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    ENGENHEIROS DE ALMAS —o stalinismo na literatura de Jorge Amado e Graciliano Ramos— 

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    Engenheiros de Almas (1886) —o stalinismo na literatura

    de Jorge Amado e Graciliano Ramos— Janer Cristaldo (1947– )

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    Fonte digitalDocumento do Autor

    Copyright©2000-2006 Janer Cristaldo

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    ENGENHEIROS DEALMAS

     —o stalinismo na literatura de Jorge Amado eGraciliano Ramos— 

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    In memoriam

     

    Panaïti Istrati,

     o primeiro a desconfiar

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    Í N D I C EEm busca de uma nova religiãoLiteratura vira panfletoAmado importa Zdanov

    A onipresença do novo deusVelho Graça vê o Menino

     Tudo que é sólido se desmanchano arAnexosBibliografia

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    Proletariado nosso que estás na terra,bendito seja teu nome,seja feita tua vontade,

    venha a nós o teu poder.(Início da prece revolucionária dos“Construtores de Deus”, movimentofundado por Gorki e Lunatcharski)

     

    Salut à toi,Parti, ma famille nouvelle

    Salut à toi, Parti, mon père désormaisJ’entre dans ta demeure où la lumière est

    belleComme un matin de premier mai!

    Louis Aragon, Mon parti lumineux , 1960

     

    Mestre, guia e pai, o maior cientista domundo de hoje, o maior estadista, o maiorgeneral, aquilo que de melhor a humanidadeproduziu. Sim, eles caluniam, insultam erangem os dentes. Mas até Stalin se eleva oamor de milhões, de dezenas e centenas demilhões de seres humanos. Não há muito elecompletou 70 anos. Foi uma festa mundial,seu nome foi saudado na China e no Líbano,na Rumânia e no Equador, em Nicarágua e naÁfrica do Sul. Para o rumo do leste sevoltaram nesse dia de dezembro os olhos e as

    esperanças de centenas de milhões dehomens. E os operários brasileirosescreveram sobre a montanha o seu nome

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    luminoso. Jorge Amado, O Mundo da Paz , 1951

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    EM BUSCA DE UMA NOVA RELIGIÃO 

     Joseph Vissarionovitch Djugatchivili, ex-seminarista sem maiores luzes, teve umainfluência na literatura deste século, com a qual

     jamais sonharia em seus dias de menino naGeórgia. Sem ser pensador, filósofo, teórico daliteratura ou criador de sistemas, determinoudurante décadas o que era ou não era arte, na

    União Soviética e no mundo todo ocidental.Latino-americanos sempre à reboque do que sepensa na Europa, não escaparíamos à ditaduramental da religião laica que oprimiu o século.

    Ao fechar as portas do século passado, ohomem ocidental, se olhasse para trás, veria umilustre cadáver putrefato, o cadáver do Deuscristão. Nietzsche, pouco antes de mergulharnas trevas de sua loucura, já anunciara suamorte pela boca de Zaratustra. Ao descer damontanha, “enfastiado de minha sabedoria comoa abelha que acumulasse demasiado mel”,Zaratustra encontra um santo no bosque

    tecendo cânticos a Deus. Mas “será possível queeste santo ancião ainda não tivesse ouvido emseu bosque que Deus já morreu?”

    Nietzsche penetra em sua noite particular,não sem antes decretar sua Lei contra oCristianismo, datada do “dia da Salvação,primeiro dia do ano Um (a 30 de setembro de

    1888, pelo falso calendário)”, onde propugna aexpulsão do cristianismo não apenas da Europa,mas da História:

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    “O lugar de maldição onde o cristianismochocou os seus ovos de basilisco serácompletamente arrasado, e sendo sobre a terra olocal sacrílego, constituirá motivo de pavor paraa posteridade. Aí serão criadas serpentes

    venenosas”.Nietzsche assina-se então Anticristo.

    Simbolicamente, morre com o século,pressentindo o odor abominável que exala ocadáver de um deus insepulto. Freud também opressentia e escreve — em 1927 — em O Futuro

    de uma Ilusão:“Se quisermos expulsar de nossa

    civilização européia a religião, não se poderáchegar a isso senão com a ajuda de um novosistema doutrina, e este sistema, desde suaorigem, adotará todas as característicaspsicológicas da religião: santidade, rigidez,intolerância e a mesma proibição de pensar,como autodefesa”.

    Que mais não fosse, em O Idiota, atravésda boca do príncipe Mychkine, o ortodoxoDostoievski há muito previra que o catolicismoromano originaria um socialismo ateu. Ateu em

    relação ao Deus dos céus e dos infernos, masreligioso em relação ao homem enfim divinizado.Morto o Deus judaico-cristão, deus nenhumoutro à vista para sucedê-lo, o homem ocidental,órfão e carente de fé, irá criar um deus vivo.

    Os russos, excitados talvez pelo

    messianismo chauvinista e anti-semita deDostoievski, já andavam procurando o seu. Porvolta de 1850, Vladimir Soloviev erige omovimento revolucionário “Os Buscadores de

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    Deus”, que acaba não achando nada. Mas asemente está lançada. Será após o fracasso darevolução de 1905, que Maxim Gorki eLunatcharski (futuro escritor oficial da erastaliniana) fundarão o movimento “Os

    Construtores de Deus”.Gorki, que julgava a mentira necessária

    contra as “verdades nefastas”, diz em uma cartade 1908, dirigida a Gregor Alexinski, que o“socialismo deve se transformar em culto”. Em AMãe, escrito nos Estados Unidos em 1906, um

    militante diz aos operários em cortejo: “nossaprocissão agora marcha em nome de um deusnovo”. Em uma novela de 1908, A Confissão, oincipiente deus já ensaia seus poderes: àpassagem de uma manifestação de operários,um paralítico deitado em uma maca se levanta eanda. E antes de morrer (suspeita-se que

    assassinado por seu “Deus”), Gorki afirma:“Lá onde reina o proletariado não há lugar

    para uma querela entre o saber e a fé, pois a féneste caso é o resultado do conhecimento pelohomem do poder da razão”.

    Os tempos estão maduros para a

    emergência da nova fé. Marx e Engels fornecemo Livro, pois toda religião que se preze sefundamentará em um livro. Os revolucionáriosde 17 conquistam um território. Só falta o Deusfeito carne. Em Gori, na Geórgia, nasce oMenino.

    A partir da década de 30, em plenaascensão de Stalin — pois assim decidiuchamar-se o menino de Gori — constituíasacrilégio, para um escritor, não pertencer ao

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    Partido Comunista. Enquanto os defensoresincondicionais da “Idéia” gozavam de privilégios,viagens iniciáticas, traduções e gordos direitosde autor, em função de suas adesões ao novoculto, heréticos como Panaïti Istrati ou André

    Gide eram condenados ao ostracismo. Comopano de fundo desta intervenção ideológica nocampo da estética, imperava o arbítrio dohomem “de aço”, pois assim se traduz Stalin dorusso. Qualquer semelhança com Clark Kent — a identidade secreta do Superman ianque — nãopassará de mera coincidência.

    Como todo seminarista que perde a fé,Stalin intuía o vazio deixado pela ausência deDeus. Morto Lênin, toma posse do cargo. Eorganiza seu culto. Em ensaio publicado em OEstado de São Paulo, Christian Jelen e BankiLazitch nos fazem um resumido inventário das

    fórmulas e metáforas empregadas na ladainhado novo Deus:

     — O guia imortal da humanidade — Nossa luz — Grandioso edificador do comunismo — Genial continuador de Marx, Engels e

    Lênin — O maior titã de todos os tempos — Gigante do pensamento e da ação — Mestre incomparável da ciênciamarxista

     — O cérebro mais poderoso de nossaépoca

     — O senhor dos rios — Nossa fonte de luz e energia — O melhor amigo dos judeus

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     — Corifeu das ciências — Sabedoria, honra e consciência denossa época

     — O prodigioso cérebro em que sereúnem todas as experiências

    revolucionárias que o proletariadorealizou durante um século

     — Sol da verdade — Arco-íris da humanidade progressista

    Etc., etc., etc. Ad nauseam. Os pronomesque o designavam, como nos textos cristãos, são

    grafados, em meio à frase, com maiúsculas: Ele,Lhe, O, Seu. Stalin é o maior filósofo de todos ostempos, o mais bravo dos combatentes, o maiorpersonagem de cinema, o mais sábio lingüista, oagrônomo por excelência. As vacas dão maisleite com Seu pensamento, os campos produzemmais trigo, os rios não são mais senhores de

    seus cursos. Superman não faria melhor.Moscou, para os crentes órfãos do deus

    hebraico-cristão, torna-se a Terra Prometida, aNova Jerusalém. Os melhores cérebros domundo, peregrinos, em procissão, vão adorar onovo Messias. Entre os criadores do Ocidente,

    coube principalmente aos escritores — definidospor Zdanov como “engenheiros de almas” — fornecer a maior fatia de apóstolos da novareligião.

