Energia para o sec XXI -...

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  • Frum Mudanas Climticas e Justia Social

    Comisso Episcopal Pastoral para o Servio

    da Caridade, da Justia e da Paz

    ENERGIA PARA O SCULO XXI

    Por uma nova PolticaEnergtica no Brasil

  • Nenhuma parte desta obra poder ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia e gravao)

    ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permisso da CNBB.Todos os direitos reservados

    Energia para o Sculo XXI:Por uma nova Poltica Energtica no Brasil

    Edio - 2012

    Diretor Editorial: Mons. Jamil Alves de Souza

    Elaborao:Frum Mudanas Climticas e Justia SocialComisso Episcopal Pastoral para o Servio da Caridade, da Justia e da Paz

    Reviso: Antnio Bicarato

    Projeto Grfi co, Capa e Diagramao: Isabela Souza Ferreira

    Ilustrao da Capa: Raul Benevides dos Santos Silva

    Edies CNBBSE/Sul Quadra 801 - Cj. B - CEP 70200-014 Fone: (61) 2193-3019 - Fax: (61) 2193-3001E-mail: [email protected]

    C748e Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil / Energia para o Sculo XXI: Por uma nova Poltica Energtica no Brasil. Braslia, Edies CNBB. 2012.

    64 p. : 14 x 21 cmISBN: 978-85-7972-135-9

    1. Energia Eltrica Brasil Desenvolvimento;

    2. Energia Mudanas Climticas;

    3. Energia Economia Poltica Brasil Sustentabilidade;

    4. Energia Solar Alternativas Meio Ambiente Sociedade.

    CDU - 304.4

  • SUMRIO

    Apresentao ........................................................ 5

    Prefcio .................................................................. 7

    Energia Eltrica Alternativas s Hidreltricas

    Introduo .............................................................17

    As mudanas climticas .............................................21

    Os futuros refugiados e imigrantes climticos ..........24

    O Brasil no est sabendo lidar com a Amaznia ......25

    Energia para as indstrias eletrointensivas ................28

    As mudanas climticas e suas consequncias para as hidreltricas ................................................................31

    As hidreltricas e os gases de efeito estufa ..............34

    Fontes alternativas renovveis genuinamentelimpas .........................................................................35

    As alternativas ............................................................36

    Desafi os na adoo da energia inteligente ................39

    Energia solar fotovoltaica ...........................................40

    Efi cincia energtica ..................................................41

    O Plano Nacional de Efi cincia Energtica ................43

  • O Proinfa como uma tentativa de incentivo s fontes alternativas limpas .....................................................44

    As pequenas centrais hidreltricas ............................46

    A demanda da energia eltrica no Brasil ....................48

    O planejamento de aumento da oferta de energia eltrica no PDE 2020 .................................................50

    A explorao do chamado potencial hidreltrico ........51

    Premissas setoriais: indstria ....................................55

    Concluses sobre o PDE 2020 ..................................57

    A energia que no nem limpa nem barata ..............58

    Bibliografi a ...........................................................63

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    APRESENTAO

    A gerao de energia est entre os principais fatores responsveis pelo aquecimento global que provoca mudanas climticas que afetam a vida de um nmero crescente de seres humanos em todo o Planeta. Tendo presente as condies de vida das prximas geraes no planejamento do que se faz atualmente em nome do desenvolvimento, reduzido ao crescimento econmico acelerado, no se pode fi car indiferente frente s opes da poltica energtica no Pas e no mundo.

    Em vista disso, de capital importncia a publicao Ener-gia para o Sculo XXI: por uma nova Poltica Energtica no Brasil que o Frum Mudanas Climticas e Justia Social est oferecendo aos membros das entidades que dele fazem parte, s comunidades por elas assessoradas e mobilizadas para a prtica da cidadania e ao pblico em geral.

    Junto com uma viso crtica da poltica energtica imple-mentada no Brasil, o texto focaliza a possibilidade e a urgente necessidade de mudar as fontes at agora utilizadas a gua, que exige construo de barragens imensas; o diesel, o gs, o carvo, que precisam ser queimados; e a energia nuclear por fontes menos poluentes, como o sol, os ventos, as guas do mar.

    O Frum deseja aprofundar o conhecimento do tema e auxiliar no crescimento da mobilizao dos cidados para que estes exijam do Governo mudana da matriz eltrica. Os grandes projetos de hidreltricas, na Amaznia, e de Pequenas Centrais Hidreltricas, em todo o Pas, so causadores de graves desastres sociais e ambientais e, como tal, devem ser revistos.

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    A gerao e utilizao de energia mais limpa signifi caro uma

    contribuio do Pas para diminuir a emisso de gases de efeito

    estufa.

    Franca, 16 de maio de 2012.

    Dom Pedro Luiz Stringhini

    Bispo diocesano de Franca, SP

    Representante da Comisso 8 da CNBB no Frum MCJC

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    PREFCIO

    Uma das caractersticas do sculo XXI est sendo a sucesso de recordes de calor, a cada ano que passa. Com isso, no apenas vai se confi rmando a constatao e previso de aquecimento global, mas se torna mais evidente ainda que esse aquecimento aumenta de forma constante.

    Apesar de os debates sobre as causas desse fenmeno ainda persistirem, poucos teimam em continuar negando que uma causa esteja comprovada: a mudana quantitativa e qualitativa da com-posio da atmosfera terrestre. Inmeras pesquisas demonstram o aumento continuado do dixido de carbono, do metano e do xido nitroso, gases que, por suas propriedades, guardam calor e, por isso, esto ligados ao aquecimento global. Diante disso, urgente e indispensvel que todas as atividades humanas emissoras desses gases sejam modifi cadas e, se possvel, substitudas por outras que evitem e, no melhor dos casos, ajudem a absorver parte desses gases emitidos.

    J so gravssimas as mudanas climticas provocadas pelo aumento, at agora, de pouco menos de 1C. Apenas para citar um exemplo, todos os povos que dependem da gua do degelo das neves dos Andes, na Amrica do Sul, j sofrem com falta e esto angustiados em relao s condies de sobrevivncia na regio dentro de poucos anos. Mas no se pode esquecer os milhes de pessoas atingidas por enchentes e furaces, cada vez mais furiosos, e muito menos dos milhes afetados por secas prolongadas. Para um nmero cada vez maior de comunidades, j no possvel viver em seus territrios; tornam-se migrantes e/ou refugiados climticos. Dados da ONU indicam que j so mais de 50 milhes de pessoas, nmero que pode ultrapassar 500 milhes em poucas dcadas.

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    A humanidade aguarda temerosa a publicao de novo relatrio do Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas (IPCC), com dados sistematizados de muitas pesquisas, uma vez que seguidas publicaes insistem que, diante da falta de mudanas efetivas e profundas no modo de produzir e consumir hegemonizado pelo sistema de mercado capitalista, a temperatura da Terra alcan-ar mais 4C antes do fi nal do sculo. Quantos seres vivos ter-restres sobrevivero nesse calor? Quantos seres humanos? E onde e

    como sero produzidos os alimentos necessrios vida?

    Energia e aquecimento global

    Quanto mais artifi ciais o ambiente e as condies da vida humana, tanto mais cresce a dependncia da energia. Basta pensar no que se consegue fazer sem energia eltrica em cidades cada vez maiores, ou como conseguem deslocar-se as pessoas e realizar o transporte de mercadorias sem a queima direta de fontes de energia ou sem consumir energia eltrica. Em tudo e para tudo, e cada dia mais, a humanidade consome energia.

    O que isso tem a ver com o aquecimento global? Absolutamente tudo. A extrao e queima de carvo mineral, de petrleo e de gs, seja para mover motores ou para gerar energia eltrica, libera para a atmosfera o dixido de carbono contido neles. A derrubada de rvores e sua queima para fazer carvo vegetal e pior ainda quando apenas para limpar terreno libera o dixido de carbono contido nelas. As grandes barragens para gerar energia eltrica liberam, no espelho dgua e na gua que passa pelas turbinas, gs metano, alm de ocupar o espao antes bero de rvores que absorviam dixido de carbono. Os agrocombustveis exigem plantios agrcolas em

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    reas de produo de alimentos ou em novas reas desfl orestadas, so cultivados com tcnicas baseadas em produtos qumicos que envenenam solos e subsolos e emitem especialmente xido nitroso, gs de alta capacidade de gerao de aquecimento global.

    Mesmo quando no h fontes mais limpas, sbio e prudente, necessrio, na verdade, diminuir a quantidade de energia utilizada, revendo todas as formas de produo de alimentos, todos os pro-cessos industriais e todos os demais tipos de consumo. Para isso, seria preciso rever o que produzido e consumido, caminhando na direo do que realmente necessrio para a vida das pessoas, e com maior justia e igualdade; isso signifi ca superar o sistema que transforma tudo em mercadoria, que coloca a gerao de lucros acima de tudo, que promove desesperadamente a luta fratricida por oportunida-des de renda e riqueza como meio para participar do consumismo, promovido interesseiramente pela grande mdia.

    A opo ainda dominante a da continuidade do produtivismo e consumismo capitalista. Nada de mudanas profundas, estruturais. Alguns pases, contudo, avanam na produo de energia solar e elica, menos poluentes, e estimulam pesquisas que busquem novas tecnologias mais limpas. Isso no resolve o problema, pois a expanso capitalista do consumismo aprofunda o desequilbrio da Terra, que j no consegue repor o que retirado dela nem digerir lixos e esgotos jogados nela. Mesmo assim, no deixa de ser indicao de que h

    fontes alternativas para a gerao de energia.

    O Brasil e a gerao de energia

    Nesse contexto do sculo XX, qual a posio do Brasil? Como de conhecimento at das pedras, o Brasil um pas privilegiado em relao a fontes de energia. Quem tem presente a quantidade e

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    a qualidade de raios de sol, a quantidade de ventos, a quantidade de guas de mar em constante movimento, no consegue entender a principal denncia do livro que estamos publicando: em vez de migrar para o uso dessas fontes mais limpas, a poltica energtica do governo federal mantm o pas dependente da hidroeletricidade e aumenta a proporo de energia que ser produzida a partir da queima de fontes fsseis e de mais usinas nucleares.

    Como o leitor ver na pesquisa do livro, essa poltica no prioriza a busca da efi cincia energtica nem d importncia repotenciao das usinas existentes. Com o argumento de que isso seria de pouca signifi cao em relao energia necessria, a poltica energtica continua ofertista. Isto , no investindo na reduo da necessidade de mais energia, o clculo de quanta nova energia deve ser produzida e disponibilizada feito apenas a partir da previso do crescimento do PIB, um clculo que muitas pesquisas consideram ufanista, e outras, nefasto, por estar assentado apenas no crescimento quantitativo da produo.

