora ouduas, pensei: ‘isto é o que a minhaequipa precisa para este jogo’. Nojogo com a França temos de serisso: ser simples, humildes,perceber que estamos perante umgrande adversário, mas não termedo de jogar. Este ‘simples’ não ésó humildade, é também terconfiança em nós próprios, não termedo de fazer as coisas, sermoslibertos,

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e ao mesmo tempo sermos“prudentes como as serpentes”,estarmos atentos a tudo, nãofalharmos. Como ia dar a palestrasobre o que deveríamos fazerperante o adversário e os perigosque ele nos colocava, achei queessa frase era chave. E usei-a comochave. AE – E disse que era do Evangelhodo dia?FS – Não, mas parece-me quemuitos conheciam a frase.

AE – A vitória no campeonatoeuropeu de futebol teve essainspiração tática no Evangelho dodia?FS – Sim! Nesse sentido sim…Isto é uma questão de estar atentoaos sinais. Não é a primeira vez queme acontece ter um sinal qualquer,ou entender como um sinal.Lembro-me já há muitos anos,quando era treinador do Amadora eaquilo não dava… Trabalhava nohotel e eu pensava ‘não vale apena, não chego lá…’ Ia a caminhoda Eucaristia, à tarde depois jogo, eia a pensar nisto.

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Quando cheguei à Eucaristia, aprimeira leitura era do Livro deJonas, quando ele estava no barcoe o mandaram fora porque nãoqueria ir para Nínive. Eu pensei:‘isto é para mim…’ Assumi que ia lá,tentar “safar aquilo” e agora estou-me a “baldar”… E disse: ‘isto érecado para mim, o melhor é ficaraté ao fim’. E acabei por safar aequipa de descer de divisão.Todas estas questões dão-meforça! AE – No balneário, com osjogadores, cria momentos deoração?FS – Não. Nunca o fiz porque umadas normas que aprendi, cá e muito

na Grécia, porque tenho muitossacerdotes ortodoxos amigos, é quehá que haver respeito. Afirmar asnossas convicções, discuti-las nobom sentido, tendo capacidade derespeito pelos outros. No futebol, hácrentes e não crentes, quase todasas convicções religiosas e outrospara quem a religião não existe. Etambém já tive atletas que leem aBíblia no balneário…Por respeito a todos a para que merespeitem a mim, isso nunca fiz nemfarei. Mas nunca deixo de ser eupróprio. Toda a gente sabe que,quando chego a um clube, eu vou àEucaristia. Se eu marcar o jantar

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às 20h00 e se só tiver Eucaristia19h30, sabem que chego unsminutos atrasado porque vou áEucaristia. Nunca disse ‘vocês têmde vir comigo’.Este Deus que amamos tem umacoisa muito boa: criou-nos livres! Éesta liberdade e respeito quedevemos aos outros. AE – E é essa liberdade que o levaa escolher participar na Eucaristia?FS – Não, isso é uma obrigação. Apartir do momento que eu tomeiconsciência deste Deus vivo e li apassagem da Última Ceia em que sediz ‘façam isto em memória de Mim’,não me resta outro caminho. Nãoentendo como alguém que se diga

católico apostólico romano diga quenão é preciso ir á Eucaristia, issofaz-me muita confusão! Nós nãopodemos ser uma coisa e outra.O cristão tem por obrigaçãoparticipar na Eucaristia ao domingocomo louvor e para celebrar a mortee ressurreição de Cristo. E é issoque deve fazer! E não me venhamcom a história de que não há tempo!Só não há tempo para quem nãoquer.Quando cheguei a Marcoussis, pedia um amigo meu para ligar para asparóquias ali perto para saber ondehavia uma celebração eucarísticaque se conseguisse conciliar com omeu tempo. Claro que tenho o meutempo profissional e tenho de orealizar bem! Procurei e vi que haviaaquela às 9h30, e fui…

