Encíclica Mystici Corporis - Pio XII

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    CARTA ENCCLICADO SUMO PONTFICE

    PAPA PIO XIIMYSTICI CORPORIS

    O CORPO MSTICO DE JESUS CRISTOE NOSSA UNIO NELE COM CRISTO

    Aos Patriarcas, Primazes, Arcebispos,

    Bispos e outros Ordinrios em paz e comunho com a S Apostlica

    Venerveis Irmos, sade e beno apostlica

    INTRODUO

    1. A doutrina do Corpo Mstico de Cristo, que a Igreja (cf. Cl 1,24), recebida dos

    lbios do prprio Redentor e que pe na devida luz o grande e nunca assaz celebrado benefcio da nossa ntima unio com to excelsa Cabea, de sua natureza tograndiosa e sublime que convida contemplao todos aqueles a quem move o Espritode Deus; e, iluminando as suas inteligncias, incita-os eficazmente a obras salutares,consentneas com a mesma doutrina. Por isso resolvemos entreter-nos convosco sobreto relevante assunto, expondo e explicando principalmente a parte relativa Igrejamilitante. Move-nos a faz-lo no s a excepcional importncia da doutrina, mastambm as circunstncias atuais da humanidade.

    Propomo-nos, pois, falar das riquezas entesouradas no seio da Igreja que Cristo adquiriucom seu sangue (At 20, 28) e cujos membros se gloriam de uma Cabea coroada de

    espinhos. Isto mesmo j prova evidente de que a verdadeira glria e grandeza nonascem senu da dor; por isso ns quando compartilhamos dos sofrimentos de Cristo,devemos alegrar-nos, para que tambm na renovao da sua glria jubilemos eexultemos (cf. 1Pd 4,13).

    3, E para comear, note-se que assim como o Redentor do gnero humano foi perseguido, caluniado, atormentado por aqueles mesmos que vinha salvar, assim asociedade por ele fundada tambm neste ponto se parece com o divino Fundador. Comefeito, ainda que no neguemos, antes gostosamente e bendizendo a Deus confessemos,que tambm nestes tempos to agitados h muitos que, embora separados do redil deCristo, olham para a Igreja como para o nico porto de salvao, contudo no

    ignoramos que a Igreja de Deus no s soberbamente desprezada e perseguida poraqueles que, menoscabada a luz da sabedoria crist, voltam miseramente s doutrinas,

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    usos e costumes do antigo paganismo, mas freqentemente desconhecida, descurada,aborrecida por muitos cristos, que se deixam seduzir pelas aparncias, falsas doutrinas,ou arrastar pelos atrativos e corrupo do mundo. por isso que Ns, venerveisirmos, obedecendo voz da nossa prpria conscincia, vamos expor vista de todos ecelebrar a beleza, louvores e glria da santa madre Igreja, a quem depois de Deus tudo

    devemos.

    4. Confiamos que estes nossos pensamentos e exortaes, em conseqncia das atuaiscircunstncias, produziro os mais copiosos frutos nos fiis; porquanto sabemos que osinfinitos trabalhos e sofrimentos desta nossa tempestuosa idade que to terrivelmentetorturam gente sem nmero, se forem recebidos serena e resignadamente da mo deDeus, convertero como que naturalmente os coraes dos bens caducos da terra aos

    bens celestes e eternos, e despertaro neles uma sede misteriosa das coisas espirituais eum desejo ardente que, sob o impulso do Esprito Santo, os mova e quase force a

    procurar com mais diligncia o reino de Deus. O homem, quanto mais se desprende dasvaidades do mundo e do amor desordenado dos bens presentes, tanto mais se dispe

    para perceber a luz dos mistrios celestes. Ora, talvez nunca a vaidade e inanidade dascoisas da terra se manifestou mais eloqentemente que hoje, quando desabam reinos enaes, quando os abismos dos vastos oceanos engolem imensas riquezas e tesouros detoda a espcie, quando cidades e vilas e frteis campos se cobrem de imensas runas e semancham de sangue fraterno.

    5. Confiamos ainda que o que vamos expor sobre o Corpo Mstico de Cristo no serdesagradvel nem intil aos que vivem fora do seio da Igreja catlica. E isto, no s

    porque a sua benevolncia para com a Igreja parece aumentar de dia para dia, senotambm porque vendo eles atualmente como as naes se erguem contra as naes e osreinos contra os reinos, e crescem indefinidamente as discrdias, os antagonismos e assementeiras do dio, se volverem os olhos para a Igreja, se contemplarem a sua unidadede origem divina, por virtude da qual os homens de todas as nacionalidades se unem aCristo com vnculos fraternos, ento sem dvida ver-se-o forados a admirar uma talsociedade de amor e sentir-seo atrados com o auxlio da graa a participar da mesmaunidade e caridade.

    6. H ainda uma razo especial e suavssima pela qual nos ocorreu ao esprito egrandemente nos deleita esta doutrina. Durante o passado ano, XXV do nossoepiscopado, pudemos com grandssima consolao contemplar um espetculo queluminosa e expressivamente fez resplandecer a imagem do corpo mstico de Cristo em

    todas as cinco partes do mundo. Nesse sentido, apesar dessa interminvel guerra deextermnio ter destrudo miseramente a fraterna comunidade dos povos, por toda parte,onde temos filhos em Cristo, todos com uma s vontade e amor - refletindo em si as

    preocupaes e ansiedades de todos -, elevavam o pensamento e o corao para o Paicomum, que governa em tempos to adversos a nau da Igreja catlica. Esse espetculono s demonstra a admirvel unidade da famlia crist, mas atesta tambm que assimcomo ns com amor paterno abraamos os povos de todas as naes, assim tambm oscatlicos de todo o mundo, embora pertencentes a povos que se guerreiam mutuamente,olham para o vigrio de Cristo como para o pai amantssimo de todos que, mantendo

    perfeito equilbrio entre ambas as partes contendentes e guiando-se por perfeita retidode juzo, superior a todas as tempestades das perturbaes humanas, recomenda e

    defende com todas as foras a verdade, a justia, a caridade.

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    7. Tambm no foi menor a nossa consolao ao sabermos a boa vontade com queespontaneamente fora oferecida e reunida uma quantia para levantar na Cidade eternaum templo em honra do nosso predecessor e santo do nosso nome, Eugnio I. Ora comoesse templo, levantado por desejo e com o bolo dos fiis, conservar perene a memriadeste faustssimo acontecimento, assim desejamos dar um atestado da nossa gratido

    nesta encclica onde precisamente se trata das pedras vivas que, colocadas sobre a pedraangular que Cristo, formam o templo santo, muito mais sublime que qualquer templomaterial, isto , a morada de Deus no Esprito (Cf. Ef 2,21-22;1Pd 2,5).

    8. Mas a causa principal que nos leva a tratar agora assaz difusamente desta excelsadoutrina a nossa solicitude pastoral. verdade que muito se tem escrito sobre esteargumento; nem ignoramos que hoje no poucos se do com grande empenho a estesestudos, com os quais tambm se deleita e nutre a piedade crist. Este movimento

    parece dever-se ao renovado estudo da sagrada liturgia, a maior freqncia da mesaeucarstica, e finalmente ao culto mais intensificado do sacratssimo Corao de Jesusde que hoje gozamos por v-lo mais difundido; tudo isso moveu muitos a uma mais

    profunda contemplao das imperscrutveis riquezas de Cristo que se conservam naIgreja. Acrescem ainda os documentos sobre a Ao catlica publicados nestes ltimostempos; os quais tornaram mais estreitos os vnculos dos fiis entre si e com ahierarquia eclesistica, particularmente com o romano pontfice, e contriburam semdvida grandemente para pr na devida luz esta doutrina. Todavia se isso que acabamosde dizer muito consolador, temos de confessar que no s autores separados daverdadeira Igreja espalham graves erros nesta matria, mas que tambm entre os fiisvo serpejando opinies ou inexatas ou de todo falsas, que podem desviar os espritosda reta senda da verdade.

    9. De fato, enquanto por um lado perdura o falso racionalismo que tem por absurdotudo o que transcende e supera a capacidade da razo humana, e com ele outro erro

    parecido, o naturalismo vulgar que no v nem quer reconhecer na Igreja de Cristoseno uma sociedade puramente jurdica; por outro lado grassa por a um falsomisticismo que perverte as Sagradas Escrituras, pretendendo remover os limitesintangveis entre as criaturas e o Criador.

    10. Ora esses erros entre si opostos fazem que alguns, cheios de infundado temor,considerem esta sublime doutrina como perigosa e fujam dela como do fruto do paraso,

    belo e proibido. No; os mistrios revelados por Deus no podem ser prejudiciais aohomem, nem devem permanecer infrutferos como tesouro enterrado no campo; seno

    que nos foram dados por Deus, para proveito espiritual dos que piamente oscontemplam. Pois como ensina o Conclio Vaticano "a razo iluminada pela f, quandoindaga com diligncia, piedade e sobriedade, alcana sempre por graa de Deus algumainteligncia, sempre frutuosssima, dos mistrios, quer pela analogia com osconhecimentos naturais, quer pela relao que os mistrios tm entre si e com o ltimofim do homem"; embora, como adverte o mesmo sagrado conclio, "nunca ela chegue acompreender os mistrios como as verdades que constituem o seu prprio objeto".(1)

    11. Portanto, tendo ns maduramente ponderado tudo isso diante de Deus, para que aincomparvel formosura da Igreja resplandea com nova glria, para que maisesplendidamente se manifeste a excelsa e sobrenatural nobreza dos fiis que no corpo de

    Cristo se unem sua cabea: enfim para fechar de uma vez a porta a muitos erros quepode haver nesta matria, julgamos nosso dever pastoral expor a todo o povo cristo

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    nesta encclica a doutrina do corpo mstico de Jesus Cristo e da unio dos fiis com odivino Redentor no mesmo Corpo, e juntamente deduzir desta suavssima doutrinaalguns ensinamentos, com os quais o maior conhecimento do mistrio produza frutoscada vez mais abundantes de perfeio e santidade.

    1 PARTE

    A IGREJA CORPO, "MSTICO" DE CRISTO

    12. Ao meditar este ponto da doutrina catlica ocorrem-nos logo aquelas palavras doApstolo: "Onde o pecado avultou, superabundou a graa" (Rm 5, 20). Sabemos queDeus constituiu o primeiro progenitor do gnero humano em to excelsa condio, quecom a vida terrena transmitiria aos seus descendentes a vida sobrenatural da graaceleste. Mas depois da triste queda de Ado toda a humana linhagem, infeccionada pelamancha original, perdeu o consrcio da natureza divina (cf. 2Pd 1, 4) e todos ficamossendo filhos de ira (Ef 2,3). Deus, porm, na sua infinita misericrdia "amou tanto aomundo que lhe deu seu Filho unignito" (Jo 3,16); e o Verbo do Eterno Pai, com amesma divina caridade, revestiu a natureza humana da descendncia de Ado, masinocente e imaculada, para que do novo e celeste Ado dimanasse a graa do EspritoSanto a todos os filhos do primeiro pai; e estes que pelo primeiro pecado tinham sido

    privados da filiao adotiva de Deus, pelo Verbo encarnado, feitos irmos segundo acarne do Filho unignito de Deus, recebessem o poder de virem a ser filhos de Deus (cf.Jo 1,12). E assim Jesus crucificado no s reparou a justia do Eterno Pai ofendida,seno que nos mereceu a ns, seus consangneos, inefvel abundncia de graas. Essas

    graas podia ele distribu-las diretamente por si mesmo a todo o gnero humano. Quis,porm, comunic-las por meio da Igreja visvel, formada por homens, afim de que pormeio dela todos fossem, em certo modo, seus colaboradores na distribuio dos divinosfrutos da Redeno. E assim como o Verbo de Deus, para remir os homens com suasdores e tormentos, quis servir-se da nossa natureza, assim, de modo semelhante, nodecurso dos sculos se serve da Igreja para continuar perenemente a obra comeada. (2)

    13. Ora, para definir e descrever esta verdadeira Igreja de Cristo - que a santa,catlica, apostlica Igreja romana (3) - nada h mais nobre, nem mais excelente, nemmais divino do que o conceito expresso na denominao "corpo mstico de JesusCristo"; conceito que imediatamente resulta de quanto nas Sagradas Escrituras e dos

    santos Padres freqentemente se ensina.