    A lista demandaria páginas e páginas.Alguns nomes, entre milhares: NikosKazantzakis, André Gide, Bertold Brecht, Jean-

    Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Annie Kriegel,Louis Aragon, Henry Barbusse, Romain Rolland,Heinrich Mann, Paul Eluard, Vaillant-Couturier,

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    Roger Garaudy, Henri Léfebvre, Rafael Alberti.

    Na América Latina, sem querer esticarmuito a relação: Pablo Neruda, Otávio Paz, JorgeAmado e Graciliano Ramos. Verdade que destalista alguns nomes irão cair, é o caso de Gide eOtávio Paz. Mas os demais permaneceram cegosante a evidência dos fatos e morreram stalinistasferrenhos, ou ainda vivem, confusos crentesincapazes de mudar de crença.

    Poucos homens representativos das letrasdesta primeira metade do século tiveram

    suficiente lucidez para escapar ao fascínio donovo Deus. Entre estes, Pierre Pascal, PanaïtiIstrati, David Rousset, Arthur Koestler, GeorgeOrwell, Victor Serge, Albert Camus, ErnestoSábato. Todos pagaram seu preço. Na Europa e,conseqüentemente, entre nós, extensão daEuropa, tiveram decretadas suas mortes civis e

    uma espécie de excomunhão os baniu — outentou banir — do mundo intelectual.

    O caso de Panaïti Istrati, escritor romenode expressão francesa, é dramático. Convidadopara os festejos do décimo aniversário daRevolução, em 1927, encontra-se em Moscou

    com o cretense Nikos Kazantzakis, místicoapaixonado por Cristo, Buda e Lênin. Istrati, ohaidouc   autor de romances telúricos como OsCardos do Barragan, Kyra Kyralina, TioÂngelo, é o primeiro escritor ocidental asuspeitar — e denunciar — que algo erradoocorria na Rússia de Stalin.

    Em 1929, Istrati publica Vers l’autreflamme, primeira denúncia do stalinismo no

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    Ocidente. A recusa ao novo dogma é tãotraumática que, tendo seu livro publicado emParis, em 1929, uma segunda edição só surgiriana mesma cidade em 1980. Suas ObrasCompletas  são publicadas pela Gallimard,exceto Vers l’autre flamme, cujos originaislevam Romain Rolland, seu padrinho literário emParis, a aconselhá-lo:

    “Isto será uma paulada a toda Rússia.Estas páginas são sagradas, elas devem serconsagradas nos arquivos da Revolução Eterna,

    em seu Livro de Ouro. Nós lhe estimamos aindamais e lhe veneramos por tê-las escrito. Mas nãoas publique jamais”.

    Não foram muitos os escritores a intuirque não se estava precisamente ante umarevolução, mas ante uma nova religião. Entreestes, poucos foram tão precisos na denúncia donovo dogma como Nikos Kazantzakis. No relatode sua peregrinação à Rússia — Voyages — Russie  —, diz o cretense que pouco a pouco aluz se fazia em seu espírito. Para ele, todos osapóstolos do materialismo davam às questõesrespostas grosseiras, de uma evidência

    simplista. Como em todas as religiões, elesbuscavam divulgar essas respostas, tentandotorná-las compreensíveis para o povo.Kazantzakis reconhece então, na Rússia, aexistência de um exército fanático, implacável,onipotente, constituído de milhões de seres, quetinha em mãos e educava como bem entendiamilhões de crianças.

    Este exército, diz o cretense, possui seu

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    Evangelho, O Capital. Seu profeta, Lênin. Eseus apóstolos fanatizados que pregam as BoasNovas a todas as gentes. Possui também seusmártires e heróis, seus dogmas, seus padresapologistas, escolásticos e pregadores, seus

    sínodos, sua hierarquia, sua liturgia e mesmo aexcomunhão. E sobretudo a fé, que lheassegurava deter a verdade e trazia a respostadefinitiva aos problemas da vida.

    Não há apenas um Livro — acrescentaríamos —, como também os livros

    apócrifos. Assim como a Igreja Romana censuraos testemunhos gnósticos que não servem à suaambição de poder, assim censurou-se atémesmo a obra de Marx na finada UniãoSoviética. “Nós somos contemporâneos — dizKazantzakis — deste grande momento em quenasce uma nova religião”.

    Albert Camus é outra voz solitária adenunciar o caráter eclesial da nova idéia. Oproletariado — diz Camus tentando entender omarxismo — “por suas dores e suas lutas, é oCristo humano que resgata o pecado coletivo daalienação”.

    Sua percepção do caráter religioso domarxismo é continuamente retomada em seusensaio mais ambicioso, L’Homme Revolté:

    “O movimento revolucionário, ao final doséculo XIX e ao começo do século XX, viveucomo os primeiros cristãos, à espera do fim domundo e da Parusia do Cristo proletário”.

    “A revolução russa permanece só, vivacontra seu próprio sistema, ainda longe das

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    portas celestes, com um apocalipse a organizar.A Parusia se afasta ainda mais. A fé restaintacta, mas ela se curva sob uma enormemassa de problemas e de descobertas que omarxismo não havia previsto. A nova igreja está

    de novo diante de Galileu: para conservar a fé,ela vai negar o sol e humilhar o homem livre”.

    A nova religião nascera e os intelectuais doOcidente, os lúcidos entre os lúcidos, caíramcomo patinhos no engodo. Este é o grandeenigma que cerca o fenômeno Stalin: como foi

    possível que espíritos abertos e generosos daépoca se tornassem cúmplices e devotos desteformidável assassino? Ou talvez não fossem tãolúcidos, nem tão abertos nem tão generosos, esim pobres crianças em busca de um novo pai?Não será por acaso que a ladainha maisfreqüente entoada a Stalin é a de Paisinho dos

    Povos.Desde então, sete décadas rolaram sob as

    pontes. Houve os gulags (que datam de 1918, ébom lembrar), as primeiras purgas de 1935, opacto Stalin/von Ribbentrop, de 1939, a affaire Lyssenko, de 1949, e o XX Congresso do PCUS,

    em 1956, année-charnière . Interrompido o sonhoquiliasta dos intelectuais deste século, o finaldos anos 50 assistiu a um congestionamento naestrada de Damasco. Não poucos escritoresrefizeram ou tentaram refazer suas obras,renegaram livros e suprimiram poemas de suasantologias.

    Falar de realismo socialista na literaturabrasileira é falar da história do PC no Brasil,partido que, desde sua fundação, em 1922,

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    poucos anos teve de vida legal, entre os quais sedestaca o período de 1947 a 1949, tendo depoisemergido da clandestinidade em 1985. Criticar orealismo socialista, método de trabalho dosescritores-militantes de um partido clandestino,

    era atitude interpretada como delação. Por outrolado, em função deste clima de opressãointelectual, os escritores comunistas raras vezestiveram ocasião de defender publicamente suasidéias no Brasil, fato rotineiro em países comoAlemanha, França ou Itália.

    Do que decorre uma outra circunstânciatambém nefasta para o pesquisador: se umescritor não tem a oportunidade de defenderpublicamente uma doutrina, tampouconecessitará negá-la quando a evidência dos fatosdesmente determinadas teorias. Assim, nãotemos na história das idéias no Brasil polêmicas

    férteis como a de D’Astier de la Vigerie comAlbert Camus, as affaires   Lyssenko eKravchenko, os depoimentos de Panaïti Istratisobre a União Soviética, as reflexões de ArthurKoestler, Ignazio Sillone, Richard Wright, AndréGide, Louis Fischer e Stephen Spender em Le

    Dieu des ténébres. O trabalho desenvolvido porDavid Caute nos Estados Unidos e na Europa,The Great Fear  e Le Communisme et lesintellectuels français, só foi feito no Brasiltardiamente, por John. W. F. Dulles, emAnarquistas e Comunistas no Brasil  e OComunismo no Brasil. Há nas ditaduras umaburrice intrínseca que, ao proibir a livreexpressão de pensamento, concede uma aura demartírio aos defensores de idéias obsoletas.

