éMile durkheim

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ÉMILE DURKHEIM (1858-1917)

I - DURKHEIM NO CONTEXTO DAS CIÊNCIAS HUMANAS

Antes de abordarmos diretamente as importantes contribuições do

sociólogo Émile Durkheim achamos importante fazer algumas digressões

acerca das ciências humanas, particularmente sobre a origem, o método e o

objeto de estudo fundamental da sociologia como área do conhecimento.

Evidentemente que o que une as ciências humanas é exatamente seu objeto

de estudo comum que é o ser humano em suas diversas dimensões. A

antropologia, a psicologia, a história, a linguística, a economia e a sociologia

formam campos específicos de análise das questões referentes ao homem.

Com o advento da fenomenologia, que introduziu a noção de essência aos

fenômenos, houve a possibilidade de diferenciação de uma realidade de outra

e garantiu a existência e a especificidade dos diversos campos analíticos nas

ciências humanas.

De um modo geral o humano como objeto de investigação científica tem

cinco séculos de história. Nasceu com o humanismo no século XV e

perpassou pelo positivismo no século XIX e o historicismo do final do século

XIX e início do século XX.

A sociologia, entretanto, permaneceu embrionária durante um longo

período, talvez pela percepção tradicional dos pensadores de que a sociedade

era basicamente um produto da ação humana, fruto pois da arte e da reflexão

das pessoas. Havia um certo consenso em relação a este pressuposto

racionalista em que o coletivo seria uma construção deliberada de um grupo

segundo Russeau, ou obra de um só segundo Hobbes. A percepção

de Aristóteles de que a sociedade deveria ser vista e estudada como um fato

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natural, e portanto deveria ser regida pelas mesmas leis da natureza, apenas foi

encontrar eco significativo com Montesquieu em meados do século XVIII.

Contudo, apenas no século XIX e principalmente a partir do trabalho

de Augusto Comte é que são fundadas propriamente as bases da sociologia.

Segundo Comte as leis sociais são fundamentalmente leis naturais. A partir

desta pressuposição advoga que a sociedade é uma espécie de organismo vivo

e os fenômenos sociais, sendo em sua essência fatos naturais, devem poder ser

analisados à luz das leis e métodos naturais. Assim como existe a física da

natureza deve haver uma física social que explique o comportamento do

agregado dos indivíduos que é a sociedade, e esta física social seria

exatamente a sociologia. Comte propõe o estudo científico da sociedade a

partir dos procedimentos, métodos e técnicas empregados pelas ciências da

natureza (biologia, química, física). Entretanto trabalha em uma perspectiva

evolucionista da humanidade, pois entende que o progresso da

humanidade/sociedade no tempo constitui a principal matéria da sociologia.

Parte da premissa de uma constante evolução geral do gênero humano e o

objetivo da sociologia seria de determinar a ordem de tal evolução. Utiliza os

conceitos de humanidade e sociedade simultaneamente e com significados

semelhantes. A perspectiva positivista de Comte originou por um lado a

psicologia positivista, a qual afirma que seu objeto não é o psiquismo

enquanto consciência mas enquanto comportamento e que portanto pode ser

tratado com o método experimental das ciências naturais, e por outro lado a

sociologia positiva, a qual tem em Émile Durkheim seu principal expoente e

que estuda a sociedade a partir dos fatos sociais como eles se apresentam na

prática o que também possibilita a utilização dos métodos das ciências

naturais para análise dos fenômenos sociais.

Outro pensador que merece um destaque neste breve apanhado dos

precursores da sociologia moderna é Spencer pois ele avança em algumas

questões relativamente à Comte. Segundo Spencer a sociedade é uma espécie

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de organismo vivo. Assim como os organismos que nascem dos germes,

evoluem e atingem seu estágio final, a sociedade também estaria fadada a

seguir estes passos. Mas diferentemente de Comte, que trabalhava em uma

perspectiva mais voltada à meditação filosófica da sociabilidade

humana, Spencer preocupou-se em estudar como ocorriam alguns fatos sociais

na prática. Estudou a evolução das sociedades e os diferentes tipos sociais

como a família, as funções da igreja, o governo político, os fenômenos

econômicos, a moral, a linguagem, etc.