    1. A Igreja um "corpo"

    Corpo nico, indiviso, visvel

    14. Que a Igreja um corpo, ensinam-nos muitos passos da sagrada Escritura: "Cristo,diz o Apstolo, a cabea do corpo da Igreja" (Cl 1,18). Ora, se a Igreja um corpo,deve necessariamente ser um todo sem diviso, segundo aquela sentena de Paulo:"Ns, muitos, somos um s corpo em Cristo" (Rm 12,5). E no s deve ser um todo semdiviso, mas tambm algo concreto e visvel, como afirma nosso predecessor de feliz

    memria Leo XIII, na encclica "Satis cognitum": "Pelo fato mesmo que um corpo, aIgreja torna-se visvel aos olhos". (4) Esto pois longe da verdade revelada os que

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    imaginam a Igreja por forma, que no se pode tocar nem ver, mas apenas, comodizem, uma coisa "pneumtica" que une entre si com vnculo invisvel muitascomunidades crists, embora separadas na f.

    15. O corpo requer tambm multiplicidade de membros, que unidos entre si se auxiliem

    mutuamente. E como no nosso corpo mortal, quando um membro sofre, todos os outrossofrem com ele, e os sos ajudam os doentes; assim tambm na Igreja os membros novivem cada um para si, mas socorrem-se e auxiliam-se uns aos outros, tanto para mtuaconsolao, como para o crescimento progressivo de todo o Corpo.

    Corpo composto "orgnica" e "hierarquicamente"

    16. Mais ainda. Como na natureza no basta qualquer aglomerado de membros paraformar um corpo, mas preciso que seja dotado de rgos ou membros com funesdistintas e que estejam unidos em determinada ordem, assim tambm a Igreja devechamar-se corpo sobretudo porque resulta de uma boa e apropriada proporo e

    conjuno de partes e dotada de membros diversos e unidos entre si. assim que oApstolo descreve a Igreja quando diz: "como num s corpo temos muitos membros, eos membros no tm todos a mesma funo, assim muitos somos um s corpo de Cristo,e todos e cada um membros uns dos outros" (Rm 12,4).

    17. No se julgue, porm, que esta bem ordenada e "orgnica" estrutura do corpo daIgreja se limita unicamente aos graus da hierarquia; ou, ao contrrio, como pretendeoutra opinio, consta unicamente de carismticos, isto , dos fis enriquecidos de grausextraordinrias, que nunca ho de faltar na Igreja. E fora de dvida que todos os queneste corpo esto investidos de poder sagrado, so membros primrios e principais, jque so eles que, por instituio do prprio Redentor, perpetuam os ofcios de Cristodoutor, rei e sacerdote. Contudo os santos Padres, quando celebram os ministrios,graus, profisses, estados, ordens, deveres deste corpo mstico, no consideram s osque tm ordens sacras, seno tambm todos aqueles que, observando os conselhosevanglicos, se do vida ativa, contemplativa, ou mista, segundo o prprioinstituto; bem como os que, vivendo no sculo, se consagram ativamente a obras demisericrdia espirituais ou corporais; e, finalmente, tambm os que vivem unidos pelosanto matrimnio. Antes de notar que, sobretudo nas atuais circunstncias, os pais e asmes de famlia, os padrinhos e madrinhas, e notadamente todos os seculares que

    prestam o seu auxlio hierarquia eclesistica na dilatao do reino de Cristo, ocupamum posto honorfico, embora muitas vezes humilde, na sociedade crist, e podem muito

    bem sob a inspirao e com o favor de Deus subir aos vrtices da santidade, que porpromessa de Jesus Cristo nunca faltar na Igreja.

    Corpo dotado de rgos vitais, isto , sacramentos

    18. E como o corpo humano nos aparece dotado de energias especiais com que prov vida, sade e crescimento seu e de todos os seus membros, assim o Salvador do gnerohumano providenciou admiravelmente ao seu corpo mstico enriquecendo-o desacramentos, que com uma srie ininterrupta de graas amparam o homem desde o

    bero at ao ltimo suspiro, e ao mesmo tempo provem abundantissimamente snecessidades sociais da Igreja. Com efeito, pelo Batismo os que nasceram a esta vida

    mortal, no s renascem da morte do pecado e so feitos membros da Igreja, seno que,assinalados com o carter espiritual, se tornam capazes de receber os outros dons

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    sagrados. Com a Crisma infunde-se nova fora nos fis para conservarem e defenderemcorajosamente a santa madre Igreja e a f que dela receberam. Pelo sacramento daPenitncia oferece-se aos membros da Igreja cados em pecado uma medicina salutar,que serve no s a restituir-lhes a sade, mas a preservar os outros membros do corpomstico do perigo de contgio, e at a dar-lhes estmulo e exemplo de virtude. E no

    basta. Pela sagrada Eucaristia alimentam-se e fortificam-se os fiis com um mesmoalimento e se unem entre si e a divina Cabea de todo o Corpo com um vnculo inefvele divino. Finalmente ao leito dos moribundos acode a Igreja, me compassiva, e com osacramento da Extrema-uno, se nem sempre lhes d a sade do corpo, por Deus assimo dispor, d-lhes s almas feridas a medicina sobrenatural, abre-lhes o cu, onde comonovos cidados e seus novos protetores gozaro por toda a eternidade da divina bem-aventurana.

    19. As necessidades sociais da Igreja proveu Cristo de modo especial com doissacramentos que instituiu: com o Matrimnio em que os cnjuges so reciprocamenteum ao outro ministros da graa, proveu ao aumento externo e bem ordenado da

    sociedade crist; e, o que ainda mais importante, boa e religiosa educao da prole,sem a qual o corpo mstico correria perigo; com a Ordem dedicam-se e consagram-se aoservio de Deus os que ho de imolar a Hstia eucarstica, sustentar a grei dos fis como Po dos Anjos e com o alimento da doutrina, dirigi-la com os divinos mandamentos econselhos e puric-la com o batismo e a penitncia, enfim fortalec-la com as outrasgraas celestes.

    Corpo formado por membros determinados

    20. E a esse propsito deve notar-se que assim como Deus no princpio do mundo dotouo homem de um riqussimo organismo com que pudesse sujeitar as outras criaturas emultiplicar-se e encher a terra, assim ao princpio da era crist proveu a Igreja dosrecursos necessrios para vencer perigos quase inumerveis e povoar no s toda a terra,mas tambm o reino dos cus.

    21. Como membros da Igreja contam-se realmente s aqueles que receberam o lavacroda regenerao e professam a verdadeira f, nem se separaram voluntariamente doorganismo do corpo, ou no foram dele cortados pela legtima autoridade em razo deculpas gravssimas. "Todos ns, diz o Apstolo, fomos batizados num s Esprito paraformar um s Corpo, judeus ou gentios, escravos ou livres" (lCor 12,13). Portanto comona verdadeira sociedade dos fiis h um s corpo, um s Esprito, um s Senhor, um s

    batismo, assim no pode haver seno uma s f (cf. Ef 4,5), e por isso quem se recusa aouvir a Igreja, manda o Senhor que seja tido por gentio e publicano (cf. Mt 18,17). Porconseguinte os que esto entre si divididos por motivos de f ou pelo governo, no

    podem viver neste corpo nico nem do seu nico Esprito divino.

    22. No se deve, porm, julgar que j durante o tempo da peregrinao terrestre, o corpoda Igreja, por isso que leva o nome de Cristo, consta s de membros com perfeita sade,ou s dos que de fato so por Deus predestinados sempiterna felicidade. Por suainfinita misericrdia o Salvador no recusa lugar no seu corpo mstico queles a quem ono recusou outrora no banquete (Mt 9,11; Mc 2,16; Lc 15,2). Nem todos os pecados,embora graves, so de sua natureza tais que separem o homem do corpo da Igreja como

    fazem os cismas, a heresia e a apostasia. Nem perdem de todo a vida sobrenatural osque pelo pecado perderam a caridade e a graa santificante e por isso se tornaram

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    incapazes de mrito sobrenatural, mas conservam a f e a esperana crist, e alumiadospela luz celeste, so divinamente estimulados com ntimas inspiraes e moes doEsprito Santo ao temor salutar, orao e ao arrependimento das suas culpas.

    23. Tenha-se, pois, sumo horror ao pecado que mancha os membros msticos do

    Redentor; mas o pobre pecador que no se tornou por sua contumcia indigno dacomunho dos fiis, seja acolhido com maior amor, vendo-se nele com caridade operosaum membro enfermo de Jesus Cristo: Pois que muito melhor, como nota o bispo deHipona, "cur-los no corpo da Igreja, do que amput-los como membros incurveis".(5)"Enquanto o membro est ainda unido ao corpo no h por que desesperar da sua sade;uma vez amputado, nem se pode curar, nem se pode sarar".(6)

    2. A Igreja o corpo "de Cristo"

    24. Temos visto at aqui, venerveis irmos, que a Igreja pela sua constituio se podeassemelhar a um corpo; segue-se que mostremos mais em particular, por que motivos se

    deve chamar no um corpo qualquer, mas o corpo de Jesus Cristo. Deduz-se isto do fatoque nosso Senhor o fundador, a cabea, o conservador e salvador deste corpo mstico.

    a) Cristo foi o "Fundador" deste corpo

    25. Devendo expor brevemente o modo como Cristo fundou o seu corpo social, acode-nos antes de mais nada esta sentena de nosso predecessor de feliz memria Leo XIII:"A Igreja, que j concebida, nascera do lado do segundo Ado, adormecido na cruz,manifestou-se pela primeira vez luz do mundo de modo insigne no celebrrimo dia dePentecostes".(7) De fato o divino Redentor comeou a fbrica do templo mstico daIgreja, quando na sua pregao ensinou os seus mandamentos; concluiu-a quando,glorificado, pendeu da Cruz; manifestou-a enfim e promulgou-a quando mandou sobreos discpulos visivelmente o Esprito parclito.

    26. Durante o seu ministrio pblico escolhia os Apstolos, enviando-os como ele prprio tinha sido enviado pelo Pai (Jo 17,18), como mestres, guias, agentes dasantidade na assemblia dos fiis; designava o chefe deles e seu vigrio em terra (cf. Mt16,18-19); fazia-lhes conhecer tudo o que tinha ouvido do Pai (Jo 15,15; 17,8.14);indicava tambm o batismo (cf. Jo 3,5) como meio para os que no futuro cressem seremincorporados no Corpo da Igreja; finalmente chegando ao anoitecer da vida, durante altima ceia, institua a Eucaristia, admirvel sacrifcio e admirvel sacramento.

    27. Ter ele consumado no patbulo da cruz a sua obra, afirmam-no, numa srieininterrupta de testemunhos, os santos Padres, que notam ter a Igreja nascido na cruz dolado do Salvador, qual nova Eva, me de todos os viventes (cf. Gn 3,20). "Agora, diz ogrande Ambrsio tratando do lado de Cristo aberto, ela edificada, agora formada,agora esculpida, agora criada... Agora a casa espiritual elevada a sacerdcio santo".(8)Quem devotamente investigar esta venervel doutrina, poder sem dificuldade ver asrazes em que ela se funda.

