ENGENHEIRO PEDRO BEIRÃO Teletrabalho e seus...

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Curiosidades + Comer fora + Comer em casa + Reportagem + Cultura + Roteiro de casa + Roteiro de rua EDIÇÕES NOVEMBRO Domingo, 19 de Abril de 2020 Teletrabalho e seus contornos ENGENHEIRO PEDRO BEIRÃO Pedro Beirão é o director-geral da empresa Appy Saúde e fala- nos do teletrabalho a partir da experiência acumulada na sua empresa, uma das pioneiras nessa especialidade em Angola. Preocupações com a auto-disciplina, a capacidade de cumprir prazos ou de o ambiente doméstico ser ou não propício ao trabalho são aqui afloradas

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Curiosidades + Comer fora + Comer em casa + Reportagem + Cultura + Roteiro de casa + Roteiro de rua

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ÕES

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VEM

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Domingo, 19 de Abril de 2020

Teletrabalho e seus contornos

ENGENHEIRO PEDRO BEIRÃO

Pedro Beirão é o director-geralda empresa Appy Saúde e fala-nos do teletrabalho a partir daexperiência acumulada na sua

empresa, uma das pioneirasnessa especialidade em

Angola. Preocupações com aauto-disciplina, a capacidade

de cumprir prazos ou de oambiente doméstico ser ou

não propício ao trabalho sãoaqui afloradas

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CAPA16 Domingo19 de Abril de 2020

Isaquiel Cori

A Appy Saúde é um dos pioneirosdo teletrabalho em Angola. Comodefiniria teletrabalho?Na Appy Saúde damos a oportu-nidade a alguns colaboradores re-sidentes em Angola de trabalharemsem ser necessário deslocarem-se até ao escritório. Esses podemrealizar as suas tarefas a partir decasa.Além disso, trabalhamos compessoas de várias partes do Mundo,e com algumas nunca estivemospessoalmente. Eis um excelenteexemplo de teletrabalho.

Esta forma de trabalho é exer-cida à distância de forma autó-noma, utilizando ferramentasde comunicação e de informaçãoremotas que asseguram um con-tacto directo entre o teletraba-lhador e a Appy.Não sabemosse somos pioneiros, mas traba-

lhamos com este método desdeo início da empresa. E em di-versas áreas, desde a programa-ção até ao mapeamento.

Já há muito se falava, entre nós,de teletrabalho, mas ao queparece havia uma resistência dasempresas e outras organizações,supostamente, por causa dadificuldade de controlar e avaliaro trabalhador. Como é que sepode contornar isso?É perfeitamente normal que asempresas tenham preocupaçõescom os funcionários em teletra-balho. A Appy Saúde também teveas suas. Preocupações com a au-to-disciplina, preocupações coma capacidade de cumprir prazosou preocupações de que o am-biente doméstico não seja propícioao trabalho. Mas estas preocupa-ções podem ser colmatadas com

avaliações frequentes, até perce-bermos se os resultados corres-pondem às expectativas. Na AppySaúde avaliamos a produtividade:se as tarefas são concluídas e seos prazos são cumpridos. A qua-lidade: se existe alguma dife-rença na qualidade do trabalhoem relação aos trabalhadoresque frequentam o escritório. Acomunicação: se existiram pro-blemas de comunicação com oteletrabalhador. E se o teletraba-lhador retornou as mensagens emtempo hábil. A tecnologia: se oteletrabalhador consegue trabalharcom as ferramentas de trabalhoe de comunicação. O ambiente detrabalho: se o teletrabalhador con-segue criar um ambiente de tra-balho relativamente livre dedistrações e que permita o contactosempre que necessário. Hábitosde trabalho: se o teletrabalhador

estabeleceu uma rotina produtivade trabalho. Interacção com aequipa: se o teletrabalhador con-segue se comunicar, efectivamen-te, com os colegas de trabalho.

A adopção dessa prática é paramanter e generalizar, quandoessa crise da covid-19 passar?Toda a equipa da Appy Saúde con-tinua a trabalhar a partir de casa.Continuamos a realizar reservasde medicamentos e a entregarprodutos das farmácias. Nesta faseatendemos vários pedidos, aju-dando as pessoas a não andaremde farmácia em farmácia e algumasaté, com as nossas entregas,nemprecisam de sair de casa.

A equipa que antes da crise játrabalhava em teletrabalho nestemomento permanece a trabalharcom o mesmo método. E perma-necerá após a crise.

