Emprego sobe mais no interior que nas...

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Página 1 Boletim 521/14 – Ano VI – 12/05/2014 Emprego sobe mais no interior que nas capitais Por Arícia Martins e Tainara Machado | De São Paulo Enquanto o mercado de trabalho nas seis principais regiões metropolitanas continuou dando sinais de desaceleração neste começo deste ano, as demais regiões do país mostraram quadro inverso. As seis maiores regiões metropolitanas brasileiras - que fazem parte da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE - geraram 60,8 mil postos formais de trabalho no primeiro trimestre de 2014, quase 9% menos do que no mesmo período do ano passado, quando o saldo positivo foi de 66,8 mil vagas. No restante do país, o saldo líquido entre admissões e demissões aumentou 22,6% de janeiro a março, na comparação com igual período de 2013, passando de 198 mil para 242,7 mil vagas. Os cálculos são do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, e não consideram informações enviadas fora do prazo legal à pasta.

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Boletim 521/14 – Ano VI – 12/05/2014

Emprego sobe mais no interior que nas capitais Por Arícia Martins e Tainara Machado | De São Paulo Enquanto o mercado de trabalho nas seis principais regiões metropolitanas continuou dando sinais de desaceleração neste começo deste ano, as demais regiões do país mostraram quadro inverso. As seis maiores regiões metropolitanas brasileiras - que fazem parte da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE - geraram 60,8 mil postos formais de trabalho no primeiro trimestre de 2014, quase 9% menos do que no mesmo período do ano passado, quando o saldo positivo foi de 66,8 mil vagas. No restante do país, o saldo líquido entre admissões e demissões aumentou 22,6% de janeiro a março, na comparação com igual período de 2013, passando de 198 mil para 242,7 mil vagas. Os cálculos são do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, e não consideram informações enviadas fora do prazo legal à pasta.

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As estatísticas do IBGE para os seis maiores centros urbanos corroboram os resultados do emprego formal. Nos primeiros três meses de 2014, o baixo nível de desemprego apontado pela PME foi sustentado pelo pouco dinamismo da População Economicamente Ativa (PEA), que encolheu 0,6% no primeiro trimestre ante igual período do ano passado, enquanto o contingente de ocupados nos mercados formal e informal ficou estável. Cálculos da LCA Consultores com base no Caged indicam que a participação do interior na geração de empregos com carteira por Estado cresceu em 2013. No Rio de Janeiro, a fatia das áreas fora da região metropolitana no total de vagas formais abertas subiu de 16,9% em 2012 para 27,2%, e chegou a 64,1% no Rio Grande Sul, ante 58,8% no ano anterior. Segundo o pesquisador Rodrigo Leandro de Moura, do Ibre-FGV, a tendência de melhor comportamento do emprego fora das grandes capitais foi acentuada neste início de ano. Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, que abrange mais de três mil municípios, o desempenho do interior na criação de novas ocupações também tem sido mais favorável, diz ele. No último trimestre de 2013, as regiões com maior aumento no contingente de ocupados sobre o mesmo período de 2012 foram o Nordeste e o Centro-Oeste, com alta de 3,4% e 3,3%, respectivamente. O economista do Ibre avalia que as pressões de custo nas regiões metropolitanas podem estar levando o setor industrial a migrar para o interior. Embora a indústria de transformação tenha criado apenas 4,6 mil vagas nas regiões metropolitanas no primeiro trimestre, ante 13,9 mil postos no início de 2013, no restante do país houve saldo de 91,4 mil trabalhadores com carteira assinada no segmento, alta de 3% sobre o mesmo período do ano passado. Fabio Romão, da LCA, avalia que a maior geração de vagas em cidades menores está mais relacionada à dinâmica atual da atividade, em que o comércio exterior perdeu espaço para o mercado interno, diante da lenta recuperação da economia global. "Para a indústria de alimentos, por exemplo, o mercado doméstico tem grande importância, e esse setor está muito mais presente no interior", diz Romão. O economista observa que, por não produzir bens de grande valor agregado, a desaceleração da renda não prejudicou esse setor, que criou 21,2 mil novos postos com carteira no interior em 2013, ante apenas 6,8 mil em 2012. Nas seis principais regiões metropolitanas, o saldo de vagas aumentou menos no período, de 8,1 mil em 2012 para 13,2 mil em 2013. Romão também destaca o desempenho do emprego formal na construção civil. Nas seis maiores regiões metropolitanas, o saldo líquido entre admissões e demissões diminuiu de 32,6 mil vagas no primeiro trimestre do ano passado para 21,8 mil no mesmo período deste ano. No restante do país, houve um ligeiro aumento, de 36,2 mil para 39,1 mil novos postos.