    28. E primeiramente com a morte do Redentor, foi abrogada a antiga Lei e sucedeu-lheo Novo Testamento; ento com o sangue de Cristo foi sancionada para todo o mundo a

    Lei de Cristo com seus mistrios, leis, instituies e ritos sagrados. Enquanto o divinoSalvador pregava num pequeno territrio - pois que no fora enviado seno s ovelhas

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    perdidas da casa de Israel (cf. Mt 15,24) - corriam juntos a Lei e o Evangelho,(9)) masno patbulo, onde morreu, anulou a Lei com as suas prescries (cf. Ef 2,15), afixou acruz o quirgrafo do Antigo Testamento (cf. Cl 2,14), estabelecendo, com o sangue,derramado por todo o gnero humano, a Nova Aliana (cf. Mt 26,28;1Cor 11,25)."Ento, diz S. Leo Magno falando da cruz do Senhor, fez-se a transferncia da Lei para

    o Evangelho, da Sinagoga para a Igreja, de muitos sacrifcios para uma nica hstia, toevidentemente, que ao exalar o Senhor o ltimo suspiro, o mstico vu, que fechava ospenetrais do templo e o misterioso santurio, se rasgou improvisamente de alto a baixo".(10)

    29. Portanto na cruz morreu a Lei antiga; dentro em pouco ser sepultada e se tornarmortfera,(11) para ceder o lugar ao Novo Testamento, para o qual tinha Cristoescolhido ministros idneos na pessoa dos apstolos (cf. 2Cor 3,6): e pela virtude dacruz que o Salvador, constitudo cabea de toda a famlia humana j desde o seio daVirgem, exerce plenamente o seu mnus de cabea da Igreja. "Pela vitria da cruz,segundo o doutor anglico, mereceu o poder e domnio sobre todas as gentes",(12) por

    ela enriqueceu imensamente aquele tesouro de graa que na glria do cu distribuiincessantemente aos seus membros mortais; pelo sangue derramado na cruz fez comque, removido o obstculo da ira divina, pudessem todos os dons celestes e em primeirolugar as graas espirituais do Novo e Eterno Testamento correr das fontes do Salvador

    para a salvao dos homens, sobretudo dos fiis; enfim na rvore da cruz adquiriu a suaIgreja, isto , os membros do seu corpo mstico, pois que estes no seriam a eleincorporados nas guas do batismo, se no fosse pela virtude salutfera da cruz, onde oSenhor j adquiriu sobre eles domnio plenssimo.

    30. Se nosso Salvador por sua morte foi feito cabea da Igreja no pleno sentido dapalavra, igualmente pelo seu sangue foi a Igreja enriquecida daquela abundantssimacomunicao do Esprito que divinamente a ilustra desde que o Filho do homem foielevado e glorificado no seu doloroso patbulo. Ento como nota santo Agostinho,(13)rasgado o vu do templo, o orvalho dos dons do Parclito, que at ali descera somentesobre o velo, isto , sobre o povo de Israel, comeou deixando o velo enxuto, a regar aIgreja e abundantemente toda a terra, quer dizer a Igreja catlica, que no conhecefronteira de estirpe ou territrio. Como no primeiro instante da encarnao, o Filho doEterno Pai ornou a natureza humana, consigo substancialmente unida, com a plenitudedo Esprito Santo, para que fosse apto instrumento da divindade na hora cruenta daredeno; assim na hora da sua preciosa morte enriqueceu a sua Igreja com maiscopiosos dons do Parclito, para a tornar vlido e perptuo instrumento do Verbo

    encarnado na distribuio dos divinos frutos da redeno. De fato a misso jurdica daIgreja e o poder de ensinar, governar e administrar os sacramentos no tm fora e vigorsobrenatural para edificar o corpo de Cristo, seno porque Cristo pendente da cruz abriu sua Igreja a fonte das divinas graas com as quais pudesse ensinar aos homensdoutrina infalvel, govern-los salutarmente por meio de pastores divinamenteiluminados, e inund-los com a chuva das graas celestes.

    31. Se considerarmos atentamente todos estes mistrios da cruz, j nos no pareceroobscuras as palavras do Apstolo, onde ensina aos efsios que Cristo com o sangue fezum povo nico de judeus e gentios "destruindo na sua carne a parede interposta", queseparava os dois povos; e que ab-rogou a Antiga Lei "para dos dois formar em si mesmo

    um s homem novo", isto , a Igreja; e a ambos, reunidos num s Corpo, reconciliarcom Deus pela cruz (cf. Ef 2,14-16).

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    32. A Igreja que com seu sangue fundara, robusteceu-a com energias especiais descidasdo cu, no dia de Pentecostes. Com efeito, depois de ter solenemente investido no seuofcio aquele que j antes tinha designado para seu vigrio, subiu ao cu; e, sentado direita do Pai, quis manifestar e promulgar a sua esposa com a descida visvel doEsprito Santo, com o rudo do vento impetuoso e com as lnguas de fogo (cf. At 2,1-4).

    Como ele prprio ao princpio do seu pblico ministrio tinha sido manifestado peloEterno Pai por meio do Esprito Santo que em figura de pomba desceu e pousou sobreele (cf. Lc 3,22; Mc 1,10), assim igualmente quando os Apstolos estavam paracomear o sagrado ofcio de pregar, mandou Cristo Senhor nosso do cu o seu Espritoque, tocando-os com lnguas de fogo, mostrou, como com o dedo de Deus, a misso e omnus sobrenatural da Igreja.

    b) Cristo a "cabea" deste corpo

    33. Em segundo lugar prova-se que este corpo mstico, que a Igreja, realmentedistinguido com o nome de Cristo, porque ele deve ser considerado de fato como sua

    cabea. "Ele , diz S. Paulo, a cabea do corpo da Igreja" (Cl 1,18). Ele a cabea, daqual todo o corpo convenientemente organizado e coordenado recebe crescimento edesenvolvimento na sua edihcao (cf. Ef 4,16, com Cl 2,19).

    34. Bem sabeis, venerveis irmos, com que eloqncia e esplendor trataram esteassunto os doutores escolsticos e principalmente o Doutor anglico e comum; e noignorais que os seus argumentos reproduzem fielmente a doutrina dos santos Padres; osquais, por sua parte, no faziam seno expor e comentar as sentenas da divinalinguagem da Escritura.

    35. Queremos, contudo, para comum utilidade tocar aqui brevemente este ponto. Eprimeiro evidente que o Filho de Deus e da Virgem Santssima deve chamar-se cabeada Igreja por motivo de singularssima excelncia. A cabea est colocada no alto. Oraquem foi colocado mais alto do que Cristo-Deus, o qual, como Verbo do Eterno Pai,deve ser considerado "primognito de toda a criao"? (Cl 1,15).

    Quem, elevado a maior altura do que Cristo-homem, o qual, nascido da Virgemimaculada, verdadeiramente e par natureza Filho de Deus, e por sua prodigiosa egloriosa ressurreio com que triunfou da morte, o "primognito dos mortos" (Cl 1,18;Ap 1,5). Quem, finalmente, colocado em maior altura do que aquele que de modoadmirvel, qual "nico medianeiro entre Deus e os homens" (1Tm 2,5), ajunta a terra

    com o cu; que exaltado na cruz, como num trono de misericrdia, atraiu tudo a si (cf.Jo 12,32); e que, filho do homem eleito entre milhes, amado por Deus mais que todosos homens, todos os anjos e todas as criaturas?(14)

    36. E porque Cristo ocupa lugar to sublime, com razo ele s a reger e governar aIgreja; nova razo para se assemelhar cabea. Como a cabea, para o dizer com as

    palavras de santo Ambrsio, "a cidade real" do corpo,(15) e, sendo dotada de maioresqualidades, dirige naturalmente todos os membros, aos quais sobrestar para olhar poreles, (16) assim o divino Redentor empunha o timo e governa toda a repblica crist.Uma vez que governar uma sociedade composta de homens no outra coisa do quecom til providncia, meios aptos e retas normas conduzi-los a um fim determinado,

    (17) fcil de ver que nosso Salvador, modelo e exemplar dos bons pastores (cf. Jo10,1-18;1Pd 5,115), exercita maravilhosamente todos estes ofcios.

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    37. Ele na sua vida mortal instruiu-nos com leis, conselhos, avisos, em palavras que nopassaro nunca e para os homens de todos os tempos sero Esprito e vida (cf. Jo 6,63).Alm disso deu aos apstolos e seus sucessores o trplice poder de ensinar, reger esantificar, poder definido com especiais leis, direitos e deveres, que constituem a leifundamental de toda a Igreja.

    38. Mas nosso divino Salvador governa e dirige tambm por si mesmo e diretamente asociedade que fundou; pois que ele reina nas inteligncias e coraes dos homens edobra e compele a seu beneplcito as vontades ainda mais rebeldes. "O corao do reiest na mo do Senhor; inclinlo- para onde quiser" (Pr 21,1). Com este governointerno ele, qual "pastor e bispo das nossas almas" (cf. 1Pd 2,25) no s tem cuidado decada um em particular, mas tambm de toda a Igreja; tanto quando ilumina e fortaleceos sagrados pastores para que fel e frutuosamente se desempenhem de seus ofcios,como quando - em circunstncias particularmente graves - faz surgir no seio da Igrejahomens e mulheres de santidade assinalada, que sejam de exemplo aos outros fiis, paraincremento do seu corpo mstico. Acresce ainda que Cristo do cu vela sempre com

    particular amor pela sua esposa intemerata, que labuta neste terrestre exlio; e quando av em perigo, ou por si mesmo, ou pelos seus anjos (cf. At 8,26; 9,119; 10,1-7; 12,3-10), ou por aquela que invocamos como auxlio dos cristos, e pelos outros celestes

    protetores, salva-a das ondas procelosas e, serenado e abonanado o mar, consola-a comaquela paz "que supera toda a inteligncia" (Fl 4,7).

    39. No se julgue, porm, que o seu governo se limita a uma ao invisvel,(18) ouextraordinria. Ao contrrio, o divino Redentor governa o seu corpo mstico de modovisvel e ordinrio por meio do seu vigrio na terra. Vs bem sabeis, venerveis irmos,que Cristo nosso Senhor, depois de ter, durante a sua carreira mortal, governado

    pessoalmente e de modo visvel o seu "pequeno rebanho" (Lc 12,32), quando estavapara deixar este mundo e voltar ao Pai, confiou ao prncipe dos apstolos o governovisvel de toda a sociedade que fundara. E realmente, sapientssimo como era, no podiadeixar sem cabea visvel o corpo social da Igreja que institura. Nem se objete que como primado de jurisdio institudo na Igreja ficava o corpo mstico com duas cabeas.Porque Pedro, em fora do primado, no seno vigrio de Cristo, e por isso a cabea

    principal deste corpo uma s: Cristo; o qual, sem deixar de governar a Igrejamisteriosamente por si mesmo, rege-a tambm de modo visvel por meio daquele quefaz as suas vezes na terra; e assim a Igreja, depois da gloriosa ascenso de Cristo ao cuno est educada s sobre ele, seno tambm sobre Pedro, como fundamento visvel.Que Cristo e o seu vigrio formam uma s cabea ensinou-o solenemente nosso

    predecessor de imortal memria Bonifcio VIII, na carta apostlica "UnamSanctam"(19) e seus sucessores no cessaram nunca de o repetir.

    40. Em erro perigoso esto, pois, aqueles que julgam poder unir-se a Cristo, cabea daIgreja, sem aderirem fielmente ao seu vigrio na terra. Suprimida a cabea visvel erompidos os vnculos visveis da unidade, obscurecem e deformam de tal maneira ocorpo mstico do Redentor, que no pode ser visto nem encontrado de quantosdemandam o porto da eterna salvao.