    Propostas de poltica energtica

    Consciente da conjuntura brasileira e da urgente responsabilidade do pas em relao diminuio de sua contribuio ao aquecimento global, o Frum MCJS props e foi realizada interlocuo com representantes de ministrios do governo federal ligados poltica energtica. Nela, foi entregue um documento, publicado a seguir, que foi elaborado no Seminrio Fontes Renovveis e Genuinamente Limpas de Energia, realizado em Braslia nos dias 21 e 22 de maro de 2012, com presena de especialistas em diversos campos da produo de energia eltrica que trabalham em Institutos e Universidades brasileiras.

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    Interlocuo entre Frum Mudanas Climticas e Justia Social e Governo Federal sobre poltica energtica

    Braslia, 22 de maro de 2012.

    Origens do debate

    Foi na interlocuo com o governo durante o Simpsio Nacional de 2011 que o tema energia veio tona. Para os participantes do Simpsio no se devia construir hidreltricas na Amaznia, seja porque h necessidade de rever para quem se produz mais energia eltrica, seja porque barragens na Amaznia signifi cam agresses socioambientais inaceitveis em tempos de crise ecolgica vivida pela Terra.

    Diante desta posio, o representante do governo afi rmou pura e simplesmente que Belo Monte e outras hidreltricas da Amaznia seriam construdas, e isso era deciso de governo que todos deve-riam aceitar. Questionado sobre os fundamentos desta posio, hou-ve provocao de estabelecermos outro dilogo com o objetivo de tirar a limpo o que realmente fundamenta as decises tomadas.

    para isso que o Frum trabalhou na elaborao de um texto, complementou-o com este seminrio com pesquisadores da rea e, agora, deseja apresentar sua viso acerca da poltica energtica do governo federal e suas propostas de alternativas.

    Desafi os que as mudanas climticas colocam produo de energia

    Os dados so claros, j so assumidos com quase unanimidade: avana o desequilbrio da composio da atmosfera pelo aumento da

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    emisso de gases que provocam o efeito estufa, isto , um aquecimento global. Na falta de acordos internacionais para diminuir esse processo, a humanidade j sofre por causa das mudanas climticas, e tudo indica que as condies de vida se agravaro cada vez mais.

    Esse um dado da realidade que deve ser levado em consi-derao com seriedade por todos os planejadores de iniciativas que afetam o meio ambiente. o caso da produo de energia, um bem cada dia mais valioso e mais necessrio para a vida, especialmente com a maioria da humanidade vivendo em cidades e com processos de produo industrial e agrcola que exigem grandes quantidades

    de gua e energia.

    Abundncia das fontes sol e ventos

    Qual o potencial das fontes genuinamente limpas de energia el-trica, o sol e os ventos, no Brasil? Como apenas recentemente a ener-gia elica passou a ser reconhecida como possvel fonte concorrente, talvez se tenha um levantamento mais aproximado de sua potencia-lidade. De toda maneira, j h dados que do conta de que ela pode ser equivalente a 10 vezes, ou, de acordo com alguns, a at 30 vezes a hidreltrica de Itaipu. Se um dos dados for verdadeiro, j no seria sufi ciente para dar razo a quem questiona a teimosa deciso de cons-truir centenas de hidreltricas em todo o pas, e tantas na Amaznia?

    Alm dos ventos, qual a potencialidade do uso do sol? No existem clculos, e predomina ainda a alegao de seus limites. S que seu uso avana em todo o planeta, menos no Brasil. J tempo de reconhecer que esta uma fonte que permite produzir energia no local de consumo, o que a torna potencialmente a mais barata, desde que avancem os conhecimentos tecnolgicos, a produo

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    de componentes mais produtivos e sejam promovidas polticas pblicas favorveis sua disseminao.

    Crticas dependncia quase exclusiva

    da hidroeletricidade, e da termoeletricidade

    e energia nuclear como complementos

    Alguns pases, como os Estados Unidos da Amrica do Norte, esto desativando as pequenas e mdias hidreltricas por razes econmicas: so pouco produtivas e de conservao cara, alm de destruir ambientes naturais favorveis ao turismo. Em vista disso, barragens esto sendo derrubadas, vales so recuperados em vista da indstria do turismo.

    Esta no nem a melhor nem a mais adequada motivao para mudar de estratgia de produo de energia eltrica, mas coloca uma questo intrigante ao Brasil: por que motivos se insiste aqui na construo de hidreltricas em todo tipo de rio e de vale, colocando em risco biomas, como o Pantanal, o Cerrado e o que resta da Mata Atlntica? E por que a estratgia de construir um alto nmero de pequenas hidreltricas na Amaznia, mesmo sabendo quanto interferiro no meio ambiente?

    Os estudos autnomos discordam da argumentao elaborada por tcnicos a servio do governo federal. Eles do pouca importn-cia a medidas de efi cincia energtica e aos desperdcios, a medidas de repotenciao, a medidas que evitem grandes distncias entre pro-duo e consumo... Alm disso, a base de clculo para determinar a quantidade da demanda de energia pouco transparente, no coloca em debate se conveniente para o pas continuar produzindo energia para empresas eletrointensivas voltadas para exportao,

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    no admite outro cenrio que no seja o de crescimento constante da economia brasileira; enfi m, h mais indcios de que se promove uma poltica ofertista, que ultrapassa a necessidade efetiva, e que serve para justifi car os apressados e caros projetos de construo de hidreltricas, no Brasil e em toda a Amaznia latinoamericana. justo perguntar-se: se por trs dessas iniciativas no est o interesse das grandes corporaes mundiais de controlar os bens naturais que restam ambio central da economia verde?

    Mais grave ainda a teimosia em dar continuidade a projetos de usinas nucleares, sempre em nome da necessidade crescente de energia. Tendo presentes as demais fontes de energia e a prtica crescente de outros pases na linha do abandono desse tipo de energia, quais os reais interesses em relao energia nuclear no Brasil? Seria porque nossa capacidade tecnolgica superior aos pases que detm a tecnologia e podemos garantir maior segurana? Seria o desejo de avanar no domnio completo da tecnologia do tomo?

    De fato, o Brasil no tem como continuar justifi cando o quase absoluto da hidroeletricidade, e menos ainda o uso complementar de fontes trmicas e nucleares. Afi nal, at os cegos percebem a existncia abundante de outras fontes e que, se ainda no contam com preos razoveis para sua utilizao, isso se deve falta de reconhecimento e apoio pesquisa, falta de apoio ao uso de tecnologias nacionais e falta

    de vontade poltica.

    Proposta de priorizao do uso do sole dos ventos

    Diante do exposto, junto com muitas outras foras sociais, o Frum Mudanas Climticas e Justia Social prope que a poltica

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    energtica do governo federal migre rapidamente da prioridade dada hidroeletriciade e s fontes trmicas e nucleares para a fonte solar e elica, e que tenha como complemento as melhores e mais ecolgicas formas de uso da biomassa.

    Proposta de descentralizao e de participao social na gerao de energia

    Propomos, porm, mudana tambm em relao ao modelo de produo e distribuio da energia eltrica: fundamental migrar do sistema centralizado, em grandes unidades, para um sistema descentralizado, que possibilite o uso das fontes mais favorveis em cada regio e localidade.

    Alm disso, tanto para a energia elica como para a solar, ser indispensvel a participao das comunidades locais, desde a escolha da fonte, passando pela implantao e conservao, garantindo que a

    renda seja revertida para as famlias das comunidades.

    Projeto piloto: comunidade camponesa paraibana

    Na linha de dar a esta nova poltica energtica uma dimen-so social, de diminuio de custos com energia e/ou de comple-mentao de renda, propomos um projeto piloto na comunidade de camponeses do Assentamento Acau, na Paraba, por contarem com um pr-projeto j elaborado.

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    ENERGIA ELTRICA ALTERNATIVAS S HIDRELTRICAS1

    Introduo

    Em 2001, o racionamento de energia eltrica afetou a vida de milhes de brasileiros e poderia ter dado a oportunidade para mudanas. Mudanas que teriam facilitado a insero das chamadas energias renovveis genuinamente limpas e a mudana nos hbitos de consumo no panorama econmico da matriz energtica.

    Mesmo alternativas de gerao de energia consideradas limpas transformam o ambiente e afetam os recursos naturais. A energia elica, considerada uma alternativa limpa e renovvel, pode trazer confl itos que ocorrem desde o uso do espao at impac-tos sobre a fauna e rudo. A energia solar, alternativa limpa, requer tambm o uso de clulas fotovoltaicas base de materiais que tm custo ambiental, como arsnico, cdmio ou silcio. Gerar energia com biom assa implica na necessidade de grandes reas de monoculturas que prejudicam a biodiversidade. Quanto hidroeletricidade, consi-derada uma fonte barata por gerar grandes quantidades de energia eltrica, traz um rastro de impactos sistmicos em progresso

    geomtrica local e regional.

    A gerao de energia eltrica com hidreltricas, no entanto, ainda considerada limpa, barata e renovvel pelo Estado e

    1 Texto elaborado por Telma Monteiro, a pedido do Frum MCJS. Telma Monteiro Pedagoga, e atua como consultora, a vista socioambiental e pesquisadora independente na rea de ener-gia, com foco em hidreltricas e linhas de transmisso e processos de licenciamento ambiental.

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    pela sociedade. A vida til das usinas hidreltricas, construdas em rios de plancie como os da Amaznia brasileira, ainda uma incgnita, apesar de serem construdas com perspectiva de operar 100 anos ou mais. As usinas do rio Madeira, por exemplo, tero vida til inferior a 25 anos, conforme a informao dos tcnicos que elaboraram os estudos de viabilidade. Ento, um dos pilares principais que sustentam a hidroeletricidade com sendo barata, do ponto de vista custo/benefcio, cai por terra.

    As barragens, alm de serem consideradas os maiores pro jetos individuais em termos de investimento, tm custos altos e pouco explicados, tornam vulnerveis as regies em que se inserem e provocam passivos ambientais e sociais. Os programas de mitiga-o no tm acompanhamento ou controle social. As hidreltri-cas hoje, no Brasil, esto servindo como moeda de troca para o atendimento das carncias regionais, lacunas deixadas pelo Estado.

    Por outro lado, a efi cincia energtica poderia ser encarada como uma forma de aumento da produo de energia (DAraujo, 2009).

    Este trabalho tem o objetivo de apresentar alternativas de gerao genuinamente limpas para as usinas hidreltricas planeja-das na Amaznia brasileira. Os impactos sociais e ambientais, o uso do dinheiro pblico, irregularidades nos processos de licenciamento ambiental e violaes dos direitos humanos so algumas das ques-tes sem soluo relacionadas aos projetos de hidreltricas. As discusses sobre o aumento da participao das alternativas limpas no planejamento da matriz energtica tm que ganhar o apoio da sociedade e chegar at o Estado e suas instncias decisrias.