Finalmente, merece destaque a contribuição de Albert Schaeffle, um

cientista alemão que empresta muitas idéias à Durkheim. Segundo Schaeffle, a

sociedade não pode ser analisada como uma simples coleção de indivíduos,

ela possui dinâmica própria, tem portanto vida própria, consciência e

interesses não necessariamente idênticos ou próximos à média dos interesses

dos seus constituintes. Preocupou-se em estudar os fatos sociais como eles

ocorrem na realidade e trabalhou na perspectiva de análise (decomposição do

fenômenos em suas partes constituintes) e síntese (reconstrução em que se

seleciona o significativo do acessório) dos fatos sociais.

Feito este apanhado geral, e criminosamente resumido, acerca da história

da sociologia estamos em condições de compreender melhor a contribuição do

francês Émile Durkheim (1858 – 1917) propriamente à sociologia.

Como foi referido anteriormente Durkheim parte da idéia fundamental

de Comte de que a sociedade deve ser vista como um organismo vivo.

Também concordava com o pressuposto de que as sociedades apenas se

mantém coesas quando de alguma forma compartilham sentimentos e crenças

comuns. Entretanto critica Comte na sua perspectiva evolucionista pois

entende que os povos que sucedem os anteriores não necessariamente são

superiores, apenas são diferentes em sua estrutura, seus valores, seus

conhecimentos, sua forma organizacional. Entende que a sequência das

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sociedades adapta-se melhor a analogia de uma árvore cujos ramos se

orientam em sentidos opostos que uma linha geométrica evolucionista.

Também Spencer foi alvo de críticas porquanto Durkheim que, de forma

geral, estendeu esta crítica a uma série de outros pensadores.

SegundoDurkheim muitos sociólogos trabalhavam não sobre o objeto em si,

mas de acordo com a idéia pré-estabelecida acerca do fenômeno. Assim, ele

entendia que a perspectiva de analise de Spencer não definia sociedade e sim

contemplava sua visão particular de como efetivamente eram as sociedades.

Também ponderou como ser possível encontrar a fórmula suprema da vida

social quando ainda ignorava-se as diferentes espécies de sociedades, suas

principais funções e suas leis. Como então empreender-se em um estudo da

evolução das mesmas quando não se sabe exatamente o que são e a que

vieram.

Entretanto antes de seguirmos gostaríamos de mapear alguns pontos que

nos parecem fundamentais para compreender o pensamento de Durkheim,

cuja base assenta-se em alguns pressupostos ou noções fundamentais a serem

detalhadas adiante:

Os fatos sociais devem ser tratados como coisas;

A análise dos fatos sociais exige reflexão prévia e fuga de idéias pré-

concebidas;

O conjunto de crenças e sentimentos coletivos são a base da coesão da

sociedade;

Destaca o estudo da moral dos indivíduos; e

A própria sociedade cria mecanismos de coerção internos que fazem

com que os indivíduos aceitem de uma forma ou de outra as regras

estabelecidas (a explicação dos fatos sociais deve ser buscada na

sociedade e não nos indivíduos – os estados psíquicos, na verdade, são

conseqüências e não causas dos fenômenos sociais)

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II - O MÉTODO SOCIOLÓGICO DE DURKHEIM

Idéias centrais do método sociológico de Durkheim

Podemos dizer que o método sociológico de Durkheim apresenta algumas

idéias centrais, que percorrem toda a extensão de sua visão sociológica. São

elas:

1) Contraposição ao conhecimento filosófico da sociedade: A filosofia

possui um método dedutivo de conhecimento, que parte da tentativa de

explicar a sociedade a partir do conhecimento da natureza humana. Ou seja,

para os filósofos o conhecimento da sociedade pode ser feito a partir de

dentro, do conhecimento da natureza do indivíduo. Como a sociedade é

formada pelos indivíduos, a filososfia tem a prática de explicar a sociedade (e

os fatos sociais) como uma expressão comum destes indivíduos. De outro

lado, se existe uma natureza individual que se expressa coletivamente na

organização social, então pode-se dizer que a história da humanidade tem um

sentido, que deve ser a contínua busca de expressão desta natureza humana.