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Para Romão, a segunda fase do Minha Casa, Minha Vida pode ter feito a diferença nos resultados do emprego no interior, onde o valor médio dos imóveis é menor e, por isso, mais famílias podem ter acesso ao programa habitacional do governo. Além disso, diz Romão, como as grandes cidades foram pioneiras no "boom" imobiliário anos atrás, também saíram na frente na desaceleração do setor, que perde fôlego mais lentamente no interior. Os serviços foram outro ramo que criou mais vagas no primeiro trimestre do que em igual período de 2013. Fora das seis principais regiões metropolitanas, houve aumento de 26,4% na geração de postos com carteira, para 128,8 mil. Nas capitais pesquisadas pelo IBGE para o cálculo da taxa de desemprego, a expansão foi maior, de 36%, com 76,6 mil novos postos abertos. Para Moura, do Ibre, o setor pode estar antecipando contratações temporárias para a Copa do Mundo. O professor Leonardo Trevisan, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que não é só a indústria que se beneficia de custos mais baixos ao se instalar fora das principais regiões metropolitanas. "O empreendorismo no interior também é mais barato", diz Trevisan, o que acaba gerando mais empregos relacionados à prestação de serviços. As fábricas também trazem para seu entorno uma rede de serviços, acrescenta o especialista. Trevisan aponta que outro fator por trás do processo que chama de "interiorização" do emprego está numa maior adequação da mão de obra nestes locais. De acordo com o pesquisador, a maior qualidade da educação pública no interior aumenta a qualificação do funcionário, mas outras questões de mensuração mais difícil, como relações familiares mais estáveis fora dos grandes centros urbanos, também têm influência positiva sobre a eficiência do trabalhador. As empresas que estão indo para o interior têm mostrado cada vez mais interesse na mão de obra local e, por isso, estão elas mesmas qualificando seus funcionários por meio de cursos e treinamentos, diz Rogério Leme, diretor da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). "Isso tem um aspecto de desenvolvimento social importante e motiva os governos locais a oferecerem incentivos a essas empresas", comenta Leme. Para Leonardo Souza, diretor-executivo da Michel Page, os profissionais também têm procurado uma maior qualidade de vida e, por isso, hoje é mais aceita a ideia de que é possível construir uma carreira fora das grandes cidades. Segundo Souza, essa tendência é notável em relação ao Nordeste, que há alguns anos não era vista como uma região tão promissora. Assim como Leme, ele avalia esta mudança como positiva, já que permite o desenvolvimento de outras regiões.

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País avança no combate ao trabalho escravo Por Zínia Baeta | De Brasília O alojamento era de tábuas. Banheiro não existia e a única opção para banho era o riacho, onde as roupas também eram lavadas. O mato substituía o vaso sanitário. As condições do local, onde viveria pelos próximos oito meses, eram muito piores do que a casa onde morava. Mas Carlito da Silva, na época com 17 anos, não se importou. Ele precisava do emprego e se adaptou à nova realidade e a uma jornada superior a dez horas diárias. Carlito, hoje com 26 anos, faz parte de uma lista do governo brasileiro de 46.073 pessoas resgatadas, entre 1995 e meados do ano passado, em condições de trabalho análogas às de escravo. Ao contrário da maioria, ele conseguiu romper esse ciclo, fazer um curso técnico e hoje é eletricista de uma empresa de Cuiabá.