Quais são os grandes obstáculos àmassificação do teletrabalho?Com o Estado de Emergência adap-tamos o teletrabalho para todasas áreas, continuamos a atendera todos os pedidos e a prestar ser-viços que ajudam as pessoas acumprir as regras de isolamentosocial, mas claro que existem tam-bém desafios tanto para o funcio-nário como para a empresa, comoo desempenho, produtividade econectividade de internet.

Em termos práticos e concretos,como é que o teletrabalho seprocessa na vossa empresa?Usamos várias ferramentas na nu-vem. Todos os processos e docu-mentos são d ig i ta l i zados edesenvolvidos a pensar em comotrabalhar e aceder aos mesmosremotamente. Isto faz com queseja possível que toda a equipa

PEDRO BEIRÃO, DIRECTOR-GERAL DA APPY SAÚDE

“Teletrabalho desafia osfuncionários e as empresas”

Nesse ambiente global de restrições de movimentos e de distanciamento e isolamento social obrigatórios, por causa daCovid-19, empresas e outras organizações recorrem ao teletrabalho para continuarem a funcionar. Essa é uma dasadaptações rápidas que prometem instalar-se no cenário laboral e permanecer no pós Covid-19. Mas para algumas

empresas isso já vem lá de trás. É o caso da Appy Saúde, uma startup do sector tecnológico, porventura um dos pioneiros doteletrabalho em Angola. O engenheiro Pedro Beirão é o seu director-geral e ele fala-nos do teletrabalho a partir da

experiência acumulada na sua empresaDR

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CAPA 17Domingo19 de Abril de 2020

desenvolva o seu trabalho re-motamente, da mesma maneiraque o faria presencialmente.As reuniões virtuais são umarealidade diária, não apenasagora durante a quarentena.

Acredita que o nível de info-inclusão, entre a populaçãoangolana, já é capaz depropiciar grandes negócios nainternet e através dainternet?Sim. Temos cada vez melhoresserviços e conectividade deinternet. E o número de pes-soas que utilizam a internetaumenta significativamente,de ano para ano. Isso são in-dicadores de que a populaçãoestá cada vez mais integradano mundo digital. Acreditamosque o acesso à internet deveser democratizado e acessívela cada vez mais cidadãos emAngola. Se olharmos para aevolução deste sector, nos úl-timos 10 anos, verificamosque o crescimento foi notável.A velocidade aumentou, opreço da internet baixou ecada vez mais pessoas têmacesso. Contudo, é necessáriocontinuar a investir na ex-tensão de infra-estruturas ena melhoria dos serviços detelecomunicações.

Pessoalmente tambémdepositava enormeexpectativa no Angosat? Para o nosso negócio o maisimportante é a conectividadede internet. E temos no nossopaís outros meios que são ca-pazes de canalizar e asseguraras comunicações.

Esteve recentemente noRuanda. Pode falar-nos doscontactos que lá estabeleceu? Lançámos, recentemente, aAppy Saúde no Ruanda, quecomeçou com a reserva de me-dicamentos em farmácias deKigali. O utilizador pode verna plataforma os produtos dis-poníveis na farmácia online,reservar e pagar através daAppy Saúde. Somos a únicaplataforma a fornecer este tipode serviço naquele país. Es-peramos continuar a crescer,a nível de utilizadores e de far-mácias, no Ruanda.

A Appy Saúde desenvolveu aaplicação que disponibilizacontactos de farmácias e clí-nicas e propicia a marcação deconsultas médicas e a adesãoao seguro de saúde. Atravésdela é possível receber em casaos produtos farmacêuticos nãosujeitos a receita médica.

Depois de muito bem refe-renciado na Web Summit,evento tecnológico global rea-lizado em Lisboa, o aplicativoAppy Saúde foi distinguido,em Novembro de 2019, noevento AppsAfrica Awards, naÁfrica do Sul, com o prémio“Melhor Aplicativo de África”.O AppsAfrica Awards promovee premeia os melhores serviçosmóveis e de tecnologia lançadosem todo o continente, tantopor empresas maduras comopor startups. Na edição do anopassado, a quinta, participaramno certame aplicativos oriundosde 52 países.