    O Plano Decenal de Energia (PDE) 2020 prev a construo de 10 novas grandes usinas hidreltricas na Amaznia no horizonte de

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    2016 a 2020. So muitos os exemplos de experincias malsucedidas que tm levado a confl itos sociais e destruio ambiental. No rio Madeira, onde duas grandes hidreltricas esto sendo construdas, j h alteraes da dinmica do rio, da fl oresta e do ambiente urbano. As usinas do rio Madeira tm sido palco de confl itos violentos dos trabalhadores nos canteiros de obras, acompanhados de denncias de trabalho semi-escravo. As obras de Belo Monte, no rio Xingu, j comearam, mesmo depois de quase 30 anos de luta dos movimentos sociais para impedir que o governo tocasse o projeto adiante; e a usina de Estreito, no rio Tocantins, j expe a ferida recente dos impactos sociais e ambientais.

    A prxima etapa do planejamento eltrico o aproveitamento da bacia do rio Tapajs e da sub-bacia do rio Teles Pires, com a construo de 12 usinas hidreltricas. Todos esses projetos afetaro diretamente populaes tradicionais e terras indgenas e unidades de conservao.

    A populao brasileira tem direito de conhecer e participar mais de perto das decises do setor eltrico e de rejeitar as escolhas que a afetam e que passam ao largo das suas reais necessidades. Grande parte dessa energia, na realidade, vai suprir grandes indstrias eletrointensivas.

    O governo federal brasileiro continua deixando de lado os estudos apresentados por acadmicos, cientistas, pesquisadores e especialistas que demonstram o quanto a preservao da Amaznia brasileira importante para a sobrevivncia dos seus povos, para a conservao da vida e a manuteno do equilbrio do clima. O pla-no de construir hidreltricas na Amaznia brasileira no considera repensar esse modelo atual de gerao eltrica que contribui para as mudanas climticas e a injustia social.

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    O Brasil conta hoje com um total de 77,6 mil MW de potncia instalada, perfazendo 29,8% de um potencial estimado em 260 mil MW. O ltimo leilo de compra de energia eltrica realizado pela Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL), em dezembro de 2011, licitou 42 empreendimentos, dos quais 39 so usinas elicas e duas a biomassa, que totalizaram R$ 4,3 bilhes em investimentos.2 Esse resultado demonstra que a energia elica comea a conquistar mais espao no Brasil e j alcana um custo que a viabiliza e que concorre com o das hidreltricas.

    Leilo de Energia A-5 / 2011 Resultado Final

    Fonte Projetos Contratados

    Potncia Instalada

    (MW)

    Garantia Fsica (MW-

    mdios)

    Preo Mdio (RS/

    MWh)Elica 39 976,5 478,5 105,12

    Biomassa 2 100 43,1 103,06

    Hdrica So Roque 135 90,9 91,20

    TOTAL 42 1.211,5 612,5 102,18

    A organizao internacional Greenpeace, imediatamente aps o leilo, anunciou que Elica salva ptria em leilo de energia3 ao deixar para trs hidreltricas e trmicas a gs. Ento, o que falta para que o setor eltrico assimile defi nitivamente a adoo de fontes genuina-mente limpas como alternativa s hidreltricas?

    Essa uma das questes que se nos apresenta e que motivou este trabalho.

    2 Disponvel em h p://www.epe.gov.br/imprensa/PressReleases/20111220_1.pdf. 3 Disponvel em h p://www.greenpeace.org/brasil/pt/No cias/Eolica-salva-patria-em-leilao-de

    energia-/.

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    As mudanas climticas

    O Brasil o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa (GEEs): a China e os EUA so os campees. O crescimento econ-mico, para pases em desenvolvimento, custa caro e vem acompa-nhado tambm do aumento das emisses e acmulo de GEEs na atmosfera, que geram impactos socioambientais. Clima com os-cilaes bruscas de temperatura, alterao dos nveis de precipita-o so alguns dos desafi os que preciso enfrentar no sculo XXI.

    O setor eltrico brasileiro responsvel por parte das emisses de GEEs, seja pela liberao do metano nos reservatrios das hidre-ltricas, seja pela alterao do regime dos rios barrados, seja pelas emisses das termeltricas ou ainda por induzir a atividade humana de migrao, ocupao e desmatamento de reas de fl oresta. Por outro lado, as alteraes do clima interferem nas vazes dos rios, na regu-lao das cheias dos reservatrios, na segurana das populaes no entorno das hidreltricas e na efi cincia da gerao.

    As mudanas climticas podem afetar, tambm, as crianas e a sade mental das pessoas. Esse alerta foi publicado recentemente pelo Instituto do Clima, uma organizao australiana de pesquisas, que concluiu: Os danos causados pelas mudanas climticas no so s fsicos. O passado recente mostra que os eventos climticos extremos trazem tambm srios riscos para a sade pblica, inclusi-ve a sade mental e o bem-estar das comunidades.4

    Eventos extremos, desastres, danos ambientais e sociais, secas, inundaes, ondas de calor, tornam vulnerveis adultos e principal-mente crianas, diz o estudo. Os efeitos das mudanas climticas j so

    4 Mudanas clim cas afetam sade mental, afi rma estudo australiano, disponvel em: h p://senildomelo.blogspot.com/2011/08/mudancas-clima cas-afetam-saude-mental.html.

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    ntidos quando se trata de observar o estresse presente nas relaes socioambientais. Populaes tradicionais, em alguns casos, j so reconhecidas como verdadeiros refugiados climticos.

    Em uma matria bastante contundente escrita por Julio Godoy, da Inter Press Service (IPS) A Mudana Climtica por trs da Fome5 registra que uma seca severa pode ter causado a morte de pelo menos 30 mil crianas e atinge um total de 12 milhes de pessoas na Somlia. Esses fenmenos e as variaes da temperatura no oce-ano podem afetar regies como o Chifre da frica. Temporadas de chuvas abundantes alternadas com secas e altas temperaturas j so cada vez mais frequentes nos noticirios internacionais e chamam a ateno para os efeitos nefastos na economia global.

    Jean-Cyril Dagorn, encarregado dos programas de meio ambiente e justia econmica do ramo francs da organizao humanitria Oxfam, apontou que a seca extrema e provoca uma catstrofe humanitria na Somlia. Alertou que Chuvas torren-ciais sobre terra extremamente seca arrasariam os solos mais frteis, tornando ainda mais dramtica a crise de alimentos.

    Em 2010, o Frum Nacional de Secretrios de Estado para Assuntos de Energia (FNSE) entregou aos candidatos que con-correram s eleies presidenciais no Brasil o documento intitulado Descentralizao e participao planejamento e gesto do setor energ-tico brasileiro,6 com o objetivo de contribuir com a formulao do planejamento energtico nacional no programa do governo que tomou posse em 2011.

    5 Disponvel em h p://ips.org/ipsbrasil.net/nota.php?idnews=7449.6 Link do documento: h p://dl.dropbox.com/u/11462043/F%C3%B3rum%20Mudan%C3%A7as

    %20Clim%C3%A1 cas/Descentralizacao-planejamento-gestao-setor-energe co-MatrizLimpa2.pdf.

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    O documento conclui que a centralizao do planejamento energtico no leva em considerao as potencialidades energ-ticas regionais, da a necessidade de uma reviso desse processo. A recomendao que energia deve ser uma poltica de agncias reguladoras de Estado e no de Governo e deve ser fi scalizada de forma independente (Frum Nacional de Secretrios de Estado FNSE, 2010). Por outro lado, mesmo se no destacado no documento, ser fundamental democratizar as agncias reguladoras, garantindo participao e controle da sociedade, de modo especial dos cidados que pagam a conta mais alta pela energia.

    Outro relatrio,7 do Programa das Naes Unidas para Meio Ambiente (PNUMA), publicado em fevereiro de 2011, considera ser necessrio investimento de 2% do PIB mundial a ser aplicado em um novo modelo econmico para combater a pobreza e gerar um cresci-mento genuinamente limpo e efi ciente. O percentual equivaleria a US$ 1,3 trilho anuais.

    Esse investimento teria o objetivo de transformar a economia em uma economia de baixo carbono em setores-chave, para valorizar uma economia natural. O relatrio entende que esse seria o caminho para combater a pobreza. O setor energtico se benefi ciaria com o investimento na reduo de CO2 e com a adoo de programas de efi cincia energtica, alm de possibilitar o controle do aumento da demanda global por energia at 2050 (PNUMA, 2011).

    Com as mudanas climticas globais em curso, fi cam evidentes as oscilaes de temperatura e dos ndices de precipitao. J no h mais dvida de que populaes, ecossistemas e biodiversidade sofrero

    7 Link do documento: h p://dl.dropbox.com/u/11462043/F%C3%B3rum%20 Mudan%C3%A7as%20Clim%C3%A1 cas/Economia-Verde-Resumo-Conclusoes-MatrizLimpa.pdf.

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    duramente as conseqncias. o que diz o estudo do Instituto de

    Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) Economia das Mudanas Climticas.8

    Como essas mudanas afetaro o Brasil, em especial a Amaznia, e com que intensidade, o desafi o a ser superado para se projetar os modelos de desenvolvimento da economia. Essas questes no discutidas em profundidade concorrem para aumentar os ndices de pobreza e desigualdade social, conferindo s populaes afetadas maior vulnerabilidade s mudanas climticas.

    Sociedades e economias, produo agrcola e infraestrutura, j apresentam os sintomas dessas mudanas (PNUMA, 2011). O estudo do IPEA analisou os possveis impactos que podem atingir o Brasil, com srias conseqncias para a disponibilidade hdrica (IPEA, 2008). Para isso imprescindvel a participao mais efetiva do Estado e da sociedade no sentido de buscar alternativas genui-namente limpas que conduzam descentralizao da gerao de energia e ao aproveitamento de fontes potenciais locais e regionais.

    Os futuros refugiados e imigrantes climticos

    O autor americano Lester R. Brown9 escreveu o livro Eco-Economia Uma Nova Economia para a Terra, e afi rmou que o planeta dever passar por um choque ecolgico para se adequar a uma economia ambientalmente sustentvel. Defende que ser preciso nivelar e compatibilizar a relao entre a economia e os ecossistemas,

    8 Link do documento: h p://dl.dropbox.com/u/11462043/F%C3%B3rum%20Mudan%C3%A7as%20Clim%C3%A1 cas/Economia-das-Mudancas-Clima cas-MatrizLimpa.com_.br_.pdf.

