Energia Maremotriz

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Energia Maremotriz Robson Josué Molgaro Introdução A busca por novas fontes para geração de energia tem se tornado cada vez mais uma tarefa árdua para a sociedade. À medida que potenciais energéticos convencionais tornam-se escassos, vemo-nos obrigados a explorar fontes que antes nem sequer imaginava-se existir. É verdade que esses potenciais sempre existiram registros apontam o uso de moinhos maremotrizes no Atlântico Norte até, pelo menos, o início da Idade Média (CLARK, 2007) entretanto, a exploração das marés para fins energéticos é ainda incipiente em escala global. No contexto contemporâneo, a energia das marés tem sido utilizada principalmente para gerar energia elétrica, sendo seu potencial global estimado entre 500 e 1000 TWh/ano. Embora seja significativo atualmente o potencial eólico mundial é estimado em 583 TWh/ano (GWEC, 2012) a energia maremotriz tem aproveitamento viável apenas em alguns poucos locais, devido à condições específicas tais como amplitudes de marés significativas e condições geográficas adequadas à exploração. Motivado pelo grande potencial energético que essa fonte apresenta, este capítulo apresenta o estado da arte da conversão da energia maremotriz em energia elétrica, enfatizando os princípios que a regem e as tecnologias envolvidas, os principais potenciais e casos bem sucedidos de usinas maremotrizes instaladas e em operação atualmente. O fenômeno das marés Assim como várias outras fontes de energia, como por exemplo a eólica, a energia maremotriz também é uma fonte intermitente. Entrentanto, esta possui a vantagem de possuir grande previsibilidade, devido ao fato de estar relacionada principalmente a fenômenos astronômicos, que embora complexos, são bastante conhecidos e previsíveis (LEITE NETO et al., 2011).

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A busca por novas fontes para geração de energia tem se tornado cada vez mais uma tarefa árdua para a sociedade. À medida que potenciais energéticos convencionais tornam-se escassos, vemo-nos obrigados a explorar fontes que antes nem sequer imaginava-se existir. É verdade que esses potenciais sempre existiram – registros apontam o uso de moinhos maremotrizes no Atlântico Norte até, pelo menos, o início da Idade Média (CLARK, 2007) – entretanto, a exploração das marés para fins energéticos é ainda incipiente em escala global. No contexto contemporâneo, a energia das marés tem sido utilizada principalmente para gerar energia elétrica, sendo seu potencial global estimado entre 500 e 1000 TWh/ano. Embora seja significativo – atualmente o potencial eólico mundial é estimado em 583 TWh/ano (GWEC, 2012) – a energia maremotriz tem aproveitamento viável apenas em alguns poucos locais, devido à condições específicas tais como amplitudes de marés significativas e condições geográficas adequadas à exploração. Motivado pelo grande potencial energético que essa fonte apresenta, este capítulo apresenta o estado da arte da conversão da energia maremotriz em energia elétrica, enfatizando os princípios que a regem e as tecnologias envolvidas, os principais potenciais e casos bem sucedidos de usinas maremotrizes instaladas e em operação atualmente.

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Energia Maremotriz

Robson Josué Molgaro

Introdução

A busca por novas fontes para geração de energia tem se tornado cada vez

mais uma tarefa árdua para a sociedade. À medida que potenciais energéticos

convencionais tornam-se escassos, vemo-nos obrigados a explorar fontes que antes

nem sequer imaginava-se existir.

É verdade que esses potenciais sempre existiram – registros apontam o uso de

moinhos maremotrizes no Atlântico Norte até, pelo menos, o início da Idade Média

(CLARK, 2007) – entretanto, a exploração das marés para fins energéticos é ainda

incipiente em escala global.

No contexto contemporâneo, a energia das marés tem sido utilizada

principalmente para gerar energia elétrica, sendo seu potencial global estimado entre

500 e 1000 TWh/ano. Embora seja significativo – atualmente o potencial eólico mundial

é estimado em 583 TWh/ano (GWEC, 2012) – a energia maremotriz tem

aproveitamento viável apenas em alguns poucos locais, devido à condições específicas

tais como amplitudes de marés significativas e condições geográficas adequadas à

exploração.

