Engenharia e Direito, falando no mesmo idi oma...

1
WWW.BRASILENGENHARIA.COM.BR ENGENHARIA 612 / 2012 93 vaga, deixando a interpretação aos juízes ou às tradições jurídicas”. Por isso é grande o número de engenheiros que se interessam pelo tema, recorrendo aos seus cursos. “Quase todo fim de semana, desde 1988, eu viajo para algum estado. Já lecionei em praticamente todas as capitais do país”, recorda Fiker, autor de sete livros sobre en- genharia, laudos e direito, e um de português, sobre análise sintática. É longa sua folha de serviços prestados ao Metrô de São Paulo, Caixa Econômica Federal, Banespa, Eletropaulo e Emurb, entre ou- tros. Foi fundador e primeiro presidente da Câmara de Valores do Ins- tituto Brasileiro de Avaliações e Perícias (Ibape), perito dos Tribunais de Alçada e Justiça, coordenador da Divisão de Avaliações e Perícias do IE. Graduado em português, latim e linguística, foi professor e coordenador do curso de pós-graduação em avaliações e perícias de engenharia da Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap (enge- nharia legal, técnica de redação de laudos e direito para engenheiro), foi assessor jurídico da diretoria do Ibape nacional, é diretor presiden- te da Empresa Brasileira de Avaliação (Embraval), foi colaborador nas comissões de normas de avaliações de imóveis da ABNT, do Ibape/SP e do Crea. Autor de livros publicados pela Editora Pini e pela Leud. Pós-graduado em avaliações e perícias de engenharia. Medalha de Ouro – melhor trabalho do ano – do Instituto de Engenharia. José Fiker exerceu inicialmente a profissão de advogado durante três anos, no Departamento Jurídico do Metrô, na área de licitações, de 1995 e 1998. Antes disso, de 1975 a 1995, trabalhou como enge- nheiro na área de desapropriações. A formação como perito praticamente transcorreu no Metrô, sob a orientação de Hélio de Cayres, um dos precursores da engenharia de avaliações no Brasil. Fiker, com o tempo, conseguiu reunir todos os conhecimentos práticos e acadêmicos, e hoje leciona sobre ava- liações, redação de laudos e direito para peritos. Assim foi possível juntar tudo numa coisa só, o que lhe dá ampla bagagem para minis- trar aulas de caráter abrangente. Sobre a aplicação da semiótica no diálogo entre peritos e juízes, reconhece Fiker, “não é nada fácil, porque o perito fala de maneira matemática, muito precisa, sem ambiguidades, enquanto que o juiz extrai, daquilo que o perito disse, a parte social, de equidade, de distribuição de justiça, aberta às vezes a múltiplas interpretações. O perito não precisa esforçar-se muito para demonstrar que dois mais dois são quatro. A importância de sua argumentação aumenta na medida em que tem que demonstrar para o juiz asserções que de- pendem de opinião. Nesse ponto sua opinião deve estar muito bem alicerçada em fatos e fundamentos, e a linguagem deve ser apurada, sempre levando em conta as características da linguagem do juiz”. Em suas aulas Fiker costuma citar como exemplo, fornecido por Alaor Caffe Alves, um elefante. “Ao encará-lo ninguém tem o elefante na cabeça, porque senão tombaria esmagado sob seu peso. O que a gente tem é uma ideia sobre o elefante, e essa ideia depende do ân- gulo pelo qual o focalizamos. Quem vê de frente se impressiona pela tromba e as presas. Quem vê de fundo se impressiona pelo rabo e o traseiro, e quem vê de perfil tem uma imagem mais forte da extensão desse animal. Mas ninguém tem o elefante em si, na sua totalidade, dentro da mente. Conforme Platão, ele fica no mundo das cavernas, escondido. O que a gente tem é uma ideia parcial. Então, entre essa ideia e o elefante ele mesmo, existe uma distância que comporta uma interpretação – uma visão de mundo, uma