Engels, vida e obra - Página 13€¦ · Engels e Marx retratados em pintura encomendada pelo...

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54 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020 riedrich Engels, ou simples- mente Engels, nasceu em Wuppertal, na Renânia alemã. Sua família era pro- prietária de fábricas de tecidos, tanto na Alemanha quanto na Inglaterra (Man- chester), onde ele se viu obrigado a tra- balhar na gerência por cerca de vinte anos (1849 a 1869). Ou seja, por meta- de do tempo em que trabalhou junto a Karl Marx, e a inúmeros outros ati- vistas, na elaboração dos fundamentos teóricos do que denominaram socialis- mo científico e comunismo científico. Essa elaboração incluiu tanto uma revolução filosófica, ao construírem o método de análise dialético materialis- ta e a dialética materialista da história, quanto uma revolução na economia política, ao elaborarem a análise do desenvolvimento contraditório da so- ciedade capitalista e as linhas gerais do processo de organização do nascente proletariado, ou classe operária ou tra- balhadora. Embora Engels considerasse Marx um gênio, e chamasse a si próprio de “segundo violino”, isso não o impediu de garantir que os tomos II e III, de O Capital, cuja finalização Marx não con- seguira realizar por ter falecido, fossem publicados após sua criteriosa revisão. Aliás, antes desse feito histórico, Engels também pode ser responsabilizado por haver aguçado, de várias maneiras, o in- teresse de Marx pela economia política, através de seus comentários a respeito das experiências práticas na gerência da indústria de sua família. Por outro lado, antes de empreen- der a obra de análise do capital, Marx também se aproveitou da contribui- ção de Engels na revolução filosófica do materialismo contemplativo e da dialética idealista, que começaram a concretizar no primeiro capítulo de A Ideologia Alemã. Logo a seguir, Engels publica Princípios do Comunismo, dife- renciando-se dos comunistas utópicos, Engels, vida e obra Nos 40 anos seguintes à elaboração do Manifesto Comunista, Engels não só realiza uma atividade prática centrada na organização da I Internacional dos Trabalhadores, como continua trabalhando na concretização da revolução teórica necessária para dar sustentação à teoria científica do socialismo e do comunismo Wladimir Pomar F MEMÓRIA

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  • 54 ESQUERDA PETISTA #11 - Setembro 2020

    riedrich Engels, ou simples-mente Engels, nasceu em Wuppertal, na Renânia alemã. Sua família era pro-prietária de fábricas de tecidos, tanto na Alemanha quanto na Inglaterra (Man-chester), onde ele se viu obrigado a tra-balhar na gerência por cerca de vinte anos (1849 a 1869). Ou seja, por meta-de do tempo em que trabalhou junto a Karl Marx, e a inúmeros outros ati-vistas, na elaboração dos fundamentos teó ricos do que denominaram socialis-mo científico e comunismo científico.

    Essa elaboração incluiu tanto uma revolução filosófica, ao construírem o método de análise dialético materialis-ta e a dialética materialista da história, quanto uma revolução na economia política, ao elaborarem a análise do desenvolvimento contraditório da so-ciedade capitalista e as linhas gerais do processo de organização do nascente proletariado, ou classe operária ou tra-balhadora.

    Embora Engels considerasse Marx um gênio, e chamasse a si próprio de “segundo violino”, isso não o impediu de garantir que os tomos II e III, de O Capital, cuja finalização Marx não con-seguira realizar por ter falecido, fossem publicados após sua criteriosa revisão. Aliás, antes desse feito histórico, Engels também pode ser responsabilizado por haver aguçado, de várias maneiras, o in-teresse de Marx pela economia política, através de seus comentários a respeito das experiências práticas na gerência da indústria de sua família.

    Por outro lado, antes de empreen-der a obra de análise do capital, Marx também se aproveitou da contribui-ção de Engels na revolução filosófica do materialismo contemplativo e da dialética idealista, que começaram a concretizar no primeiro capítulo de A Ideologia Alemã. Logo a seguir, Engels publica Princípios do Comunismo, dife-renciando-se dos comunistas utópicos,

    Engels, vida e obra

    Nos 40 anos seguintes à

    elaboração do Manifesto Comunista, Engels não só realiza

    uma atividade prática centrada

    na organização da I Internacional dos

    Trabalhadores, como continua trabalhando

    na concretização da revolução teórica

    necessária para dar sustentação

    à teoria científica do socialismo e do

    comunismo

    Wladimir Pomar

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    MEMÓRIA

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    e juntamente com Marx elabora O Manifesto do Partido Comunista, no qual ambos examinam as novas classes so-ciais presentes com a revolução cien-tífica e o desenvolvimento industrial (burgueses e proletários) do século 19.