    9 Lester Brown par cipou do Frum Internacional de Energia Renovvel e Sustentabilidade EcoPower Conference 2008, em Florianpolis.

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    sob pena de se atingir um estado de emergncia ecolgica. Pode-se acrescentar, tambm, as formas de gerao de energia a essa necessidade de nivelamento e compatibilizao.

    Analisando o estado da arte do planeta perceptvel a falta de respeito aos princpios da ecologia e de conscientizao, por parte dos governos, sobre a realidade das mudanas climticas. Para tornar o mundo sustentvel indispensvel fi rmar compromissos que envolvam matrias transdisciplinares. O setor de energia eltrica diretamente responsvel, no caso do Brasil, por impactos sobre o meio ambiente e pelo deslocamento compulsrio de milhares de pessoas. Isso tem se agravado em decorrncia da construo de hidreltricas nos principais rios da Amaznia. O planejamento de energia eltrica adotou um modelo ofertista altamente destruidor do ambiente e tem demonstrado um desprezo s alternativas genuina-mente limpas e baratas elica, solar fotovoltaica, biomassa que poderiam suprir grande parte da demanda de forma descentralizada.

    Desde aquferos semi-exauridos e fl orestas encolhendo 9 milhes de hectares ao ano, os impactos sobre o clima tm se mos-trado inexorveis e exercem uma grande presso sobre biomas com a importncia da Amaznia brasileira. Quais seriam os efeitos reais das alteraes provocadas pela construo de centenas de hidreltricas em rios de plancie que so caractersticos da bacia amaznica?

    O Brasil no est sabendo lidar com a Amaznia

    Estamos transferindo os passivos ecolgicos para as geraes futuras. Projetos hidreltricos e de minerao utilizam os recursos naturais da Amaznia brasileira, do Cerrado, da Caatinga e no

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    incorporam, no preo fi nal de seus produtos e servios, os reais custos socioambientais. A gerao de energia eltrica, que o governo fede-ral chama de aproveitamento hidreltrico em biomas complexos como esses, pode ser um tiro no p, pois j provoca infl uncia e alterao do clima com as emisses de GEEs. O risco de extino de espcies da fauna e da fl ora tem sido objeto de preocupao de cientistas e pesquisadores.

    O estresse climtico que se est vivendo visvel e evidenciado pelos desastres que nos ltimos anos tm pautado a mdia do mundo inteiro. O furaco Katrina, nos Estados Unidos, matou centenas de pessoas, destruiu cidades e causou impactos nas redes de transmisso e distribuio de energia eltrica. O estado de Santa Catarina, na regio sul do Brasil, tem sofrido com eventos extremos mais frequentes e violentos. E o mais recente cataclismo na regio serrana do Rio de Janeiro s corrobora que a ocupao desordenada, com o aval das autoridades municipais aliado s alteraes do clima, em reas de fragilidade ambiental, pode ser fatal.

    A Amaznia brasileira vem sendo devastada por todas as formas de interveno em nome do crescimento econmico: explo-rao madeireira dita sustentvel, barramentos hidreltricos em sequncia nos rios e seus tributrios, construo de eclusas para viabilizar hidrovias e portos fl uviais industriais, monoculturas e pastagem extensiva na esteira do desmatamento e ocupao.

    cada dia mais visvel a crescente fragilidade da Amaznia brasileira, que avana clere para a diminuio da capacidade de suporte s interferncias. Contabiliza-se ano a ano o agravamento da escassez da gua, da diminuio da vazo dos rios, do aumento do aporte de sedimentos ou de precipitaes intensas em perodos

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    curtos. A ao do avano da agropecuria sobre os ecossistemas uma das principais contribuies brasileira s alteraes do clima.

    Em setembro de 2011, o Ministrio de Minas e Energia (MME) divulgou o estudo Eroso e progradao do litoral Brasileiro (Minis-trio do Meio Ambiente, 2011)10 que aponta 17 estados do litoral brasileiro que enfrentam o avano do mar causado principalmente pelas interferncias do homem como a mudana do curso dos rios e construes beira-mar. As regies Norte e Nordeste so as mais afetadas, mostra o estudo. O Par, considerado um dos estados mais preocupantes um dos fenmenos mais impressionantes entre os processos costeiros, que acabou transformando-se em um problema emergencial. Os riscos em decorrncia dessas mudanas implicam em altos custos econmicos e sociais.

    E o governo brasileiro continua empenhado em seguir numa direo da qual no h retorno: a de transformar a Amaznia, o Cerrado e a Caatinga nos maiores produtores de gros do mundo. Caminha inexorvel para copiar e avalizar o mesmo modelo econ-mico esfacelado da Europa atual.

    Os biomas brasileiros esto sendo transmudados em com-modities agrcolas e minerais e, nesse modelo econmico escolhido para o Brasil, a gua bem pblico e considerado sem custo no ponto de vista do setor mas que est sendo usada para irrigao com baixa tecnologia em monocultivos extensos e produo de energia eltrica para as grandes indstrias eletrointensivas (Celio Bermann, 2008).

    10 Estudo mostra que avano e recuo do mar mudam litoral brasileiro e ameaam cidades, disponvel em h p://no cias.uol.com.br/co diano/2011/09/12/estudo-mostra-que-avanco-e-recuo-do-mar-mudam-litoral-brasileiro-e-ameacam-cidades.jhtm , acessado em 12/09/2011.

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    Refugiados climticos so tambm aqueles atingidos pelo mau uso da gua. O consumo da energia eltrica no Brasil, que utiliza prioritariamente a fonte hdrica, tem crescido a uma taxa absurda nos ltimos 25 anos. Mais de 80% de toda a energia produzida no pas vm dos rios represados por mais de 450 hidreltricas (Schaeff er, 2008). O maior potencial do Brasil em energia hidreltrica se encontra na regio Norte, em especial, na Amaznia.

    Mas a gerao de energia hidreltrica depende dos regimes hidrolgicos das bacias hidrogrfi cas, da manuteno das vazes e principalmente da conservao e equilbrio dos ecossistemas. As mudanas climticas e as alteraes provocadas na temperatura so o inimigo que modifi ca os ventos e a presso atmosfrica e que ataca a fl uidez das bacias hidrogrfi cas.

    Energia para as indstrias eletrointensivas

    O setor eltrico brasileiro tem como objetivo principal garantir a oferta de energia eltrica para grandes plantas eletrointensivas. Projetos como as usinas do rio Madeira transformaram-se em cavalo de tria para viabilizar defi nitivamente o avano da utilizao dos recursos hdricos da Amaznia brasileira para suprir a demanda dos setores de minerao, alumnio, siderurgia, papel e celulose e cimento.

    A Associao Brasileira de Investidores em Autoproduo de Energia (Abiape) conta com as maiores empresas dos ramos da minerao, alumnio, siderurgia, papel e celulose e cimento. Alcoa, Gerdau, Odebrecht, Vale, CSN, Arcelor Mitt al, Camargo Corra, Votorantim e MPX so as mais conhecidas.

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    A participao da Abiape ou dos seus membros em capacidade instalada na matriz eltrica brasileira de 24.370 MW.

    As empresas da Abiape so chamadas de autoprodutores e produtores independentes de energia. Produzem ou produziro energia apenas para seu prprio consumo e sua rea de atuao envolve o setor energtico brasileiro, o setor produtivo e o setor de investimentos em infraes-trutura. Juntas so donas de 35 hidreltricas, 18 terme-ltricas e 9 pequenas centrais hidreltricas em operao. Tm 10% de Belo Monte, outras 5 hidreltricas e 2 termeltricas em fase de projeto. Isso d a dimenso do controle que a Abiape exerce sobre o planejamento ener-gtico do governo e da poltica que o envolve.

    Os autoprodutores compem a chamada indstria ener-gointensiva cuja fi losofi a de que a posse da energia traz segurana ao suprimento. E poder. Para isso projetam um crescimento de 77,9% no seu consumo de energia eltrica at 2020. Recentemente, o presidente da Abiape, Mario Menel, em entrevista, lastimou a burocracia no processo de licenciamento de hidreltricas e o no apro-veitamento do imenso potencial hdrico do Brasil.

    No consrcio Norte Energia, responsvel pela hidreltrica Belo Monte, a Vale detm 9% das aes e a Sinobras 1%. A Odebrecht est presente na UHE Teles Pires e o presidente da ABIAPE requer que 10 a 20% da energia a ser gerada fi quem com as empresas para consumo prprio. A hidreltrica Sinop, tambm no rio Teles Pires, alvo da cobia dos autoprodutores.

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    O projeto principal do Complexo Tapajs, a hidreltrica So Luiz do Tapajs, est nas mos da Camargo Corra, que foi responsvel pelos estudos de inventrio da bacia do rio Tapajs. Agora, junto com a Eletronorte, subsidiria da Eletrobras, a empreiteira elabora os estudos de viabilidade que sero entregues ANEEL at 15 de maio de 2012.

    Em parceria com associadas da Abiape, empresas internacionais tambm disputam a energia da Amaznia. Em dezembro de 2011, a Agncia Nacional de Energia Eltrica (Aneel) permitiu que a empresa francesa de energia Electricit de France S/A (EDF) fi zesse parte do grupo de empresas que est elaborando estudos de viabilidade das hidreltricas do Tapajs. A EDF tem interesse nas hidreltricas So Luiz do Tapajs e Jatob e nas usinas Jamanxim, Cachoeira do Ca e Cachoeira dos Patos, no rio Jamanxim.

    O objetivo da Abiape um s: gerar energia a qualquer custo.11

    Sustentado pelo axioma de que a energia hidreltrica fun-damental para manter o crescimento do Brasil, que conquistou em 2011 a posio de 6 economia do mundo, as questes ambientais e sociais passam a ter uma importncia secundria. Aproveitar o potencial de 160 mil MW passou a ser a prioridade da poltica ener-gtica em favor das grandes empresas eletrointensivas e em detri-mento da legislao ambiental e do papel do Estado no que se refere sade, educao e saneamento.

    11 Belo Monte, Teles Pires e Tapajs nas mos da Abiape, disponvel em h p://telmadmonteiro.blogspot.com/2012/01/belo-monte-teles-pires-e-tapajos-nas.html.

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    O Ministrio de Minas e Energia (MME) prioriza a hidroeletricidade por considerar, equivocadamente, que h abundncia e custo menor, abrindo mo da insero de fontes alternativas genuinamente limpas que acabam no sendo competitivas por falta de incentivos e de economia de escala. Estima-se que o custo da energia solar deve cair, como ocorreu com a energia elica, embora o caminho para isso ainda dependa de vontade poltica na regulamentao, da quebra de paradigmas e dos interesses das grandes empreiteiras que so as maiores contribuintes das campanhas eleitorais.