ideologia”. Engenharia e Direito, ENGº JOSÉ FIKER MEMÓRIAS DA ENGENHARIA niversos distantes, o mundo do Direito e o da En- genharia aparentemente pouco têm em comum. Mas o uso compartilhado dessas duas ciências é valioso quando se trata de resolver questões pe- riciais relativas a segurança, avaliações de edifi- cações e outros procedimentos correlatos depen- dentes dos fundamentos da engenharia pericial. O conhecimento jurídico é de grande utilidade para a área de perícia, um campo limítrofe, que se costuma chamar de engenharia legal – entre a engenharia e o direito –, principalmente se for enri- quecido com o domínio de uma linguagem que possibilite o enten- dimento entre engenheiros, tecnólogos e juízes. Mas quando, além do direito e da engenharia, se recorre às ciên- cias relativas à linguística, entre elas a semiótica, os resultados são ainda mais satisfatórios. Esse recurso facilita o diálogo entre técni- cos, juízes e as partes recorrentes em processos judiciais. Concentrar num só profissional essas três especialidades apre- senta-se como um raro fenômeno de polivalência. As técnicas de perícia no Brasil são bastante avançadas. Diferen- temente de alguns países que não exigem uma habilitação específica para execução dessa atividade, no Brasil esses serviços apresentam boa qualidade, principalmente devido às confiáveis normas da ABNT que são usadas como referência. Mas, mesmo assim, frente a um juiz, durante discussões entre peritos e assistentes técnicos, se o assistente técnico passa a criticar o laudo pericial dentro das normas, que devem ser estritamente obedecidas, embora possam ser adaptadas a determi- nados casos específicos, existe o risco de o juiz aproveitar muito pouco desse embate. Em certas situações de prova pericial o que lhe resta é ler o laudo do perito, ler os pareceres dos assistentes, jogar tudo para o ar e pedir que Deus o ajude, conforme disse jocosamente o doutor Carmona, em palestra proferida na Câmara Americana de Arbitragem. Foi diante dessa realidade que o engenheiro civil José Fiker, ad- vogado, doutor em semiótica e linguística geral (com ênfase em lau- dos periciais) pela Universidade de São Paulo (USP) e administrador de empresas, teve a ideia de congregar conhecimentos de engenha- ria, direito e semiótica num trabalho destinado a fornecer subsídios para facilitar a comunicação entre o perito e o juiz. Autor de dois trabalhos premiados pelas Divisões Técnicas do Ins- tituto de Engenharia (IE), um deles a tese de doutorado intitulada “O Discurso Pericial e o Discurso do Magistrado – Oposições e Comple- mentaridade – Abordagem Semiótica”, que lhe valeu uma medalha de ouro, José Fiker assinala que não existem disciplinas nas escolas de Engenharia que ensinem a fazer laudos. “Por outro lado, também as faculdades de Direito não se interessam pelo assunto. Embora dedi- quem dois anos à parte de medicina legal, sequer conhecem o termo engenharia legal, isto é, a parte da engenharia que auxilia o juiz na prova pericial. E note-se que a engenharia legal tem um campo muito mais amplo de aplicações que a medicina legal (desapropriações, ava- liações de aluguéis, vistorias técnicas, ações reais imobiliárias etc.)”. Além disso, continua Fiker, “grande parte dos engenheiros possui dificuldade em expressar seus conceitos técnicos em outra lingua- gem, que não a dos números, e as faculdades de Engenharia fazem muito pouco – a maioria quase nada – para sanar essa deficiência”. Em seu trabalho ele ressalta que “a linguagem cotidiana muitas vezes oferece âmbito para diferentes interpretações da mesma expres- são, e às vezes os legisladores usam deliberadamente uma terminologia POR CLÁUDIA GARRIDO REINA falando no mesmo idi oma U