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    Neste Brasil de hoje, em que ninguém éencarcerado por suas convicções filosóficas,políticas ou ideológicas, é oportuno detectar osefeitos do zdanovismo na obra de seu introdutore bem mais sucedido intérprete no Brasil. Como

    uma análise de todos os romances de JorgeAmado em que esta tosca teoria se manifestaseria por demais tediosa e redundante, fixamo-nos em Os Subterrâneos da Liberdade,“totalmente influenciado pelo stalinismo”,conforme declara o próprio autor. Desta trilogia,

    escolhemos Os Àsperos Tempos para nele isolaro maniqueísmo decorrente de tal concepçãoestética em alguns de seus personagens.

    Dezenas de outros escritores tentaram osmesmos rumos, e as atuais novelas da TV Globo

     — Dias Gomes que o diga — muito devem àsteorias zdanovistas. Perseguir a fórmula em

    todas estas manifestações estéticas seriaredundante. Dedicaremos ainda um capítulo aum escritor talentoso, Graciliano Ramos. Mesmopretendendo resistir ao canto de sereia, acaboucapitulando pela pressão de seuscontemporâneos.

    Quanto às teorias que embasam boa parteda obra de Amado, citaremos o discurso deAndrei Zdanov, pronunciado no I Congresso deEscritores Soviéticos, realizado em Moscou, em1934, e textos outros anteriores a estecongresso. Para não afastá-los ainda mais dostextos originais russos, são mantidos em

    espanhol, língua pela qual a eles tivemos acesso,através da antologia Estética y Marxismo, deAdolfo Sánchez Vázquez.

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    LITERATURA VIRA PANFLETO 

    A história é longa. Ao desterrar os poetasde sua República — com exceção daqueles quecompusessem hinos aos deuses e heróis — Platão, há mais de dois milênios, certamente nãoimaginaria estar assumindo o papel de teóricoavant la lettre   de uma doutrina estética queconstituiu formidável camisa-de-força para os

    criadores da primeira metade deste século e atéhoje asfixia as manifestações artistícas empaíses como Cuba ou China, o realismosocialista. Ou sozrealism , para os iniciados.

    Platão à parte, a nova teoria vinha sendonutrida pelas resoluções do Partido Comunistada União Soviética (vide anexos 1 e 2), pelasidéias estéticas de Plekhanov, Lênin, Bukharin,Klebnikov, Derjavine, Polianski, Bogdanov,Lunatcharski, Fadéev, Sholokov e mesmo porum criador poderoso como Maxim Gorki. Naintrodução a  El Realismo Socialista enLiteratura y el Arte, M. Parjómenko e A.

    Miasnikov nos dão uma primeira idéia da novateoria.

    “Quizás una de las más maravillosasrealizaciones del marxismo-leninismo sea habercambiado en el hombre de filas la visión de lahistoria y del mundo actual. Los clásicos delmarxismo-leninismo han demostrado queexisten unas determinadas leyes de la historia,que esas leyes se pueden conocer y que,apoyándo-se en ellas, el hombre puede

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    inmiscuirse en el proceso histórico e influir en elcurso de la historia. Cómo hán hecho cambiarestos descubrimientos de la sicología de loshombres! Estos se han sentido fuertes,poderosos. Han adquirido conciencia del

    optimismo histórico.“Este optimismo histórico distingue a los

    mejores personajes del arte y la literatura delrealismo socialista: son personas que arden endeseos de hacer la historia y la hacenprácticamente, consideran el mundo como

    dueños y señores de el, como sus constructores,que se han planteado el objetivo detransformarlo para hacer feliz al hombre, parahacer del globo terrestre ‘una maravillosavivienda de la humanidad, unida en una solafamília’ (Máximo Gorki).”

    Para os compiladores destes textos, a luta

    socialista e os ideais do comunismo formaramum novo tipo de artista, que participa na batalhapelos corações e mentes de milhões de pessoas.Sua maneira de ver a liberdade de criação não éa mesma do “artista burguês”. Sua arteproduzirá um novo arquétipo, o personagem

    positivo. Não será exatamente um personagem“ideal”, mas suas características pessoais e ostraços dominantes de seu mundo espiritualdevem sempre “tender” ao ideal:

    “En el desarrollo de los hermosos rasgos ycualidades del personaje positivo, que no sólo semanifiestan en su mentalidad, sino también en

    sus obras, ve el lector la más convincenteprueba de que semejante camino es real yposible para él mismo. Ese es el ‘secreto’ de la

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    fuerza educativa del personaje positivo, de esaacción educativa sobre el lector que hace a laliteratura soviética participante de la formacióndel nuevo hombre de la sociedad comunista y lepermite educar mediante la veracidad y la

    belleza de las imágenes literarias”.Em suma, uma arte catequética. Segundo

    os antólogos, seriam quatro os seus princípiosfundamentais:

    1) a arte reflete a realidade e ouveatentamente a “linguagem do objeto” pintado, do

    qual falou Marx.2) o artista que possui talento e uma

    determinada concepção do mundo não é ummédium passivo, que deve unicamente escutar etransmitir o que a vida lhe oferece. Deve, istosim, recriar o visto, reproduzir a vida comespírito criador, contrapondo o existente comseu ideal do que deve ser.

    3) a obra de arte não é uma cópia da vida,uma repetição, mas uma “realidade estética”particular, um instrumento de conhecimento,estudo e transformação da vida.

    4) a verdadeira obra de arte existe apenas

    quando revela aos homens algo novo, enriqueceseus sentimentos, sua inteligência e vontade enelas desperta o artista.

    O realismo socialista é visto porParjómenko e Miaskinov como “método único decriação”. Que mais não fosse, está

    regulamentado pelos Estatutos da União deEscritores Soviéticos, nos quais se lê que orealismo socialista “ofrece a los escritores

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    posibilidades máximas de creación libre einiciativa en la esfera del contenido y de laforma, para la manifestación de laspeculiaridades individuales de su talento,presupone riqueza y variedad de procedimientos

     y estilos y contribuye a la innovación en todoslos domínios de la creación artística.”

    Em meio à fracassada revolução de 1905,Lênin já antecipava as bases da nova teoria. Aliteratura deve adquirir um caráter partidário.

    “Em qué consiste este principio de la

    literatura del Partido? No consiste solamente enque literatura no puede ser para el proletariadosocialista un medio de lucro de individuos ogrupos, ni puede ser, en general, obraindividual, independiente de la causa proletariacomún. Abajo los literatos apolíticos! Abajo losliteratos superhombres! La literatura deve ser

    una parte de la causa proletaria, deve ser “rueda y tornillo” de un solo y gran mecanismo social-demócrata, puesto en movimiento por toda lavanguardia consciente de toda la clase obrera.”

    Mas não basta, para Lênin, que aliteratura esteja a serviço do Partido. A seu

    serviço também devem estar a imprensa, aseditoras e seus depósitos, as livrarias, salas deleitura, bibliotecas e distribuidoras depublicações. O próprio escritor deve fazer partedas organizações do Partido. Aos que possamtemer pela subordinação ao interesse coletivo dealgo tão delicado e individual como a criação

    literária, Lênin adverte:“Tranquilizaos, señores! En primer lugar,

    se trata de la literatura del Partido y de su

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    subordinación al control del Partido. Cada unoes libre de escribir y de hablar cuanto quiera, sinla menor cortapisa. Pero toda asociación libre(incluido todo partido) es también libre paraarrojar de su seno a aquellos de sus miembros

    que utilicen el nombre de un partido parapropugnar puntos de vista contrarios a éste. Lalibertad de palabra y de prensa deve sercompleta. Pero también debe serlo la libertad deasociación. Yo tengo la obligación de concedermea mí, em nombre de la libertad de asociación, elderecho a concertar o anular una alianza conquienes se expresan de tal y tal manera.”

    Ou seja, a liberdade de criação deve ceder,caso se encontre em conflito com a liberdade deassociação. Vladimir Illich Ulyanov não conseguetranqüilizar-nos. Seu dogmatismo seráendossado por um ilustre remanescente da

    época tzarista, Maxim Gorki.Místico e revolucionário, ativo participante

    da abortada revolução de 1905 (sua detençãoprovocou protestos internacionais), Gorki será oúnico escritor de sua geração a ajustar sualiteratura aos ideais da Revolução de 17,

    passando a defender, mais tarde, os princípiosdo realismo socialista, atitude indubitavelmentedecorrente de seus encontros com Lênin emCapri, nos anos de 1908 e 1910.