    41. Tudo o que dissemos da Igreja universal deve afirmar-se igualmente dascomunidades crists particulares, assim orientais como latinas, das quais consta e se

    compe uma s Igreja catlica; por isso que tambm a elas governa Jesus Cristo pormeio da voz e autoridade dos respectivos prelados. Os bispos no s devem ser

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    considerados como membros mais eminentes da Igreja universal, pois que se unem comnexo singularssimo cabea de todo o corpo, e com razo se chamam "os primeirosdos membros do Senhor",(20) mas nas prprias dioceses, como verdadeiros pastores,apascentam e governam em nome de Cristo os rebanhos que lhes foram confiados;(21)ainda que nisto mesmo no sejam plenamente independentes, mas esto sujeitos

    autoridade do romano pontfice, de quem receberam imediatamente o poder ordinriode jurisdio que possuem. Devem pois ser venerados, pelo povo cristo, comosucessores dos apstolos por instituio divina;(22) a eles, como sagrados com a unodo Esprito Santo, muito melhor que s autoridades deste mundo, ainda que elevadas, se

    pode aplicar aquela sentena: "No toqueis nos meus ungidos" (1Cr 16,22; Sl 104,15).

    42. , por isso, imensa a nossa dor quando somos informados de que no poucos denossos irmos no episcopado, porque de todo o corao se fizeram modelos do seurebanho (cf. 1Pd 5,3) e defendem estrnua e fielmente, como devem, "o depsito da f"a eles confiado (cf. 1Tm 6,20); porque zelam o cumprimento das leis santssimas,impressas pela mo de Deus nos coraes dos homens, e a exemplo do supremo Pastor

    defendem o prprio rebanho contra a rapacidade dos lobos, no s se vem eles prpriosperseguidos e vexados, mas - o que para eles bem cruel e penoso - vem tratadasigualmente as suas ovelhas, os colaboradores do seu apostolado, e as prprias virgensconsagradas a Deus. Essas injustias, consideramo-las como feitas a ns mesmos erepetimos a eloqente frase do nosso predecessor de imortal memria, Gregrio Magno:A nossa honra a honra de nossos irmos; e, ento, verdadeiramente somos honrados,quando a nenhum deles se nega a honra que lhes devida.(23)

    43. Todavia no se julgue que Cristo, cabea da Igreja, por estar posto to alto, dispensaa cooperao do corpo; pois que deve armar-se do corpo mstico o que Paulo afirma docorpo humano: "No pode a cabea dizer aos ps: no preciso de vs" (lCor 12,21). mais que evidente que os fiis precisam do auxlio do divino Redentor, pois que eledisse: "Sem mim nada podeis fazer" (Jo 15,5), e segundo o Apstolo, todo o aumentodeste corpo mstico na sua edificao vem-lhe de Cristo, sua cabea (Cf. Ef 4,16; Cl2,19). Contudo igualmente verdade, por mais admirvel que parea, que Cristotambm precisa dos seus membros. E isso, em primeiro lugar, porque a pessoa de JesusCristo representada pelo sumo pontfice, e este, para no ficar esmagado sob o peso domnus pastoral, precisa confiar a outros parte no pequena da sua solicitude, e todos osdias deve ser ajudado pelas oraes de toda a Igreja. Alm disso nosso Salvador,enquanto rege por si mesmo de modo invisvel a Igreja, quer ser ajudado pelos membrosdeste corpo mstico na realizao da obra da redeno; no por indigncia ou fraqueza

    da sua parte, mas ao contrrio porque ele assim o disps para maior honra da sua esposaintemerata. Com efeito, morrendo na cruz, deu Igreja, sem nenhuma cooperao dela,o imenso tesouro da redeno; ao tratar-se porm de distribuir este tesouro, no s faz

    participante a sua incontaminada esposa desta obra de santificao, mas quer que emcerto modo nasa da sua atividade. Tremendo mistrio, e nunca assaz meditado: Que asalvao de muitos depende das oraes e dos sacrifcios voluntrios, feitos com estainteno, pelos membros do corpo mstico de Jesus Cristo, e da colaborao que

    pastores e fis, sobretudo os pais e mes de famlia, devem prestar ao divino Salvador.

    44. Agora aos motivos expostos para demonstrar que Cristo Senhor nosso deve dizer-secabea do seu corpo social, acrescentemos outros trs entre si intimamente conexos.

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    45. Comeamos pela mtua relao que existe entre a cabea e o corpo, pelo fato deserem da mesma natureza. Neste ponto note-se que a nossa natureza, bem que inferior anglica, a vence por bondade de Deus: "De fato Cristo, como diz o Doutor de Aquino, cabea dos Anjos; pois que preside aos Anjos tambm segundo a humanidade... eenquanto homem ilumina os Anjos e influi sobre eles. Mas quanto conformidade de

    natureza Cristo no cabea dos Anjos, porque no assumiu os Anjos, mas, segundo oApstolo, a descendncia de Abrao".(24) E no s assumiu Cristo a nossa natureza,mas fez-se nosso consangneo num corpo passvel e mortal. Ora se o Verbo "seaniquilou a si mesmo tomando a forma de servo" (Fl 2,7) f-lo tambm para tornar osseus irmos segundo a carne consortes da natureza divina (cf. 2Pd 1,4) tanto no exlioterreno pela graa santificante, como na ptria celeste pela eterna bem-aventurana. Defato se o Unignito do Eterno Pai quis ser falho do homem, foi para que ns nosconformssemos imagem do Filho de Deus (cf: Rm 8,29) e nos renovssemossegundo a imagem daquele que nos criou (cf. Cl 3,10). Por conseguinte todos os que segloriam do nome de cristos, no s olhem para o divino Salvador como para umaltssimo e perfeitssimo exemplar de todas as virtudes, mas evitando cuidadosamente o

    pecado e praticando diligentemente a virtude, procurem reproduzir em seus costumes asua doutrina e vida, de modo que, quando o Senhor aparecer, sejam semelhantes a elena glria, vendo-o tal qual (cf. 1Jo 3,2).

    46. Deseja Cristo que cada um de seus membros se lhe assemelhe; mas desejaigualmente que se lhe assemelhe todo o corpo da Igreja. O que sucede quando ela,seguindo as pistas de seu fundador, ensina, governa, e imola o divino sacrifcio; quandoabraa os conselhos evanglicos, e reproduz em si mesma a pobreza, a obedincia e avirgindade do Redentor; quando, nos muitos e variados institutos que como jias aadornam, nos faz em certo modo ver Cristo, ora no monte contemplando, ora pregandos turbas, ora sarando os enfermos e feridos e convertendo os pecadores, ora, enfim,fazendo bem a todos. No , pois, para admirar se ela, enquanto vive nesta terra, se vtambm, como Cristo, exposta a perseguies, vexaes e sofrimentos.

    47. Depois Cristo cabea da Igreja, porque avantajando-se na plenitude e perfeiodos dons sobrenaturais, desta plenitude haure o seu corpo mstico. Com efeito, notammuitos Padres, assim como no corpo humano a cabea possui todos os cinco sentidos,ao passo que o resto do corpo possui unicamente o tato, assim todas as virtudes, dons ecarismas que h na sociedade crist, resplandecem de modo singularssimo na cabea,Cristo. "Aprouve que nele habitasse toda a plenitude" (Cl 1,19); a ele exornam todos osdons que acompanham a unio hiposttica; porquanto nele habita o Esprito Santo com

    tal plenitude de graas, que no se pode conceber maior. A ele foi dado poder sobre acarne (cf. Jo 17,2); nele se encerram "todos os riqussimos tesouros de sabedoria ecincia" (Cl 2,3). A prpria cincia de viso nele tal que supera absolutamente emcompreenso e clareza a cincia correspondente de todos os bem-aventurados. Enfim, ele to cheio de graa e verdade, que todos ns recebemos da sua inexaurvel plenitude(cf. Jo 1,14-16).

    48. Essas palavras do discpulo, a quem Jesus amava com singular caridade, levam-nosa expor a ltima razo que de modo particular demonstra ser Cristo Senhor Nossocabea de seu corpo mstico. E que assim como da cabea partem os nervos, que;difundindo-se por todos os membros do corpo, lhes comunicam sensibilidade e

    movimento, assim tambm o divino Salvador infunde na sua Igreja fora e vigor, comque os fiis conhecem mais claramente e mais avidamente apetecem as coisas de Deus.

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    Dele provm ao corpo da Igreja toda a luz que ilumina divinamente os fis, e toda agraa com que se fazem santos como ele santo.

    49. Cristo ilumina toda a sua Igreja: prova-o um sem nmero de passos da SagradaEscritura e dos santos Padres. "A Deus nunca ningum o viu; foi o Filho Unignito, que

    est no seio do Pai, que no-lo deu a conhecer" (cf. Jo 1,18). Vindo da parte de Deuscomo Mestre (cf. Jo 3,2), para dar testemunho a verdade (cf. Jo 18,37) iluminou comtanta luz a primitiva Igreja dos apstolos, que o prncipe deles exclamava: "Senhor, paraquem iremos? Vs tendes palavras de vida eterna" (cf. Jo 6,68). Assistiu do cu osevangelistas, que como membros de Cristo, escreveram o que ele, como cabea, lhesditou e ensinou.(25) E hoje a ns que moramos neste exlio terrestre autor da f, comona ptria o seu consumador (cf. Hb 12,2). ele que infunde nos fis a luz da f; eleque aos pastores e doutores e sobre todos ao seu vigrio na terra enriquece divinamentecom os dons sobrenaturais de cincia, entendimento e sabedoria, para que conservemfielmente o tesouro da f, o defendam corajosamente, piedosa e diligentemente oexpliquem e valorizem; Ele enfim o que invisvel preside e dirige os conclios da

    Igreja.(26)

    50. Cristo autor e operador de santidade. J que nenhum ato salutar pode haver quedele no derive como fonte soberana: "Sem mim, diz ele, nada podeis fazer" (cf. Jo15,5). Se nos sentimos movidos dor e contrio dos pecados cometidos, se com temore esperana filial nos convertemos a Deus, sempre a sua graa que nos comove. Agraa e a glria brotam da sua inexaurvel plenitude. Sobretudo aos membros maiseminentes de seu corpo mstico enriquece o Salvador continuamente com os dons deconselho, fortaleza, temor, piedade, para que todo o corpo cresa cada dia mais emsantidade e perfeio. E quando com rito externo se ministram os sacramentos da Igreja, ele que opera o efeito deles nas almas.(27) ele tambm que, nutrindo os fiis com a

    prpria carne e sangue, serena os movimentos desordenados das paixes; ele queaumenta as graas e prepara a futura glria das almas e dos corpos. Todos essestesouros da divina bondade reparte ele aos membros do seu corpo mstico no senquanto os obtm do Eterno Pai como vtima eucarstica na terra e como vtimaglorificada no cu, mostrando as suas chagas e apresentando as suas splicas, mastambm porque "segundo a medida do dom de Cristo" (Ef 4,7) escolhe, determina,distribui a cada um as suas graas. Donde se segue que do divino Redentor, como defonte manancial, "todo o corpo bem organizado e unido recebe por todas as articulaes,segundo a medida de cada membro, o influxo e energia que o faz crescer e aperfeioarna caridade" (Ef 4,16; cf. Cl 2,19).

    c) Cristo o "sustentador" deste corpo

    51. O que at aqui expusemos, venerveis irmos, explicando resumidamente o modocomo Cristo Senhor Nosso quer que da sua divina plenitude desa sobre a Igreja aabundncia de seus dons, para que ela se lhe assemelhe o mais possvel, serve paraexplicar a terceira razo que demonstra como o corpo social da Igreja corpo de Cristo,isto , por ser nosso Salvador quem divinamente sustenta a sociedade que fundou.