    As mudanas climticas e suas consequncias para as hidreltricas

    Um estudo indito (Roberto Schaeff er e Alexandre Salem Szklo, 2008), do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Ps-Graduao e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ), apontou os impactos que o aquecimento global ter sobre as hidreltricas, no Brasil.

    Para esses pesquisadores do Programa de Planejamento Energtico da COPPE/UFRJ, as mudanas climticas podem colocar a gerao de energia em risco. A produo de energia no Brasil, pela gua, pelos ventos ou por biomassa tambm pode ser afetada pelas mudanas climticas.

    O estudo antecipa um cenrio de queda generalizada na produo das hidreltricas em algumas regies do Brasil, em fun-o da elevao das temperaturas e da intensidade da seca. Este um momento oportuno, inclusive pela proximidade da Rio + 20 e reunies preparatrias, para se repensar o uso que o Brasil est fazendo dos recursos naturais e o destino da energia eltrica que

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    est sendo gerada. As usinas hidreltricas na regio da Bacia do rio So Francisco, preveem os pesquisadores, seriam afetadas pelos impactos das alteraes climticas que se refl etiro diretamente na regio Nordeste, com a diminuio na capacidade de gerao. A agricultura familiar, ponto focal do combate pobreza, tambm poder se inviabilizar.

    Muita chuva e longos perodos de seca intensa, ensaiados em vrios cenrios no estudo da COPPE, provocariam a diminuio da vazo mdia dos rios de algumas regies e afetariam diretamente a gerao de energia eltrica de grandes usinas. E, usando o estudo, para ir mais alm, as alteraes nos regimes dos rios podem inviabilizar centenas de hidreltricas que constam do Plano Decenal de Energia (PDE) 2020 (Ministrio de Minas e Energia, 2011).

    Esses cenrios mostram que a vida til das usinas poderia ser reduzida drasticamente e que em 30, 50 anos a gerao de ener-gia, em determinadas regies, certamente ser menor. Em se tratando de usinas a fi o dgua, o problema tende a se agravar, uma vez que os eventos extremos de secas agiro diretamente na capacidade dos reservatrios menores tornando mais difcil a compensao das perdas de vazo natural.

    As usinas nas bacias do Tocantins-Araguaia e do Parnaba sofrero variaes sazonais intensas e drsticas redues de vazo na seca, perdendo capacidade de armazenamento e de reposio dos seus reservatrios. Isso refl ete ainda mais a vulnerabilidade dessa regio j com tantas defi cincias estruturais.

    A se confi rmarem essas quedas na vazo mdia, haveria efeitos negativos na produo total de energia mdia pelas hidreltricas brasileiras, que cairia 1%, no cenrio

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    A2, e 2,2% no cenrio B2. O efeito mais acentuado seria nas usinas do rio So Francisco, onde a produo poderia cair at 7,7%.12

    A participao das hidreltricas no planejamento energtico brasileiro poder estar susceptvel a uma nova realidade. A gerao de energia eltrica dependente em mais de 80% das hidreltricas estaria vulnervel e merc de alteraes climticas.

    O estudo da COPPE recomenda, no caso da hidroeletricidade, que (I) sejam criados instrumentos de gesto da demanda para reduzir o consumo de eletricidade e estimular a utilizao de equipamentos com maior efi cincia energtica; (II) se inicie a adaptao do sistema energtico brasileiro nova realidade das mudanas climticas para a segurana energtica do pas; (III) se produza eletricidade com base em fontes renovveis e mais limpas, como bagao de cana-de-acar, resduos slidos urbanos e energia elica e solar; (IV) se faam pesquisas para ampliar o conhecimento sobre a relao entre as mudanas climticas e a produo e consumo de energia no Brasil; (V) e haja o aperfeioamento das bases de dados e das ferramentas utilizadas no setor energtico para a realizao de simulaes e projees, para que se tornem mais apropriadas investigao dos impactos da mudana do clima sobre o setor.13

    12 Mudana Clim ca e Segurana Energ ca no Brasil p 21. Os cenrios A2 e B2 indicam, segundo o IPCC, mudanas menos ou mais graves de temperatura da Terra.

    13 Mudana Clim ca e Segurana Energ ca no Brasil foi coordenado pelos professores (Ro-berto Schaeff er e Alexandre Szklo, 2008), do Programa de Planejamento Estratgico da Coppe/UFRJ, e contou com a par cipao dos pesquisadores Andr Frossard, Raquel Rodrigues de Souza, Bruno Soares M. C. Borba, Isabella V. L. da Costa, Amaro Pereira Jnior e Sergio Henri-que F. da Cunha. O estudo, realizado com o apoio da Embaixada do Reino Unido, est disponvel no site www.ppe.ufrj.br.

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    As hidreltricas e os gases de efeito estufa

    Represas hidreltricas no podem ser consideradas como benfi cas quanto sua contribuio ao efeito estufa. Elas emitem GEEs e isso j amplamente reconhecido. Philiph Fearnside14 aborda o tema, do qual especialista, e recomenda que, embora as emisses das termoeltricas que queimam combustveis fsseis sejam maiores, as hidreltricas na Amaznia brasileira emitem gs carbnico (CO2) pela decomposio do material lenhoso e dos resduos no fundo dos reservatrios.

    Essa decomposio produz tambm o metano (CH4) que liberado principalmente nos primeiros anos aps a formao do reservatrio.15 O gs metano originado durante o processo de decomposio da matria orgnica que fi ca submersa e sem a pre-sena de oxignio no fundo dos reservatrios das hidreltricas. O CH4 um dos mais potentes causadores do aquecimento global e est presente em lagos naturais e pntanos da Amaznia, mas, nos reservatrios hidreltricos em que a gua passa pelas turbinas e vertedouros liberando-o na atmosfera em quantidades muito maiores, onde ele se mostra mais letal.16

    Philip Fearnside sustenta, em seu artigo Hidreltricas amaznicas e a poltica energtica 5: Metano, que muito da emisso ocorre ime-diatamente abaixo das turbinas e at mesmo dentro das prprias

    14 Fearnside, P.M. 2011. Hidreltricas amaznicas como emissoras de gases de efeito estufa. Proposta 35(122): 24-28. ISSN 1982-8950 h p://www.fase.org.br/_comunicacao/pagina.php?id=265 (h p://www.fase.org.br/_comunicacao/pagina.php?id=265).

    15 Fearnside, P.M. 2011. Gases de Efeito Estufa no EIA-RIMA da Hidreltrica de Belo Monte. Novos Cadernos NAEA 14(1): 5-19.

    16 Hidreltricas amaznicas e a pol ca energ ca 5: Metano, disponvel em h p://philip.inpa.gov.br/publ_livres/2011/Hidrel%C3%A9tricas%20amaz%C3%B4nicas%20e%20a%20pol%C3%AD ca%20energ%C3%A9 ca-Parte%205.pdf.

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    turbinas. Esta a razo pela qual o uso das medies de fl uxo de gs atravs da superfcie da gua no rio abaixo da barragem no sufi ciente para quantifi car o impacto das emisses da gua que passa pelas turbinas, porque grande parte das emisses (de CH4) escapa dessas medies.

    As estimativas do impacto das barragens amaznicas sobre o aquecimento global tm variado enormemente. A maioria das pessoas ouvindo sobre as diferentes estimativas atravs da imprensa no tem nenhuma informao sobre como foram feitas as medies subjacentes e o que includo ou omitido das estimativas, refora Philip Fearnside

    Fontes alternativas renovveis genuinamente limpas

    As fontes denominadas limpas, em que so includas a hidrulica, biomassa (algumas modalidades), a elica e a geotrmica, so responsveis por 12,7% da oferta de energia global e h previso de crescimento, at 2030, de 14% (Bermann, 2008). Do potencial total de energia elica, estimado em 30 vezes o atual consumo mundial de eletricidade, 10% seriam aproveitveis, perfazendo ainda quatro vezes o consumo global. Da mesma forma, imenso o potencial solar e elico no Brasil, mas ainda incidem preos elevados na composio dos custos de energia eltrica solar fotovoltaica, que poderia ser gerada no local de consumo, em comunidades isoladas ou urbanas, como j acontece na maioria dos pases desenvolvidos.

    Ainda em 2008, o professor Bermann atribua a difi culdade na implantao de fontes limpas alternativas s hidreltricas aos

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    altos custos e falta de estratgias para sua adoo. No Brasil, os atuais 71,7 % de gerao de energia eltrica por usinas hidreltricas (Ministrio de Minas e Energia MME, Empresa de Pesquisa Ener-gtica EPE, 2011) provocam impactos ambientais e sociais j aqui mencionados. Aproximadamente um milho de pessoas (migrantes

    forados ambientais) (Bermann, 2008) foi removido compulsoria-

    mente de suas moradias e menos de 10% (Bermann, 2008) foi ade-

    quadamente indenizado.

    O papel das Fontes Alternativas Renovveis Genuinamente Limpas (FARGL), na gerao de energia eltrica, passa a ser extrema-mente importante frente aos impactos ambientais e sociais que se avolumam com as usinas planejadas no PDEE 2020. Os problemas decorrentes da construo de hidreltricas esto obrigando a sociedade a considerar defi nitivamente as novas fontes de energia, j consideradas limpas, como a elica, solar e biomassa, que podem evitar a emisso de toneladas de gs carbnico (Bermann, 2008) e causar menos impactos.

    As alternativas

    Est cada vez mais difcil assimilar as justifi cativas do setor eltrico do governo contra as energias genuinamente limpas e renovveis, que, alm do mais, induzem criao de obstculos polticos aos incentivos s novas fontes. No leilo de energia que aconteceu em agosto de 2011, as elicas fi caram com 48% do total leiloado e pela primeira vez com preo inferior a R$ 100 o MWh. Essa foi a primeira vez que houve uma reao considerada positiva, do setor eltrico, para enfrentar as difi culdades atuais, impostas pela sociedade, na construo de hidreltricas nos rios brasileiros.

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    A matriz comea a mudar e desta vez no pelo planejamento estampado a ferro e fogo no PDE 2020, refm do lobby da indstria de hidreltricas.

    Em maio de 2011, o Painel Intergovernamental sobre Mudan-as Climticas da ONU (IPCC, na sigla em ingls) divulgou o III Relatrio Especial sobre Fontes Renovveis de Energia e Mitigao das Mudanas Climticas (SRREN, na sigla em ingls).17 O documento re-vela que as fontes renovveis (limpas) de energia supriro 80% da energia em 2050, quando a biomassa, energia solar e elica daro as maiores contribuies. No entanto, fazem a ressalva de que preci-so adotar polticas pblicas para incentivar o uso dessas fontes mais limpas de energia. Com a ascenso das fontes alternativas renovveis genuinamente limpas (FARGL), a emisso de CO2 na atmosfera po-der ser reduzida entre 220 Gt e 560 Gt (gigatoneladas) at 2050.