Para Adam Smith, por exemplo, dado que o homem é, por natureza, egoísta,

motivado por fatores econômicos e propenso às trocas, a sociedade de livre

mercado seria a plena realização desta natureza. Para Hegel, a história da

humanidade tendia a crescentemente afirmar o espírito humano da

individuação e da liberdade. Para Marx, a história da sociedade era a história

da dominação e da luta de classes, e a tendência seria a afirmação histórica,

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por meio de sucessivas revoluções, da liberdade humana e da igualdade, por

meio do socialismo.

Para Durkheim, estas concepções eram insuportáveis, pois eram deduções e

não tinham validade científica, eram crenças fundamentadas em concepções a

respeito da natureza humana. Durkheim acreditava que o conhecimento dos

fatos sociológicos deve vir de fora, da observação empírica dos fatos.

2) Os fenômenos sociais são exteriores aos indivíduos: a sociedade não seria

simplesmente a realização da natureza humana, mas, ao contrário, aquilo que

é considerado natureza humana é, na verdade, produto da própria sociedade.

Os fenômenos sociais são considerados por Durkheim como exteriores aos

indivíduos, e devem ser conhecidos não por meio psicológico, pela busca das

razões internas aos indivíduos, mas sim externamente a ele na própria

sociedade e na interação dos fatos sociais. Fazendo uma analogia com a

biologia, a vida, para Durkheim, seria uma síntese, um todo maior do que a

soma das partes, da mesma forma que a sociedade é uma síntese de indivíduos

que produz fenômenos diferentes dos que ocorrem nas consciências

individuais (isto justificaria a diferença entre a sociologia e a psicologia).

3) Os fatos sociais são uma realidade objetiva: ou seja, para Durkheim, os

fatos sociais possuem uma realidade objetiva e, portanto, são passíveis de

observação externa. Devem, desta forma, ser tratados como "coisas".

4) O grupo (e a consciência do grupo) exerce pressão (coerção) sobre o

indivíduo: Durkheim inverte a visão filosófica de que a sociedade é a

realização de consciências individuais. Para ele, as consciências individuais

são formadas pela sociedade por meio da coerção. A formação do ser social,

feita em boa parte pela educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série

de normas, princípios morais, religiosos, éticos, de comportamento, etc. que

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balizam a conduta do indivíduo na sociedade. Portanto, o homem, mais do que

formador da sociedade, é um produto dela.

O que é um "fato social"?

Nas palavras do próprio Durkheim

"É fato social toda a maneira de fazer, fixada ou

não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma

coerção exterior; ou ainda, toda a maneira de fazer

que é geral na extensão de uma sociedade dada e,

ao mesmo tempo, possui uma existência própria,

independente de suas manifestações individuais"

(Durkheim, 1999, p. 13).

Ou ainda

"O fato social é tudo o que se produz na e pela

sociedade, ou ainda, aquilo que interessa e afeta o

grupo de alguma forma"(Idem, p. XXVIII).

Os fatos sociais, para Durkheim, existem fora e antes dos indivíduos (fora

das consciências individuais) e exercem uma força coercitiva sobre eles (ex.

as crenças, as maneiras de agir e de pensar existem antes dos indivíduos e

condicionam coercitivamente o seu comportamento).

Durkheim argumenta, contrariando boa parte do pensamento filosófico,

que "somos vítimas da ilusão que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o

que se impõe a nós de fora" (Idem, p.5). E, respondendo àqueles que não

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crêem nesta coerção social que sofrem os indivíduos porquê não se pode senti-

la, argumenta que "o ar não deixa de ser pesado embora não sintamos seu

peso". Para Durkheim, o fato social é um resultado da vida comum, e ele

propõe isolá-los para estudá-los. Desta forma, a sociologia deveria preocupar-

se essencialmente com o estudo dos fatos sociais, de forma objetiva e

científica.