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Críticas e (des)confiançaAE – Miguel Estives Cardosoescreveu numa crónica, depois davitória ao País de Gales, creio, quese tratou de “uma vitória da seleçãoportuguesa e do treinadorportuguês contra Portugal e osportugueses”.FS – Isso é um pouco verdade,mesmo nunca tenha pensado nisso.Os anos que passei comoemigrante, de luxo obviamente, econtactei com muita gente, viportugueses de altíssimo valor emtodo o mundo, lá fora e cá dentro.Temos muita dificuldade emacreditarmos em nós próprios.Estamos sempre agarrados ao fadoda saudade e partilhamos pouco aconfiança e o orgulho nacapacidade de saber fazer. Quandonós somos considerados por isso,pelo

mundo fora. Até pela capacidade dedesenrascar. Lá fora há mais essaafirmação clara de que ‘eu soucapaz’ e cá dentro tendemos a termedo do que nos vai acontecer.Eu nem cheguei a ponderar ‘se nãoganhar, o que é que vão pensar…’.Simplesmente disse ‘acredito queisto vai acontecer, por isso vou lutaraté ao fim’. Não é uma questão deafirmação pessoal, mas de dizer‘nós portugueses somos capazes’. Ejá o mostramos tantas vezes nanossa história! Não há que fugir aisso, mas lutar contra isso. Casocontrário, continuamos a ser gente“porreira”, muito simpática, todos osque nos visitam gostam de nós, masnão saímos disso.

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AE – A vitória da seleção de futebol,hóquei e atletismo, pode ajudarreativar essa marca empreendedorae ganhadora dos portugueses?FS – Sim… E lembro que ummomento marcante da minhajuventude foi em 1966, no grandeempolgamento do campeonato domundo de 66, quando chegaram cá,etc... Mas há um outro momento:quando Carlos Lopes e Rosa Motaganharam a maratona. Marcou-memuito, chorei muito quando vi abandeira subir, pelo esforço emcausa e por mostrar um“portuguesito”, porque era assim oCarlos e a Rosa ainda o é mais, quedepois de mais de 40 quilómetros acorrer chegaram à frente ecolocaram a bandeira de Portugalem cima. Esses são momentos deexaltação. Agora estamos uma faseem que o desporto pode ajudarmuito, como também na ciência. Nósvalorizamos muito agora, mas seamanhã um atleta, uma seleção ouum dos maiores cientistasportugueses tiver um pequenodesaire, já está tudo terra… Afinal jánão era assim, Deus agora já não oajuda… É assim que funcionamos.Não devemos ter presunção, masexaltar o que temos de positivo, terorgulho em nós.

AE – Foi por isso que entusiasmouJoão Moutinho para marcar agrande penalidade?FS – Eu convoquei-o para marcar agrande penalidade. Ele tinha tidouma lesão, voltou ao jogo nessapartida e nesse momento estavacom alguma dificuldade. E é normalque quem está com dificuldade oexprima, porque se não está na totalconfiança e tem receio de que issopossa prejudicar o próprio grupo, énormal que o diga. E aí foiimportante o papel do Cristiano,comigo, que disse ‘tu és um dosmarcadores e vais marcar porquevais conseguir ’. De crucifixo na mãoAE – Antes de Patrício defender openalti, vimos o Fernando Santosbaixar a cabeça. Porquê?FS – Pedir ajuda, sim! AE – E tinha na sua mão ocrucifixo?FS – Sempre esteve no meu bolso,desde o dia 19 de março de 1994,sempre está comigo.

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AE – No bolso de fato de treino oude gala?FS – Sempre! Obviamente queDeus não está no meu bolso, masno meu

coração, se deixarmos que elehabite lá (eu faço um esforço paraque Ele pelo menos de vezenquando possa habitar aqui).Achei que era um sinal de alerta tereste crucifixo comigo, este crucifixoque me foi dado naquele dia.Quando coloco as mãos no bolso,sempre sinto o crucifixo. Isso é umsinal de alerta

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para mim próprio: ‘não te esqueçasque tens um compromisso’.Nesse momento tinha o crucifixo namão, como tenho normalmenteNormalmente não peço para ganhar,porque se estou a pedir paraganhar, peço também para quealguém perca. O que peço é que meajude a mim e aos meus jogadorese nos dê capacidade de lutar pelavitória.