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Saudade daquele tempo? "Não, de forma alguma", diz. Ainda assim, o trabalhador afirma que precisa ser justo com o gato - intermediador que o contratou para trabalhar na fazenda - porque ele era uma pessoa boa. "Não posso falar mal dele porque minha situação era melhor que nas outras fazendas. O gato nunca deixou faltar comida, água limpa e sempre pagou em dia." Seu resgate, juntamente com o de outros trabalhadores, ocorreu em 2004 em uma fazenda na região de Mutum, em Mato Grosso, por uma equipe de auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e procuradores do Ministério Público do Trabalho. O Estado é um dos que mais registram denúncias de trabalho escravo rural no Brasil, principalmente nas atividades de carvoaria e preparo de pasto para a pecuária. O Pará está na liderança. Na área urbana, o problema está concentrado em São Paulo, principalmente nas indústrias de confecção e construção. Mas há registros em outros Estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro. Segundo o MTE, no ano passado, 1.066 trabalhadores foram resgatados em áreas urbanas, em 45 operações. No caso de Carlito, após a fiscalização, o "posto de trabalho" foi fechado quando constatadas as condições desumanas em que os profissionais exerciam suas atividades. O fazendeiro, com o qual nunca tivera contato, foi obrigado a assinar a carteira e a promover a rescisão contratual de todos, pagando verbas trabalhistas devidas, como férias e horas extras. No Brasil, submeter alguém à condição de trabalho similar a de escravo é crime, tipificado no artigo 149 do Código Penal. A conduta se caracteriza pelos trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho e restrição da locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida ou outro motivo. Acrescente-se a isso, a vigilância ostensiva e a retenção de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de mantê-lo no local de trabalho. Na Justiça do Trabalho, que pune com cada vez mais rigor empregadores flagrados nessa situação, os tribunais se baseiam em tratados internacionais, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) - que prevê as condições para o exercício profissional e obrigações do empregador - e principalmente no artigo 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal. O dispositivo constitucional estipula como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. A indenização mais alta paga por empresa em razão da prática, segundo o MPT, foi de R$ 15 milhões. No caso, foi fechado um acordo no Judiciário. O processo envolveu a construtora OAS, responsável pelas obras do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, no ano passado e parte desse dinheiro foi revertido para a própria acomodação e regularização dos trabalhadores provenientes de outros Estados. Na ocasião, foram resgatadas 111 pessoas.

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Apesar do montante ser o mais significativo, o caso considerado emblemático por profissionais da área foi finalizado em 2012 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Foi a primeira vez que um processo sobre o tema transitou em julgado na Corte - quando não há mais recurso. O tribunal manteve decisão de segunda instância que determinou à Construtora Lima Araújo e à Lima Araújo Agropecuária o pagamento de danos morais coletivos de R$ 5 milhões por trabalho escravo em fazendas do grupo no Pará, por práticas reiteradas, que iam desde a falta de água potável até a venda de equipamentos de proteção individual, atraso nos pagamentos e inexistência de folgas. O valor pedido pelo MPT no processo era superior a R$ 80 milhões, mas foi fixado em R$ 3 milhões na primeira instância e posteriormente em R$ 5 milhões pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. O TST entendeu que o valor era justo e razoável, pois a condição de trabalho escravo ou similar acarreta ofensa frontal à dignidade da pessoa humana e, "reflexamente à todo o sistema protetivo trabalhista e aos valores sociais do trabalho protegidos pela Constituição". Para o tribunal, a punição teria o objetivo de inibir condutas semelhantes. Participante de inúmeros resgates como membro do Ministério Público do Trabalho ao longo de uma carreira de 25 anos, o procurador-geral do trabalho Luís Antônio Camargo de Melo afirma que a situação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil é grave, mas avalia que já foi infinitamente pior. Ainda assim, para ele, não há dúvidas de que caminhamos para erradicar esse mal. "Quando? Não sei. Mas o Estado brasileiro se comprometeu com essa tarefa e estamos muito melhor do que há 20 anos, pois temos uma atuação articulada [entre MPT, MTE, polícias e entidades civis] e um tratamento sigiloso das denúncias", diz. Esse avanço, segundo ele, só foi possível a partir de 1995 quando o Brasil assumiu o problema e passou a combatê-lo. A busca pela responsabilização das empresas pelo trabalho escravo, ainda que a prática seja da contratada terceirizada, começou na década de 90 pelo MPT. De acordo com Melo, é a teoria do domínio do fato, que desde aquela época é adotada pelo órgão. Nesse sentido, quem terceiriza e se beneficia do trabalho escravo deve ser responsabilizado. A aplicação desse entendimento pelo Ministério Público ocorreu muito antes do julgamento do mensalão (Ação Penal 470) pelo Supremo Tribunal Federal, quando ficou popularmente conhecida. "Essa é a única forma de responsabilizar o principal beneficiário da cadeia produtiva", afirma. A teoria começou a ser aplicada em processos que envolviam siderúrgicas na cadeia produtiva do carvão vegetal. "Não adiantava ir atrás do produtor de carvão, pois a siderúrgica sempre acharia outro que vendesse. A partir do momento em que elas foram responsabilizadas, tiveram problemas com seus parceiros comerciais no exterior e contratos rompidos, passaram a tomar mais cuidado com a compra do carvão."