    Antes do primeiro encontro, Gorki acabarade publicar A Mãe, romance hoje consideradocomo modelo de narração social revolucionária.

    Com a divulgação de suas obras nos meiosoperários, Gorki torna-se praticamente umsímbolo da Revolução de 17, da qual foi

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    colaborador infatigável no campo cultural. Épreciso, no entanto, voltarmos alguns anosatrás, para melhor captar este culto de Gorkipelo proletariado.

    Surgiu na Rússia, em 1850, um grupoconhecido como os “Buscadores de Deus”, quetentava conciliar a idéia de Deus com a lutarevolucionária. Em Lénine, l’art et larévolution, escreve Jean-Michel Palmier:

    “Ce mouvemente était, à l’origine, lié à lapoésie et à la philosophie, plus particulièrement

    à l’oeuvre de Vladimir Soloviev. Le mouvementpar la suite se radicalisa: certains voulurent unirplus étroitement la religion et le socialisme en ledivinisant. Ainsi naquit le mouvement desConstructeurs de Dieu. Les premiers — lesChercheurs de Dieu — restaient fidèles auchristianisme traditionnel, alors que les‘constructeurs’ étaient en quête d’un Troisiéme

     Testament, cherchant à édifier un Dieunouveau, social et socialiste, à partir de tous lesefforts de l’humanité.”

    Em 1908, Gorki publica Uma confissão,longo poema em prosa descrevendo uma vida e

    uma busca de Deus, reflexo de sua crisereligiosa decorrente da influência de Tolstoi. Maseste “Deus” ainda não existe e seus construtoressão, para Lunatcharski e Gorki, os operários dasfábricas. Assim é que, no artigo “ÓciosLiterarios”, Gorki afirma:

    “La historia impone a los escritores de laUnión de Repúblicas Socialistas Soviéticas latarea y el deber de crear una literaturaverdaderamente universal. Debe ser una

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    literatura capaz de emocionar profundamente alproletariado de toda la tierra y de formar en él laconciencia revolucionaria de su razón. Poseemosmaterial para crear una poesia y una prosa dealto valor, poseemos un material absolutamente

    nuevo, que la valentía revolucionaria con queactúan los obreros y los campesinos y elmultifacético talento que unos y otros ponen demanifiesto han creado y siguen creandoincesantemente. Es el material de una victoriadel proletariado y de la afirmación de sudictadura. El sentido y la importancia históricamundial de esa victoria excluyen por completode nuestra literatura el tema de ladesesperación, de la insensatez de la existenciadel individuo, el tema del sufrimiento,santificado por esa archinociva mentira que es elcristianismo.”

    Em seu informe para o I Congresso dosEscritores da URSS (1934), Gorki considera queo personagem principal da nova literatura deveser o trabalho, “ es decir, el hombre organizadopor los procesos del trabajo, pertrechado ennuestro país de toda la fuerza de la técnicamoderna; el hombre que, a su vez, organiza untrabajo más productivo, elevándolo al rango dearte.”

    O informe deste buscador de Deus nãopoderia deixar de terminar com um toquemessiânico:

    “El realismo socialista afirma la vida como

    acción, cuya finalidad es el desarolloininterrumpido de las más valiosas facultadesindividuales del hombre, en aras de su victoria

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    sobre las fuerzas de la naturaleza, en aras de susalud y longevidad, en aras de la gran dicha devivir en la tierra, que él, en correspondencia conel incesante crecimiento de sus necesidades,quiere cultivar toda como hermosa morada de la

    humanidad, unida en una sola familia...”No ano seguinte ao I Congresso, Gorki

    escreverá a A. S. Scherbakov:

    “El realismo de la literatura burguesa escrítico, pero tan sólo en la medida en que lacrítica es necesaria para la ‘estrategia’ de clase,

    para verter luz sobre los errores de la burguesiaen la lucha por la estabilidad del poder. Elrealismo socialista está orientado a lucharcontra los vestigios del ‘viejo mundo’, contra suinfluencia deletérea, y a extirpar esa influencia.Pero sua tarea principal consiste en estimular laconcepción y percepción del mundo socialistas,

    revolucionarias.”Para Anatoli Lunatcharski, outro buscador

    de Deus, a tarefa da literatura sempre foiorganizar a classe cujos interesses expressa. Oconceito de literatura está intimamente ligado aode classe.

    “Incluso cuando la literatura sedenominaba a sí misma arte por el arte y sedeslindaba escrupulosamente de cualquierobjetivo político, religioso o cultural, en realidadservía al logro de ese objetivo, ya que la llamadaliteratura pura es también un reflejo concreto deun estado concreto de la clase que la promueve.”

    O realismo socialista, para Lunatcharski,assim como a filosofia para Marx e Engels, temseus fundamentos na práxis: “El quid de la

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    cuestión reside en que el realismo socialista esactivo. No simplemente trata de conocer elmundo, sino que tiente a transformarlo”.Distingue-se do romantismo, mas ao mesmotempo com ele se confunde:

    “Sin embargo, nuestro romanticismo esparte del realismo socialista. Este, en ciertamedida, es inconcebible sin cierta dosis deromanticismo. Eso es lo que lo distingue de unafría consignación de los hechos. Es realismo máentusiasmo, realismo más combatividad. En los

    casos en que ese entusiasmo y esa combatividadpredominan, cuando, pongamos por caso, sepone en juego con fines satíricos la hipérbole ola caricatura; cuando pintamos el futuro, quetodavia no conocemos realmente, o cuandodamos forma definitiva a un tipo que en la vidaaún no la tiene y presentamos de cuerpo entero

    al hombre que queremos forjar, damospreferencia, naturalmente, al elementoromantico.”

    A arte — soviética, por enquanto — estáinsatisfeita com a realidade, que transformá-la epensa que pode fazê-lo. “El país al que de vez en

    cuando agrada trasladarse, para descansar yfortalecerse, es el futuro.”

    Para completar este quadro, mais umapincelada de Alexandr Fadéev:

    “Marx, Engles y Lenin comprendían porrealismo artístico la proximidad a la verdadhistórica objetiva, la revelación de aspectosesenciales de la realidad, la denuncia valerosade las contradicciones, la intrepidez para ‘quitartodas las caretas’ con que las clases

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    explotadoras trataban de encubrir la verdaderaesencia explotadora de su dominación, y, almismo tiempo, un audaz vuelo del pensamiento,un revolucionario y apasionado sueño basado enla realidad, que había de verse cumplido en el

    mañana. Desde este punto de vista, el impulsoromántico hasta el futuro es uno de los aspectosdel verdadero realismo.”

    À guisa de conclusão destas tautologias,escreve ainda Fadéev:

    “La tendencia dominante en la literatura

    soviética es el realismo socialista. Por qué?Porque según la interpretación marxista-leninista, el verdadero realismo artístico es lacreación cercana a la verdad histórica y capaz dever la tendencia principal del desarrollo de larealidad en su lucha contra las fuerzas de loviejo. Por qué ese verdadero realismo es en

    nuestros dias el realismo socialista? Porque elartista contemporáneo que pinta verazmente larealidad a la luz de la tendencia principal denuestra época pinta esa realidad desde lasposiciones del socialismo.”

    Com exceção da carta de Gorki a

    Scherbakov, estes textos antecedem aintervenção de Andrei Zdanov, aos 17 de agostode 1934, por ocasião do I Congresso deEscritores da União Soviética, realizado emMoscou. Se as teorias literárias são em geralposteriores às obras que pretendem elucidar e

     jamais têm data de vigência, o inverso ocorre

    com o realismo socialista. Suainstitucionalização ocorre neste congresso, comopalavra de ordem aos seiscentos delegados do

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    mundo todo lá presentes.

    Com um breve e encomiástico discurso,onde “nosso chefe e mestre, o camarada Stalin” éinvocado nove vezes, Andrei Zdanov vide anexo3) decreta as bases da doutrina que castrará porbem mais de meio século, toda e qualquermanifestação literária, teatral, pictórica oucinematográfica na União Soviética. Escritor quediscordar da cartilha zdanovista é ostracisado e,se permitir a publicação de seus livros noexterior, será internado em hospitais

    psiquiátricos.Permanecesse este vírus circunscrito àgeografia que o gerou, teríamos a lastimar — oque já não é pouco — a morte de uma culturaque nos deu, sem ir mais longe, Dostoievski.Acontece que os escritores presentes a este ICongresso portaram-se como agentes

    transmissores desta perversão estética quecontaminou durante décadas a literaturaocidental.