DR

NOMEPedro Beirão

Sócio fundador e director-geral daAppySaúde, tem uma vasta experiência nasáreas de tecnologia e telecomunicações.Antes de optar pela criação da sua própriaempresa trabalhou como Solution Manager

na Huawei Technologies e como Supervisorde Engenharia na Net One. Foi ainda gestorde projectos de elecomunicações na TOTAL

E&P Angola

GRADUAÇÃOLicencido em Gestão de Empresas naUniversidade Católica de Lisboa e em

Engenharia de Telecomunicações naUniversidadede Montpellier II, França.

Pós-graduação em Gestão de Empresaspela Universidade Católica de Lisboa

Mestrado em Óptica Electrónica e Micro-Ondas pela Universidade de Montpellier II.

P E R F I L

de ÁfricaMelhor

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VIDA18 Domingo19 de Abril de 2020

Isaquiel Cori

O argumento de “Sambi-zanga”, assinado por MárioPinto de Andrade, que já tra-duzira o romance de Luan-d ino pa ra f rancê s , e ojornalista e escritor francêsMaurice Pons, segue as linhasgerais da acção do romance.

A trama é dividida em trêslinhas narrativas que não secruzam: a tortura e mortedo tractorista Domingos Xa-vier, acusado de pertencera um grupo nacionalista, an-ti-colonial (uma referênciaao MPLA), a busca da esposaMaria pelo companheiro emdiferentes prisões de Luandae a organização clandestinaque tenta identificar o presopara salvá-lo.

A primeira linha narrativaapresenta ao espectador abrutalidade da polícia políticacolonial (PIDE) e a resistênciade Domingos Xavier, que serecusa a denunciar os seuscompanheiros; a trajectóriade Maria em busca da loca-lização do marido, do Dondoa Luanda, é marcada pelodescaso das autoridades ofi-ciais e pela solidariedadedos homens e mulheres po-bres dos povoados; já o registodas acções da organizaçãoclandestina enfatizam as pa-lavras de ordem dos nacio-nalistas e a rede de contactosclandestinos. Por fim, Do-mingos Xavier morre sobtortura, a esposa Maria de-saba aos prantos, sendo con-solada por outras mulheres,ao mesmo tempo que osmembros da célula clandes-tina do MPLA, liderados porMussunda, celebram a rec-tidão de caráter de Xavier,por não os ter denunciado,e entendem que a melhormaneira de o homenagearera dando continuidade àfesta abrilhantada pelosNgola Ritmo. No romance,esse final, aliás toda a nar-rativa de Luandino Vieira,possui uma enorme cargapoética e um apelo à lutaque calou bem fundo nasconsciências dos leitoresimbuídos de fervor revolu-cionário, tanto antes da in-dependência como depois.

Repercussões do filmeSegundo o pesquisador bra-sileiro Alexsandro de SousaSilva, “acostumados com fil-mografias didácticas pro-duz ida s po r c inea s ta sengajados(as) do ‘terceiromundo’, críticos de cinemae militantes políticos refu-

revolucionários do dito 3ºmundo essa agitação e acçãointempestiva e heróica (oherói a morrer de metralha-dora na mão é o único queconcebem) de que só têm jáa nostalgia. (...) Por isso aminha grande alegria por leras declarações de Sara, a suacoragem de ir contra o clichêque (ainda) nos querem im-por da realidade que nós co-nhecemos” (Vieira apudPiçarra, 2017, p. 25).

Rodado no Congo-BrazzavilleA longa-metragem “Sam-bizanga” foi realizada noCongo-Brazzaville, com ogoverno dando suporte àsfilmagens, cedendo carros,camiões, helicópteros, can-teiros de obra, prisão, etc.

Jacques Poitrenaud in-terpretou o papel de tortu-rador . Sarah Maldororrecrutou actores e actrizes

amadores do Congo e exi-lados(as) de Angola, mui-tos(as) dos(as) quais falaramem idiomas locais, como olingala e o lari. Elisa Andrade,a economista ligada ao PAIGCque vivia na Argélia, encar-nou a esposa Maria. Mili-tantes do MPLA encenaramos seus próprios papéis po-líticos, como Manuel Videira(le chef de brigade), TalaNgongo (Miguel) e LopesRodrigues (Mussunda). Opequeno Adelino Nelumba,interpretando o personagemZito, era órfão de guerra.Também do MPLA, Domin-gos Oliveira, que encarnouDomingos Xavier, era defacto tractorista no Norte deAngola, antes de passar aviver no Congo. A equipatécnica do filme era, predo-minantemente, francesa.Aliás, da França veio partedo orçamento para a reali-

zação da obra. A trilha mu-sical, que tem um papel nar-rativo de grande importânciano filme, foi creditada aogrupo vocal Les Ombres, co-mandado pela voz de AnaWilson, além de canções dogrupo musical Ngola Ritmos.