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É em razão dessa teoria, que hoje grandes grupos da indústria da confecção respondem a autuações ou a processos judiciais por trabalho escravo contemporâneo. "Os responsáveis sempre negam que sabiam do trabalho escravo da terceirizada. Isso você sempre vai escutar, mas eles se beneficiavam e isso é o que importa", afirma. Nos últimos anos, foram vários casos nas áreas urbanas que ganharam as manchetes dos noticiários. Exemplos recentes são da varejista espanhola Zara que fechou um acordo de R$ 3,4 milhões - um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) - com o MPT, que a investigava pela prática de confecções terceirizadas. Já as Casas Pernambucanas respondem a uma ação civil pública proposta pelo MPT sobre o assunto, com audiência marcada para 6 de junho. De acordo com o procurador-geral, as denúncias em áreas urbanas começaram a crescer a partir de 2000 e naquela época já envolviam bolivianos. O chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do MTE, Alexandre Lyra, afirma que, em algumas fiscalizações, verificou-se que trabalhadores recebiam em média R$ 1,50 por peça fabricada, trabalhavam em média 16 horas, viviam no mesmo local onde trabalhavam - casas de poucos cômodos, que abrigavam de três a quatro famílias - e demonstravam um enorme medo da deportação. Na percepção de Lyra, o trabalho escravo urbano sempre existiu, mas as atenções estavam mais voltadas para o campo, pois foi de onde surgiram as primeiras denúncias. Já o procurador-geral do trabalho credita o aumento das denúncias em áreas urbanas ao crescimento econômico da última década. Lyra acrescenta que, apesar de das área serem diferentes, tanto na zona urbana quanto na rural o tratamento a que são submetidos os trabalhadores é o mesmo: desrespeito à dignidade humana. A maior parte das investigações realizada pelas autoridades brasileiras (MPT, MTE e polícias) tem origem em denúncias, que chegam por diversos meios. Desde o espaço previsto no site do MPT, denúncias repassadas por ONGs, ao testemunho do próprio trabalhador que conseguiu fugir do local onde estava. O procurador regional da Coordenadoria do Combate ao Trabalho Escravo do Mato Grosso, Thiago Ribeiro, afirma que após a denúncia é aberta uma investigação que, se tiver fundamento, levará a uma diligência ao local - que normalmente envolve o grupo móvel de combate ao trabalho escravo, existente desde 1995, e formado por procuradores do trabalho, auditores e policiais. Constatada a condição de trabalho escravo, há o resgate. Nesse momento, busca-se fazer com que o proprietário assine a carteira do trabalhador e pague o salário e demais verbas devidas. "Se isso não ocorrer uma ação em caráter de urgência já é ajuizada para assegurar o pagamento, sob pena de multa significativa", diz Ribeiro. Nessas ações, normalmente, são pedidas as indenizações por danos morais coletivos, cujos valores estão cada vez mais altos. O montante arrecadado, em muitos

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casos é revertido em projetos de educação e cursos profissionalizantes dos trabalhadores. Como no caso de Carlito da Silva. Após seu resgate, ele fez um curso de eletricista oferecido dentro de um projeto de assistência ao trabalhador resgatado mantido pelo MPT, MTE e entidades parceiras. Ele está há seis anos em uma mesma empresa em Cuiabá e se orgulha de agora ter uma profissão. Procurados pelo Valor , o grupo Inditex, controlador da Zara, e as Casas Pernambucanas enviaram notas sobre o assunto. O Inditex afirma que sempre investiu em uma política de controle da cadeia produtiva. Em 2011, conforme a nota, um fornecedor, responsável por menos de 3% da produção no país, burlou o código de conduta do grupo, o que levou a um rompimento das relações comerciais. Já as Casas Pernambucanas informou que tem investido todos os anos em mecanismos e processos que desenvolvam a qualidade e a lisura de seus fornecedores. Isso tudo, no entanto, diz nota, "não é suficiente caso algum ente do mercado atue de má-fé". A OAS e o Grupo Lima Araújo não deram retorno.