    Após 1934, muito papel e tinta aindaseriam gastos na difusão da nova teoria. Alémdos demais manifestos compilados por

    Parjómenko e Miaskinov, Adolfo SánchezVázquez nos dá uma idéia abrangente de suarepercussão internacional nos dois gordos tomosde Estética y Marxismo. Para não ficarmospatinando na mesmice de uma só idéia semprerepetida com outras palavras, apanhemos adefinição — esta sim, verdadeiramente realista,

    de realismo socialista, proposta por EdwardHyams, em seu Dicionário das RevoluçõesModernas:

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    “ O único estilo de arte tolerado na URSSdesde que Stalin subiu ao poder e que,infelizmente, continua até depois de sua morte.A teoria é que o trabalho do artista deve mostraras vidas dos trabalhadores não apenas

    realisticamente mas também de tal forma queseja um apoio e faça sobressair a moral dosocialismo da forma como ele é interpretado peloPC da URSS e tudo o que o proletariadoconseguiu fazer na construção do socialismo,graças à orientação do PC. Qualquer obra dearte que não se enquadre nessa teoria éclassificada como burguesa decadente, comoacontece com a escola abstrata de pintura eescultura. A Arte Realista Socialista pode serconsiderada como a ortodoxa dos comunistassoviéticos e equivalente à arte comercial doocidente, uma forma de anunciar que tem por

    fim fazer crer ao povo a ilusão que a ditadura doproletariado está viva e saudável.”

    Ao criador vigoroso, claro está, não é fáciltrabalhar cingido por tal camisa-de-força.Continua Hyams:

    “O escritor russo realmente original e

    talentoso é, naturalmente, incapaz de trabalhardentro das regras do realismo socialista porqueelas não permitem qualquer crítica sincera àvida soviética, ao partido comunista e àsociedade do ‘establishment’. Assim, os melhoreescritores da URSS, zelosamente guardadospelos tolos que constituem o Sindicato dos

    Escritores, ficam, em sua maioria, impedidos depublicar seus livros na URSS, são perseguidos econdenados ao ostracismo e são, até mesmo,

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    internados em hospitais psiquiátricos comoloucos, se permitirem que seus livros sejampublicados em traduções no exterior, sendotratados como párias pelos falsos críticosliterários do ‘establishment’. Os casos mais

    conhecidos do público em geral são os doscontemplados com o Prêmio Nobel, Pasternak eSolzhenitzyn.”

    Ou seja, arte para a ser catequese edivulgação do novo evangelho. O fanatismo queenfebrecia os seguidores da Revolução de 17

    chegou a gerar, na área das ciências, umpeculiar Zdanov, o agrônomo T. D. Lyssenko, oqual, através de experiências truncadas compinheiros e rutabagas, pretendia submeter ospróprios genes ao pensamento dialético de Marx.De nossos dias, é difícil avaliar quem causoumais estragos, se Zdanov nas artes ou Lyssenko

    na agricultura. Lyssenko foi logo desmoralizado,afinal é mais fácil viver sem literatura do quesem trigo. Quanto a Zdanov, somente em 1989,seu nome começou a ser retirado das placas deruas na União Soviética.

    O dogma zdanovista revelou tal poder de

    sedução que mesmo uma nação de tradiçõeslibertárias como a França passou a cultivar onovo gênero. Em Le Communisme et lesintellectuels français (1914-1966), DavidCaute conta-nos que no famoso congresso de1934, lá estavam Louis Aragon, André Malraux,Paul Nizan e Jean-Richard Bloch. Os resultados

    não se farão esperar. Em 39, Aragon publica LesVoyageurs de l’impériale, onde tenta mostrarcomo os esforços da burguesia para preservar

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    sua liberdade e individualidade resultam nadegradação do indivíduo e no crime coletivo.Mais tarde, em Les Communistes, romance commais de duas mil páginas (seis volumes)povoadas por mais de duzentos personagens, o

    autor pretende analisar a decadência da Françaburguesa e a luta heróica dos comunistasdurante a guerra.

    Para Roger Garaudy (citado por Caute),neste romance, cada um dos heróis reagia aosacontecimentos conforme as impulsões de seu

    coração e, se cada uma destas reações coincidiacom as diretivas do partido, isto constituía aprova experimental da humanidade de suapolítica e da harmonia que existia entre amoralidade do indivíduo e a moralidade de suaclasse.

    Paul Nizan, por sua vez, se aproximará dorealismo socialista com Antoine Bloyé,publicado em 1934 e já saudado por Aragoncomo inspirado na nova teoria. Produzirá maistarde Le Cheval de Troie, onde um de seuspersonagens considera que, face à miséria, aodesemprego e ao desespero, nada pode ser

    mudado se não for com risco de morte.Esta obediência às determinações do I

    Congresso renderá inclusive um prêmio Stalin àFrança, André Stil. Em Le Premier Choc,romance em três volumes, Stil narra a luta dosestivadores de um porto do Atlântico contra a“ocupação” americana. Os americanos, é claro,representam o mal absoluto, expropriando terrasdos camponeses e pequenos proprietários,provocando o desemprego, incorporando em

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    suas forças antigos nazistas e armazenandoarmas na França para preparar uma guerracontra a URSS. Antes de receber o prêmio Stalin,Stil havia feito sua ode ao grande homem. Oelogio é inquietante:

    “É verdade, pensam eles, sabe-se muitoque todos temos um pouco de Stalin no fundo denós mesmos, que nos olha de dentro, sorridentee sério, que nos dá confiança. É a consciênciaque temos nós, comunistas, esta presençainterior de Stalin.”

    Depois, houve Kruschev e o XX Congressodo PC soviético. A partir de 1956, impossívelcontinuar praticando o novo gênero. Aragonreformula inteiramente Les Communistes e nãosão poucos os escritores mundo afora queexpurgam romances e poemas de suas obrascompletas.

    Extensão cultural da Europa, a AméricaLatina evidentemente não escaparia ao novoculto. No caso específico do Brasil, o introdutor epraticante-mór do realismo socialista é JorgeAmado. Outros tentaram, sem maior sucesso,seguir-lhe as pegadas. Entre eles, Dalcídio

     Jurandir, com Linha do Parque; Alina Paim,com A Correnteza e A Hora Próxima; José OrtizMartins, comEles possuirão a Terra  (traduçãodo título de um romance de RobertCharbonneau, publicado em Montreal, em1941); Maria Alice Barroso, com Os Posseiros;

    Ibiapaba Martins, com Sangue na Pedra;Figueiredo Pimentel, com A Inspiradora de LuísCarlos Prestes; Lauro Palhano, com O

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    Gororoba, Marupiara e Paracoera.Escritores de porte, cá e lá, não deixaram

    de dirigir acenos à nova religião. É o caso deGraciliano Ramos, em São Bernardo e Viagem;

    Oswald de Andrade, em A Escada Vermelha e OHomem e o Cavalo  e Patrícia Galvão, emParque Industrial. Pagu, justiça seja feita, aomanter um contato mais prolongado com arealidade soviética, torna-se o primeiro escritor,no Brasil, a denunciar o stalinismo. Por outrolado lado, homens como Aníbal Machado e

    Dyonélio Machado, embora sendo militantes doPartido Comunista, em momento algum serenderam ao novo gênero.

    Se Graciliano, apesar de seu cultocrepuscular a Stalin, manifesto em Viagem, nãose deixou fascinar pelas teorias de Zdanov — a

    quem considerava “uma besta” — Amado a elasentregou-se qual noiva ardente. Por ocasião damorte de seu mestre, em O Mundo da Paz,carpe sua viuvez:

    “Foi em Varsóvia, numa cálida noite deverão, que soubemos a notícia da sua morterepentina quando tanto ele tinha ainda a nosensinar. Estávamos numa alegre conversa,escritores e artistas de vários países, quandoalguém chegou com a terrível nova: ‘Zdanovmorreu!’. Entre nós estava Alexandre Fadéev,mestre do romance soviético, amigo ecolaborador do homem que, nos últimos anos,

    deu mais concreta contribuição aodesenvolvimento da literatura e da arte. Peloresto da noite indormida, Fadéev, emocionado,

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    contou de Zdanov. Parecia-nos tê-lo ali, junto anós, comandando o povo de Leningrado naresistência indomável, vencendo não só osinimigos nazistas mas também a fome e o medo,o desânimo e o desespero. Nós o víamos, depois,

    andando para um piano, na discussão sobremúsica com os compositores soviéticos, parailustrar, tocando um ária qualquer, as teses

     justas que explanava, ele a quem não pareciaestranho nenhum problema da ciência política,da filosofia, da literatura e da arte, esse exemploda cultura bolchevique.