A divulgação da películaapostou na exploração daimagem de Domingos Xaviersacrificado, apesar do maiorprotagonismo que as mu-lheres, sobretudo Maria, têmno filme, que ganhou, em1972, o prémio Tanit de Ourono IV Festival de Cartago eoutra premiação no IV Fes-tival de Ouagadoudou. Noentanto, em Portugal, o filmefoi censurado, tendo a estreiasido adiada para Outubro de1974, uma vez que as auto-ridades argumentaram quepretendiam “impedir ma-nobras da reacção e por cons-tituir propaganda de um dos

movimentos emancipalistas,ainda em guerra”.

Em Angola, o filme sofreuuma série de retaliações,conforme entrevista de Luan-dino Vieira à revista Cine Cu-bano. Chegaram a ocorrer,entre Maio e Junho de 1975,em Luanda, agressões entreespectadores que assistiramao filme. Diante do ocorrido,afirmou o escritor,“decidi-mos que o filme fica reser-vado para mais tarde, quandodepois de algum tempo sepossa esclarecer ao espec-tador, pela própria dinâmicado proceso e a educação ci-nematográfica” [tradução li-vre do espanhol] (Vieira apudLopez Pego, 1979, p. 163). Apelícula fora exibida em An-gola em círculos restritos deprojecção, como encontrosde movimentos sociais e demilitantes do MPLA, sendoproibido nas salas de cinema.

taram a beleza da atriz prin-cipal, Elisa Andrade (...) e a‘ambiguidade política’ de‘Sambizanga’, que não pri-vilegiou a organização daguerrilha contra o colonia-lismo, o que foi visto comoum ‘defeito’ da factura po-lítica da obra. Outras leiturasenfatizaram o processo de‘conscientização revolucio-nária’ da personagem Maria,que, no entanto, desaparecede cena após a confirmaçãoda morte do companheiro”.

Luandino Vieira, em cartaa Mário Pinto de Andrade, em1973, elogia o filme, baseadona repercussão que teve nosmeios especializados (entãoestava preso no Tarrafal):

“A profunda compreensãodesse fenómeno de ‘paciên-cia’ revolucionária é - sei-o - um pouco difícil para asesquerdas europeias que têmsempre tendência a ver nos

SARAH MALDOROR (1929-2020)

TV Zimbo revisita filme “Sambizanga”

Na quinta-feira à noite a TV Zimbo deu a ver aos seus telespectadores o filme de Sarah Maldoror, “Sambizanga”, realizadoem 1972. Muita coisa há a dizer sobre este filme, baseado no romance de Luandino Vieira “A Vida Verdadeira de DomingosXavier”, escrito na cadeia, em 1961, quando já tinham ocorrido os acontecimentos do 4 de Fevereiro, em Luanda, e de

Março no Norte do país

DR

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VIDA 19Domingo19 de Abril de 2020

Em Novembrode 2008 SarahMaldoror foi homenageadapela organização do primeiroFestival Internacional de Ci-nema de Luanda (FICLuan-da), então capitaneada peloactor Miguel Hurst, “pelocontributo prestado ao cine-ma angolano desde a décadade 1970, principalmente como filme ‘Sambizanga’”. Emo-cionada, a cineasta recebeuo Troféu Homenagem dasmãos da então ministra daCultura, Rosa Cruz e Silva.

“O cinema é um meio decultura. Se quisermos que osnossos filhos leiam e se edu-quem, temos que fazer cine-ma”, disse Maldoror. “É graçasà cultura que poderemos er-radicar o medo e fazer comque os miúdos sem trabalhose sintam integrados na so-ciedade, nesse caminho depaz”, acrescentou, revelandoque era a terceira vez que vi-nha a Angola.

FONTES:SOUSA E SILVA, Alexsan-

dro de, “Sarah Maldoror: umac i n ea s t a n adiáspora”,www.revistas.usp.br , S ão Pau l o , n . 1 2 3 ,Outubro/Novembro/Dezem-bro 2019.

LANÇA, Marta, “SarahMaldoror - A realizadora deGuadalupe firma-se na his-tória do cinema africano”,site Rede Angola.

ANGOP, “Organização doFICLuanda homenageia SarahMaldoror”, 22/11/2008.