Empregado busca apenas comida

Luís Antônio de Melo: situação é grave, mas caminhamos para a erradicação

Por Zínia Baeta | De Brasília Abaixo seguem os principais pontos da entrevista do procurador-geral do trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo: Valor: Qual o conceito de trabalho escravo contemporâneo? Luís Antônio Camargo de Melo: Ao contrário dos que tentam enganar a opinião pública, a conceituação não é falha e oferece segurança jurídica. Muitos adversários nossos se socorrem de uma linha de argumentação falaciosa no sentido de que o que se combate é uma mera irregularidade trabalhista. Isso não é verdade. Há situações gravíssimas, ofensa aos direitos humanos, a princípios constitucionais que são muito caros ao Brasil. A Constituição traz no artigo 1º a determinação de que é preciso respeitar a dignidade da

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pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Não está lá porque o legislador não tinha coisa mais importante para colocar lá. Valor: Então, o que seria o trabalho escravo? Melo: O Código Penal estipula quatro condições: trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante e a servidão por dívida. Do meu ponto de vista, dentro desta norma penal, há apenas duas condições. O trabalho forçado e a condição degradante porque a maior causa do trabalho forçado é a servidão por dívida. Estamos falando de uma situação que o trabalhador não tem forças para romper, por conta de violência ou por uma dívida mentirosa, mas que acredita existir. Por isso, ele vai trabalhar como um condenado para pagar aquela dívida. Mas não conseguirá. Valor: O que caracteriza uma condição degradante? Melo: Essa condição inclui a jornada exaustiva. O que quero dizer? Quem trabalha oito, dez ou doze horas por dia não necessariamente está em uma jornada exaustiva. Não se mede unicamente pela quantidade de horas, mas principalmente pela atividade que está sendo desenvolvida e se ela leva à exaustão. Para ver se isto ocorre, deve-se observar se o trabalhador terá condições físicas de cumprir aquela atividade. Some-se a isso as péssimas condições. Há lugares que não têm água potável e banheiro. Valor: O senhor fala de adversários, quem seriam? Melo: São muitos, principalmente os que dizem que não há trabalho escravo no Brasil. Empresários, produtores rurais, líderes setoriais, parlamentares e integrantes do Executivo. É aquele sujeito que diz que, em uma determinada operação, foi processado porque o colchão do trabalhador não estava na altura definida pela norma do Ministério do Trabalho e Emprego. Conversa fiada. Quando se chega a uma propriedade e há alojamentos em péssimas condições, dificilmente a única irregularidade será essa. Há um conjunto de coisas e não apenas o colchão fino. Valor: Os libertados voltam a trabalhar nessas situações? Melo: Sim. Oferece-se ao trabalhador um contrato em outra cidade, em propriedade rural ou confecção, e ele aceita. Isso ocorre porque não tem alternativas, porque a maioria é analfabeto ou analfabeto funcional, não tem formação. Está em sua cidade passando fome e tem família para sustentar. Já vi gente pedindo para não se fechar o lugar onde trabalhava porque ali, apesar dos pesares, a pessoa conseguia comer. Valor: O trabalhador tem necessidade economica e é atraído por falsas promessas? Melo: Sim. Ele já sai de sua região diminuído. Isso é grave. As pessoas que não enxergam isso não são somente insensíveis, mas estão à frente de um projeto em busca de um lucro maior. Então não há inocente nessa história. Isso não é cultural, mas parte do processo produtivo. Antes você tinha um escravo, e isso era permitido pela legislação. Acabou-se com a escravidão, mas o processo produtivo não mudou, continua o mesmo. É a busca do maior lucro.