    Nos 40 anos seguintes à elaboração do Manifesto Comunista, Engels não só realiza uma atividade prática centrada na organização da I Internacional dos Trabalhadores, como continua traba-lhando na concretização da revolução teórica necessária para dar sustentação à teoria científica do socialismo e do comunismo. Situação da Classe Operária na Inglaterra, Revolução e Contrarrevolu-ção na Alemanha, O Problema Camponês na França e na Alemanha, Contribuição ao Problema da Moradia, Introdução à Dialética da Natureza, Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem, Anti-Duhring, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, A Origem da Famí-lia, da Propriedade Privada e do Estado, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica, Papel da Violência na História, assim como inúmeros artigos e rese-nhas, fazem parte da contribuição le-gada por ele e indispensáveis para com-preender a dialética da história que, na atualidade, leva o capitalismo a desen-volver seus próprios limites e as condi-ções para sua superação.

    Apesar desse esforço monumental, as contradições atuais do capitalismo, assim como do socialismo, têm levado pensadores, que se proclamam “mar-xistas”, a escreverem sobre O Capital, e sobre o capitalismo e o socialismo, sem se referirem e/ou examinarem o método científico utilizado por Marx e Engels para realizarem tal análise.

    Pior, alguns tentam fazer a crítica da Economia Política da atualidade sem discutir e/ou dominar os instrumentos ou ferramentas científicas indispensá-veis para efetivar tal crítica. E chegam a considerar que o funcionamento do capital pode ser representado pelo mo-vimento cíclico da água, ou do H2O.

    Isto é, o capital, como esse líquido, se evaporaria e de deslocaria, como va-por, até se condensar em nuvens. Estas se cristalizariam como partículas de gelo e, num determinado momento, se fundiriam e despencariam das nu-vens por força da gravidade. A partir

    MEMÓRIA

    Engels e Marx retratados em pintura encomendada pelo Partido Comunista da China

    Embora Engels considerasse Marx um gênio, e chamasse a si próprio de “segundo violino”, isso não o impediu de garantir que os tomos II e III, de O Capital, cuja finalização Marx não conseguira realizar por ter falecido, fossem publicados após sua criteriosa revisão

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    daí assumiriam várias formas (rios, lençóis freáticos, etc), sendo então usadas por plantas e animais. Ou seja, a molécula de água, sob diferentes formas e estados, e em diferentes ve-locidades, assumiria diferentes formas antes de retornar aos oceanos para reiniciar o ciclo. O que também seria feito pelo capital em seu movimento: assumiria as formas de capital-dinhei-ro, produção, e novas mercadorias, como salários, juros, aluguéis, impos-tos e lucros, antes de retornar à forma de capital dinheiro.

    Ou seja, esses “marxistas” não se dão conta de que há diferenças signi-ficativas entre o ciclo hidrológico e a circulação do capital. No caso do ciclo da água, seu volume e sua força mo-triz, o Sol, são relativamente constan-tes, enquanto no ciclo do capital, as fontes de energia são mais variáveis e o volume de capital em movimento se expande em ritmo exponencial, como uma espiral em constante expansão. Em outras palavras, o ciclo hidrológi-co tem muito pouco a ver com o ciclo do capital, porque o hidrológico é um ciclo de extensão histórica geológica, enquanto o do capital, incluindo suas transformação quantitativas e qualita-tivas, indica que deve ser até mais cur-to do que foram os ciclos históricos de outras formações econômicas e sociais.

    Não por acaso, tanto Marx quan-to Engels desenvolveram um esforço especialmente trabalhoso para virar a dialética hegeliana de cabeça para cima, colocando-a sobre uma sólida base material, de modo a poder utilizá--la como ferramenta científica de análi-se, para entender não apenas o funcio-namento do capital, mas também seu

    processo de crescimento quantitativo e desenvolvimento qualitativo, que o levariam a criar as condições e exigên-cias de sua própria transformação e su-peração histórica.

    Nessas condições, entender o uso da lógica dialética como ferramen-ta científica de análise do capital, e o uso da dialética da história como fer-ramenta de estudo do processo de de-senvolvimento histórico desigual, tan-to das formações históricas anteriores, quando do capitalismo, são essenciais para entender e explicar o processo desigual, descombinado e crítico do desenvolvimento desse modo de pro-dução e, em consequência, dos modos de produção que tendem a substituí-lo historicamente.

    Nesse sentido, a companhia de En-gels, principalmente através da leitura e estudo de algumas de suas obras, a exemplo de Introdução à Dialética da Na-tureza, Papel do Trabalho na Transforma-ção do Macaco em Homem, Anti-Duhring, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cien-tífico, A Origem da Família, da Proprieda-de Privada e do Estado, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica, e Papel da Violência na História, pode contribuir decisivamente para entender melhor “O Capital”, de Marx, assim como os problemas do capitalismo em países pouco desenvolvidos e subordinados ao capital monopolista ou imperialista, e suas complexas transições para algum tipo de socialismo, antes que o capitalis-mo tenha se desenvolvido plenamente, mas colocado na ordem do dia algum avanço civilizatório.

    WLADIMIR POMAR é escritor e jornalista

    MEMÓRIA

    Algumas obras de Engels podem contribuir decisivamente para entender melhor O Capital, de Marx, assim como os problemas do capitalismo