Homenageada em Angola

Percurso pan-africanistaFalecida aos 91 anos, na ca-pital francesa, a cineasta Sa-rah Maldoror era conhecidaem Angola, sobretudo, porter realizado os filmes “Mo-nangambé” (1969) e “Sam-bizanga” (1972) e por ser aviúva de Mário Pinto de An-drade, primeiro presidentedo MPLA. Mas é preciso dizerque a sua obra cinemato-gráfica é muito mais vasta eque o seu percurso de vidacaracterizou-se pelo enga-jamento nas causas da li-bertação de África e daemancipação da mulher.Num texto divulgado pelafamília, logo após a sua mor-te, Maldoror é exaltada como“pioneira do cinema pan-africano”. E de facto o foi.

Sarah Ducados nasceu emGuadalupe, em 1939, e re-cuperou do fantástico livroOs Cantos de Maldoror, deLautréamont, o seu apeli-do-pseudónimo, Sarah Mal-doror. Filha de mãe francesae de pai das Antilhas, o seunome aparece sempre ligadoa nomes do cinema africano,como Souleymane Cissé,Med Homdo, Safi Faye eKwah Ansah, que nos mos-tram que não existe uma for-ma part icular de fazer

cinema em África, mas simuma diversidade de filmes,narrativas e estilos. Foi, em1956, uma das fundadoras,em Paris, do grupo de teatroLes Griottes, que promoviaa negritude através de adap-tações do filósofo existen-cialista Sartre e do poetaantilhano Aimé Césaire. Es-tudou cinema em Moscovo(1961-62), no Studio Gorki,onde conheceu SembeneOusmane, que viria a ser umdos grandes do cinema afri-cano. Foi assistente de GilloPontecorvo no emblemáticofilme Batalha de Argel (1965),que ganhou o Leão de Ouroem 1966.

Sarah Maldoror definia-se como tendo um papel cul-tural na sétima arte, fazendopesquisa cinematográfica so-bre a História africana. “AHistória tem sido escrita poroutros e não por nós”, dissenuma entrevista a Beti Eller-son, em 1997. “Se eu não meinteresso pela minha própriahistória, quem vai se interes-sar? Eu acho que é necessáriodefendermos a nossa própriahistória, e que a tornemos co-nhecida - com todas as nossasqualidades e defeitos, nossasesperanças e desesperanças”.

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RELIGIÃO20 Domingo19 de Abril de 2020

São passados sete anos desde que Bento XVI decidiu renunciar ao Papado. A intenção foi manifestada no dia 11de Fevereiro de 2013, na Sala del Concistoro do Palácio Apóstólico, numa reunião, de manhã, que coincidiu

com o Dia Mundial do Doente

César Esteves

O encontro seria para anun-ciar a data da canonizaçãode três mártires católicos:António Primaldo e compa-nheiros, Laura Montoya Upe-gui e Maria Guadalupe GarciaZavala, mas Bento XVI apro-veitou o ensejo para informaraos presentes que iria re-nunciar ao Papado.A decisão veio a efectivar-

se, a seu pedido, apenas nodia 28 de Fevereiro do mesmoano. Bento XVI apontou faltade força, devido à idade, paradesempenhar as funções, co-mo a causa principal que o le-vou a tomar a decisão.“Depois de ter examinado

repetidamente a minha cons-ciência diante de Deus, chegueià certeza de que as minhasforças, devido à idade avan-çada, já não são idóneas paraexercer adequadamente o mi-nistério petrino”, consta dasua declaração de renúncia.

A notícia da renúncia deBento XVI, eleito Papa numdia como hoje (19 de Abril de2005), apanhou milhares defiéis católicos desprevenidos.Embora o Sumo Pontífice

tenha apontado falta de força,devido à idade, para renun-ciar ao cargo, para muitos,sobretudo estudiosos em as-suntos religiosos, a razãooficial continua um verda-deiro mistério.Num documentário inti-

tulado “O Papa do fim domundo”, referindo-se ao ac-tual Papa, emitido pelo canal“História”, especialistas emquestões religiosas apresen-tam outras versões que en-tendem estar na base darenúncia de Bento XVI.Para os académicos, Bento

XVI evitou viver uma velhicede muito sofrimento, comoaconteceu com João Paulo II.Por outro lado, acrescen-

tam, a decisão para renúnciaterá resultado, também, das

crises que se haviam multi-plicado dentro da Igreja, comoa crise com o mundo Islâmico,Hebreu, da Ciência e até o va-zamento de documentos, mui-tos dos quais mostrando umaCúria dividida, corrupção efalta de transparência dentrodo Banco do Vaticano.Segundo relatos históricos,

a igreja não registava, desdeGregório XII, isto é, em 1415,um Papa que renunciasse.