    52. Observa Belarmino, com muita sutileza, (28) que com esta denominao de corpoCristo no quer dizer somente que ele a cabea do seu corpo mstico, seno tambm

    que sustenta a Igreja, de tal maneira que a Igreja como uma segunda personificao deCristo. Afirma-o tambm o Doutor das gentes, quando, na epstola aos Corntios,

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    chama, sem mais, Cristo a Igreja (l Cor 12,12), imitando de certo o divino Mestre que,quando ele perseguia a Igreja, lhe bradou do cu: "Saulo, Saulo, por que me persegues?"(cf. At 9,4; 22, 7; 26,14). Antes so Gregrio Nisseno diz-nos que o Apstolorepetidamente chama Cristo Igreja; (29) nem vs, venerveis irmos, ignorais aquelasentena de Agostinho: "Cristo prega a Cristo".(30)

    53. Todavia essa nobilssima denominao no deve entender-se como se aquelainefvel unio, com que o Filho de Deus assumiu uma natureza humana determinada, seestende a toda a Igreja; mas quer dizer que o Salvador comunica sua Igreja os seus

    prprios bens de tal forma que ela, em toda a sua vida visvel e invisvel, umperfeitssimo retrato de Cristo. De fato em fora da misso jurdica com que o divinoRedentor enviou os apstolos ao mundo, como o Pai o enviara a ele (cf. Jo 17,18 e20,21), ele que pela sua Igreja batiza, ensina, governa, ata, desata, oferece e sacrifica.E com aquela mais elevada comunicao, interior e sublimssima, de que falamosacima, descrevendo o modo como a cabea influi nos membros, Cristo faz que a Igrejaviva da sua vida sobrenatural, penetra com a sua divina virtude todo o corpo, e a cada

    um dos membros, segundo o lugar que ocupa no corpo, nutre-o e sustenta-o do mesmomodo que a videira sustenta e torna frutferas as vides aderentes cepa.(31)

    54. Se bem considerarmos esse divino princpio de vida e atividade, dado por Cristo,enquanto constitui a prpria fonte de todos os dons e graas criadas, compreenderemosfacilmente que no outra coisa seno o Esprito Parclito que procede do Pai e doFilho e de modo peculiar se diz "Esprito de Cristo" ou "Esprito do Filho" (Rm 8, 9; 2Cor 3,17; Gl 4,6). Com esse Esprito de graa e de verdade ornou o Filho de Deus a suaalma logo no imaculado seio da Virgem; esse Esprito deleita-se em habitar na alma doRedentor, como no seu templo predileto; esse Esprito mereceu-no-lo Cristoderramando o prprio sangue; e, soprando sobre os apstolos, comunicou-o Igreja

    para perdoar os pecados (cf. Jo 20,22); e ao passo que s Cristo o recebeu sem medida(cf. Jo 3,34), aos membros do corpo mstico d-se da plenitude de Cristo e s na medidaque ele o quer dar (cf. Ef 1,8; 4,7). Depois que Cristo foi glorificado na cruz, o seuEsprito comunicado Igreja em copiosssima efuso para que ela e cada um dos seusmembros se paream cada vez mais com o Salvador. o Esprito de Cristo que nos fazfilhos adotivos de Deus (cf. Rm 8,14-17; Gl 4,6-7), para que um dia "todos,contemplando a face descoberta, a glria do Senhor, nos transformemos na sua prpriaimagem cada vez mais resplandecente" (cf. 2Cor 3,18).

    55. A esse Esprito de Cristo, como a princpio invisvel, deve atribuir-se tambm a

    unio de todas as partes do corpo tanto entre si como com sua cabea, pois que ele esttodo na cabea, todo no corpo e todo em cada um dos membros; conforme as suasfunes e deveres, e segundo a maior ou menor sade espiritual de que gozam, est

    presente e assiste de diversos modos. ele que com o hlito de vida celeste em todas aspartes do corpo o princpio de toda a ao vital e verdadeiramente salutar. ele que,embora resida e opere divinamente em todos os membros, contudo tambm age nosinferiores por meio dos superiores; ele enfim que cada dia produz na Igreja com suagraa novos incrementos, mas no habita com a graa santificante nos membrostotalmente cortados do corpo. Essa presena e ao do Esprito de Jesus Cristoexprimiu-a sucinta e energicamente nosso sapientssimo predecessor, de imortalmemria, Leo XIII, na encclica "Divinum Illud" por estas palavras: "Baste afirmar

    que, sendo Cristo cabea da Igreja, o Esprito Santo a sua alma".(32)

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    56. Se, porm, considerarmos aquela fora e energia vital com que o divino Fundadorsustenta toda a famlia crist, no j em si mesma, mas nos efeitos criados que produz,ento veremos que consiste nas dons celestes que nosso Redentor juntamente com seuEsprito d a Igreja e juntamente com o mesmo Esprito, opera, como doador da luzsobrenatural e causa eficiente da santidade. E por isso que a Igreja no menos que

    todos os santos, membros seus, pode fazer sua aquela grande sentena do Apstolo:"Vivo; j no eu; mas vive Cristo em mim" (Gl 2,20).

    d) Cristo o "conservador" deste corpo

    57. O que temos dito da "cabea mstica" (33) ficaria incompleto, se no tocssemos, aomenos brevemente, aquela outra sentena do mesmo Apstolo: "Cristo a cabea daIgreja; ele o Salvador do seu corpo" (Ef 5,23). Nestas palavras temos a ltima razo

    pela qual a Igreja dita corpo de Cristo: Cristo o Salvador divino desse corpo. Comrazo foi pelos samaritanos proclamado "Salvador do mundo" (Jo 4,42); antes deve semdvida alguma dizer-se "Salvador de todos", embora com so Paulo devamos

    acrescentar: "sobretudo dos fiis" (cf. 1Tm 4,10). De fato com seu sangue, mais quetodos os outros, comprou ele os seus membros que constituem a Igreja (At 20,28).Tendo, porm, j exposto detalhadamente esse ponto quando acima tratamos da Igrejanascida da cruz, de Cristo iluminador, santificador e sustentador do seu corpo mstico,no h por que demorarmo-nos em maiores explanaes; meditemo-lo antes comhumildade e ateno, dando contnuas graas a Deus. O que nosso divino Salvadorcomeou outrora, pendente da cruz, no cessa de o perfazer continuamente na celeste

    bem-aventurana: "A nossa cabea, diz santo Agostinho, ora por ns; acolhe unsmembros, castiga outros, a outros purifica, a outros consola, a outros cria, a outroschama, a outros torna a chamar, a outros corrige, a outros reintegra".(34) A ns dadocooperar com Cristo nesta obra, "de um e por um somos salvos e salvamos".(35)

    3. A Igreja o corpo "mstico" de Cristo

    58. Passamos j, venerveis irmos, a expor as razes com que desejamos mostrar que ocorpo de Cristo, que a Igreja, se deve denominar mstico. Essa denominao, usada j

    por vrios escritores antigos, comprovam-na no poucos documentos pontifcios. E hmuitas razes para se dever adotar: pois que por ela o corpo social da Igreja, cuja cabeae supremo regedor Cristo, pode distinguir-se do seu corpo fsico, nascido da VirgemMaria e que agora est sentado destra do Pai ou oculto sob os vus eucarsticos; podetambm distinguir-se, e isto importante por causa dos erros atuais, de qualquer corpo

    natural, quer fsico, quer moral.59. De fato, enquanto no corpo natural o princpio de unidade junta de tal maneira as

    partes que cada uma fica sem prpria subsistncia, ao contrrio no corpo mstico a forade mtua coeso, por mais ntima que seja, une os membros de modo que conservam

    perfeita e prpria personalidade. Alm disso, se considerarmos a relao entre o todo eos diversos membros em todo e qualquer corpo fsico dotado de vida, os membros

    particulares destinam-se, em ltima anlise, unicamente ao bem de todo o composto, aopasso que toda a sociedade de homens, considerado o fim ltimo da sua unidade, finalmente ordenada ao proveito de todos e cada um dos membros, como pessoas queso. Portanto, para voltarmos ao nosso ponto, como o Filho do Eterno Pai desceu do cu

    por amor da nossa eterna salvao, assim fundou o corpo da Igreja e o enriqueceu doseu divino Esprito para procurar e conseguir a bem-aventurana das almas imortais,

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    conforme aquela sentena do Apstolo; "Todas as coisas so vossas; vs, porm, sois deCristo; e Cristo de Deus" (l Cor 3,23);(36) A Igreja como ordenada ao bem dos fiis,assim destinada a glria de Deus e daquele que ele mandou, Jesus Cristo.

    60. Se compararmos o corpo mstico com o moral, veremos que a diferena no leve,

    mas importantssima e gravssima. No corpo moral no h outro princpio de unidadeseno o fim comum e a comum cooperao sob a autoridade social para o mesmo fim;ao passo que no corpo mstico de que falamos, a essa tendncia comum do mesmo fim

    junta-se outro princpio interno, realmente existente e ativo, tanto de todo o composto,como em cada uma das partes, e to excelente, que supera imensamente todos osvnculos de unidade que unem o corpo, quer fsico, quer moral. Esse princpio , comoacima dissemos, de ordem no natural mas sobrenatural, antes em si mesmoabsolutamente infinito e incriado: o Esprito divino, que, como diz o Anglico, "sendoum s e o mesmo enche e une toda a Igreja".(37)

    61. Por conseguinte esse termo bem entendido lembra-nos que a Igreja, sociedade

    perfeita no seu gnero, no consta s de elementos sociais e jurdicos. Ela muito maisexcelente que quaisquer outras sociedades humanas (38) s quais excede quanto a graasupera a natureza, quanto as coisas imortais se avantajam as mortais e caducas.(39) AsComunidades humanas, sobretudo a Sociedade civil, no so para desprezar, nem paraser tidas em pouca conta; mas a Igreja no est toda em realidades desta ordem, como ohomem todo no s corpo mortal.(40) verdade que os elementos jurdicos, em que aIgreja se estriba e de que se compe, nascem da divina constituio que Cristo lhe deu, eservem para conseguir o fim sobrenatural; contudo o que eleva a sociedade crist a umgrau absolutamente superior a toda a ordem natural, o Esprito do Redentor, que,como fonte de todas as graas, dons e carismas, enche perptua e intimamente a Igreja enela opera. O organismo do nosso corpo por certo obra-prima do Criador, mas ficaimensamente aqum da excelsa dignidade da alma; assim a constituio social darepblica crist, embora apregoe a sabedoria do seu divino Arquiteto, , contudo, deordem muitssimo inferior, quando se compara aos dons espirituais de que se adorna evive, e fonte divina donde eles dimanam.