Sobre a observação dos fatos sociais:

Para Durkheim, a ciência deveria explicar, não prescrever remédios. Este,

para ele, era o problema da filosofia, ela tentava entender a natureza humana,

pois aí, tudo o que estivesse de acordo com esta natureza era considerado

bom, e tudo o que não estivesse era considerado ruim.

Para Durkheim, a observação dos fatos sociais deveria seguir algumas regras,

tais como:

A. Os fatos sociais devem ser tratados como COISAS.

Para Durkheim, "é coisa tudo aquilo que é dado, e que se impõe à

observação". Nem a existência da natureza humana nem o sentido de

progresso no tempo, como admitia Comte por exemplo, fazia sentido,

segundo Durkheim, dentro do método sociológico. Eles são uma

concepção do espírito. Durkheim, neste sentido, é essencialmente

objetivista, empirista e indutivista, ao contrário de Comte, o fundador

da sociologia, que era considerado por ele como subjetivista e

filosófico.

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B. Uma segunda concepção importante no método sociológico de

Durkheim, é de que, para ele, o sociólogo ao estudar os fatos sociais,

deveria despir-se de todo o sentimento e toda a pré-noção em relação ao

objeto.

C. Terceiro, o pesquisador deveria definir precisamente as coisas de que se

trata o estudo a fim de que se saiba, e de que ele saiba, bem o que está

em questão e o que ele deve explicar.

D. E quarto, a sensação, base do método indutivo e empirista, pode ser

subjetiva. Por isto, dever-se-ia afastar todo o dado sensível que corra o

risco de ser demasiado pessoal ao observador.

Sobre a distinção entre "normal" e "patológico"

Uma questão de fundamental importância no pensamento de Durkheim, é

que dá o tom do seu positivismo e funcionalismo, é a concepção de que

existem estados normais e estados patológicos entre os fatos sociais. Ou seja,

existem fatos sociais que são normais e fatos que são patológicos, ou

mórbidos como também ele denomina estes últimos. Para ele, fatos normais

são aqueles que são o que devem ser, enquanto os patológicos deveriam ser de

outro modo. Portanto, dentro desta perspectiva, poderíamos encontrar estados

de saúde e doença social. Assim, "a saúde seria boa e desejável, ao passo que

a doença é ruim e deveria ser evitada" (Idem, p. 51).

Partindo deste pressuposto, Durkheim pensava ter encontrado uma forma

objetiva de dar um propósito prático, ou normativo, à sociologia, sem deixar

de ser uma ciência explicativa e objetiva. Segundo ele, até então haviam duas

formas de pensamento: (a) a ciência puramente explicativa, sem fins práticos

e não normativa, que tendia a tornar-se inútil; e (b) o método ideológico, que

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era dedutivo, baseado na idéia do próprio autor, no conhecimento filosófico,

normativo mas não científico (ele cita a filosofia e a economia por exemplo, e

também alguns sociólogos, como Spenser). Nenhuma destas concepções era

satisfatória; a primeira era inútil pois não poderia lançar luz sobre a ação

humana, ao passo que a segunda não era objetiva e, portanto, era não

científica.

Desta forma, Durkheim acreditava que

"Se encontrarmos um critério objetivo, inerente aos

fatos mesmos, que nos permita distinguir

cientificamente a saúde da doença nas diversas

ordens de fenômenos sociais, a ciência será capaz

de esclarecer a prática, sem deixar de ser fiel ao

seu próprio método" (p.51).

O grande problema, agora, para Durkheim, era definir saúde e doença em

sociologia. E, neste ponto, ele lança mão de todo um repertório de

comparações com a medicina e com os organismos vivos. Assim, ele

definesaúde como a perfeita adaptação do sujeito ao seu meio, e doença como

tudo o que perturba esta adaptação.