Chegada ao poderA chegada de Bento XVI aocadeirão máximo do Vaticanoresultou de um gesto prati-cado pelo actual Papa Fran-cisco, seu concorrente directono conclave que o elegeu Su-mo Pontífice.Com a notícia da morte de

João Paulo II, no dia 2 de Abrilde 2005, os católicos acabavamde ficar sem o seu líder espi-ritual. Com isso, um novoPapa teria de ser eleito. Em18 de Abril de 2005, o conclave

para eleger o novo Papa é con-vocado e 115 cardeais de todoo mundo são trancados dentroda Capela Sistina, situada den-tro do Vaticano e famosa pelasua arquitectura inspiradano Templo de Salomão doAntigo Testamento.Ela é igualmente conhecida

mundialmente por causa doextenso afresco de MichelAngelo no seu tecto.O tra-balho foi feito a pedido doPapa Júlio II e é consideradonão só um marco da pinturada Alta Renascença, mas tam-bém uma das mais famosasobras da história da arte. Éconsiderado um dos maiorestesouros da Santa Sé.De acordo com o docu-

mentário do canal “História”,dois nomes soavam mais altos,nessa altura, entre os favoritosà sucessão de João Paulo II.Por um lado, estava o cardealJoseph Aloisius Ratzinger,que viria a adoptar o nomede Bento XVI, e, por outro,

BENTO XVI E FRANCISCO

Os Papas que “cambiaram” o cadeirão máximo do Vaticano

“Depois de terexaminado

repetidamente aminha consciênciadiante de Deus,cheguei à certezade que as minhasforças, devido

à idade avançada,já não são idóneas

para exerceradequadamente oministério petrino”

estava o cardeal Carlos MariaMartini, considerado um dosmais progressistas da históriada Igreja. Este último não po-dia ser Papa, porque sofriada doença de Parkinson, umadoença degenerativa crónicado sistema nervoso central,que afecta principalmente acoordenação motora.Os sintomas manifestam-

se de forma lenta e gradual aolongo do tempo. Na fase inicialda doença, os sintomas maisóbvio são tremores, rigidez,lentidão de movimento e di-ficuldade em caminhar.Com a eliminação auto-

mática de Martini, consta dodocumentário, o olhar de umsector de cardeais centrali-zou-se sobre o cardeal ar-gentino Jorge Mário Bergólio,o actual Papa Francisco. Asvotações acontecem. Bergólioconsegue 40 votos. Ratzingerlidera a votação, mas nãoconsegue obter os 2/3 ou2/3+1, para se sagrar Papa.

DR

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RELIGIÃO 21Domingo19 de Abril de 2020

Outra curiosidade tem a vercom os documentos pro-duzidos durante um pon-tificado. O documentáriodo canal História diz que,como regra, os ArquivosSecretos não compartilhamnenhum documento refe-rente a um Papa até 75 anosapós a sua morte.

As cartas e os arquivosproduzidos durante o pon-tificado de João Paulo II, quemorreu em 2005, por exem-plo, só estarão disponíveispara consultas em 2080.

Consulta após 75 anos

Era necessária uma nova vo-tação. É aqui que começa a“permuta” entre os papas.O documentário salienta queBergólio decide renunciar epede aos cardeais que vo-taram nele a passarem osvotos para Ratzinger. Comeste gesto de Bergólio, Rat-zinger obtém os votos ne-cessários e sagra-se Papa.

O documentário, que nar-ra o percurso de Franciscoaté chegar a Papa, conta queele decidiu ficar pelo cami-nho, porque sabia que jamaisalcançaria a maioria dos vo-tos. A sombra da ditadurana Argentina pairava sobreele como um passado fu-nesto. Uma contemporâneade Bergólio, que fala nestedocumentário, afirmou queele era um candidato elegível,mas a interferência de umdossier que dizia ter cola-borado com a ditadura mi-litar atrapalhou tudo.

Antes da realização do con-clave, circularam, entre várioscardeais eleitores, documentosque comprometiam Bergólio,no caso de sacerdotes jesuítassequestrados e torturados du-rante a ditadura na Argentina.Estes documentos diziam queele os tinha entregado.