Motivado pelo grande potencial energético que essa fonte apresenta, este

capítulo apresenta o estado da arte da conversão da energia maremotriz em energia

elétrica, enfatizando os princípios que a regem e as tecnologias envolvidas, os

principais potenciais e casos bem sucedidos de usinas maremotrizes instaladas e em

operação atualmente.

O fenômeno das marés

Assim como várias outras fontes de energia, como por exemplo a eólica, a

energia maremotriz também é uma fonte intermitente. Entrentanto, esta possui a

vantagem de possuir grande previsibilidade, devido ao fato de estar relacionada

principalmente a fenômenos astronômicos, que embora complexos, são bastante

conhecidos e previsíveis (LEITE NETO et al., 2011).

O principal fenômeno associado à origem das marés é a força gravitacional que

a Lua e o Sol exercem sobre a Terra Durante a Lua Quarto Crescente ou Quarto

Minguante ocorrem as marés de menores amplitudes, conhecidas como marés mortas

ou de quadratura; enquanto que durante a Lua Nova ou Lua Cheia ocorrem as marés

de grandes amplitudes, chamadas de marés vivas ou de sizígia (MARINHA DO

BRASIL, 2013). A Figura 1 demonstra mais claramente estes fenômenos.

Figura 1. Representação do ciclo das marés (APRH, 2013).

Os ciclos de marés podem ainda ser semi-diurnos, quando ocorrem duas marés-

altas e duas marés-baixas por dia, ou diurnos, quando ocorre apenas um ciclo de

marés por dia. Na maioria dos locais, as marés são semi-diurnas, tendo duração de

aproximadamente 12,5 horas por ciclo, o que confere ao recurso maremotriz o caráter

de previsibilidade (MARINHA DO BRASIL, 2013). A Figura 2 ilustra a distribuição de

uma maré semi-diurna em um local qualquer da terra.

Figura 2. Distribuição de uma maré semi-diurna em um local qualquer da Terra. (Adaptado de: MARINHA DO BRASIL, 2013).

Os ciclos de marés também variam a cada ciclo de 14 dias de preamar – baixa-

mar1. As amplitudes de marés atingem o máximo na lua cheia e lua nova, quando o sol,

a terra e a lua formam uma linha - a preamar. Quando a lua se encontra no primeiro ou

no terceiro quarto, a amplitude de marés atinge o mínimo – a baixa-mar (LIMA, 2003).

Os equinócios, datas do ano em que o dia claro tem a mesma duração da noite

em toda a Terra, e que ocorrem nos meses de Março e Setembro, são exemplos de

outros fenômenos a serem levados em consideração na previsibilidade das marés.

Estes, quando combinados a uma lua cheia ou lua nova, resultam em marés bem

maiores do que as de sizígia comuns, chamadas de marés equinociais (MARINHA DO

BRASIL, 2013). A Figura 3 mostra a variação dos níveis de marés durante o mês de

Setembro de 2010 no porto de Itaquí, na cidade de São Luís do Maranhão.

1 nível máximo de uma maré cheia e nível mínimo de uma maré vazante, respectivamente.

Figura 3. Variação dos níveis de marés durante o mês de Setembro de 2010 no porto de Itaquí (LEITE NETO et all, 2011).

Além dos aspectos naturais e meteorológicos, as características

geomorfológicas da costa também representam um papel importante na modelagem e

previsibilidade das marés. A inclinação do fundo do mar e o afunilamento da água

próximo a estuários são situações que provocam aumento significativo das amplitudes

das marés (AQUARET, 2013). Em alguns casos, a variação pode ainda ser aumentada

pelo reflexo da onda de maré, pela costa ou pela ressonância de maré. Estes fatores

significam que a amplitude e os momentos de maré alta e maré baixa podem ter

variações significativas em diferentes pontos da linha costeira (LEITE NETO, 2009).