    4. A Igreja jurdica e a Igreja da caridade

    62. De quanto at aqui expusemos, venerveis irmos, evidente que esto em graveerro os que arbitrariamente ungem uma Igreja como que escondida e invisvel; e nomenos aqueles que a consideram como simples instituio humana com determinadas

    leis e ritos externos, mas sem comunicao de vida sobrenatural. (41) Ao contrrio,assim como Cristo, cabea e exemplar da Igreja, "no todo se nele se considera s anatureza humana visvel... ou s a natureza divina invisvel... mas um de ambas e emambas as naturezas...: assim o seu corpo mstico";(42) pois que o Verbo de Deusassumiu a natureza humana passvel, para que, uma vez fundada e consagrada com seusangue a sociedade visvel, "o homem fosse reconduzido pelo governo visvel srealidades invisveis".(43)

    63. Por isso lamentamos tambm e reprovamos o erro funesto dos que sonham umaIgreja ideal, uma sociedade formada e alimentada pela caridade, qual, com certodesprezo, opem outra que chamam jurdica. Enganam-se grandemente os que

    introduzem tal distino; pois que vem que o divino Redentor pela mesma razo porque ordenou que a sociedade humana por ele fundada fosse perfeita no seu gnero e

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    dotada de todos os elementos jurdicos e sociais, a saber, para perdurar na terra a obrasalutfera da Redeno, (44) por essa mesma razo e para conseguir o mesmo fim quisque fosse enriquecida de dons e graas celestes pelo Esprito Parclito. O Eterno Paiquis que ela fosse "o reino do seu Filho muito amado" (Cl 1,13); mas realmente umreino em que todos os fiis prestassem homenagem plena de entendimento e de vontade,

    (45) e com humildade e obedincia se conformassem quele que por ns "se fezobediente at morte" (Fl 2,8). Portanto nenhuma oposio ou contradio pode haverentre a misso invisvel do Esprito Santo e o mnus jurdico dos pastores e doutoresrecebido de Cristo; pois que as duas coisas, como em ns o corpo e a alma, mutuamentese completam e aperfeioam e provm igualmente do nico Salvador nosso, que no sdisse ao emitir o sopro divino: "Recebei o Esprito Santo" (Jo 20, 22), mas em voz alta eclara acrescentou: "Como o Pai me enviou a mim, assim eu vos envio a vs" (Jo 20, 21),e tambm: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16).

    64. E se s vezes na Igreja se v algo em que se manifesta a fraqueza humana, isso nodeve atribuir-se a sua constituio jurdica, mas quela lamentvel inclinao do homem

    para o mal, que seu divino Fundador s vezes permite at nos membros mais altos doseu corpo mstico para provar a virtude das ovelhas e dos pastores e para que em todoscresam os mritos da f crist. Cristo, como acima dissemos, no quis excluir da suaIgreja os pecadores; portanto se alguns de seus membros esto espiritualmenteenfermos, no isso razo para diminuirmos nosso amor para com ela, mas antes paraaumentarmos a nossa compaixo para com os seus membros.

    65. Sem mancha alguma, brilha a santa madre Igreja nos sacramentos com que gera esustenta os filhos; na f que sempre conservou e conserva incontaminada; nas leissantssimas que a todos impe, nos conselhos evanglicos que d; nos dons e graascelestes, pelos quais com inexaurvel fecundidade (46) produz legies de mrtires,virgens e confessores. Nem sua culpa se alguns de seus membros sofrem de chagas oudoenas; por eles ora a Deus todos os dias: "Perdoai-nos as nossas dvidas" eincessantemente com fortaleza e ternura materna trabalha pela sua cura espiritual.

    66. Quando, por conseguinte, denominamos "mstico" o corpo de Jesus Cristo, a foramesmo do termo para ns uma grave lio; a lio que ressoa nestas palavras de soLeo: "Reconhece, cristo, a tua dignidade; e feito consorte da natureza divina, v queno recaias por um comportamento indigno na tua antiga baixeza. Lembrate de quecabea e de que corpo s membro".(47)

    II PARTE

    UNIO DOS FIIS COM CRISTO

    67. Agrada-nos agora, venerveis irmos, tratar da nossa unio com Cristo no corpo daIgreja; a qual, como bem diz santo Agostinho, (48) por ser uma coisa grande, misteriosae divina, acontece muitas vezes ser mal-entendida e explicada. Primeiramente claroque uma unio estreitssima: na Sagrada Escritura no s se compara unio do castomatrimnio, e unidade vital dos sarmentos com a videira e dos membros do nosso

    corpo (cf. Ef 5, 22-23; Jo 15,1-5; Ef 4, 16), mas descreve-se como to ntima, que atradio antiqussima continuada nos Padres e fundada naquela sentena do Apstolo:

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    "ele (Cristo) a cabea do corpo da Igreja" (Cl 1,18), ensina que o divino Redentorforma com seu corpo social uma nica pessoa mstica, ou como diz santo Agostinho: oCristo total. (49) O prprio Salvador na sua orao sacerdotal no duvidou compararesta unio maravilhosa unidade com que o Pai est no Filho e o Filho no Pai (Jo 17,21-23).

    1. Vnculos jurdicos e sociais

    68. A nossa unio em Cristo e com Cristo v-se em primeiro lugar do fato que, sendo afamlia crist por vontade de seu Fundador um corpo social e perfeito, devenecessariamente possuir a unio dos membros que resulta da conspirao destes para omesmo fim. E quanto mais nobre o fim a que tende esta conspirao, quanto mais divina a fonte donde ela procede, tanto mais excelente a unio. Ora o fim altssimo:a contnua santificao dos membros do mesmo corpo para a glria de Deus e doCordeiro que foi sacrificado (Ap 5,12-13). A fonte divinssima: no s o beneplcito doEterno Pai e a vontade expressa do Salvador, mas tambm a interna inspirao e moo

    do Esprito Santo nas nossas inteligncias e coraes. E realmente se no podemos fazero mais pequenino ato salutar seno no Esprito Santo, como podem inumerveismultides de todas as gentes e estirpes tender de comum acordo para a suprema glriado Deus uno e trino, seno por virtude daquele que procede como nico e eterno amordo Pai e do Filho?

    69. E porque este corpo social de Cristo, como acima dissemos, por vontade do seuFundador deve ser visvel, fora que aquela conspirao de todos os membros semanifeste tambm externamente, pela profisso da mesma f, pela recepo dosmesmos sacramentos, pela participao ao mesmo sacrifcio, pela observncia prticadas mesmas leis. E ainda absolutamente necessrio que haja um chefe supremo visvel atodos, que coordene e dirija eficazmente para a consecuo do fim proposto a atividadecomum; e este o vigrio de Cristo na terra. Pois que, como o divino Redentor enviou oParclito, Esprito de verdade, para que em sua vez (cf. Jo 14,16 e 26) tomasse ogoverno invisvel da Igreja, assim mandou a Pedro e aos seus sucessores que,representando na terra a sua pessoa, tomassem o governo visvel da famlia crist.

    2. Virtudes teologais

    70. A esses vnculos jurdicos, que j por si excedem grandemente os de qualquer outrasociedade humana, mesmo suprema, junta-se necessariamente outra causa de unio

    naquelas trs virtudes que nos unem estreitissimamente com Deus: a f, a esperana e acaridade crist. "Um s Senhor, uma s f", como diz oApstolo (Ef 4,5): aquela fcom que aderimos a um s Deus e quele que ele mandou, Jesus Cristo (cf. Jo 17,3).Quo intimamente por meio desta f nos unimos a Deus, ensinam-no as palavras dodiscpulo amado: "Quem confessar que Jesus Filho de Deus, Deus permanece nele eele em Deus" (1 Jo 4,15). Nem menor a unio, que por ela se estabelece entre ns ecom a divina cabea; pois que todos os fiis que "temos o mesmo Esprito de f" (2Cor4,13), somos iluminados pela mesma luz de Cristo, sustentados pelo mesmo manjar deCristo, e governados pela mesma autoridade e magistrio de Cristo. E se em todosfloresce o mesmo Esprito de f, todos vivemos tambm a mesma vida "na f do Filhode Deus que nos amou e se entregou a si mesmo por ns" (cf. Gl 2, 20); e Cristo, nossa

    cabea, recebido em ns pela f viva e habitando em nossos coraes (cf. Ef 3,17),como autor da nossa f, ser tambm o seu consumador (cf. Hb 12,2).

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    71. Se, nesta vida, pela f aderimos a Deus qual fonte da verdade, pela virtude daesperana crist desejamo-lo qual fonte da bem-aventurana, "esperando a bem-aventurada esperana e o advento da glria do grande Deus" (Tt 2,13). Por causadaquele comum desejo do reino dos cus pelo qual renunciamos a ter ptria permanenteaqui na terra, mas demandamos a celeste (cf. Hb 13,14), e anelamos a glria eterna, no

    duvidou dizer o Apstolo das gentes: "Um corpo s e um s Esprito, como uma aesperana da vocao com que fostes chamados" (Ef 4,4); mais ainda, Cristo reside emns como esperana da glria (cf. Cl 1,27).

    72. Mas se os vnculos da f e da esperana, que nos unem com o Redentor divino noseu corpo mstico, so fortes e importantes, no so menos importantes e eficazes oslaos da caridade. Se at naturalmente nada h mais excelente do que o amor, fonte daverdadeira amizade, que dizer daquele amor soberano, que o prprio Deus infunde nasnossas almas? "Deus caridade, e quem permanece na caridade permanece em Deus eDeus nele" (1 Jo 4,16). A caridade, como por fora de uma lei estabelecida por Deus,faz com que ele desa a morar nas almas que o amam, dando-lhes amor por amor,

    segundo aquela sentena: "Se algum me ama, tambm meu Pai o amar e viremos a elee estabeleceremos nele a nossa morada" (Jo 14,23): Portanto a caridade une-nos comCristo mais intimamente que qualquer outra virtude; em cujo amor inflamados tantosfilhos da Igreja jubilam de por ele sofrer afrontas e tolerar e suportar tudo; por rduoque fosse, at ao ltimo alento e efuso do prprio sangue. Por isso nos exortavivamente o Salvador com estas palavras: "Permanecei no meu amor". E porque acaridade v e aparente se no se demonstra e torna efetiva com boas obras, por issoacrescenta logo: "Se observardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor;como eu observei os mandamentos de meu Pai e parmaneo no seu amor" (Jo 15,9-10).

    73. Mas a esse amor de Deus e de Cristo preciso que corresponda a caridade para como prximo. E realmente como podemos ns afirmar que amamos o Redentor divino, seodiamos aqueles que ele, para os fazer membros do seu corpo mstico, remiu com seu

    precioso sangue? Por isso o Apstolo, entre todos predileto de Cristo, nos adverte: "Sealgum disser que ama a Deus, e odiar a seu irmo, mente. Pois quem no ama a seuirmo, a quem v, como pode amar a Deus, a quem no v? E ns recebemos estemandamento, que quem ama a Deus ame tambm a seu Irmo" (1Jo 4,20-21). Antesdevemos afirmar que tanto mais unidos estaremos com Deus, e com Cristo, quanto mais"formos membros uns dos outros" (Rm 12,25), solcitos uns pelos outros (lCor 12,25); e

    por outra parte, tanto mais viveremos entre ns unidos e estreitados pela caridade,quanto mais ardente for o amor que nos unir a Deus e nossa divina cabea.

    74. O Filho unignito de Deus j antes do princpio do mundo nos abraou no seuinfinito conhecimento e eterno amor. Amor que ele demonstrou palpavelmente e demodo verdadeiramente assombroso assumindo a nossa natureza em unidade hiposttica;donde segue, como ingenuamente nota Mximo de Turim, que "em Cristo nos ama anossa carne".(50)

    75. Esse amorosssimo conhecimento que o divino Redentor de ns teve desde oprimeiro instante da sua encarnao, excede tudo quanto a razo humana pode alcanar;pois que ele pela viso beatfica de que gozou apenas concebido no seio da MeSantssima, tem continuamente presente todos os membros do seu corpo mstico e a

    todos abraa com amor salvfico. admirvel dignao da divina bondade paraconosco! inconcebvel ordem da imensa caridade! No prespio, na cruz, na glria

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    sempiterna do Pai, Cristo v e abraa todos os membros da Igreja muito maisclaramente, com muito maior amor do que a me o filho que tem no regao, do que cadaum de ns se conhece e ama a si mesmo.

    76. Do dito at aqui v-se facilmente, venerveis irmos, por que que o Apstolo

    Paulo repete tantas vezes que Cristo est em ns e ns em Cristo. O que se demonstratambm com uma razo mais sutil. Cristo est em ns como acima demoradamenteexpusemos, pelo seu Esprito que ele nos comunica, e pelo qual opera em ns de modoque tudo o que o Esprito Santo opera em ns de divino, deve dizer-se que Cristotambm que o opera.(51) "Se algum no tem o Esprito de Cristo, diz o Apstolo, esseno pertence a ele; mas se Cristo est em vs... o Esprito vida pela justia" (Rm 8, 9-10).