Entretanto, consta do do-cumentário que cinco anosdepois, isto é, em 2010, o actualPapa é chamado para declararcomo testemunha na causados sacerdotes.

Com a reabertura dos ar-quivos, novas testemunhassão convocadas no caso e con-tam novas histórias sobre elee suas acções durante os anosescuros na Argentina. Essashistórias, longe de o condenar,mostraram um pastor que,em muitas ocasiões, ajudoupessoas perseguidas a fugirdo país para o exílio.

Com a imagem renovada,Bergólio tem a estrada livrepara voltar a concorrer ao ca-deirão máximo do Vaticano.A oportunidade não tarda achegar. Em meio às crises noVaticano, Bento XVI deciderenunciar ao papado. Bergólioconcorre ao novo conclave eé eleito Papa. Fez história aoser o primeiro jesuíta a chegarao cargo e escolheu Franciscocomo o seu novo nome.

Como pode notar, caroleitor, há aqui uma grandecoincidência. Bento XVI che-ga ao poder por intermédiode um gesto de Francisco eeste último, por sua vez, che-ga igualmente às funções dePapa, porque Bento XVI re-nunciou ao Papado. É cu-rioso, não acha?

Quando um cardeal é eleito Papa, ele escolhe umnome para ser chamado durante o seu pontificado. OPapa Francisco, por exemplo, chama-se Jorge MárioBergólio. Já se perguntou por que razão eles trocamde nome?

Segundo “Aleteia”, uma plataforma online de mídiasocial digital, disponível em oito idiomas (português,inglês, francês, espanhol, italiano, árabe, polonês eesloveno), que tem por foco conteúdo, notícias e in-formações voltadas ao público católico e simpatizantes,esta tradição remonta há seculos. Acredita-se que aescolha do novo nome pelo cardeal eleito pode estarmotivada por vários aspectos, como, por exemplo,honrar algum dos seus predecessores.

Uma vez eleito Papa, o cardeal eleito é questionadopelo cardeal decano por que nome quer ser chamado.

Até o ano 532, narra a plataforma,todos os sucessoresde São Pedro (apóstolo de Jesus Cristo, consideradoo primeiro Papa), usaram seus nomes de baptismo.Além do nome, indicava-se a sua procedência: AnacletoRomano, Evaristo o Grego, Lino de Tuscia.

Entretanto, tudo mudou quando, em 31 de De-zembro de 532, um homem eleito Papa chama-va-se Mercúrio.

Mercúrio era, de acordo com “Aleteia”, um nomepagão (é o nome romano do deus grego Hermes). Emfunção disso, o novo Sumo Pontífice teve de trocarde nome. Passou a chamar-se João II, em honra aoseu predecessor, João I, um mártir.

A partir desse momento, muitos dos seus su-cessores o imitaram e começaram a trocaro nome de baptismo pelo dos Apóstolos,mártires ou outros papas.

Desde então, apenas dois papas man-tiveram o seu nome de baptismo:Adriano VI e Marcelo II.

Até hoje, os nomes mais usadosforam João (23), Gregório (16),Bento (16), Clemente (14), Ino-cêncio (13), Leão (13) e Pio (12).

Troca de nome

DR

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REFLEXÕES22 Domingo19 de Abril de 2020

GUIMARÃES SILVA | EDIÇÕES NOVEMBRO

Guimarães Silva

As notícias que correm omundo, as estatísticas e que-jandos dão a ver um quadropouco abonatório. A Covid19 chega a todos os paíseslevando a sua carga mortí-fera, que não escolhe es-tratos sociais , sendo todosnós, por isso, vulneráveis,confinados a programas deretenção, contrariando há-bitos e rotinas, como o tra-balho, o lazer e modusvivendi comunitário.

O tempo é de luta contrao inimigo invisível que im-pende contra nós a sua von-tade e domínio. O confronto,no entanto, é de todos, oque implica afastar precon-ceitos, sobretudo em relaçãoa área de alcance geográfica,velocidade de actuação, con-dição climática e poder dedestruição. Ele dá mostrasque é impiedoso. A Covid-19 tem de ser contida, maisa mais, quando é ponto as-sente que medidas preven-tivas, por ora, são as melhoresbarreiras e estão ao alcancede todos. Cumpri-las à riscaé a solução.

Cá por casa, o conheci-mento das peripécias do vírusé generalizado, conquantodiscursos políticos e a actua-lização diária de dados atin-gem espaços recônditos,embora subsistam interro-

gações sobre a interiorizaçãoda informação, sobretudo so-bre a que tem de ver com oscuidados a ter em atenção.