    O relatrio vai mais alm ao demonstrar que o potencial da Terra em fontes renovveis (limpas) grande e que ter um papel importante na mitigao das emisses de gases de efeito estufa, causadores das mudanas climticas. Mas faltam investimentos. Investimentos que deveriam ser feitos em pesquisas sobre como utilizar de forma efi ciente, por exemplo, a fora dos oceanos, que podem gerar energia das mars. Atualmente, a concluso sobre a gerao maremotriz tem encontrado obstculos e desafi os tecnolgicos para quantifi car e mitigar os impactos ambientais. O mercado internacional j sinaliza queda nos custos da energia elica e solar, mas ainda falta a vontade poltica de pases como

    17 The Working Group III Special Report on Renewable Energy Sources and Climate Change, disponvel (ingls) em h p://www.ethicalmarkets.com/wpcontent/uploads/2011/11/IPCC_SRREN_SPM.pdf.

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    o Brasil, acomodados na chamada vocao dos rios para gerao hidreltrica. Os custos sociais e ambientais oriundos dos impactos causados pelas fontes tradicionais ainda no esto sendo incorporados aos produtos e servios, impedindo a adoo de polticas pblicas em direo s novas tecnologias.

    Em 08 de setembro de 2011, em esclarecedor artigo,18 Ivo Polett o19 perguntou se o sol brasileiro no prestava para gerar energia eltrica. Parece bastante apropriado tornar essa pergunta uma espcie de bandeira para chamar a ateno sobre a displicncia e menoscaso com que o governo brasileiro vem tratando o assunto energia solar. O PIB tem tido prioridade, e ameaar a sociedade com a construo de termeltricas a carvo ou leo diesel pode ser uma estratgia decisiva para sepultar o potencial de sol do Cerrado e da Caatinga.

    A primeira hiptese a de que os responsveis pela defi nio da poltica energtica nacional esto cegos, e no se do conta da abundncia de sol que se derrama sobre o territrio praticamente durante todos os dias do ano, especialmente nos quase um milho de quilme-tros quadrados da Caatinga semi-rida e no Cerrado. Ou que no conhecem o seu pas, pois no sabem que haveria ventos para produzir o dobro da energia eltrica hoje disponvel, e que se dispe de sete mil quilme-tros de movimento natural de ondas do mar. Nada disso conta para eles e para muitos considerados especialistas no assunto. Nem mesmo a informao

    18 O sol do Brasil no presta para gerar energia eltrica? Disponvel em: h p://ivopole o.blogs-pot.com/2011/09/o-sol-do-brasil-nao-presta-para-gerar.html.

    19 Assessor do Frum Mudanas Clim cas e Jus a Social, de pastorais e movimentos sociais h p://ivopole o.blogspot.com/.

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    de que estas so fontes muitssimo menos agressivas e poluentes, menos geradoras de gases de efeito estufa.

    Desafi os na adoo da energia inteligente

    O sistema eltrico brasileiro est baseado na conversa entre as bacias hidrogrfi cas que tm plantas de gerao hidreltrica. Transportar essa energia por distncias continentais, no entanto, est sendo o calcanhar de Aquiles do sistema porque as perdas tcnicas tm se mostrado muito superiores s mdias de outros pases.

    Energia inteligente ou smart grid comea a ser objeto de ateno e regulamentao da Aneel somente agora. A preocupao com o desperdcio de energia, perdas na transmisso e distribuio e reduo de custos com medidores inteligentes devero produzir efeitos sobre o consumo. Isso, evidentemente, poderia criar uma ameaa ao lobby da indstria de hidreltricas. Do prottipo implantao do modelo de energia inteligente em todo o pas, quanto tempo levar? E o tempo necessrio para a adequao das indstrias de eletrodomsticos que devem conversar com os medidores inteligentes? Quando vamos medir nosso uso e nosso excedente de energia?

    Todos esses desafi os passam pela quebra dos paradigmas, premissas equivocadas que esto no PDE 2020 e que impe um mo-delo em que a oferta de energia induz ao consumo. Ser preciso repensar desde os projetos de arquitetura para aproveitamento da luz natural, das superfcies para absoro da radiao solar que reduzem a necessidade de luz eltrica ou de ar condicionado, at a utilizao de telhados para captao da energia do sol.

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    Na falta de sistemas integrados de transmisso e de distribuio, a soluo poderia ser gerar energia descentralizada, local ou regional, por fontes alternativas limpas, as FARGL.

    Energia solar fotovoltaica

    Os recursos naturais do Brasil no infl uenciaram o Estado brasileiro a atuar na gerao de energia solar fotovoltaica. Os resultados tm sido insipientes e no promovem a insero defi nitiva da energia fotovoltaica na matriz eltrica nem a defi nio de polticas pblicas que a incentivem.

    As concessionrias de eletrifi cao rural e urbana ainda so refratrias a investir no desenvolvimento de mecanismos de ino-vao tecnolgica para possibilitar que se adote a energia fotovol-taica. A falta de regulamentao ainda o maior empecilho para a utilizao dessa fonte renovvel e genuinamente limpa.

    A energia solar fotovoltaica acompanhada da elica poderia vir a substituir os projetos planejados de energia hidreltrica que representa a maior parcela na nossa matriz. Muitos estudos j podem ser encontrados que demonstram que a energia solar poder salvar a qualidade de vida das futuras geraes.

    O Brasil, por falta de polticas de investimento, permanece no atraso para ingressar no mercado da energia fotovoltaica, deixando de garantir seu lugar no futuro como nao preocupada com o de-senvolvimento sustentvel. O potencial de energia solar fotovoltai-ca muito maior que a demanda e poderia contribuir para a matriz energtica nacional.

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    Um dos obstculos ao uso da energia fotovoltaica est na indefi nio de polticas pblicas e de mecanismos de incentivo ou regulamentao para sua transmisso pelas redes concessionrias. Outros entraves so atribudos aos altos custos das estruturas necessrias e falta de divulgao dos benefcios que a insero da energia fotovoltaica na matriz energtica traria ao consumidor.

    Projees internacionais estimam para o ano de 2050 que 50% da gerao de energia no mundo viro de fontes renovveis e 25% dessa demanda sero supridos pela energia solar fotovoltaica.

    Se os cenrios se concretizarem, a energia solar fotovoltaica poder superar a energia hidreltrica na matriz energtica brasileira (Centro de Gesto e Estudos Estratgicos (CGEE, 2010).

    Os debates sobre as estratgias para dar oportunidade s novas tecnologias de aproveitamento da energia solar devem chegar at o governo.

    Efi cincia energtica

    Qualquer atividade em uma sociedade moderna s possvel com o uso intensivo de uma ou mais formas de energia.20

    O setor eltrico brasileiro tem insistido que mesmo que se adotem polticas e prticas de efi cincia energtica elas seriam insufi cientes para contribuir com o atendimento da demanda anual de energia necessria para suportar o desenvolvimento que o governo tem projetado. Esse discurso usado para justifi car os

    20 Fonte da citao: h p://www.inee.org.br/efi ciencia_o_que_eh.asp?Cat=efi ciencia.

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    grandes investimentos atuais na expanso da capacidade instalada de hidreltricas e contribui para desestimular os programas de efi cincia energtica.

    Os equipamentos, desde os mais simples motores, lmpadas aos mais sofi sticados eletrodomsticos e eletroeletrnicos reque-rem energia eltrica para seu funcionamento. Todos, sem exceo, podem ser usados de forma adequada para evitar o desperdcio de energia. Lgico que essa explicao simplista, bvia e at desneces-sria nos dias de hoje, quando observamos as mudanas no clima global. Mas, ser to bvia assim para toda a sociedade?

    O desperdcio de energia uma realidade no Brasil. Para optar pelo consumo consciente os consumidores tm que conhecer e sele-cionar equipamentos que se comprovem efi cientes. Sem conscienti-zao e conhecimento isso nunca ser possvel e os usos inadequados da energia persistiro, levando ao aumento exponencial de consumo e s polticas energticas ofertistas. O PDE exemplo de planejamento que no considera programas de efi cincia energtica num captulo especfi co. No importa atualmente ao governo brasileiro resolver a equao: crescimento econmico X consumo consciente de energia X modelo de desenvolvimento.

    A tecnologia a servio da economia de energia ainda no se tornou uma realidade na sociedade brasileira. Exemplo disso que, muitas hidreltricas depois, fi nalmente, a Aneel est editando (setembro de 2011) as novas regras para implemantar medidores residenciais de energia inteligentes. Matria da Folha de So Paulo explica como o setor eltrico, blindado e lento nas tomadas de deci-ses, comeou a se mover, provocado que foi pela reduo de custos

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    operacionais das distribuidoras e no pela necessidade de repensar o uso da energia com um sistema inteligente. Reduzir custos ope-racionais no vai signifi car, no primeiro momento, transferir ganhos para a tarifa e baixar o preo da conta do consumidor fi nal. Com os novos medidores o consumidor ter oportunidade, pela primeira vez no Brasil, de monitorar o gasto e o custo da energia e planejar de forma efi ciente o seu uso. Mais importante ainda ser o fato de que ele, consumidor, ter uma idia do real valor que paga.

    Esse pode ser um bom comeo para a sociedade ter noo de efi cincia energtica. Mas, bastaria isso para adiar, como mencio-nou o autor da matria, a construo de hidreltricas planejada similares s de Santo Antnio, Jirau e Belo Monte? Se apenas com essa medida pudermos economizar 3.000 MW de energia, quem sabe evitaramos e no adiaramos a construo das centenas de hidreltricas planejadas pelo Ministrio de Minas e Energia. A eco-nomia poderia ser bem maior com tantas outras ferramentas dis-ponveis pelas novas tecnologias de produo verdadeiramente renovvel, limpa e barata.

    O Plano Nacional de Efi cincia Energtica (PNEf)

    Em outubro de 2011, o Ministrio de Minas e Energia (MME) aprovou o Plano Nacional de Efi cincia Energtica (PNEf) Premissas e Diretrizes Bsicas.21 O MME tem a responsabilidade de coordenar a implantao do plano, mas antecipa que as negociaes

    21 Disponvel em http://www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/noticias/2011/Plano_Nacional_de_Efi cixncia_Energx ca_-_PNEf_-_fi nal.pdf.

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    envolvem rgos do Governo Federal, Congresso Nacional, Estados, Municpios, Associaes, Confederaes, Universidades e instituies representativas.