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Valor: Poderia dar um exemplo? Melo: Em uma linha de produção, com aquela esteira em velocidade assustadora, o trabalhador é obrigado a fazer 18 movimentos em 15 segundos e pode ficar doente, ter LER e ficar incapacitado. A empresa acaba contratando outro para daqui a pouco este também ficar pendurado na Previdência. É o processo produtivo. Mudar isso requer um investimento alto. Então, prefere-se pagar multa, responder a uma ação na Justiça, mas manter o processo produtivo porque ele é mais lucrativo. Acidente de trabalho não é caso fortuito, tem previsão dentro desse processo produtivo, e sai mais barato. Valor: Como é o acompanhamento do trabalho escravo? Melo: Quando comecei a fazer isso em 1992, ia no carro da procuradoria, com um auditor e um motorista. Era algo desorganizado, voluntarista, íamos ver a denúncia que estava no caderno da Pastoral da Terra. Hoje, temos grupos organizados: o Ministério Público do Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego e a Polícia Federal. Esses grupos atuam organizadamente. Hoje consegue-se dar um tratamento sigiloso à denúncia. Antes não. Várias vezes cheguei em propriedade rural depois de viajar por horas na estrada de chão e, às sete da manhã, estavam nos aguardando para o café da manhã. A situação atual é melhor. Há um caminho a percorrer, mas se observarmos os dados do Ministério do Trabalho e Emprego, veremos que os números de resgates estão diminuindo, mas em contrapartida, surgiu o foco urbano. Valor: Por que há essa inversão? Melo: Acredito que esse tipo de exploração na área urbana sempre ocorreu e aumentou por conta do crescimento econômico que o Brasil vem experimentando. No começo dos anos 2000, as denúncias na área urbana começaram a crescer, principalmente envolvendo os bolivianos. Valor: Qual foi a pior situação de degradação que já viu? Melo: Gente trabalhando simplesmente pela comida. Trabalhador acampado na beira do córrego, usando buraco no chão para guardar água para beber, lavar louça e tomar banho. Tem a história de um auditor fiscal sobre um cachorro. A sede da fazenda tinha casinha de alvenaria para o bicho, com cumbuquinha para ele comer. Os trabalhadores estavam no meio do mato, debaixo de lona. Não quero que o cachorro seja maltratado, mas que o trabalhador seja tratado como pessoa porque, nesse caso, nem como cachorro era. Valor: Qual é a situação mais gratificante que vivenciou? Melo: O resgate de um trabalhador. É você dizer: meu amigo vamos embora daqui. Ver o trabalhador dizer que nunca viu tanto dinheiro porque recebeu R$ 2 mil na rescisão e não sabe lidar com aquilo. É ver ele ganhar uma carteira de trabalho e observá-la como se fosse um troféu, medalha de ouro em uma Olimpíada.

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Valor: O senhor já recebeu ameaças? Melo: Teve uma época em que estava recebendo telefonemas de gente falando que sabia dos horários da minha mulher e filhos. Um juiz uma vez me falou para não mexer com determinada investigação e que algo poderia acontecer comigo. Mas o mais grave foi um acidente na rodovia. Duas caminhonetes sofreram sabotagem. O parafuso da roda foi afrouxado nas duas, uma delas tombou e quando fomos ver, o parafuso da roda da outra também estava solto. Com um pouco de sorte e por perícia do motorista, o carro não tombou. Isso foi no Mato Grosso do Sul. Destaques Anotação em carteira O Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou a Cencosud Brasil Comercial a pagar R$ 5 mil de indenização por dano moral a um empregado por ter anotado, na sua carteira de trabalho, os atestados médicos apresentados para justificar faltas ao trabalho. Para os ministros da 2ª Turma, o ato da empresa ultrapassou os limites do artigo 29, caput, da CLT, que proíbe o empregador de efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado na carteira de trabalho. "Associado apresentou justificativa de ausência através de atestado médico de oito dias" foi a expressão anotada pela empresa que, segundo o empregado, "maculou" sua carteira. Demitido sem justa causa após dois anos de trabalho como ajudante de depósito, ajuizou ação e pediu indenização por danos morais de 40 salários mínimos. Em contestação, a empresa alegou que as anotações não foram desabonadoras, pois os novos empregadores concluiriam que o empregado justifica suas faltas, o que a seu ver seria benéfico para sua imagem. O juízo de primeiro grau afastou qualquer efeito prático e legal nessas anotações. Ao contrário, entendeu que a empresa tentou prejudicar o empregado quanto à obtenção de futuros empregos e a condenou a pagar-lhe R$ 5 mil de indenização. A sentença, porém, foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho de Sergipe. O empregado recorreu então ao TST. (Fonte: Valor Econômico dia 12-05-2014).