Luanda, a capital comaproximadamente 7,7 mi-lhões de habitantes, segundodados da Organização dasNações Unidas (ONU), é ocerne de casos positivos dapandemia e, igualmente, ba-rómetro que nos permiteavaliar o quanto andamos,sobretudo nestes dias de Es-tado de Emergência, que visatão somente proteger os ci-dadãos, um papel inequívocodo Estado, que afinal somostodos nós.

A periferia de Luanda, porsinal o espaço mais vulne-rável da urbe, o que acarretacuidados acrescidos, confinaalguns compatriotas que an-dam a leste das informaçõesà disposição. Os aglomeradosque deviam ser evitados,porque a proximidade facilitaa contaminação, insistemem manter corpo. A “inva-são” às ruas continua umatropelo, o apelo à necessi-dade do retiro, em algumasparagens, é simplesmentenegligenciado!

O conhecimento do as-sunto é dado adquirido, masalguns cidadãos da cidadegrande violam regras básicas;uns porque habituados aconvívios, reuniões de ami-gos e outros caprichos do vi-

ver em comum. Quando interpelados,

surge o berreiro: “ Então voucomer o quê?”; “ Vamossentar em casa, as criançasvão comer o quê?”; “ Ohmano, a minha mesa precisade comida”. Até gente es-clarecida, no seu atropelo,grita” ficar em casa é umgenocídio. A população vaicomer quê”. Estes são ape-nas alguns discurso nocivos,que infelizmente o homemda media tem que suportarpor Luanda adentro.

Cacuaco, o municípiopiscatórioO papel pedagógico da PolíciaNacional nesta parte deLuanda tem sido exemplar,com recurso a meios móveise de exortação em massa,com um discurso gravado ereforçado com um amplifi-cador de som para informa-ção e dissuasão à população;

apelando ao regresso às re-sidências, dando a conhecer,pontualmente, dos perigosdo deambular pelas ruassem motivo aparente.

As mensagens de dissua-são da Polícia Nacional, viaamplificador de som,são bas-tante elucidativos : “Caroscidadãos, facilitem o pro-cesso, fiquem em casa”; “Enquanto durar o Estado deEmergência, não saiam decasa”; “ A venda desordenadana via pública está proibida”;para só citar estas.

As praias estão sem o ha-bitual movimento frenéticodos banhistas, o mesmoacontece com o encerra-mento dos restaurantes quepreenchem o espaço balnear.Os bancos acompanham oempenho, orientando osclientes a manter distâncianecessária de um metro oumais na aquisição dos seusprodutos. Outra nota quesalta à vista prende-se coma venda aos magotes de más-caras artesanais feitas de pa-nos de várias cores nomercado do Quicolo.

Contudo, o fluxo de gentepara o mercado de peixe“mundial” em Cacuaco é sin-tomático, pela procura depescado em grande escala.Revendedores deste produtodos bairros Paraíso, Pedreira,Vidrul, Boa-Esperança, VilaSede, Ecocampo, Belo Monte;

: “Caroscidadãos,facilitem oprocesso,

fiquem em casa”;“ Enquanto

durar o Estado de Emergência, não saiamde casa”

CRÓNICA

A luta continua contra a Covid-19

em grande número, afluemao mercado de peixe, con-formando um aglomerado depessoas sem precedentes.

Alguns táxistas insistemem violar recomendaçõessobre o número de passa-geiros, mas encontram apronta resposta dos regula-dores de trânsito. Em con-tra-mão estão igualmenteos moto-taxistas que insis-tem em transportar passa-geiros contrar iando as

medidas de prevenção.Mercados de ocasião, a

exemplo do localizado na pe-donal azul ao lado do famosotanque de Cacuaco, são igual-mente um bico de obra; comconstantes correrias das ven-dedoras sempre que as forçasde ordem marcam presença,numa demonstração mus-culada, que só facilita a Co-vid-19, o inimigo invisívelque deve ser exterminado.Abaixo o Coronavírus.

GUIMARÃES SILVA | EDIÇÕES NOVEMBRO

DR

O coronavírus infelizmente prossegue a sua invasão ao ciclo de vida do homem. Este, por seu lado, tenta a todocusto redobrar esforços com o permanente intercâmbio de informações e, acima de tudo, o recurso a medidaspreventivas, como condição sine qua non para manter a espécie em pleno século XXI. Por isso, a luta continua…