    O PNEf pretende reduzir a demanda at 2030, quando a projeo do consumo acumulado est estimada em 1.027,8 milho de GWh. O plano prev uma economia de 106,6 mil GWh, pouco mais de 10% em 18 anos, com aes que abrangem indstrias, edifi -caes, prdios pblicos, iluminao pblica e saneamento. Ainda muito pouco, embora seja um avano e um incentivo para o desen-volvimento de projetos de efi cincia energtica.

    O Proinfa como uma tentativa de incentivo s fontes alternativas limpas

    Em 2002 foi criado o Programa de Incentivo s Fontes Alterna-tivas de Energia Eltrica (Proinfa) para incentivar o uso de fontes alternativas limpas e a indstria de equipamentos. O Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Social (BNDES) seria o agente fi nanciador de at 70% dos investimentos com juros subsidiados, carncia de seis me-ses aps a entrada em operao comercial, amortizao por dez anos e no pagamento de juros durante a construo. A Eletrobras fi cou responsvel pela contratao dos projetos, pela proteo contra riscos de mercado e por assegurar uma receita mnima de 70% da energia durante o prazo do fi nanciamento.

    A lei que criou o Proinfa, no entanto, deixou de lado a energia solar porque entendeu que esses sistemas seriam de pequeno porte e direcionados s comunidades isoladas. Essa deciso ter que ser rever-tida, dada a importncia dessa fonte na descentralizao da gerao.

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    A falta de indstrias no Brasil para fabricao de equipamentos fotovoltaicos foi outra razo para que essa tecnologia no fos-se includa no Proinfa. Porm, atualmente a equipe do Ncleo de Tecnologia de Energia Solar, da PUCRS, desenvolveu processos industriais para fabricao de clulas solares e mdulos fotovoltaicos e elaborou um plano de negcios para avaliar o estabelecimento de fbricas no pas. Infelizmente no h, ainda, mercado e ou incentivos para se implantar uma fbrica de pequeno porte.

    Os dados apresentados em 2008, pelo Departamento de Desenvolvimento Energtico do MME, indicaram que havia 1.001,18 MW em operao comercial, equivalente a apenas 30,3% do total previsto inicialmente pelo Proinfa (Bermann, 2008).

    A Eletrobras informa, na sua pgina da internet, que apoia o desenvolvimento de projetos para diversifi car a matriz energtica brasileira e que o Proinfa seria o maior programa brasileiro de incentivo s fontes alternativas de energia eltrica. Apesar dessa, pode-se dizer, disposio, ainda pfi o por parte da empresa estatal o empenho na busca de solues regionais para o uso de fontes alternativas renovveis genuinamente limpas de energia ou de incentivos ao crescimento da indstria nacional de componentes.

    Passados nove anos do incio do programa, no foram atingidas as metas de abastecer cerca de 6,9 milhes de residncias ou o equi-valente a 3,2% do consumo total anual do pas. O programa prev a implantao de 144 usinas para gerar 3.299,40 MW divididos em 1.191,24 MW de 63 Pequenas Centrais Hidreltricas (PCHs),22 1.422,92 MW de 54 usinas elicas, e 685,24 MW de 27 usinas base de biomassa.

    22 UHE de pequeno porte com capacidade instalada superior a 1 MW e inferior a 30 MW e com rea de reservatrio inferior a 3 Km.

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    O Proinfa um programa com escopo determinado que ainda no cumpriu sua funo. Seria necessrio outro programa para alimentar e estimular energias alternativas genuinamente limpas como a solar fotovoltaica, biomassa e de Resduos Slidos Urbanos (RSU).

    As Pequenas Centrais Hidreltricas (PCHs)

    As PCHs no tm reservatrios sufi cientes para regularizar o fl uxo de gua e dependem da vazo do rio, fato que pode levar a perodos de ociosidade das turbinas ou ao escoamento do exce-dente pelos vertedouros. Essa dependncia das vazes de acordo com os eventos climticos faz com que o custo da energia eltrica produzida pelas PCHs seja mais alto (Maiara Ga, Murilo Keith Umada, Otavio Henrique da Silva , 2011).

    Pequenas Centrais Eltricas (PCHs) esto sendo construdas em praticamente todos os rios brasileiros. Quedas dgua, lindas cachoeiras e corredeiras foram condenadas a desaparecer, assim como espcies de peixes cuja sobrevivncia depende da piracema, perodo no qual eles sobem o rio para reproduo e desova. Em seu lugar surgiro barragens para satisfazer investidores em aplicaes de longo prazo.

    Impactos ambientais decorrentes de PCHs so to nocivos quanto os provocados pelas grandes hidreltricas. As aprovaes dos projetos so, em geral, dadas a vrios aproveitamentos em sequncia num mesmo rio, que o transformaro numa sucesso de lagos.

    Construir uma PCH considerado um bom investimento. A previso de rentabilidade dessas pequenas geradoras de eletricidade

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    de 15% ao ano e isso atrai a ateno de empresas internacionais para construir verdadeiros parques de PCHs nos rios brasileiros. Como o negcio seguro, tem lucro garantido e baixo risco.

    As alteraes signifi cativas que as PCHs produziro no meio ambiente e nas vidas das pessoas no so tratadas no mbito dos processos de licenciamento ambiental. Os projetos de PCHs so, geralmente, apresentados s pequenas comunidades locais despre-paradas para entender os verdadeiros impactos que acompanham os empreendimentos, e que acabam aliciadas por falsas promessas de desenvolvimento, de criao de postos de trabalho e de incentivo ao turismo.

    Recentemente, uma empresa brasileira fez parceria com uma fundao espanhola para explorar, em dez anos, 1500 MW em PCHs. A Duke Energy, outra empresa do setor de gerao de ener-gia, alm de explorar o rio Paranapanema tem investimentos nesse chamado negcio de pequenas hidreltricas. Os critrios para a escolha dos rios no incluem os danos ambientais e sociais. Todo rio comporta uma PCH. A Aneel aprova os projetos, os governos estaduais e municipais licenciam, e o BNDES os tem fi nanciado sistematicamente.

    em se tratando de natureza, muitos danos, se causa-dos, so de difcil ou impossvel reparao, razo pela qual, diante da iminncia do dano, deve prevalecer o princpio da preveno sobre o princpio da liberdade empresarial.23

    23 Fonte da citao: Juiz federal Jeferson Schneider, disponvel em h p://www.oeco.com.br/es/no cias/21685-jus ca-obriga-estudos-ambientais.

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    Os atropelos na legislao que facilitam a construo de PCHs em srie esto sendo observados de perto pelo Ministrio Pblico. Em 2009, o Juiz Federal de Mato Grosso, Jeferson Schneider, con-cedeu uma liminar atendendo ao pedido do Ministrio Pblico Federal que questionou o licenciamento de PCHs no estado de Mato Grosso. A legislao estadual dispensou a necessidade de elabora-o de EIA/RIMA para os empreendimentos de gerao de energia eltrica de at 30 MW, permisso que o juiz considerou fl agrante-mente inconstitucional.

    Outro caso de PCHs em sequncia que tem preocupado a sociedade o planejamento da construo de mais de cem empreendimentos hidreltricos na Bacia do Alto Paraguai, que levar graves impactos socioambientais ao Pantanal e prejuzos s populaes tradicionais. Os rgos responsveis pelo licenciamento esto desconsiderando as consequncias da explorao desmesurada desse potencial energtico. Dada a amplitude territorial, o alcance social e a complexidade natural do ecossistema do Pantanal e sua suscetibilidade, esse descaso confi gura mais uma ameaa do planejamento energtico do governo brasileiro biodiversidade.

    A demanda de energia eltrica no Brasil

    O Plano Decenal de Energia (PDE) 2020 prev que, entre 2011 e 2020, sejam adicionados anualmente ao Sistema Interligado Nacio-nal (SIN) 3.200 MW mdios (Ministrio de Minas e Energia - MME, Empresa de Pesquisa Energtica - EPE, 2011).

    A inteno do governo que os chamados subsistemas Norte, Nordeste e Manaus/Amap contribuam com um aumento mdio

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    de 1.080 MWmdios ao ano, nesse mesmo perodo. Para se ter idia do que signifi cam 1.080 MW mdios,24 as duas usinas do rio Madeira, Santo Antnio e Jirau, produziro respectivamente 1.973 MW mdios e 2.045 MW mdios. A previso do governo que Belo Monte produzir cerca de 4.000 MW mdios nmero amplamente contestado pelos especialistas.

    Essa projeo de demanda de energia eltrica, segundo o que est no PDE 2020, teria considerado ganhos de efi cincia energtica e de participao da autoproduo. Alm disso, o governo pretende desenvolver a integrao energtica dos pases latino-americanos

    fi rmando acordos com os seus vizinhos. E empresas brasileiras tm participado na elaborao de estudos e parcerias com pases das Amricas Central e do Sul. Por trs dessas estratgias est a premissa irredutvel do setor eltrico do governo de que o Brasil um pas privilegiado que gera energia limpa e barata com hidreltricas.

    O setor eltrico brasileiro, formado por empresas pblicas e privadas, no satisfeito com a explorao dos rios da Amaznia bra-sileira, criou outros projetos em pases vizinhos em que se destacam, por exemplo, seis usinas hidreltricas no Peru, j em fase fi nal de estudos, com aproximadamente 7.000 MW de capacidade instalada.25 A previso que essas hidreltricas exportem a energia excedente para o Brasil.

    O plano o mesmo com relao Bolvia, com a previso de construo da hidreltrica Cachoeira Esperana em territrio boliviano, a montante das usinas do rio Madeira; e com a Guiana,

    24 MW mdios a mxima produo de energia que pode ser man da quase que con nuamente pelas usinas hidreltricas ao longo dos anos.

    25 Capacidade Instalada signifi ca o limite da produo ou a capacidade mxima de produo de uma usina.

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    onde esto sendo realizados, tambm, estudos de inventrio para viabilizar mais 8.000 MW (Ministrio de Minas e Energia MME, Empresa de Pesquisa Energtica - EPE, 2011).

    O planejamento de aumento da oferta de energia eltrica no PDE 2020

    O plano do governo utilizar toda a capacidade de energia hidreltrica inventariada na Amaznia, dentro e fora dos limites do Brasil. Para tal seriam necessrias extensas linhas de transmisso cortando fl orestas, Unidades de Conservao e Terras Indgenas.

    O PDE 2020 considerou que a capacidade instalada de gerao hidreltrica no Brasil de 103.598 MW, uma informao de 31/12/2009 do Banco de Informaes de Gerao BIG/ANEEL. Deixou de mencionar que grande parte dessa capacidade instalada nominal e que, na verdade, as usinas tm mais de 20, 30 anos e j ultrapassaram sua capacidade plena de gerao. Elas necessitam de repotenciao e novas tecnologias.