Mas, com base em que critério poderíamos dizer que um método de se

adaptar é mais perfeito do que outro. Segundo ele, não poderia ser pelo que

compromete a sobrevivência ou pelo que debilita o organismo (comparando

com a medicina, a velhice, a menstruação e o parto implicam em riscos e

debilitam o organismo, mas não são doenças). Da mesma forma, não poderia

ser pela funcionalidade (comparando novemente, certas disposições

anatômicas, o apêndice por exemplo, não são funcionais mas nem por isto são

doenças). Cabe observar, porém, que, embora descartando a funcionalidade

como critério objetivo para se dizer se um fato é normal ou patológico, ele dá

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bastante ênfase, em todo o seu trabalho, à funcionalidade dos fatos sociais

normais. Em um parágrafo ele até mesmo se contradiz afirmando que "é

doença social quando perturba o desempenho normal das funções"

Mas, descartando, a princípio, estas duas possibilidades, Durkheim permite

uma abertura ao subjetivismo. Segundo ele, para o sociólogo é mais

complicado do que para a medicina, definir estados doentes e saudáveis.

Assim,

"Na falta desta prova de fato, nada mais é possível

senão raciocínios dedutivos cujas conclusões só

podem ter o valor de conjecturas subjetivas.

Demonstrar-se-á não que tal acontecimento

enfraquece efetivamente o tecido social, mas que

ele deve ter este efeito" (Idem, p. 56).

Fundamental, portanto, para Durkheim, era definir o que é normal. O que é

um Estado Normal? O normal, salienta ele, é um estado relativo. Assim como

na biologia a idéia de normal é relativa à espécie, a tipos dentro da espécie e à

idade do ser, também na sociologia devemos considerar que a idéia de normal

é relativo ao tipo de sociedade, a variações dentro da sociedade (selvagem ou

mais civilizada) e ao estágio de desenvolvimento da sociedade. Desta forma,

somente podemos comparar fatos sociais em sociedades distintas respeitando

esta relatividade.

Deve-se, assim, identificar os tipos normais por meio da observação. A

medicina estuda as funções do organismo médio, e com a sociologia deveria

ocorrer a mesma coisa. Dentro da concepção de Durkheim, normal também

tem uma concepção de generalidade. Ou seja, se um fato social é encontrado

em todas as sociedades de todos os tempos, então ele é normal. Ou então, se é

encontrado em todas as sociedades daquele mesmo tipo social (sociedades

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semelhantes). Ele dá o exemplo do crime para ilustrar esta acertiva. Segundo

ele, o crime existe em todas as sociedades, de todas as espécies, e não tende a

diminuir. Não poderia ser normal a ausência de crime, pois uma fato que não é

observado em nenhuma situação não poderia ser considerado normal. A

ausência de crime seria impossível em uma sociedade, portanto, não poderia

ser considerada normal. Obviamente que existem graduações de crime; ou

seja, ele poderia aumentar a um ponto de se tornar patológico, ou seja,

comprometer o tecido social. O cime seria também útil. Segundo o próprio

Durkheim, o cime "é necessário; ele está ligado às condições fundamentais

de toda a vida social e, por isto mesmo, é útil; pois as condições de que ele é

solidário são elas mesmas indispensáveis à evolução normal da moral e do

direito" (idem, p.71). Assim, se o crime é considerado normal, então ele é

inevitável ainda que lastimável.

A idéia de normal e patológico, segundo Durkheim, também tinha um

outro fim prático: prevenir-nos de buscar utopias que se afastam na medida

em que avançamos, e concentrar-nos nas coisas normais para cada sociedade

em seu tempo.

Sobre a construção de tipos sociais

Uma outra questão importante no método de Durkheim parte da

necessidade de agrupar sociedades em tipos sociais, segundo a sua

semelhança. Para o método sociológico, não interessava nem a perspectiva

dos historiadores, que viam na história uma diversidade de sociedades muito

grande, nem a filosófica, que agrupava toda a evolução histórica na idéia de

humanidade, pela qual perpassava a realização da natureza humana. Segundo

Durkheim, escapamos a esta alternativa tão logo se reconheça que, entre a

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multidão confusa das sociedades históricas (a infinidade de sociedades

diferentes descrita pelos historiadores) e o conceito único, mas ideal, de

humanidade (dos filósofos), existem intermnediários que são as espécies

sociais.

A constituição destes tipos sociais, de suma importância para a sociologia

uma vez que Durkheim afirmava que a concepção de normal e patológico é

relativa a cada tipo social, deveria seguir um método: (a) estudar cada

sociedade individualmente; (b) constituir monografias exatas e detalhadas; (c)

compará-las achando semelhanças e diferenças; (d) classificar os povos em

grupos, segundo estas semelhanças e diferenças.