    77. Dessa mesma comunicao do Esprito de Cristo segue que a Igreja vem a ser comoo complemento e plenitude do Redentor; por isso que todos os dons, virtudes e carismasque se encontram na cabea de modo eminente, superabundante e eficiente, dela

    derivam a todos os membros da Igreja e neles, conforme o lugar que ocupam no corpomstico de Cristo, dia a dia se aperfeioam, e Cristo como que se completa na Igreja.(52) Nessas palavras acenamos a razo por que, segundo a doutrina de Agostinho, jantes brevemente indicada, a cabea mstica que Cristo, e a Igreja, que na terra comooutro Cristo e faz as suas vezes, constituem um s homem novo, em quem se juntam ocu e a terra para perpetuar a obra salvfica da cruz; este homem novo Cristo cabea ecorpo, o Cristo total.

    3. A inabitao do Esprito Santo

    78. Certamente no desconhecemos quo difcil de entender e de explicar estadoutrina da nossa unio com o divino Redentor, e especialmente da habitao doEsprito Santo nas almas, pelos vus do mistrio que a recatam e tornam obscura investigao da fraca inteligncia humana. Mas sabemos tambm que da investigao

    bem feita e persistente e do conflito e concurso das vrias opinies, se a investigao fororientada pelo amor da verdade e pela devida submisso Igreja, brotam fascas e seacendem luzes com que, mesmo neste gnero de cincias sagradas, se pode obterverdadeiro progresso. Por isso no censuramos os que, por diversos caminhos, seesforam por atingir e quanto possvel declarar este to sublime mistrio da nossaadmirvel unio com Cristo. Uma coisa, porm, devem todos ter por certa e indubitvel,se no querem desviar-se da verdadeira doutrina e do reto magistrio da Igreja: rejeitar

    toda a explicao desta mstica unio que pretenda elevar os fiis tanto acima da ordemcriada, que cheguem a invadir a divina, a ponto de se atribuir em sentido prprio um sque seja dos atributos de Deus. Retenham tambm firmemente aquele outro princpiocertssimo, que nestas matrias comum SS. Trindade tudo o que se refere e enquantose refere a Deus como suprema causa eficiente.

    79. Note-se tambm que se trata de um mistrio recndito, que neste exlio terrestrenunca se poder completamente desvendar ou compreender nem explicar em linguagemhumana. Diz-se que as Pessoas divinas habitam na criatura inteligente enquanto

    presentes nela de modo imperscrutvel, dela so atingidas por via de conhecimento eamor, (53) de modo porm absolutamente ntimo e singular, que transcende a natureza

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    obter luz com que se possa vislumbrar alguma coisa dos divinos arcanos, isto , acomparao dos mistrios entre si e com o bem supremo a que se dirigem. E assimque Nosso sapientssimo Predecessor de feliz memria Leo XIII, tratando desta nossaunio com Cristo e da habitao do Esprito Parclito em ns, muito oportunamente fixaos olhos na viso beatfica, que um dia no cu completar e consumar esta unio

    mstica. "Esta admirvel unio, diz ele, que com termo prprio se chama "inabitao",difere apenas daquela com que Deus no cu abraa e beatifica os bem-aventurados, spela nossa condio (de viajores na terra)".(55) Naquela viso poderemos com os olhosdo Esprito, elevados pelo lume da glria, contemplar de modo inefvel o Pai, o Filho eo Divino Esprito, assistir de perto por toda a eternidade s processes das divinasPessoas e gozar de uma bem-aventurana semelhantssima quela que faz bem-aventurada a santssima e indivisvel Trindade.

    4. A Eucaristia sinal de unidade

    80. A precedente exposio da doutrina da ntima unio do corpo mstico de Cristo com

    a sua cabea afigura-se-nos incompleta sem uma breve referncia neste lugar asantssima Eucaristia, pela qual a unio nesta vida mortal levada ao seu auge.

    81. Ordenou Cristo Senhor nosso que esta admirvel e nunca assaz louvada unio quenos une entre ns e com a nossa cabea divina, fosse manifestada aos fis de modoespecial pelo sacrifcio eucarstico; no qual o celebrante faz s vezes no s do divinoSalvador, mas tambm de todo o corpo mstico e de cada um dos fis; e, por sua parte,os fiis unidos nas oraes e votos comuns, pelas mos do celebrante, apresentam aoeterno Pai o Cordeiro imaculado - presente no altar voz unicamente do sacerdote -,como vtima agradvel de louvor e propiciao pelas necessidades de toda a Igreja. E domesmo modo que, morrendo na cruz, o divino Redentor se ofereceu a si mesmo ao Paicomo cabea de todo o gnero humano, assim nesta "oblao pura" (Ml 1,11) no s seoferece a si mesmo ao Pai celeste, como cabea da Igreja, mas em si oferece os seusmembros msticos; pois que a todos, at os fracos e enfermos, tem amorosissimamenteencerrados no Corao.

    82. O sacramento da eucaristia ao mesmo tempo que viva e admirvel imagem daunidade da Igreja - pois que o po da hstia um, resultante de muitos gros (56) d-nos o prprio autor da graa sobrenatural, para dele haurirmos o Esprito da caridadeque nos far viver no a nossa, mas a vida de Cristo e amar o prprio Redentor em todosos membros do seu corpo social.

    83. Se, portanto, nas angustiosas circunstncias atuais houver muitssimos que seabracem com Jesus escondido sob os vus eucarsticos de tal maneira que nem atribulao, nem a angstia, nem a fome, nem a nudez, nem os perigos, nem a

    perseguio, nem a espada os possa separar da sua caridade (cf. Rm 8,35), ento semdvida a sagrada comunho, providencialmente restituda em nossos dias a um uso maisfreqente desde a infncia, poder ser fonte daquela fortaleza que no raro produz esustenta o herosmo entre os cristos.

    III PARTE

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    EXORTAO PASTORAL

    1. Erros relativos vida asctica

    a) Falso misticismo

    84. Estas verdades, venerveis irmos, se os fiis as compreenderem e recordarem bemdiligentemente, ajud-los-o a acautelar-se dos erros a que expe a investigao destedifcil assunto, quando feita a capricho, como alguns a fazem, no sem grande perigo

    para a f catlica e perturbao das almas. Com efeito, no faltam alguns que, por noconsiderarem bastante que S. Paulo falava nesta matria s por metforas, nemdistinguirem, como absolutamente necessrio, os sentidos particulares e prprios dostermos corpo fsico, moral, mstico, introduzem uma falsa noo de unidade, afirmandoque o Redentor e os membros da Igreja formam uma pessoa fsica, e ao passo que

    atribuem aos homens propriedades divinas, fazem Cristo Senhor nosso sujeito a erros e humana inclinao para o mal. A tais falsidades opem-se a f catlica e ossentimentos dos santos Padres; mas opem-se igualmente o pensamento e a doutrina doapstolo das gentes, que se bem une Cristo e o seu corpo mstico com uma unioadmirvel, contudo contraps-nos um ao outro como Esposo esposa (cf. Ef 5,22-23).

    b) Falso "quietismo"

    85. No menos contrrio verdade e perigoso o erro daqueles que da misteriosa uniode todos ns com Cristo pretendem deduzir um mal-entendido "quietismo", que atribuitoda a vida espiritual dos fis e todo o progresso na virtude unicamente ao doEsprito Santo, excluindo ou menosprezando a correspondncia e colaborao quedevemos prestar-lhe. Ningum pode negar que o divino Esprito de Cristo a nicafonte donde deriva toda a energia sobrenatural na Igreja e nos membros, pois que, comodiz o salmista, "o Senhor concede a graa e a glria" (Sl 83,12). Contudo o perseverarconstantemente nas obras de santidade, o progredir fervorosamente na graa e navirtude, o esforar-se generosamente por atingir o vrtice da perfeio crist, enfim oexcitar, na medida do possvel, os prximos a consegui-la, tudo isso no quer o celesteEsprit realiz-lo, se o homem no faz, dia a dia, com energia e diligncia, o que estao seu alcance. "Os benefcios divinos, diz santo Ambrsio, no se fazem aos quedormem, mas aos que velam".(57) Se neste nosso corpo mortal os membros se

    desenvolvem e robustecem com o exerccio cotidiano, muito mais, sem dvida, sucedeno corpo social de Cristo, cujos membros gozam de liberdade, conscincia e modoprprio de agir. Por isso o que disse: "Vivo, no j eu; mas Cristo vive em mim" (Gl2,20), esse mesmo no duvidou afirmar: "A sua graa (de Deus) no foi em mim estril,mas trabalhei mais que todos eles; se bem que no eu, mas a graa de Deus comigo"(lCor 15,10). E, pois, evidente que, com essas falsas doutrinas, o mistrio de quetratamos no se utiliza para proveito espiritual dos fiis, mas converte-se em triste causade sua runa.

    c) Erros relativos confisso sacramental e orao

    86. O mesmo sucede com a falsa opinio dos que pretendem que no se deve ter emconta a confisso freqente das faltas veniais; pois que mais importante a confisso

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    geral, que a esposa de Cristo, com seus filhos a ela unidos no Senhor, faz todos os dias,por meio dos sacerdotes antes de subirem ao altar de Deus. verdade, e vs bem sabeis,venerveis irmos, que h muitos modos e todos muito louvveis, de obter o perdodessas faltas; mas para progredir mais rapidamente no caminho da virtude,recomendamos vivamente o pio uso, introduzido pela Igreja sob a inspirao do Esprito

    Santo, da confisso freqente, que aumenta o conhecimento prprio, desenvolve ahumildade crist, desarraiga os maus costumes, combate a negligncia e tibiezaespiritual, purifca a conscincia, fortifica a vontade, presta-se direo espiritual, e,

    por virtude do mesmo sacramento, aumenta a graa. Portanto os que menosprezam efazem perder a estima da confisso freqente juventude eclesistica, saibam quefazem uma coisa contrria ao Esprito de Cristo e funestssima ao corpo mstico doSalvador.

    87. H ainda alguns que afirmam no terem as nossas oraes verdadeira eficciaimpetrativa e trabalham por espalhar a opinio de que a orao feita em particular poucovale e que a orao pblica, feita em nome da Igreja, que tem verdadeiro valor, por

    partir do corpo mstico de Jesus Cristo. No exato; o divino Redentor no s uniuestreitamente a si a Igreja como esposa queridssima, seno tambm nela as almas detdos e cada um dos fiis, com quem deseja ardentemente conversar na intimidade,sobretudo depois da comunho. E embora a orao pblica, feita por toda a Igreja, sejamais excelente que qualquer outra, graas a dignidade da esposa de Cristo, contudotodas as oraes, ainda as mais particulares, tm o seu valor e eficcia, e aproveitamtambm grandemente a todo o corpo mstico; no qual no pode nenhum membro fazernada de bom e justo, que em razo da comunho dos santos no contribua tambm paraa salvao de todos. Nem aos indivduos por serem membros desse corpo se lhes vedaque peam para si graas particulares, mesmo temporais, com a devida sujeio divinavontade; pois que continuam sendo pessoas independentes com suas indigncias

    prprias. (58) Quanto meditao das coisas celestes, os documentos eclesisticos, aprtica e exemplos de todos os Santos provam bem em quo grande estima deve ser tidapor todos.