    “A voz de Fadéev, molhada de dor, traziapara junto de nós, naquela noite de luto, apresença do grande desaparecido. Pensávamosna estrada aberta, sob seu comando, sob o gelo,cada dia apagada pela neve, cada diareconstruída, que garantia o contato de

    Leningrado assediada com o resto da pátria.Pensávamos nele, nessa mesma cidade deVarsóvia, em 1947, fazendo seu históricoinforme na primeira reunião do Bureau deInformação dos Partidos Comunistas. Gigante dopensamento humano, esse outro filho da classeoperária, educado pelo Partido Bolchevique,nascido dos ensinamentos de Lênin e Stalin.”

    Mais adiante, Amado acusa a “imprensaburguesa” de ter silenciado sobre as discussõesliterárias presididas por Zdanov, contentando-se“em gastar manchetes e títulos para difundircalúnias: escritores presos, artistas deportados,

    cientistas fuzilados”. Contemplada de nossosdias, e considerando que foi assinada em livropublicado dois anos após a affaire Kravchenko

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     — não por acaso em 1951, ano em que Amadorecebe o prêmio Stalin Internacional da Paz,atribuído ao conjunto de sua obra — estaafirmativa sabe a cumplicidade com o Petit Pèredes Peuples.

    O curioso é que Zdanov, em um informesobre literatura pronunciado em Leningrado, em1946 — citado pelo próprio Amado em O Mundoda Paz, antecipa o Jorge de nossos dias:

    “Por mais bela que possa ser a formaexterior das obras dos escritores burgueses

    atuais da Europa ocidental ou da América, dosdiretores cinematográficos ou teatrais, eles nãopoderão salvar ou elevar o nível de sua culturaburguesa, porque está colocada a serviço dapropriedade privada capitalista, ao serviço deinteresses egoístas, de uma sociedadeprivilegiada burguesa. Toda a multidão deescritores, de ‘metteurs en scéne’ burgueses,busca desviar a atenção das camadasprogressistas da sociedade, das questõesapaixonantes da luta política e social, e de adirigir para uma literatura e uma arte apolíticas,repletas de gangsters, de girls de teatros de

    variedades, de apologia do adultério e de feitosde aventureiros de toda espécie e de cavalheirosde indústria.”

    Um intuitivo, Zdanov. Há exatamente meioséculo, antevia o roteirista da rede Globo em quese transformou seu mais aplicado discípulobrasileiro.

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    AMADO IMPORTA ZDANOV 

    Em sua História Concisa da LiteraturaBrasileira, Alfredo Bosi constata a inclinação deAmado por uma literatura de partido, a partir dainfluência de Raquel de Queiroz, de romances danova literatura proletária russa e de autorescomo Michael Gold (a quem Amado dedica ostrês tomos de Subterrâneos) e Steinbeck. Sem

    entrar na questão do realismo socialista — tematabu para a quase unanimidade doshistoriadores da literatura brasileira, salvo ahonrosa exceção de Wilson Martins —, Bosiprolata uma rude sentença:

    “Cronista de tensão mínima; soube

    esboçar largos painéis coloridos e facilmentecomunicáveis que lhe franqueariam um grande enunca desmentido êxito junto ao público. Aoleitor curioso e glutão a sua obra tem dado detudo um pouco: pieguice e volúpia em vez depaixão, estereótipos em vez de trato orgânico dosconflitos sociais, pitoresco em vez da captação

    estética do meio, tipos ‘folclóricos’ em vez depessoas, descuido formal a pretexto deoralidade... Além do uso às vezes imotivado docalão: o que é, na cabeça do intelectual burguês,a imagem do eros do povo. O populismo literáriodeu uma mistura de equívocos, e o maior delesserá por certo o de passar por arte

    revolucionária. No caso de Jorge Amado, porém,bastou a passagem do tempo para desfazer oengano.”

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    Em Jorge Amado: política e literatura,certamente o mais sólido estudo sobre estaprimeira fase do autor baiano, Alfredo WagnerBerno de Almeida analisa em profundidade asraízes de Subterrâneos:

    “Feito o lançamento, instaura-se umadiscussão que, embora já houvesse espocadotimidamente em análises relativas à obra deAmado, ainda não se consolidara como umrecurso idôneo para a compreensão dedeterminado momento de sua trajetória e quiçá

    da história da literatura brasileira. Ela concerneà aplicação do realismo socialista.”

    Em O Mundo da Paz, escreve Berno deAlmeida, “Amado descrevera os princípios geraise as teorias subjacentes a este método defabricação literária. Ademais, além de seusformuladores principais, o autor assinalaraindícios de sua execução prática e suaincorporação em itens do Estatuto da União deEscritores Soviéticos. Com Subterrâneos daLiberdade  ele se dirige ao público, queacompanha de perto o curso de sua produçãoliterária, aplicando o manancial teórico de que

    antes se apresentara como detentor. Valerecordar que, com o arquivamento do processoinstaurado a propósito de O Mundo da Paz, opúblico amplo consumidor teve acesso ao livro apartir de 1952, sem maiores restrições. (...)Concorria também para coroar esta expectativao fato de Amado ter sido agraciado, em 1951,com o Prêmio Stalin Internacional da Pazatribuído ao conjunto de sua obra, e este ser oprimeiro livro por ele publicado depois deste

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    acontecimento. A concessão do prêmiosignificou, por assim dizer, um reconhecimentoda eficácia da ‘função cosmopolita”desempenhada pelo autor nos anos de desterro.”

    Entre os historiadores de nossa literatura,Wilson Martins é talvez o único a denunciar osestragos produzidos por Zdanov. Sem ater-se aAmado, em A História da InteligênciaBrasileira, escreve:

    “... de um lado, os bons, ou seja, os que seincluem na “chave” mística do “trabalhador”, do

    “operário”; de outro lado, os maus, isto é, todosos outros mas, em particular, o “proprietário” e a“polícia”, as duas entidades arimânicas destesingular universo. Os primeiros são honestos,generosos, desinteressados, amigos da instruçãoe do progresso, patriotas, bons pais de família,sóbrios, artesãos delicados, técnicosconscienciosos, empregados eficientes (emborarevoltados), imaginativos e incansáveis, focos depoderoso magnetismo pessoal, cheios de inatavocação de comando e, ao mesmo tempo, doespírito de disciplina mais irrepreensível,corajosos, sentimentais, poetas instintivos, sede

    de paixões violências (oh! no bom sentido!),modelos de solidariedade grupal,argumentadores invencíveis, repletos, em suma,de uma nobreza que em torno deles resplandececomo um halo. O “trabalhador” é o heróicaracterístico desses romances de cavalaria: semmedo e sem mácula, ele tem tantas relações com

    a realidade quanto o próprio Amadis de Gaula.“Já o “proprietário” é um ser asqueroso e

    nojento, chafurdado em todos os vícios,

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    grosseiro, bárbaro, corrupto, implacável nacobrança dos seus juros, lascivo na presençadas viúvas jovens e perseguidor feroz das idosas,barrigudo, fumando enormes charutos,arrotando sem pudor, repleto de amantes e

    provavelmente de doenças inconfessáveis,membro da sociedade secreta chamada“capitalismo”, onde, como todos sabem, éinvulnerável a solidariedade existente entre seusmembros; indivíduo que favorece todos osdeboches, inclusive dos seus próprios filhos;covarde, desonesto, egoísta, ignorante, vendidoao dólar americano, lúbrico, marido brutal e paiperverso, irritante e antipático, rotineiro, friocomo uma enguia, incapaz de sinceridade, semmelhores argumentos que a força bruta,verdadeira encarnação contemporânea dosdemônios chifrudos com que a Idade Média se

    assustava a si mesma.”Wilson Martins continua enumerando

    detalhadamente os demais estereótiposutilizados neste tipo de romance, entre eles apolícia, o tabelião, o posseiro, o governador, olatifundiário, o camponês. Seria por demaismonótono continuar a descrição deste universomaniqueísta, como tampouco teria sentidoacompanhar a repetição — ad nauseam   — deuma fórmula primária de fabricar livros. Comoao pesquisador nem sempre é dado lidar commatéria nobre, nada mais lhe resta senãoarregaçar as mangas e enfiar as mãos no lixo.