Este seria, para Durkheim, um método somente admissível para uma

ciência da observação. O estudo e a representação destes tipos sociais foi

descrita por ele como uma área específica da sociologia,

denominadaMorfologia Social, numa clara alusão aos estudos semelhantes na

biologia.

Sobre a explicação dos fatos sociais

Durkheim afirmava que seus antecessores na sociologia (Comte e Spencer)

explicavam os fatos sociais pela sua utilidade. Assim, para Comte, o progresso

existe para melhorar a condição humana, ou para Spencer, para tornar o

homem mais feliz. A família, para Spencer, se transformara pela necessidade

de concilhar cada vez mais perfeitamente o interesse dos pais, dos filhos e da

sociedade. Assim, os sociólogos tendiam a normalmente deduzirem o fato dos

fins, ou seja, a explicação suprema da vida coletiva consistiria em mostrar

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como ela decorre da natureza humana em geral. Para Durkheim, porém, este

método era errado. Segundo ele

"Mostrar como um fato é útil não explica como ele

surgiu nem como ele é o que é" (Idem, p.92). "Para

explicar um fenômeno social é preciso pesquisar

separadamente a causa eficiente que ele produz e a

função que ele cumpre" (Idem, p.97). Apesar disto,

"para explicar um fato de ordem vital não basta

explicar a causa da qual ele depende, é preciso

também ao menos na maior parte dos casos,

encontrar a parte que lhe cabe no estabelecimento

desta harmonia geral" (Idem, p.99).

Para Durkheim, ao invés de buscar a causa dos fatos sociais nos fins ou na

função que ele desempenha, "a causa determinante de um fato social deve ser

buscada entre os fatos sociais antecedentes, e não entre os estados de

consciências individuais". Por outro lado, "a função de um fato social deve

sempre ser buscada na relação que ele mantém com algum fim social" (Idem,

p. 112).

Sobre a relação de causalidade

Dado que do fato social primeiro deve se buscar as causas para depois

explicar-lhe as conseqüências (ou seja, não se pode deduzir a causa das sua

conseqüência), deve-se Ter, então, rigor científico na explicação causal.

Assim, para Durkheim

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"Só existe um meio de demonstrar que um

fenômeno é causa de outro: comparar os casos em

que eles estão simultaneamente presentes ou

ausentes e examinar se as variações que

apresentam nessas diferentes combinações de

circunstâncias testemunham que um depende do

outro" (p. 127).

Ora, este é um método que advoga a observação e o estudo estatístico do

fato e dos fatores que hipoteticamente podem lhe ser causadores, para que se

possa estabelecer correlação entre eles. Para Durkheim, em razão da natureza

dos fatos, os métodos científicos que decorriam desta concepção dividiam-se

em dois grupos: (a) Experimentação, quando os fatos podem ser

artificialmente produzidos pelo observador; e (b)Experimentação Indireta ou

Comparação quando os fatos se produzem espontaneamente e não podem ser

produzidos pelo observador.

Como pode-se observar, o método para se estabelecer a causalidade em

sociologia, para Durkheim, seria a Experimentação Indireta ou Comparação.

Comte também utilizava o método da comparação, mas a este ele adicionou o

método histórico, pois ele tinha que buscar a finalidade e a evolução dos

fenômenos, ou seja, o sentido de progresso. Isto, para Durkheim, não tina

sentido em sociologia.

Segundo a sua concepção de causalidade, a um efeito corresponderia

sempre uma mesma causa. Assim, se um fato tem mais de uma causa, então

ele não é um fato único. Durkheim dá o exemplo do suicídio: se o suicídio

depende de mais de uma causa, é porque, na verdade, existem várias espécies

de suicídio (ele identificou três tipos, que decorriam de causas distintas, o

suicídio egoísta, o altruísta e o anômico).