Éder, a decisão finalAE – Na final, quando o jogo estavanum empasse, vimos tambémFernando Santos no banco decabeça baixa…FS – Não, aí não… Não funcionaassim, nunca… Estava aconferenciar com os meus adjuntosà procura da solução…Era um momento importante.Sentimos que era o momento

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de trazer a equipa para cima. Houveuma fase na segunda parte em quea equipa estava a defender bem,mas já não conseguia enfrentar ojogo e criar perigo ao adversário eisso fatalmente acabaria por se virarcontra nós. Nessa altura, fuiconferenciar com os meus adjuntose disse: ‘acho que é altura depormos lá o Éder dentro, porqueprecisamos de alguém que segure abola na frente para deixar que aequipa respire’. Isso são decisõestécnicas e estratégicas, que estão àmão do treinador, puro e duro! AE – Sem o receio da opiniãopública que estaria a pensar ‘agoravai pôr o Éder’?FS – Sim, pelo que me dizem osmeus filhos, a maioria das pessoasdisse ‘agora vai meter este?’ ‘Este’ éum jogador da seleção, quetrabalhava e lutava muito nostreinos todos os dias para jogar,mostrou uma atitude fantástica,motivação extrema que, quando lheestava a dizer o que ele precisavade fazer em campo, disse-me: ‘Ómister, não se preocupe que voumarcar golo’. Ele estava com umaconvicção enormíssima de que eracapaz de ajudar Portugal.

AE – E isso é o fundamental,nesses momentos?FS – É muito importante.As substituições são muitas vezescomo abrir melões. Quando umjogador vai com uma convicçãomuito forte que vai ajudar e sercapaz, obviamente que é meiocaminho andado para que possa tersucesso. Agora, se vai dar aquelechuto ou não… isso não se sabe.Isso é entrar em “fezadas”. Em“fezadas” não acredito. AE – Quando marcou o golo econsomada a vitória sentiu a razãodo seu lado?FS – Em relação ao jogo, eu tinha anoção exata de que aquela era asolução. Claro de que fiquei maissatisfeito quando ele fez o golo.Agora, nem me passou pela cabeçaa frase ‘afinal, mostrei que tinharazão’… Só pensei em segurar ojogo aqueles 10 minutos. AE – E esses foram os momentosde maior tensão na sua vida?FS – Como profissional de futebol,sim. A vida em si tem outrosmomentos muito mais difíceis.

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São momentos muito duros, comuma mistura de sentimentos: quererorientar a equipa, saber que há umpovo inteiro que está todo naqueles10 minutos… AE – O Ronaldo não escondia aagitação do momento…FS – O que é perfeitamente normal.Ele dizia-me ‘já ganhamos, jáganhamos’. E eu dizia ‘ainda nãoacabou…’ os jogadores estavamtodos em pé, eu mandava-os sentar,mas não me ouviam e nem eu ouvianinguém!Saber que temos um povo, os filhosna bancada… Tudo isto é muitoviolento!A única coisa que me recordo é deter ido à procura dos meus filhosdepois de acabar o jogo. Não fuipara o relvado, mas fui para abancada. Sabia o que eles estavama sofrer e quis ir partilhar com elesesses momentos.