    88. Por ltimo no falta quem diga que as nossas splicas no devem dirigir-se a pessoade Jesus Cristo, mas a Deus ou ao Eterno Pai por Cristo; pois que o Salvador, comocabea do seu corpo mstico, deve considerar-se apenas qual "medianeiro entre Deus eos homens" (1Tm 2,5). Tambm isso contrrio ao modo de pensar da Igreja, contrrioao costume dos fiis e falso. Cristo, para falar com propriedade e preciso, cabea detoda a Igreja segundo ambas as naturezas conjuntamente; (59) e ele prprio afirmou

    alis solenemente: "Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, f-la-ei" (Jo 14,14). Ebem que no sacrifcio eucarstico principalmente - onde Cristo , ao mesmo tempo,sacerdote e vtima e por isso de modo especial, exerce as funes de conciliador - asoraes se dirijam ordinariamente ao Eterno Pai pelo seu Unignito, contudo no raro, eat no santo sacrifcio, dirigem-se tambm ao divino Redentor; pois que todos oscristos devem saber claramente que Jesus Cristo homem tambm Filho de Deus. Porisso quando a Igreja militante adora e invoca o Cordeiro imaculado e vtima sagrada,

    parece responder voz da Igreja triunfante, que perpetuamente canta: "Ao que estsentado no trono e ao Cordeiro, bno e honra e glria e poder nos sculos dossculos" (Ap 5,13).

    2. Exortao a amar a Igreja

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    89. At aqui, venerveis irmos, meditando o mistrio da nossa arcana unio comCristo, procuramos, como doutor da Igreja universal, iluminar as inteligncias com a luzda verdade; agora julgamos conforme ao nosso mnus pastoral excitar os coraes aamar o corpo mstico, com ardente caridade, que no se fique em pensamentos e

    palavras, mas se traduza em obras. Se os fiis da antiga lei cantaram da cidade terrena:

    "Se eu me esquecer de ti, Jerusalm, paralise-se a minha mo direita; fique presa aminha lngua ao meu paladar, se eu no me lembrar de ti, se no tiver Jerusalm como a primeira das minhas alegrias" (Sl 136,5-6); com quanto maior ufania e jbilo nodevemos nos regozijar por habitarmos a cidade edificada sobre o monte santo, com

    pedras vivas e escolhidas, "tendo por pedra angular Cristo Jesus" (Ef 2,20;1Pd 2,45).Realmente no h coisa mais gloriosa, mais honrosa, mais nobre, que fazer parte daIgreja, santa, catlica, apostlica, romana, na qual nos tornamos membros de tovenerando corpo; nos governa uma to excelsa cabea; nos inunda o mesmo Espritodivino; a mesma doutrina, enfim, e o mesmo Po dos Anjos nos alimenta neste exlioterreno, at que, finalmente, vamos gozar no cu da mesma bem-aventuranasempiterna.

    a) Com amor slido

    90. Mas para que no nos deixemos enganar pelo anjo das trevas, transfigurado em anjode luz (cf. 2Cor 11,14), seja esta a suprema lei do nosso amor: amar a esposa de Cristotal como Cristo a quis e a adquiriu com seu sangue. Portanto no s devemos amarsinceramente os sacramentos, com que a Igreja, me extremosa; nos sustenta, e assolenidades com que nos consola e alegra, os cantos sagrados e a liturgia, com que elevaas nossas almas , coisas do cu, mas tambm os sacramentais e os vrios exerccios de

    piedade com que suavemente impregna de Esprito de Cristo e conforta as almas. E nos nosso dever pagar com amor, como bons filhos, o seu materno amor para conosco,seno tambm venerar a sua autoridade que ela recebeu de Cristo e com que cativa asnossas inteligncias em homenagem a Cristo (cf. 2Cor 10,5); e no menos obedecer ssuas leis e preceitos morais, s vezes molestos nossa natureza decada; refrear arebeldia deste nosso corpo com penitncia voluntria, e at mortificar-nos, privando-nosde quando em quando de coisas agradveis, embora no perigosas. Nem basta amar ocorpo mstico no esplendor da cabea divina e dos dons celestes que o exornam;devemos com amor efetivo am-lo tal qual se nos apresenta na nossa carne mortal,composto de elementos humanos e enfermios, embora por vezes desdigam um poucodo lugar que ocupam em to venerando corpo.

    b) Que nos faa ver Cristo na Igreja

    91. Ora para que esse amor slido e perfeito more nas nossas almas e cresa de dia paradia, preciso que nos acostumemos a ver na Igreja o prprio Cristo. Pois que Cristoque vive na sua Igreja, por ela ensina, governa e santifica; Cristo que de vrios modosse manifesta nos vrios membros da sua sociedade. Se todos os fiis se esforarem porviver realmente com esse vivo esprito de f, no s prestaro a devida honra ereverncia aos membros mais altos deste corpo mstico, sobretudo aos que um dia tmde dar conta das nossas almas (cf. Hb 13,17), mas amaro de modo particular aquelesque o Salvador amou com singularssima ternura, quais so os enfermos, chagados,fracos, todos os que precisam de remdio natural ou sobrenatural; a infncia, cuja

    inocncia est hoje exposta a tantos perigos, e cuja alma se pode modelar como branda

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    cera; os pobres nos quais com sua compaixo se deve reconhecer e socorrer a pessoa deJesus Cristo.

    c)Imitemos o amor de Cristo para com a Igreja

    92. Como com razo adverte o Apstolo: "Os membros do corpo que parecem maisfracos so os mais necessrios; e os que temos por mais vis, cercamo-los de maiorhonra" (lCor 12,22-23). Gravssima sentena que ns, cnscios da obrigao que nosincumbe pelo nosso altssimo oficio, devemos repetir, ao vermos com profunda mgoaque s vezes so privados da vida os deformes, dementes e afetos por doenashereditrias, por inteis e de peso sociedade; e que alguns celebram isso como umaconquista do progresso, sumamente vantajoso ao bem comum. Ora, que homem sensatoh que no veja isso no s como uma violao flagrante da lei natural e divina,(60)impressa em todos os coraes, mas tambm que no lhe repugne atrozmente aossentimentos de humanidade? O sangue desses infelizes, tanto mais amados do Redentorquanto mais dignos de compaixo, "brada a Deus da terra" (cf. Gn 4,10).

    93. Mas para que esta genuna caridade, com que devemos ver o Salvador na Igreja enos seus membros, no venha pouco a pouco a arrefecer, bom contemplemos aomesmo Cristo como supremo modelo de amor para com a Igreja.

    94. E primeiramente imitemos a vastido daquele amor, esposa de Cristo s a Igreja;contudo o amor do divino Esposo to vasto, que a ningum exclui, e na sua esposaabraa a todo o gnero humano; pois que o Salvador derramou o seu sangue na cruz

    para conciliar com Deus a todos os homens de todas as naes e estirpes, e para osreunir num s corpo. Por conseguinte o verdadeiro amor da Igreja exige no s quesejamos todos no mesmo corpo membros uns dos outros, cheios de mtua solicitude (cf.Rm 12,5;1Cor 12,25), que se alegrem com os que se alegram e sofram com os quesofrem (cf. lCor 12,26), mas que tambm nos outros homens ainda no incorporadosconosco na Igreja, reconheamos outros tantos irmos de Jesus Cristo segundo a carne,chamados como ns para a mesma salvao eterna. verdade que hoje no faltam - um grande mal - os que vo exaltando a rivalidade, o dio, o rancor, como coisas queelevam e nobilitam a dignidade e o valor do homem. Ns, porm, que magoados vemosos funestos frutos de tal doutrina, sigamos o nosso Rei pacfico, que nos ensinou a amaros que no so da mesma nao ou mesma estirpe (cf. Lc 10,33-37) at os prpriosinimigos (cf. Lc 6,27-35; Mt 5,44-48). Ns, compenetrados dos suavssimossentimentos do Apstolo das gentes, com ele cantemos o comprimento, a largura, a

    sublimidade, a profundeza da caridade de Cristo (cf. Ef 3,18), que nem a diversidade denacionalidade, ou de costumes pode quebrar, nem a vastido imensa do oceanodiminuir, nem as guerras, justas ou injustas, arrefecer.

    95. Nesta hora tremenda, venerveis irmos, em que tantas dores torturam os corpos etantas angstias lancinam as almas, preciso acender em todos esta caridadesobrenatural, para que os bons - lembramos principalmente os que pertencem aassociaes de beneficncia e mtuo socorro - combinando os seus esforos, como emadmirvel porfia de compaixo e misericrdia, acudam a to imensas necessidades dasalmas e dos corpos, e assim por toda parte resplandea a generosidade inesgotvel docorpo mstico de Jesus Cristo.

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  • 8/14/2019 Encclica Mystici Corporis - Pio XII

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    96. Mas porque vastido da caridade com que Cristo amou a Igreja corresponde aconstncia ativa da mesma caridade, ns tambm amemos o corpo mstico de Cristocom o mesmo amor perseverante e industrioso. Nosso divino Redentor, desde aencarnao, quando lanou os primeiros fundamentos da Igreja, at ao fim da sua vidamortal, nem um s instante passou em que com exemplos fulgentssimos de virtude,

    pregando, ensinando, legislando, no trabalhasse at cair de fadiga - ele o Filho deDeus! -em formar ou consolidar a Igreja. Desejamos pois que todos os que reconhecempor me a Igreja, ponderem seriamente que no s ao clero e aos que se consagram aoservio do corpo mstico de Jesus Cristo, mas a cada um na sua esfera, incumbe aobrigao de incremento do mesmo corpo. Notem-no de modo particular - como alis jo fazem to louvavelmente - os que militam nas fileiras da Ao catlica e colaboramcom os bispos e sacerdotes no apostolado e os que em pias associaes prestam o seuauxlio para o mesmo fim. No h quem no veja que a ao de todos esses , nas

    presentes circunstncias, de grande peso e de suma importncia.

    97. Tambm no podemos aqui silenciar a respeito dos pais e mes de famlia, a quem

    nosso divino Salvador confiou os membros mais tenros de seu corpo mstico; mas comtodo o ardor os exortamos, por amor de Cristo e da Igreja, a que olhem com o mximocuidado pelos filhos que o Senhor lhes deu, e procurem precav-los contra as inmerasciladas em que hoje to facilmente se encontram enredados.

    98. De modo peculiar manifestou o Redentor o seu ardentssimo amor Igreja nassplcas que por ela dirigiu ao Pai celeste. Todos sabem - para lembrar isto apenas - que

    pouco antes de subir ao patbulo da cruz, orou ardentissimamente por Pedro (cf. Lc22,32), pelos outros apstolos (cf. Jo 17,9-19) e por todos aqueles que pela pregao dadivina palavra haviam de crer nele (cf. Jo 17,20-23). imitao deste exemplo deCristo roguemos todos os dias ao Senhor da messe que mande obreiros para a sua messe(cf. Mt 9,38; Lc 10,2) e todos os dias suba a nossa orao encomendando a Deus todosos membros do corpo mstico: primeiro os bispos, a quem est confiado o cuidado dassuas dioceses, depois os sacerdotes, os religiosos e religiosas, que por especial vocaochamados ao servio de Deus; na ptria ou em terras pags defendem, aumentam,dilatam o reino do divino Redentor. Nenhum membro do corpo mstico fique fora destacomum orao; mas lembrem-se especialmente os que vivem acabrunhados das dores eangstias deste desterro e os defuntos que se purificam no Purgatrio. Nem se esqueamos catecmenos, que se instruem na doutrina crist, para que quanto antes possamreceber o batismo.

    99. Desejamos tambm vivamente que essas oraes abracem com ardente caridadetanto aqueles a quem no raiou ainda a luz do Evangelho, nem entraram no redil seguroda Igreja, como os que um triste dissdio na f ou na unidade separa de ns, que emboraindignos; representamos a pessoa de Jesus Cristo na terra. Repitamos aquela oraodivina do Salvador ao Pai celeste: "Que todos sejam um, como tu, Pa