Transcript of Engenharia e Direito, falando no mesmo idi oma...

Page 1: Engenharia e Direito, falando no mesmo idi oma Ubrasilengenharia.com/portal/images/stories/revistas/edicao612/... · coordenador do curso de pós-graduação em avaliações e perícias

www.brasilengenharia.com.br engenharia 612 / 2012 93

n Mais de 580 expositores nacionais e internacionais

n 62.500 m² de exposição indoor e outdoor

n 30.000 visitantes

n 7º Concrete Congress - seminários, workshops e fóruns de debate

28 - 30 AgostoCentro de Exposições Imigrantes

Outras informações: Tel 11 4689 1935 - [email protected]

www.concreteshow.com.brREALIZAÇÃO APOIO

UM OFERECIMENTO DE

vaga, deixando a interpretação aos juízes ou às tradições jurídicas”.

Por isso é grande o número de engenheiros que se interessam pelo tema, recorrendo aos seus cursos. “Quase todo fim de semana, desde 1988, eu viajo para algum estado. Já lecionei em praticamente todas as capitais do país”, recorda Fiker, autor de sete livros sobre en-genharia, laudos e direito, e um de português, sobre análise sintática.

É longa sua folha de serviços prestados ao Metrô de São Paulo, Caixa Econômica Federal, Banespa, Eletropaulo e Emurb, entre ou-tros. Foi fundador e primeiro presidente da Câmara de Valores do Ins-tituto Brasileiro de Avaliações e Perícias (Ibape), perito dos Tribunais de Alçada e Justiça, coordenador da Divisão de Avaliações e Perícias do IE. Graduado em português, latim e linguística, foi professor e coordenador do curso de pós-graduação em avaliações e perícias de engenharia da Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap (enge-nharia legal, técnica de redação de laudos e direito para engenheiro), foi assessor jurídico da diretoria do Ibape nacional, é diretor presiden-te da Empresa Brasileira de Avaliação (Embraval), foi colaborador nas comissões de normas de avaliações de imóveis da ABNT, do Ibape/SP e do Crea. Autor de livros publicados pela Editora Pini e pela Leud. Pós-graduado em avaliações e perícias de engenharia. Medalha de Ouro – melhor trabalho do ano – do Instituto de Engenharia.

José Fiker exerceu inicialmente a profissão de advogado durante três anos, no Departamento Jurídico do Metrô, na área de licitações, de 1995 e 1998. Antes disso, de 1975 a 1995, trabalhou como enge-nheiro na área de desapropriações.

A formação como perito praticamente transcorreu no Metrô, sob a orientação de Hélio de Cayres, um dos precursores da engenharia de avaliações no Brasil. Fiker, com o tempo, conseguiu reunir todos os conhecimentos práticos e acadêmicos, e hoje leciona sobre ava-liações, redação de laudos e direito para peritos. Assim foi possível juntar tudo numa coisa só, o que lhe dá ampla bagagem para minis-trar aulas de caráter abrangente.

Sobre a aplicação da semiótica no diálogo entre peritos e juízes, reconhece Fiker, “não é nada fácil, porque o perito fala de maneira matemática, muito precisa, sem ambiguidades, enquanto que o juiz extrai, daquilo que o perito disse, a parte social, de equidade, de distribuição de justiça, aberta às vezes a múltiplas interpretações. O perito não precisa esforçar-se muito para demonstrar que dois mais dois são quatro. A importância de sua argumentação aumenta na medida em que tem que demonstrar para o juiz asserções que de-pendem de opinião. Nesse ponto sua opinião deve estar muito bem alicerçada em fatos e fundamentos, e a linguagem deve ser apurada, sempre levando em conta as características da linguagem do juiz”.

Em suas aulas Fiker costuma citar como exemplo, fornecido por Alaor Caffe Alves, um elefante. “Ao encará-lo ninguém tem o elefante na cabeça, porque senão tombaria esmagado sob seu peso. O que a gente tem é uma ideia sobre o elefante, e essa ideia depende do ân-gulo pelo qual o focalizamos. Quem vê de frente se impressiona pela tromba e as presas. Quem vê de fundo se impressiona pelo rabo e o traseiro, e quem vê de perfil tem uma imagem mais forte da extensão desse animal. Mas ninguém tem o elefante em si, na sua totalidade, dentro da mente. Conforme Platão, ele fica no mundo das cavernas, escondido. O que a gente tem é uma ideia parcial. Então, entre essa ideia e o elefante ele mesmo, existe uma distância que comporta uma interpretação – uma visão de mundo, uma ideologia”.