estarão em Viseu, associando-se à festa, numerosos Bispos, incluindo o 29

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estarão em Viseu, associando-se à festa, numerosos Bispos, incluindo o

que agora

Lágrimas pela vitória esobretudo pela mãeAE – E regressa com outrossentimentos…FS – Fui libertar um bocadinhodessa tensão! Fui dar um beijoenorme não só aos meus filhos, masà minha mulher que estava cá, naretaguarda, como fica todos osjogos, à minha mãe que passanuma fase difícil neste momento eestava a sofrer muito também. Tudoisso estava aqui dentro, muitoacumulado. Fui-lhes dar um beijopara dar um beijo à minha mãe e àminha mulher que aqui estavam, aomeu neto e, de alguma forma, aosamigos que estavam com eles e quesão meus amigos, como forma deagradecer a todos os portugueses.Quando voltei, estava em estado defesta, e até parece que dançada,que é uma coisa que não faço muitobem. AE – Foram momentos de lágrimas,como no dia do falecimento do seupai…FS – Obviamente que sim. Sãomomentos completamentediferentes. O meu pai no momentode dor, pela partida, apesar dagrande certeza e confiança de queele estava bem.Este momento foi um momentomuito duro, porque tem muitas

implicações e nem toda a gentesabe o que estamos a passar navida nestes momentos… AE – O Fernando Santo o estavapassar?FS – Eu tenho uma mãe que foioperada há 11 anos e que voltoua ser operada agora e não come,tem de comer por um tubo.Isso faz parte da nossa vida,felizmente está bem estácomigo, vai andando, masestá em sofrimento. Nósnão somos insensíveis atudo isto…Num acontecimento destes,há uma descarga: saber quea minha mulher estava cá asofrer muito na retaguarda,os meus filhos a chorar quenem umas ‘madalenas’, osmeus amigos e o país a chorarem festa… Tudo isto pesamuito em nós!Isto não nos faz melhoresou piores… AE – Mas torna-nos únicos.No caso do Fernando Santos,é único…FS – Claro, cada um de nósé único.Não me chateiam críticas em

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São momentos muito duros, com uma mistura de sentimentos: querer orientar a equipa,saber que há um povo inteiro que está todo naqueles 10 minutos… AE – O Ronaldo não escondia a agitação do momento…FS – O que é perfeitamente normal. Ele dizia-me ‘já ganhamos, já ganhamos’. E eu dizia

termos profissionais. Irrita-me quando se fazem análises decaráter ou a questão da fé. E porvezes tenho de responder. Acho queé uma leviandade fazer análises decaráter quando não se conhecemas pessoas. Eu tenho o semblanteassim, tenho uma forma de estar,mas as pessoas não me conhecem,não sabem se gosto de rir, se gostode contar anedotas… Mas fazemanálises, como se conhecessemmuito bem!Fazer juízes de valor é umaleviandade. Nós somos únicos!

AE – Neste momento, emespecífico, todos os juízos sãopositivos, por causa do resultadofinal…FS – A isso nunca vamos escapar.Depende se ganhas ou não ganhas,se as coisas correrem bem ou não.No futebol, na medicina e napolítica, toda a gente sabe umbocadinho de tudo… Não faço dissoum drama, as pessoas têm o direitode pensar como querem. Masquando vem outro tipo de conversaque mexe com outra parte, isso nãoaceito. E em relação à fé, aceitomuito pouco quando as pessoasquerem misturar coisas.

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O país em festaAE – Deste europeu fica namemória a vitória e muitas imagensde festa em Portugal e onde se falaportuguês. Já reviu essas imagense são elas que permanecem no seuálbum de memórias?FS – Sim… A chegada a Lisboa… Ecomeça já em Marcoussis, nopróprio dia da final, que era detensão e ansiedade. De tarde,quando vim tomar café, eu não vianinguém mas ouvia constantementeo hino cantado no exterior.Acabavam e começavam novamentea cantar o hino.Quando vi as imagens, como porexemplo de Xanana Gusmão fora

do carro, as de Angola, São Tomé,Moçambique… E em qualquer aldeiade Portugal… No Alentejo diziam-meque foram foguetes e festa por todoo lado. As pessoas dizem-me‘obrigado pela alegria queextravasou por este por este paísfora’. A taça fica para a história,nunca mais se apaga. Mas terprovocado este momento de alegriae satisfação, é muito bom, mesmode quem já não tem ligaçãoconnosco.