Em mar aberto a amplitude máxima das marés não chega a 1 m. À medida que

se aproxima da costa, a amplitude das marés é incrementada devido a efeitos tais

como o afunilamento, a reflexão e a ressonância causados pela geometria da costa. Na

Figura 4 é apresentado como estes efeitos afetam significativamente a amplitude da

maré no estuário de Severn, no Reino Unido.

Figura 4. Amplitude da maré no estuário de Severn (HAMMONS, 1993).

O aproveitamento da energia maremotriz

O aproveitamento do potencial energético maremotriz dá-se principalmente pelo

aproveitamento da energia potencial das marés. Entretanto, atualmente outras formas

de extração de energia estão em estudo, seja para aproveitar a energia potencial, seja

para aproveitar a energia cinética das marés.

O aproveitamento da energia potencial se dá de forma análoga a que uma usina

hidrelétrica convencional o faz, utilizando-se de uma barragem para armazenar a água

que adentra ao reservatório devido ao desnível criado proveniente da mudança da

maré baixa para alta e vice-versa. Já o aproveitamento da energia cinética se dá de

forma semelhante ao que fazem as centrais eólicas com o vento, aproveitando-se das

correntes marítimas provenientes das marés enchente e vazante.

Energia potencial maremotriz

Turbinas instaladas em barragens constituem a principal forma de exploração

da energia potencial das marés, utilizando-se do mesmo princípio aplicado às centrais

hidrelétricas. As marés criam um desnível suficientemente elevado entre os lados da

barragem, possibilitando o acionamento das turbinas (LEITE NETO, 2009).

A maneira mais simples para aproveitar o potencial das marés - conforme

mostra a Figura 5 - é a geração em efeito simples, onde, logo após a maré cheia,

fecham-se as comportas da barragem, iniciando a geração de eletricidade na maré

vazante, quando a queda d’água é aproximadamente a metade da amplitude da maré

(CLARK, 2007). Esta operação é mantida até que a altura da queda d’água se torne a

mínima possível para a geração de energia. Neste ponto, bloqueia-se a passagem de

água, cessando a geração de energia até que a altura da queda d’água torne-se

novamente suficiente para o funcionamento das turbinas, após a maré alta seguinte. O

processo de geração em maré enchente é análogo, com a diferença de que nesse caso

o processo de geração ocorre no sentido mar-reservatório (LEITE NETO, 2011).

Uma estratégia utilizada para elevar a produção e aumentar a flexibilidade da

operação da usina é o incremento da altura do nível do reservatório através do

bombeamento d´água para o mesmo (AQUARET, 2013).

Figura 5. Operação em efeito simples (LEITE NETO, 2011).

Além disso, é possível a operação bidirecional ou geração em efeito duplo. A

Figura 6 ilustra o processo de geração de eletricidade em efeito duplo numa usina

maremotriz.

Figura 6. Operação em efeito duplo (LEITE NETO, 2011)

A respeito do modo de operação dos reservatórios, existem ainda duas outras

propostas relevantes, a saber: reservatório único e reservatórios múltiplos.

Os sistemas de reservatório único utilizam uma barreira de contenção para criar

um único reservatório. Nos reservatórios duplos ou múltiplos, a área de contenção é

subdividida em segmentos, sendo que cada um deles é cheio e esvaziado

alternadamente.

Estes sistemas têm um reservatório principal que funciona basicamente como

um sistema de reservatório único de produção em maré baixa. Nos outros reservatórios

a água é bombeada para dentro e para fora deles, utilizando uma parte da eletricidade

produzida durante a fase de maré baixa, permitindo armazenamento e, por isso, uma

produção mais contínua (ATLANTIS RESOURCES CORPORATION, 2013).

Estima-se que o modelo de barragem com reservatórios múltiplos seja o mais

eficiente, produzindo energia na maré baixa e bombeando a água para o reservatório

na maré alta (AQUARET, 2013). Este processo consiste em quatro fases:

1. Enchimento do reservatório durante a subida da maré, com bombeamento de altura

adicional para o reservatório durante esta fase.