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Economistas defendem nova política para salário mín imo Paula Salati / SÃO PAULO Alguns economistas estão começando a discutir novas regras que poderiam ser aplicadas na correção do salário mínimo que, ao mesmo tempo que garantam direitos trabalhistas, não onere demais os empresários. Atualmente, os reajustes do salário mínimo são realizados com base na Lei 12.382 do ano de 2011 que estabelece que, até 2015, os salários de cada ano sejam corrigidos de acordo com a variação do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores, mais a inflação do ano anterior. Para o economista e ex-presidente do Banco Central do Brasil e sócio da Tendências Consultoria Integradas, Gustavo Loyola, a política econômica vigente para o salário mínimo possibilitou uma recomposição dos salários. "A regra atual já proporcionou, nos últimos anos, uma recomposição bastante razoável do salário mínimo no País. No entanto, a contrapartida dela não foi apenas a pressão sobre a inflação, mas também as pressões sobre as contas públicas via, principalmente, previdência", diz Loyola. Para ele, é necessário pensar em uma nova política para essa questão, já que, a atual, não proporciona ambiente para os salários crescerem. "Daqui em diante, não existe mais espaço para uma recomposição maior do salário mínimo", diz. "Por outro lado, acredito que não seria razoável realizar uma compressão do valor real do salário mínimo. Primeiro porque não é algo politicamente aceitável, e segundo porque acredito que, de fato, não traria grandes benefícios do ponto de vista da inflação", complementa o economista. Para Loyola, uma regra razoável levaria em conta a manutenção do valor real do salário mínimo. "Um regra de indexação seria razoável, embora eu seja contra a indexação de preços da economia. Nenhum preço da economia deveria ser, a princípio, indexado ao salário mínimo, inclusive os benefícios da previdência. No entanto, uma regra de recomposição inflacionária não é uma regra que possa ser tão prejudicial à economia", opina Loyola. O economista Walter Barelli, que já foi presidente do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e ministro do Trabalho no governo Itamar Franco, acredita que o salário mínimo precisa começar a ser discutido a partir de outros termos que não o da inflação. Para ele, as discussões atuais sobre a indexação da inflação nos salários levam a um distanciamento sobre o conceito de salário mínimo. "A discussão, hoje, está deslocada. Uma política de salário mínimo levaria em consideração o que foi estabelecido pela Constituição de 1988. Salário mínimo é um salário vital. E implica em uma discussão sobre o quanto que é necessário para se viver e, a partir daí, estabelecer as normas. Uma vez sendo feita dessa maneira, você tem um conceito autoaplicável", diz Barelli, que cita também o cálculo realizado pelo Dieese sobre o salário mínimo necessário,

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registrado no valor de R$ 3.019,07. "Na política atual, quando os preços sobem, é necessário que os salários aumentem. No entanto, não é questionado o antigo valor", complementa o economista. Negociação Para Loyola, o que influenciará as negociações sindicais nos próximos meses será o desempenho do mercado de trabalho no Brasil. "As negociações sindicais irão depender do que está acontecendo com o emprego. Porque, na medida em que existe pouco desemprego, os empresários não têm muita alternativa e precisam conceder uma correção próxima solicitada pelos trabalhadores", diz. "O poder de barganha dos sindicatos aumenta à medida que a economia está aquecida. Se a economia se desaquece, evidentemente, um aumento do desemprego pode levar a uma moderação dos reajustes salariais", complementa o economista. Em abril deste ano, o governo federal encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2015 (LDO-2015), no qual estabelece que o salário mínimo será reajustado em 7,71%, elevando-se para R$ 779,79 no próximo ano. Atualmente o valor do salário mínimo é de R$ 724,00. O governo prevê para 2015, um crescimento da economia em torno de 3% e inflação de 5%, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem que o IPCA do mês de abril variou 0,67%, recuando 0,25 ponto percentual em relação ao mês anterior, que fechou com uma alta de 0,92%. Já a inflação acumulada nos últimos 12 meses teve variação de 6,28%.