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FS – O que é perfeitamente normal. Ele dizia-me ‘já ganhamos, já ganhamos’. E eu dizia‘ainda não acabou…’ os jogadores estavam todos em pé, eu mandava-os sentar, masnão me ouviam e nem eu ouvia ninguém!Saber que temos um povo, os filhos na bancada… Tudo isto é muito violento!A única coisa que me recordo é de ter ido à procura dos meus filhos depois de acabar ojogo. Não fui para o relvado, mas fui para a bancada. Sabia o que eles estavam a sofrere quis ir partilhar com eles esses momentos.

Santos o Euro 2016 euma conversãoAE – Como foi recebendo asreações do mundo católico?FS – Eu não gosto de contar muitodo que me acontece, mas tivemuitas manifestações, sim. Desdelogo o senhor patriarca, que memandou uma mensagem. Já tiveoportunidade de participar duas outrês vezes com ele em colóquios,tenho o prazer de o conhecer assimcomo a maioria do episcopado e doclero português,

e recebi muitas mensagensdeles, porque tenho muitos amigospor esse país fora. O que éimportante! AE – D. Manuel Clemente referiuque a sua maneira de estar e o quedizia exprime uma vivência que éprópria do Fernando santos, não foiartificial…FS – Ele saberá, porque jáestivemos juntos. Mas sou sempreigual a mim próprio…Se somos humildades de mais, istofica um bocadinho assim…. Tenhoalgum

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orgulho pelo facto de um amigo meter telefonado a dizer que um amigodele era ateu e se tinhaconvertido… Acredito que sejaverdade! Acho que estou a cumpriruma parte do meu papel… AE – Foi o seu testemunho crente?FS – Se foi… Procuro pôr ostalentos que Deus me deu aoserviço. Se é através das palavrasou das obras, pudendo fazeralguma coisa, faço, procurando darseguimento ao que Ele

nos pediu: evangelizai, anunciai aBoa Nova da Salvação, agora comas fortes exortações do PapaFrancisco. Se a minha presençaleva à conversão, estou totalmentedisponível, independentemente doque disserem. Basta um só, já ficomuito contente.

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História da carta davitóriaAE – “Espero e desejo que sejapara glória do Seu nome”. Acreditoque seja uma frase que diz todos osdias?FS – Todos os dias, quando ofereçoo meu dia. Sempre faço isso:quando me levanto a primeira coisaque faço é agradecer-Lhe odescanso e oferecer o meu dia, tudoo que faça seja honra e glória doSeu nome.

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AE – Também uma vitória nocampeonato Europeu de futebol?FS – Claro! Tudo na minha vida,tudo o que faço! Esse é o meudesejo, mesmo que nem sempre ofaça bem… AE – Assim termina a carta que leuna conferência de imprensa após avitória e disse que tinha escritoumas semanas antes…FS – Escrevi depois do jogo com aÁustria, de tarde, depois de ter ditona conferência de imprensa que sóregressaria a casa no dia 11. Estava deitado, a descansar, derepente levantei-me, fui à minha secretária, peguei num daqueles camposde futebol onde faço os rascunhospara as táticas e escreviaquilo que euiria ler depoisda final, se na realidade viesse a . acontecer. Eguardei dentro da minha capa, ondetenho os papéis que levo comigopara o jogo, para ler depois da final.

AE – E foi preciso…FS – E foi preciso, graças a Deus! AE – O que é que esta carta diz dotreinador de futebol?FS – Sinceramente não sei… Achoque diz essencialmente que estáagradecido pelo dom da vida, portudo o que lhe foi concedido atéhoje e vai ficar agradecido parasempre…Há um tempo ouvi uma expressãoque me tocou: “É muito fácil amar aDeus. O que é difícil é deixarmo-nosamar por Deus”. O que eu luto épara que eu deixe que Deus meame.Acho que a carte reflete isso, commuito respeito pelos outros. É aí quetudo se passa, no respeito pelosoutros, por aquilo que pensam… AE – Que relevância tem adedicatória da vitória ao seu melhorAmigo, Jesus Cristo e Sua Mãe?FS – Tem uma relevância muitogrande, porque é o meu melhorAmigo! O meu melhor amigohumano é o meu pai, com quem eucontinuo a conversar… Continuo a‘bater umas bolas’ com ele e achoque ele me ouve. E tenho grandesamigos que são como meus irmãos.