    Após acenar com Cristo como solução, emseu livro de estréia, O País do Carnaval, Amadotoma um rumo aparentemente oposto em seu

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    segundo romance, Cacau, escrito, conformedeclarações a Miécio Táti, “com evidentesintenções de propaganda partidária”. Já nestelivro, Amado depara-se com uma dificuldade:como escrever um romance proletário, como

    construir um personagem proletário, sendo ele,o autor, um burguês?

    No Brasil de então, a grande polêmicaentre os comunistas é a proletarização doPartido, fator que impediu o ingresso de Prestesno PC. Amado resolve sem maiores dificuldades

    o impasse: Sergipano, seu personagem central, éfilho de um fazendeiro falido. Proletarizando opersonagem-narrador, o autor pretende dar-lheverossimilhança. Assim, não deverá causarespécie ao leitor ver um operário de uma fazendade cacau falando em consciência de classe.Vagos pruridos de um Jorge Amado inseguro,

    que se sente na obrigação de afirmar suasinceridade em nota introdutória fora do corpoda obra:

    “Tentei contar neste livro, com um mínimode literatura para um máximo de honestidade, avida dos trabalhadores das fazendas de cacau do

    sul da Bahia. Será um romance proletário?”Era. Nas primeiras páginas do romance,Manuel Misael de Souza Teles é condenado semremissão. Seu nome é traduzido por ManéMiserável Saqueia Tudo ou, ainda, MerdaMexida Sem Tempero. Aceitos estespressupostos — entre eles o de que um

    fazendeiro é, ipso facto , um vilão — em nada nosespanta que ao final da obra surja umpersonagem insólito na literatura brasileira, a

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    Consciência de Classe:

    “— Eu gostava de Colodino... Mas eu nãoqueimei o bruto porque ele era alugado como agente. Matá coroné é bom, mas trabaiadô nãomato. Não sô traidô...

    “Só muito tempo depois soube que o gestode Honório não se chamava generosidade. Tinhaum nome mais bonito: Consciência de Classe.”

    Cacau  foi publicado em 1933. AtéSubterrâneos da Liberdade, 1954, Amadofreqüentará, com maior ou menor assiduidade, o

    gênero espúrio. Em entrevista para Istoé(18/11/81), o autor estabelece algumasnuanças:

    “— Não sei se o termo “realismo socialista”se aplica a todos os meus livros daquela época.Estariam em face do realismo socialista, mas o

    fato é que Jubiabá  (1935) Mar Morto  (1936) eCapitães de Areia (1937), do período ao qualvocê se refere, só puderam ser publicados emrusso depois da morte de Stalin. Acredito que aclassificação seja justa para Terras do Sem Fim(1943), Seara Vermelha  (1946) e Subterrâneos

    da Liberdade  (1954). Se existe um livro meutotalmente influenciado pelo stalinismo, éSubterrâneos da Liberdade, que reflete umaposição totalmente maniqueísta.”

    Assim sendo, concedida a vênia pelopróprio autor, mãos à obra.

    Os Subterrâneos foi escrito em Dobris, naex-Tchecoeslováquia (no mesmo castelo daUnião de Escritores Tchecoeslovacos ondeAmado produziu O Mundo da Paz), de março de

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    1952 a novembro de 1953, ou seja, no períodoimediatamente posterior à obtenção do PrêmioStalin pelo autor. Como pano de fundo históricotemos, como não poderia deixar de ser, aRevolução de 1917. Outras datas e fatos

    posteriores determinarão poderosamente aconstrução dos personagens.

    Em 1930, Trotsky funda a QuartaInternacional, opondo-se a Stalin e à sua tese do“socialismo em um só país”. (Quando Amadotrabalha em seu projeto, há muito Trotsky fora

    assassinado, a mando de Stalin, e a Quartaacha-se cindida e enfraquecida). Em 1935,ocorre no Brasil a Intentona Comunista. Em 36,Prestes é preso, Olga Benário deportada para aAlemanha de Hitler e Getúlio Vargas conseguepersuadir o Congresso e criar um Tribunal deSegurança Nacional para punir os insurgentes.

    Ainda neste ano de 36, eclode na Espanha aGuerra Civil, confronto que envolveu todas asnações européias e constituiu uma espécie deensaio geral para a Segunda Guerra, detonadaem 1939, circunstância amplamente exploradapor Amado.

    Em 1937, os integralistas lançam PlínioSalgado como candidato às eleiçõespresidenciais de janeiro do ano seguinte,abortadas a 10 de novembro pelo golpe com queGetúlio consolida o Estado Novo. Paradesenvolver sua história, Amado fixará um dosmais turbulentos períodos deste século, que até

    hoje continua gerando rios de bibliografia. Aação de Os Subterrâneos situa-se precisamenteentre outubro de 37 (às vésperas do Estado Novo

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    e em meio à Guerra Civil Espanhola) e finda aos7 de novembro de 39, 23º aniversário daproclamação do regime soviético na Rússia.

    Amado, escritor e militante, tem porincumbência várias missões. A primeiríssimaconsiste na defesa dos ideais de 17, encarnadoem Lênin e Stalin, potestades várias vezesinvocadas ao longo dos três volumes. Segunda,fazer a defesa do Messias que salvará o Brasil,Luís Carlos Prestes, e não por acaso a trilogiaencerra-se com seu julgamento. Missões

    secundárias, mas não menos vitais: denunciar oimperialismo ianque, condenar a dissidênciatrotskista, pintar Franco com as cores dodemônio e fustigar Getúlio por ter esmagado aatividade comunista a partir de 35.

    Seus personagens, como veremos, serãotíteres inverossímeis e sem vontade própria,

    embebidos em álcool se são burgueses, ouimbuídos de certezas absolutas, mais águamineral, se são operários ou militantes, estessempre obedientes aos ucasses emitidos àsmargens do Volga.

    A obra, composta por três volumes — Os

    Ásperos Tempos, Agonia da Noite e A Luz noTúnel — constituiria apenas a primeira parte deuma trilogia mais vasta, com pretensões a ser oGuerra e Paz  brasileiro. Os três tomos sãopublicados em maio de 1945, um ano após amorte de Stalin e dois antes do XX Congressodos PCURSS, o que obriga o autor a interromperseu projeto. Pela segunda vez, na trajetórialiterária de Amado, sua ficção será determinadanão por uma análise da realidade brasileira, mas

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    por decisões tomadas em Moscou.

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    A ONIPRESENÇA DO NOVO DEUS 

    O personagem por excelência do romanceé o Partido Comunista, onipresente como oantigo deus cristão e feito carne na figura deStalin. A luta do PC é a luta — na ótica do autor

     — do povo brasileiro contra a tirania, no caso,Getúlio Vargas. Externamente, os inimigos sãoos Estados Unidos da América, a Alemanha,

    Franco e Salazar. Sem falar, é claro, na IVInternacional e nos trotskistas. Onipresentecomo o Deus cristão, o PC está infiltrado naclasse dominante, disperso na classe média efervilha nos meios operários. Invade as cidades eo campo, a pampa e a floresta, os salõesburgueses, as fábricas e os portos, corações e

    mentes.“Quantos outros, do Amazonas ao Rio

    Grande do Sul”, — reflete o militante Gonçalo — “não se encontravam nesse momento na mesmasituação que ele, ante problemas complicados edifíceis, devendo resolvê-los, sem poder discutir

    com as direções, sem poder consultar oscamaradas? Gonçalo sabe que os quadros doPartido não são muitos, alguns mil homensapenas na extensão imensa do país, algunspoucos milhares de militantes para atender àmultidão incomensurável de problemas, paramanter acesa a luta nos quatro cantos da pátria,

    separados por distâncias colossais, vencendoobstáculos infinitos, perseguidos e caçados comoferas pelas polícias especializadas, torturados,

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    presos, assassinados. Um punhado de homens,o seu Partido Comunista, mas este punhado dehomens era o próprio coração da pátria, suafonte de força vital, seu cérebro poderoso, seupotente braço.”

    Esta onipresença extrapola o país,manifesta-se onde quer que andem ospersonagens, no Uruguai, França, Espanha, noplaneta todo. Inevitáveis as referências à foice eao martelo. E a Stalin, naturalmente, guia,mestre e pai. A litania dirigida ao grande

    assassino tem por vezes características dehumor negro:

    “— Quantos mais formos” — diz amilitante Mariana — “mais trabalho terão osdirigentes. Pense em Stalin. Quem trabalha nomundo mais que ele? Ele é responsável pela vidade dezenas de milhões de homens. Outro dia li

    um poema sobre ele: o poeta dizia que quandotodos já dormem, tarde da noite, uma janelacontinua iluminada no Kremlin, é a de Stalin. Osdestinos de sua pátria e de seu povo não lhe dãorepouso. Era mais ou menos isto que dizia opoeta, em palavras mais bonitas, é claro...”