2. Retenção da água no reservatório na descida da maré para criar altura suficiente

para produção de energia.

3. Esvaziamento do reservatório através das turbinas (fase de produção de energia)

até um nível mínimo de altura necessário para funcionamento.

4. Retenção da lagoa até que a maré encha o suficiente para repetir a fase 1 (um).

Além da necessidade de marés de grandes amplitudes, esta forma de

aproveitamento exige ainda que a morfologia do local também seja adequada, ou seja,

é necessário que haja condições geográficas favoráveis para o represamento da água,

criando-se um reservatório.

Usinas maremotrizes existentes

Embora o potencial energético global das marés seja enorme, apenas alguns

poucos projetos de usinas maremotrizes se tornaram realidade até o momento.

Algumas das principais referências em termos de projetos já implementados são a

França (La Rance), Canadá (Annapolis Royal) e Rússia (Kislaya Guba), além de

inúmeros pequenos projetos de pequeno porte em operação na China (AQUARET,

2013).

A Usina de La Rance, na França, foi a primeira central de energia maremotriz a

operar em escala comercial, em meados da década de 1960. Com potência instalada

de 240MW, a usina utiliza 24 grupos-geradores tipo bulbo de 10MW cada. As turbinas

possuem sistema de reversão das hélices, permitindo operação em regime bidirecional,

além do bombeamento, que é feito pelo mesmo grupo de máquinas (LEITE NETO,

2011).

A estratégia de operação da usina é uma combinação de efeito duplo e

bombeamento. A produção anual da usina pode chegar a 544 GWh, sendo que 10 %

deste total é usado para fins de bombeamento (CHARLIER, 2009). La Rance constitui

ainda hoje a maior usina maremotriz em operação.

A central de Annapolis Royal foi a segunda e última usina maremotriz construída

para operar em escala comercial. Localizada na baía de Fundy, na costa atlântica do

Canadá, a usina foi idealizada para o aproveitamento de uma barragem já existente no

rio Annapolis, ficando pronta em 1982. Possui capacidade instalada de 17,8MW e foi

construída para demonstrar o funcionamento da turbina Straflo (LIMA, 2003).

A usina maremotriz de Kislaya Guba, na Rússia, é considerada um caso

especial de exploração da energia maremotriz. Construída na década de 60 no mar de

Barents, a usina possui 400 kW de potência instalada e foi idealizada inicialmente para

operação comercial. Entretanto, condições climáticas severas e pequenas amplitudes

de marés, entre 1,3 e 3,9 m, tornaram a usina inviável, sendo utilizada atualmente

apenas para fins experimentais (HAMMONS, 1993).

Depois da construção da central de La Rance, foram equacionadas outras

centrais maremotrizes em todo o mundo, como a central de 15GW da Bretanha, na

França, e a central de 8.64GW do estuário de Severn, localizada no Reino Unido

(AQUARET, 2013).

Impactos ambientais

A construção de uma barragem em um estuário pode resultar em efeitos diretos

sobre o ecossistema local. Portanto, é importante ressaltar que tais efeitos devem ser

considerados tanto no projeto e construção, quanto na operação da usina (LEITE

NETO, 2011).

Alguns dos aspectos que devem ser analisados são as possíveis alterações na

qualidade da água, ou seja, alterações nas características químicas da água, tais como

oxigenação e salinização, além da própria morfologia do estuário, que pode ser

alterada devido às possíveis modificações nos regimes de sedimentação e erosão.

Possivelmente, um dos principais aspectos ambientais que devem ser

verificados está relacionado às alterações no ecossistema do estuário. Estas

alterações variam de acordo com o local, entretanto, podem ser formuladas levando-se

em consideração os seguintes aspectos (CLARK, 2007):

1. Alterações na distribuição das espécies dentro do estuário;

2. Alterações na composição do grupo de espécies: algumas podem deixar de existir,

enquanto novas espécies podem surgir;

3. Alterações nos ciclos de vida de algumas espécies: taxas de crescimento e

reprodução, por exemplo.