Trabalhadores da CPTM ameaçam entrar em greve esta semana Agências / SÃO PAULO - Os sindicatos que representam os trabalhadores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) deliberaram em assembleia, na quinta-feira (8), que devem entrar em greve por tempo indeterminado a partir da quinta-feira (15). Passageiros de 22 municípios da Grande São Paulo podem ficar sem o serviço a partir da 0h desse dia. As seis linhas da CPTM, que é controlada pelo governo do estado, transportam diariamente 2,8 milhões de usuários, em média. Os trabalhadores reivindicam reajuste salarial com reposição inflacionária entre março de 2013 e fevereiro deste ano (o que, segundo eles, gira em torno de 5,4%, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor), além de 8% de ganho real. A categoria também pede equiparação dos créditos de seu vale-alimentação (hoje em R$ 100 por mês) com o dos metroviários (que está em R$ 247,69). Também há reivindicação pelo aumento do vale refeição para 24 cotas de R$ 30 mensalmente, ou seja, mais do que as 22 cotas de R$ 23 que vigora hoje.

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Outro ponto defendido pelos sindicatos é uma garantia mínima de R$ 5 mil por cada trabalhador da empresa no programa de participação nos resultados. Esse ganho tem sido variável e, segundo Eluiz Alves de Matos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de São Paulo, a partir de metas estabelecidas pela própria empresa, que dificilmente são atingidas. Ainda de acordo com Matos, com relação ao reajuste salarial, a empresa fez uma proposta de 3,97%, ou seja, abaixo da inflação. "Estamos em negociação desde janeiro e a CPTM alegou que essa é a proposta final, mas a categoria a rejeitou." Às 18h desta quarta-feira (14), uma nova assembleia está prevista para acontecer na sede do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de São Paulo, que representa os funcionários da antiga estrada de ferro Santos-Jundiaí, o que corresponde às atuais Linhas 7-Rubi e 10 Turquesa da CPTM. "Se o governo do Estado ou a CPTM tiverem interesse em fazer um acordo, que apresentem essa proposta. Se não, essa assembleia servirá para delinear o movimento que vai acontecer a partir da meia-noite". Além dessa entidade, participam do movimento o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil e a Associação dos Engenheiros Ferroviários no Estado de São Paulo.

Eternit vai indenizar em - R$ 1 - mi família de fun cionário morto SÃO PAULO - A 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) aumentou para R$ 1

milhão a condenação imposta à Eternit. O valor se destina a uma indenização por danos

morais à viúva de um trabalhador vítima de doença pulmonar decorrente do contato

prolongado com o amianto. O caso teve origem com reclamação trabalhista ajuizada pelo

espólio de um engenheiro que chefiou, de 1964 a 1967, o controle de qualidade da unidade

da Eternit em Osasco (SP), desativada em 1992. O engenheiro faleceu em dezembro de

2005, aos 72 anos, após ser diagnosticado com câncer da pleura.

(Fonte: DCI dia 12-05-2014).

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Dilma irá propor trabalho seguro na Copa TAI NALON / DE BRASÍLIA A presidente Dilma Rousseff deve assinar nesta semana, no Palácio do Planalto, uma cartilha que estabelece diretrizes gerais para o trabalho seguro e prevenção de acidentes nos eventos da Copa. O aceno aos trabalhadores virá, entretanto, poucos dias depois da nona morte de operários envolvidos nas construções dos estádios do Mundial do Brasil — a de Muhammad'Ali Maciel Afonso, 32, na Arena Pantanal, em Cuiabá. A cartilha carece de propostas concretas, ao defender que empresas, governo e sociedade civil "comprometam-se a tomar medidas que estiverem ao seu alcance". O documento se propõe também a prevenir a exploração sexual e o trabalho infantil. Também exorta empresas a criarem empregos formais a jovens, negros, mulheres e deficientes. Segundo a BWI (Building and Wood Worker's International), entidade que combate más condições de trabalho no mundo, cumprir os prazos da Fifa tem gerado mortes —algo que, segundo a organização, já havia sido alertado pelos sindicatos. O presidente da Fifa, Joseph Blatter, defende que a responsabilidade pelas condições de trabalho é dos países e empresas envolvidas nos preparativos. As obras da Copa já contabilizam mais mortes de operários do que o auge do movimento por melhores condições de trabalho no Brasil, como o de 1917, em São Paulo (quando o espanhol José Martinez foi morto em uma das paralisações), e o de 1988, em Volta Redonda (quando três operários da Companhia Siderúrgica Nacional morreram em intervenção do Exército durante uma greve). (Fonte: Folha de SP dia 12-05-2014).

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