    Outro ponto de vital importncia e que pode transformar a Amaznia a projeo de um crescimento exponencial futuro sem que se questione o uso da energia. O PDE 2020, na verdade, prev que o Brasil continue exportando energia na forma de produtos eletroin-tensivos. A projeo dessa demanda para suprir grandes indstrias eletrointensivas que no agregam valor deve ser questionada.

    Esse chamado planejamento da demanda, no PDE 2020, estabelece uma elevao da participao da regio Norte na expanso de projetos de gerao de energia eltrica. De 10%, em 2011, passar para 23% da capacidade instalada no Sistema Interligado Nacional

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    (SIN) em 2020, signifi cando mais 28.209 MW. (Ministrio de Minas e Energia MME, Empresa de Pesquisa Energtica EPE, 2011).

    S na Amaznia, as UHEs Belo Monte (rio Xingu), Santo Antnio e Jirau (rio Madeira), sero responsveis por cerca de 10% da capacidade instalada at 2020. Se forem includas as outras onze UHEs planejadas em sequncia para os rios Teles Pires, Tapajs e Jamanxim, a participao na capacidade instalada das usinas nos prin-cipais rios da Amaznia subir para 14%, segundo o PDE, at 2020.

    As 14 maiores hidreltricas da Amaznia, planejadas pelo governo federal nos principais afl uentes do rio Amazonas ou seus formadores, sero responsveis pelo abastecimento das regies Centro-Oeste e Sudeste.

    Por que produzir energia eltrica na Amaznia, sabendo que o relevo no adequado para projetos hidreltricos e que h altos custos de linhas de transmisso para levar a energia a ser gerada? preciso avaliar se hidreltrica seria a melhor opo para suprir o aumento da demanda de energia eltrica.

    O aumento do nmero de indstrias de componentes para energia elica e solar fotovoltaica levaria a uma economia de escala que reduziria o custo de produo. O preo do MWh dessas fontes alternativas renovveis genuinamente limpas seria equivalente ou ainda menor que o da energia produzida por hidreltricas, alm de ser uma opo estratgica.

    A explorao do chamado potencial hidreltrico

    O potencial hidreltrico que o governo pretende explorar no Brasil est avaliado em cerca de 190.000 MW (Schaeff er, 2008)

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    na Regio Norte, ou seja, na Amaznia brasileira. A Amaznia, esplendorosa fl oresta tropical cobiada e explorada predatoriamente por sculos, est to distante dos centros consumidores que se torna invivel no papel de suprir o pas com energia. Esse pesadelo est to somente no planejamento da demanda projetada pelo governo federal (Celio Bermann, 2008).

    Linhas de transmisso para vencer milhares de quilmetros, atravessando fl orestas, rios, igaraps, vrzeas, terras indgenas, zonas urbanas e rurais no so empecilhos para o setor eltrico. Representam investimentos rentveis e sem riscos.

    Construir novas hidreltricas com custos absorvveis pelo mercado tem sido um grande desafi o para um setor eltrico at ento blindado contra interferncias vindas de fora do governo. O dilema atual do setor um s: como superar o controle da sociedade e do ministrio pblico em questes socioambientais e econmicas cada vez mais complexas? Como enfrentar problemas que j esto evi-dentes nos projetos em construo como acontece nas usinas do rio Madeira, por exemplo?

    O governo brasileiro quer alicerar o crescimento econmico utilizando o potencial de grandes e pequenas hidreltricas, em primeiro lugar, e fontes elica e biomassa como paliativo; no faz referncia solar fotovoltaica no PDE 2020. Esse novo plano, ou atualizao do anterior, foi concebido para atender ao crescimento do consumo, com prioridade para as hidreltricas, uma vez que os custos de gerao so considerados competitivos pelo governo.

    Para atingir o cenrio de interesse do PDE 2020 que o Ministrio de Minas e Energia (MME) considerou como um recorte de menor

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    horizonte do cenrio de interesse dos estudos de longo prazo que a EPE elabora, foram estabelecidas premissas econmicas e setoriais.

    O governo parte de uma perspectiva que indica um crescimento econmico moderado nos pases avanados, mas afasta do cenrio uma crise mais profunda. No entanto, transfere para os pases emergentes a responsabilidade de puxar o ritmo da atividade mundial.

    Mas o crescimento dos pases emergentes sempre esteve diretamente relacionado com o consumo nos pases avanados. Isso signifi ca que o PDE joga com a possibilidade de um crescimento artifi cial do consumo nos pases avanados, e exclui qualquer abalo em suas economias, que continuariam a consumir commodities suportadas pelos emergentes como o Brasil.

    Um provvel cenrio de ruptura econmica mundial fi ca sutilmente descartado no PDE 2020 e a expectativa de que a eco-nomia mundial apresente crescimento diferenciado, entre emer-gentes e avanados. No exatamente a isso que estamos assistindo neste exato momento, na Europa e nos EUA. Mesmo assim, apesar de a crise ter incio em 2008, os especialistas do plano reafi rmaram, em 2010, que os preos das commodities se manteriam em patama-res historicamente elevados, fundamentando a previso de que preciso reforar a oferta de energia.

    Mais uma vez a premissa indica que o planejamento da expanso da matriz eltrica brasileira est calcado numa previso de gangorra econmica. Se os pases avanados crescessem num ritmo bom, o que no o caso, seria preciso manter a produo de commodities em patamares elevados e aumentar a oferta de energia.

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    Se o cenrio se invertesse, como o caso, com a queda da produo dos avanados, o crescimento passaria a ser fruto do consumo maior dos pases emergentes, leia-se Brasil e China. Ento, para os dois casos no h alternativas, segundo o governo, a no ser manter a previso de aumento da oferta de energia. Ou aumenta ou aumenta!

    Preo das commodities sempre elevado a f basilar do PDE, para poder justifi car a oferta crescente de energia. No existe, pelo visto, no planejamento, o impondervel, como essa crise que recrudesceu no segundo semestre de 2011 e que se originou em 2008. No h alternativas para correo de rumos no caso de alteraes no cenrio, e a prova disso que j se trabalha com leiles A526 para hidreltricas, o que signifi ca que entraro em operao em 5 anos, no mximo.

    O Brasil, que, segundo as provises do setor, deveria crescer 6% em 2011, no chegou a 3%, mas as hidreltricas previstas para acompanhar esse crescimento j esto sendo construdas e mais um leilo foi realizado em 20 de dezembro (2011).

    Acreditar e impor uma premissa de que, mesmo com todos os prognsticos negativos para a atividade econmica global, o Brasil entrar num novo ciclo de crescimento forte e sustentado da economia , no mnimo, uma postura lobista para alavancar investi-mentos em grandes projetos hidreltricos. No existe atualmente um cenrio de crescimento lquido e certo ou forte e sustentado.

    J em outra justifi cativa o plano se contradiz quando se refere a um desempenho superior da economia brasileira mesmo num cen-

    26 Previso de operao em cinco anos.

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    rio internacional de expanso mais moderada devido crise de 2008. Talvez, ao elaborar esse plano, tenham contado com a possibilidade de que poucos o leriam ou tentariam entend-lo.

    Ento, em resumo, o PDE 2020 entende que o Brasil vai seguir em frente com a oferta de energia sem considerar a possibilidade de queda das exportaes ou a economia combalida da Europa e EUA. No considera a possibilidade de alterar, ou melhor, corrigir os rumos propostos no planejamento de aumento da oferta de energia por empreendimentos hidreltricos.

    Premissas setoriais: indstria

    As projees setoriais de demanda de energia do PDE 2020 foram elaboradas para cada segmento industrial, em especial para aqueles apontados como os que tm a energia como insumo bsico: alumnio, alumina, cobre, siderurgia, ferroligas, cimento e papel e celulose (Ministrio de Minas e Energia MME, Empresa de Pesquisa Energtica EPE, 2011).

    Ao abordar a projeo de demanda para as indstrias energointensivas em especial, o PDE apresentou resultados de avaliaes especfi cas.27 As indstrias de alumnio (inclusive alumina e bauxita), siderurgia (ao bruto), ferroligas, pelotizao, cobre, celulose e papel, soda-cloro, petroqumica e cimento respondem por parte signifi cativa do consumo de energia, que chega a 40% do consumo industrial total de energia eltrica (Ministrio de Minas e Energia MME, Empresa de Pesquisa Energtica EPE, 2011).

    27 Essas avaliaes englobaram tanto as perspec vas de expanso da capacidade instalada de produo desses setores quanto a projeo da produo sica a eles associada e a evoluo dos respec vos consumos especfi cos de eletricidade.

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    Tabelas (Ministrio de Minas e Energia - MME, Empresa

    de Pesquisa Energtica - EPE, 2011)

    Setor 2010 2020 % mdia ao anoAlumnio 1.530 2.537 5,2

    Alumina 8.665 15.693 6,1

    Bauxita 30.760 48.824 4,7

    Siderurgia (ao bruto) 33.071 67.228 7,4

    Pelotizao 53.996 83.790 4,5

    Ferroligas 1.019 2.060 7,3

    Cobre 639 2.240 13,4

    Soda-Cloro (soda) 1.510 2.491 5,1

    Petroqumica (eterno) 3.422 5.885 5,6

    Celulose 13.609 26.089 6,7

    Pasta Mecnica 494 795 4,9

    Papel 10.100 17.776 5,8

    Cimento 57.664 100.791 5,7

    (1) Estimativa em 2010. (2) A produo dos setores de siderurgia, soda-cloro e petroqumica so referentes aos respectivos produtos: ao bruto, soda castica e eteno. Fonte: Elaborao EPE.

    Tabela 11 Grandes consumidores industriais: consumo especfi co mdio de eletricidade (kWh/t)

    Setor 2010 2020 % mdia ao anoAlumnio 14.780 13.878 -0,6

    Alumina 299 287 -0,4

    Bauxita 13 12 -0,4

    Siderurgia (ao bruto) 501 457 -0,9

    Pelotizao 49 47 -0,4

    Ferroligas 6.965 7.920 1,3

    Cobre 1.566 1.469 -0,6

    Soda-Cloro (soda) 2.721 2.565 -0,6

    Petroqumica (eterno) 1.581 1.549 -0,2

    Celulose 885 841 -0,5

    Pasta Mecnica 2.189 2.111 -0,4

    Papel 697 664 -0,5

    Cimento 94 90 -0,5

    (1)Valores estimados para 2010. Fonte: Elaborao EPE.

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    importante acrescentar que as informaes sobre as perspectivas de expanso da capacidade instalada dos segmentos mencionados foram obtidas junto Associao Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia (ABRACE), rea de estudos setoriais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), a associaes de classe dos diversos grupos industriais e a entidades e empresas ligadas ao setor energtico (Ministrio de Minas e Energia MME, Empresa de Pesquisa E