Embora estes aspectos devam ser cuidadosamente verificados, vale destacar

que a intensidade em que estes podem ocorrer varia de um local para outro.

Tomando-se a usina de La Rance como referência, observou-se que os

impactos mais significativos aconteceram apenas durante a sua construção, onde o

fluxo natural do estuário foi interrompido através de ensecadeiras2, para a construção a

seco da barragem. Após esta etapa, estes impactos foram substancialmente reduzidos.

2 tipo de proteção à prova d'água destinada a facilitar projetos de construção em áreas que são

normalmente submersas.

Com relação ao ecossistema do estuário de La Rance, foram observadas

algumas modificações ao longo dos anos até que um novo equilíbrio ecológico tenha

sido alcançado [8]. Entretanto, estas modificações não causaram prejuízos às

atividades pesqueiras na região (CHARLIER, 2009).

Energia cinética maremotriz

Este tipo de aproveitamento corresponde essencialmente à exploração da

energia cinética associada às massas de água movidas pelas correntes marítimas,

que, em muitos locais, acabam sendo aceleradas devido à topografia costeira

(ATLANTIS RESOURCES CORPORATION, 2013).

A técnica utilizada, de forma geral, pode ser definida como uma eólica

submarina, atendo-se aos mesmos princípios básicos de funcionamento. A forma mais

simples de desenvolver sistemas de energia das correntes de marés seria aproveitar as

turbinas eólicas de eixo horizontal, em que a tecnologia, os componentes e o

conhecimento estão a ser desenvolvidos ao longo dos últimos 30 anos (MARINE

CURRENT TURBINES, 2013).

As diferenças básicas são principalmente a densidade da água do mar, que é

800 vezes maior do que a densidade do ar; e o fluxo de água, que é de cerca de um

quinto do fluxo do ar (LEITE NETO, 2011). Isso incorre concluir que um único gerador

pode proporcionar valores de potência significativos à baixas velocidades de fluxo das

marés, quando comparado com a velocidade do vento. Uma vez que a potência varia

com a densidade do fluído e com o cubo da velocidade do mesmo, é fácil perceber

que, para turbinas com as mesmas dimensões, fluxos de água com velocidades de

1/10 da velocidade do vento fornecem aproximadamente a mesma potência

(AQUARET, 2013).

A localização é fator fundamental para as turbinas de energia das marés. Estes

sistemas devem situar-se em áreas com correntes rápidas, de no mínimo 1 m/s. De um

modo geral, os recursos são mais elevados em locais onde a profundidade da água é

relativamente baixa; onde existe amplitude de maré e onde a velocidade das correntes

é aumentada pelo efeito de afunilamento da linha costeira local e pelo fundo do mar,

como por exemplo em pequenos estreitos e entradas de maré, em torno de cabos e em

canais entre ilhas (AQUARET, 2013). As entradas de lagos, baías e grandes portos

têm frequentemente grandes fluxos de corrente.

Tal como aconteceu na fase inicial do desenvolvimento da tecnologia eólica,

estão sendo propostos vários modelos para aproveitamento da energia das correntes

de marés, sendo que a maior parte tem por base rotores rotativos, quer de eixo

horizontal, quer vertical. Alguns modelos foram testados em pequena escala e algumas

máquinas foram testadas como protótipos à escala real, entretanto, ainda não existem

dispositivos de correntes de marés disponíveis em escala comercial (MARINE

CURRENT TURBINES, 2013).

A tentativa inicial visando provar a viabilidade da energia das correntes de marés

foi levada a cabo no início da década de 1990, nas águas do Loch Linnhe, e consistia

numa turbina, presa em meia-água por cabos, que se estendiam a partir de uma

âncora no fundo do mar por uma barcaça flutuante (AQUARET, 2013).

Somente nos primórdios do século XXI outros sistemas tiveram condições de

serem testados. Em 2000, foi testado no Estreito de Messina, o Enermar, um

dispositivo flutuante de eixo vertical de grandes dimensões. A empresa Marine Current

Turbines Ltd tem demonstrado um protótipo de grandes dimensões chamado Seaflow,

no canal de Bristol, entre a Inglaterra e o País de Gales (ATLANTIS RESOURCES

CORPORATION, 2013).