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Aquele que é o meu maior Amigo, ecom quem eu falo muitas vezes, éEle! E vou muitas vezes ao sacrário,um local de eleição. E a sua Mãe,porque foi Ele que disse ‘Eis avossa Mãe’, por isso sou filhoadotivo dela. A minha dedicatóriaera para Ele, esse grande Amigomeu! Mesmo nos momentos maus.Um dos problemas da fé passa porestarmos convencidos que a partirdo momento em que vamos à Igreja,à Missa ou porque conhecemospadres, tudo nos vai sair bem. Masnão vai! E eu já tive tantosdesaires… Só as vezes que já fuidespedido…Quando temos um desaire, nósdesanimamos completamente,porque pensamos que não nos iriaacontecer nada de errado. Ascoisas erradas vão-nos acontecertodos os dias, vamos ter pessoasdoentes na nossa família, vamosestar doentes, vamos ter coisas másna nossa vida.Nós queremos tornar as coisasterrenas, mas não é assim que ascoisas acontecem. AE – Nesta carta, agradece o “domda sabedoria, da perseverança e dahumildade”. Foram as componentesessenciais para o sucesso?FS – São as componentesessenciais

para que a minha vida seja como euquero que ela seja. Sucessos ouinsucessos vou ter sempre. E sãosempre vãos, a glória é muito vã,vem e desaparece, como osinsucessos. O que eu quero é que aminha vida se possa pautar poresses princípios, que tem a ver coma relação com os outros, como pai,como filho, como marido, comoamigo, como conhecido. Até para osmeus inimigos, a quem

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eu desejo sorte e saúde. Tambémtenho pessoas que… como digo sou‘Santos’, não sou ‘santo’. E hápessoas a quem eu desejo a maiorsorte do mundo, que sejam muitofelizes, mas com quem não tenhonenhum prazer em cruzar-me, zero!Mas não lhe desejo mal nenhum.Sou humano como os outros.Eu acho que a beleza docristianismo

tem muito a ver com isto: Deus filho!Ele chorou, criticou… A partehumano de Cristo é um grandeensinamento e nós muitas vezespassamos ao lado.

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No cume de uma carreiraAE – Este é o momento mais alto dasua carreira de treinador defutebol?FS – Sim! Acho que sim, porque éum país! É um país, para além detudo!Se calhar o momento mais alto éprimeira vez como treinador, quandose ganha alguma conquista ésempre importante, quando sefazem bons trabalhos é sempreimportante, ter chegado à seleçãoda Grécia foi importante. Mas, diziaaté há pouco tempo, o momentomais importante

da minha carreira, porque juntava oprofissional e a parte sentimental, foio primeiro jogo que tinha realizadoem França ao serviço da SeleçãoNacional. Quando ouvi o hino,marcou-me muito, porque estavarepresentar o país onde nasci. Esseera o momento mais importante.Este suplantou claramente esse!

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AE – Por isso foi repetindo que estaera uma vitória de Portugal e dosportugueses?FS – Sim, foi uma vitória de Portugale dos portugueses, não tenhonenhuma dúvida, porque é aafirmação de Portugal! A afirmaçãode Portugal terá forçosamente deser uma vitória dos portugueses,tirando os que forem maismesquinhos e que achem que issonão funciona assim

AE – E depois desta vitória, comoserá a carreira do treinador defutebol?FS – Há de ser igual. Nada em mimvai mudar!

AGRADECIMENTO

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