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Mas não basta estudar a correlação entre os fatos sociais; é preciso que haja

uma explicação racional vinculando-os. Assim,

"a concomitância (de dois fenômenos) pode ser

devida não a um fenômeno ser a causa do outro,

mas a serem ambos efeitos de uma mesma causa,

ou então por existir entre eles um terceiro

fenômeno, intercalado, mas despercebido, que é o

efeito do primeiro e a causa do segundo" (idem,

p.134).

Desta forma, os resultados da comparação deveriam ser interpretados.

O método de Durkheim, por ele próprio

Para Durkheim, o seu método sociológico tinha três características básicas

que o distinguiam de seus antecessores na sociologia, como Comte e Spencer:

1. Ele é um método independente de toda a filosofia. Ou seja, ele não

tem que Ter uma vinculação com qualquer visão filosófica ou

ideológica do mundo. Ele não precisa afirmar nem a liberdade nem o

determinismo; a sociologia, assim, não será nem individualista, nem

comunista, nem socialista, no sentido que se dá vulgarmente a estas

palavras (idem, p.174).

2. É um método objetivo. Segundo Durkheim, ele é um método

inteiramente dominado pela idéia de que os fatos sociais são coisas e

como tais devem ser tratados (idem, p.148).

3. É exclusivamente sociológico. Ou seja, não deriva da forma da

filosofia tratar a sociedade, nem da psicologia, e nem das ciências

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naturais, uma vez que afirma que a sociedade tem uma natureza

própria, que não é derivada nem da natureza humana, nem das

consciências individuais, nem das constituições orgânicas dos

indivíduos.

III - VIDA E OBRA DE DURKHEIM

Dados pessoais e profissionais

Nasceu a 15 de abril de 1858 em Epinal, Departamento de Voges,

noroeste da França exatamente entre a Alsácia e a Lorena;

De família de origem judia e de pai rabino, casado e pai de um casal de

filhos;

Em 1879 entra na École Normale Supérieure e sai em 1882 com o

título de Agrégé de Philosophie;

Em 1882 realiza concurso para docência em filosofia e é nomeado

professor em Sens e Saint-Quentin;

Em 1885 vai estudar ciências sociais em Paris e na Alemanha(onde

permanece por um ano);

Nomeado professor de pedagogia e ciência social na Faculdade de

Letras da Universidade de Bordéus(primeiro curso de sociologia nas

universidades francesas);

Em 1893 defende Tese de Doutorado principal – De la division du

travail social; e a Tese complementar, escrita em latim e publicada em

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1892 mas editada em francês apenas em 1953 – Montesquieu et

Rousseau, précurseurs de la Sociologie.

Em 1896 funda L’année Sociologique – jornal orientador do

pensamento e da pesquisa sociológica na França;

Em 1902 é nomeado professor-substituto na cadeira de pedagogia

na Sorbonne;

Em 1906 é nomeado professor-titular da cadeira de pedagogia da

Faculdade de Letras de Paris, onde leciona pedagogia e sociologia;

Em 1910 transforma a cadeira na Sorbonne em cátedra de Sociologia;

Em 1915 perde seu filho único no front de Salonique; e

Em 1917 morre em Paris.

Principais Obras

1893 – De la division du travail social. Paris, F. Alcan. (7.ª ed. PUF,

1960)

1895 – Les règles de la méthode sociologique. Paris, F. Alcan. ( trad.

Port. De Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo, Companhia

Editora Nacional, 1972)

1897 – Le suicide. Étude sociologique. Paris, F. Alcan. (11.ª ed. PUF,

1969)

1912 – Les formes élémentaires de la vie religieuse. Le système

totémique en Australie. Paris, F. Alcan. (5.ª ed. PUF, 1968)

1922 – Éducation et Sociologie. Paris, F. Alcan. (trad. De Lourenço

Filho. São Paulo, Melhoramentos [ s.d.])

1925 – L’éducation morale. Paris, F. Alcan. (Nova ed. PUF, 1963)

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1938 – L’évolution pédagogique en France. Introdução de M.

Halbwachs. Paris. (2.ª ed. PUF, 1969)

1953 – Montesquieu et Rousseau, précurseurs de la Sociologie. Nota

introdutória de G. Davy. Paris, Marcel Rivière.

http://gestor.ea.ufrgs.br