Nos últimos anos, os programas de investigação de correntes de marés por

parte da indústria, do governo e de Universidades do Reino Unido, Noruega, Irlanda,

Suécia, Canadá e Estados Unidos, estabeleceram uma base importante para a

emergente indústria da energia das marés. Hoje, várias empresas, apoiadas pela

indústria privada, por capital de risco e por governos europeus, lideram o esforço de

comercialização das tecnologias de produção de eletricidade a partir de correntes de

marés. Os resultados mostram que a produção em larga escala necessita de turbinas

completamente submersas e de sistemas grandes e robustos localizados afastados da

costa, que só agora estão se tornando tecnicamente viáveis (AQUARET, 2013).

Na Noruega, o projeto Hammerfest Strom demonstrou que os sistemas de eixo

horizontal fixado em pilares podem funcionar no ambiente de fiordes3. Nos Estados

Unidos, as primeiras turbinas de marés foram instaladas em Dezembro de 2006, no

East River, em Nova Iorque. Quando estiver completamente operacional, este será o

primeiro conjunto de dispositivos de marés (MARINE CURRENT TURBINES, 2013).

3 Fiorde é uma grande entrada do mar entre altas montanhas rochosas.

Um estudo recente feito no Reino Unido apresenta uma estimativa de recurso

extraível de corrente de marés de cerca de 22 TWh (BLACK & VEATCH, 2011). Outros

países com potencial cinético maremotriz elevado são os Estados Unidos, a Irlanda, a

Itália, as Filipinas e o Japão.

Energia maremotriz no Brasil

O Brasil apresenta um potencial maremotriz bastante significativo,

principalmente na costa do Maranhão. Esse potencial energético é da ordem de 72

TWh, o equivalente a 16,8% do consumo nacional do Brasil em 2008, de acordo com

dados do Balanço Energético Nacional (EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA,

2009). Entretanto, apesar desse enorme potencial energético, a exploração de toda

essa energia enfrenta, na conjuntura atual, obstáculos ambientais, logísticos e

econômicos sérios.

O primeiro projeto conceitual elaborado foi o da usina do Bacanga, em São Luís.

A barragem foi iniciada em 1968 e tinha como objetivos diminuir a distância de São

Luís ao porto de Itaqui e urbanizar áreas inundáveis marginais ao rio (LEITE NETO,

2009).

Na época de construção da barragem, diversos estudos foram realizados sobre

as possibilidades de aproveitamento desta para geração de eletricidade. Uma das

alternativas consistia na utilização de 6 turbogeradores de 4500 kW cada, operando em

regime de efeito simples. Desta forma, a geração anual da usina seria estimada em

56,3 GWh (LIMA, 2003).

Embora fosse um projeto bastante promissor, a sua implantação tornou-se

inviável economicamente devido a uma série de fatores posteriores, tais como a

ocupação urbana desordenada em áreas do reservatório e a criação de uma avenida

que também margeia o reservatório, obrigando que o reservatório fosse mantido, a

uma cota máxima bem inferior ao previsto no projeto inicial (LIMA, 2011).

Conclusão

A energia das marés constitui uma fonte com grande e inexplorado potencial,

sendo que a costa maranhense é uma das únicas regiões brasileiras com potencial

aproveitável.

Embora exista um número relativamente pequeno de usinas em pleno

funcionamento, a tecnologia adotada mostra-se consolidada, possibilitando, sob o

ponto de vista tecnológico, sua implantação em diversos outros locais com potencial

significativo, apresentando como principal vantagem sua constância e previsibilidade,

características raras quando se fala em recursos renováveis.

A existência de inúmeros locais adequados e ainda inexplorados aliados à

maturidade da tecnologia aplicada, leva a concluir que a exploração maremotriz atende

aos principais requisitos para que esta possa ser utilizada mais intensamente e

represente uma parcela mais significativa na matriz energética mundial.

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