Engenharia e Direito,

ENGº JOSÉ FIKER

MEMÓRIAS DA ENGENHARIA

niversos distantes, o mundo do Direito e o da En-genharia aparentemente pouco têm em comum. Mas o uso compartilhado dessas duas ciências é valioso quando se trata de resolver questões pe-riciais relativas a segurança, avaliações de edifi-cações e outros procedimentos correlatos depen-dentes dos fundamentos da engenharia pericial.

O conhecimento jurídico é de grande utilidade para a área de perícia, um campo limítrofe, que se costuma chamar de engenharia legal – entre a engenharia e o direito –, principalmente se for enri-quecido com o domínio de uma linguagem que possibilite o enten-dimento entre engenheiros, tecnólogos e juízes.

Mas quando, além do direito e da engenharia, se recorre às ciên-cias relativas à linguística, entre elas a semiótica, os resultados são ainda mais satisfatórios. Esse recurso facilita o diálogo entre técni-cos, juízes e as partes recorrentes em processos judiciais.

Concentrar num só profissional essas três especialidades apre-senta-se como um raro fenômeno de polivalência.

As técnicas de perícia no Brasil são bastante avançadas. Diferen-temente de alguns países que não exigem uma habilitação específica para execução dessa atividade, no Brasil esses serviços apresentam boa qualidade, principalmente devido às confiáveis normas da ABNT que são usadas como referência. Mas, mesmo assim, frente a um juiz, durante discussões entre peritos e assistentes técnicos, se o assistente técnico passa a criticar o laudo pericial dentro das normas, que devem ser estritamente obedecidas, embora possam ser adaptadas a determi-nados casos específicos, existe o risco de o juiz aproveitar muito pouco desse embate. Em certas situações de prova pericial o que lhe resta é ler o laudo do perito, ler os pareceres dos assistentes, jogar tudo para o ar e pedir que Deus o ajude, conforme disse jocosamente o doutor Carmona, em palestra proferida na Câmara Americana de Arbitragem.

Foi diante dessa realidade que o engenheiro civil José Fiker, ad-vogado, doutor em semiótica e linguística geral (com ênfase em lau-dos periciais) pela Universidade de São Paulo (USP) e administrador de empresas, teve a ideia de congregar conhecimentos de engenha-ria, direito e semiótica num trabalho destinado a fornecer subsídios para facilitar a comunicação entre o perito e o juiz.

Autor de dois trabalhos premiados pelas Divisões Técnicas do Ins-tituto de Engenharia (IE), um deles a tese de doutorado intitulada “O Discurso Pericial e o Discurso do Magistrado – Oposições e Comple-mentaridade – Abordagem Semiótica”, que lhe valeu uma medalha de ouro, José Fiker assinala que não existem disciplinas nas escolas de Engenharia que ensinem a fazer laudos. “Por outro lado, também as faculdades de Direito não se interessam pelo assunto. Embora dedi-quem dois anos à parte de medicina legal, sequer conhecem o termo engenharia legal, isto é, a parte da engenharia que auxilia o juiz na prova pericial. E note-se que a engenharia legal tem um campo muito mais amplo de aplicações que a medicina legal (desapropriações, ava-liações de aluguéis, vistorias técnicas, ações reais imobiliárias etc.)”.

Além disso, continua Fiker, “grande parte dos engenheiros possui dificuldade em expressar seus conceitos técnicos em outra lingua-gem, que não a dos números, e as faculdades de Engenharia fazem muito pouco – a maioria quase nada – para sanar essa deficiência”.

Em seu trabalho ele ressalta que “a linguagem cotidiana muitas vezes oferece âmbito para diferentes interpretações da mesma expres-são, e às vezes os legisladores usam deliberadamente uma terminologia

POR CLÁUDIA GARRIDO REINA

falando no mesmo idioma

U