    O poeta em questão é Pablo Neruda, jácitado em O Mundo da Paz: “Tarde se apaga aluz de seu gabinete. O mundo e sua pátria nãolhe dão repouso.” Consta de uma ode a Stalin,subtraída às Obras Completas do poeta chileno,onde, por enquanto, ainda se pode encontraruma “Oda a Lenin”.

    Quando Apolinário Rodrigues, porexemplo, passa por Montevidéu em viagem paraa Espanha, lá está o Partido pedindo a libertação

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    de Prestes:

    “Nenhum comunista estava sozinho emmeio à batalha, mesmo quando de passagemnuma cidade estrangeira, indo de um campo deluta a outro campo de luta. Nenhum estava só,perdido e abandonado, nem mesmo na prisãomais incomunicável, nem mesmo no cárceremais imundo, separado dos demais comoperigosa fera. Em torno deles, rodeando-os demilitante solidariedade, estavam milhões emilhões de homens sobre a terra, a defendê-los e

    a ajudá-los. O ex-oficial sentia-se como alguém aquem tivessem rasgado um abscesso, numaalegria de convalescença subindo no seu peito. Achuva fina penetrava através da fazenda daroupa, mas ele não sentia frio, um calor deprimavera subia do seu peito para os olhos,enevoando-os de emoção. Ao seu lado um

    operário de barba rala fez um aceno,convidando-o a abrigar-se sob o seu guarda-chuva. Apolinário sorriu agradecendo, se colocouao lado do companheiro desconhecido, deixouque a voz rolasse proclamando o nome bem-amado de Prestes, deixou que rolasse aobstinada lágrima.”

    Ao chegar a Madri, Apolinário(personagem calcado em Apolônio de Carvalho,que participara da Intentona de 35) sente-se emcasa pois, para onde quer que se vire, lá está oPartido. A única cor local da capital espanholaparece ser a luta pela libertação de Prestes:

    “Quando chegara à Espanha, vindo deMontevidéu, vivera dias de intensa emoção, aoencontrar por toda a parte, no país em guerra,

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    nas ruas bombardeadas das cidades e aldeias,nos muros da irredutível Madri, as inscriçõespedindo a liberdade de Prestes. Cercava-o o calorda intensa solidariedade desenvolvida pelostrabalhadores e combatentes espanhóis para

    com os antifascistas brasileiros presos e, emparticular, para com Prestes. (...) Era uma únicaluta em todo o mundo, pensava Apolinário, anteessas inscrições, o povo espanhol o sabia, e emmeio às suas pesadas tarefas e múltiplossofrimentos, estendia a mão solidária ao povobrasileiro.”

    A coincidência da instituição do EstadoNovo com a explosão da Guerra Civil Espanholaé uma oportunidade única para Amado deinserir seus personagens no conflitointernacional que redundaria na II Guerra,expondo ao mesmo tempo a linha do Partido.

     Tão única é esta oportunidade e tanto o autorquer aproveitá-la, que chega a deslocar para1938 uma greve dos portuários de Santos,efetivamente ocorrida em 1946, o que aliásprovocou um certo debate. Estaria Amadorealmente sendo fiel ao método que “exige doartista uma representação veridicamenteconcreta da realidade no seu desenvolvimentorevolucionário”, conforme proclamavam osestatutos da União de Escritores Soviéticos? Aoautor isto pouco importa. Deslocando a grevepara 38, pode criar um navio alemão que vembuscar, no Brasil, café para a Espanha. De uma

    só tacada, Amado fustiga Hitler, Getúlio eFranco:

    “Em algumas palavras (o velho Gregório)

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    historiou o motivo por que a direção do sindicatohavia convocado essa sessão: o governooferecera ao general Franco, comandante dosrebeldes espanhóis (“um traidor”, gritou uma vozna sala), uma grande partida de café. Agora se

    encontrava no porto um navio alemão (“nazista”,gritou uma voz na sala) para levar o café.”

    Na Guerra Civil Espanhola, segundoAmado, há apenas “nazistas alemães e fascistasitalianos”. Tão pródigo em elogios à Stalin e àUnião Soviética, em sua trilogia o autor silencia

    sobre a presença russa na Espanha, constituídapor pilotos de guerra, técnicos militares,marinheiros, intérpretes e policiais.

    Em Diccionario de la Guerra CivilEspañola, Manuel Rubio Cabezas informa-nosque a primeira presença estrangeira em terrasde Espanha foi a soviética, com o envio dematerial bélico e pessoal militar altamentequalificado, em troca das três quartas partes(7800 caixas, de 65 quilos cada uma) dasreservas de ouro disponíveis pelo Banco deEspaña. Pagos adiantadamente. Silêncio deAmado: a representação veridicamente concreta

    da realidade no seu desenvolvimentorevolucionário pode esperar mais um pouco.

    A presença do Partido permeará a trilogiadas primeiras páginas de Os Ásperos Temposàs últimas de A Luz no Túnel. Nestas, amilitante Mariana, antes de presa, assiste ao

     julgamento de Prestes. A voz do líder comunistaé “a voz vitoriosa do Partido sobre a reação e oterror”:

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    “Eu quero aproveitar a ocasião que meoferecem de falar ao povo brasileiro para renderhomenagem hoje a uma das maiores datas detoda a história, ao vigésimo terceiro aniversárioda grande Revolução Russa que libertou um

    povo da tirania...”Seria monótono e redundante perseguir

    esta onipresença do Partido na trilogia deAmado. Como também investigar ad nauseam  aconstrução de seus personagens, estereótiposmaniqueístas de primárias concepções de bem e

    mal, no melhor estilo de um filme de mocinho ebandido. À guisa de argumentação, pincemos emOs Ásperos Tempos, alguns destes seres decarne, osso e ideologia.

    Mariana Azevedo é o primeiro dos“personagens positivos" a surgir no romance.

     Tem mãe viúva e uma irmã mais moça, as trêstrabalhando como operárias e vivendo numacasinha nos subúrbios de São Paulo. Após amorte do pai — ele também operário e um dosiniciadores do movimento comunista no Estado,ela se torna militante aos dezoito anos de idade.Sabe de cor os títulos dos livros que o pai lia: O

    Manifesto Comunista, Origens da Família, OEsquerdismo, Doença Infantil do Comunismo,um resumo de O Capital  em espanhol. Visadapela Polícia Política, perde o emprego e passa atrabalhar pelo Partido, na clandestinidade. Aos22 anos, conhece Aguinaldo Penha, dirigenteregional do Partido (surge no livro com ocodinome João) com quem casa em pleno EstadoNovo e tem um filho, cujo nome, é claro, é LuísCarlos. Em vida, o pai sempre mostrara “alegre

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    de explicar-lhe a significação da luta operária, decontar-lhe sobre a União Soviética, de falar-lhesobre Lênin e Stalin.”

    No enterro de seu pai, um camarada, àbeira do túmulo, diz algumas palavras: é umherói anônimo da classe operária queenterramos hoje, mas a bandeira que conduziucom tanta valentia se levantará cada vez maisalto nas mãos do proletariado até o dia davitória; é a invencível bandeira de Marx, deEngels, de Lênin e de Stalin.”

    Mariana substituirá seu pai na célula doPartido. Militante impoluta, toma água mineral,por oposição a personagens como Shopel, quetoma uísque. De escassa interioridade, estásempre preocupada com o Partido, com Prestes ecom João.

    “Pensa em todos esses homens, em seuPartido Comunista clandestino, como em SãoPaulo é em todo o Brasil e como no Brasil é emgrande parte do mundo. Ao seu lado passamhomens e mulheres, operários e operárias queseguem para o trabalho, nesse começo demanhã, quando a vida acorda rumorosa pelas

    ruas. A maioria desses homens e mulheres nãosuspeita sequer da existência daqueles que estãoforjando seu destino futuro. Por vezes, oscamaradas contam feitos heróicos decompanheiros mortos em combates, de homensenfrentando a polícia com uma coragem degigantes, mas Mariana pode pensar e julgar

    desse heroísmo cotidiano da vida ilegal, dessescomunistas, encafuados em esconderijos, que

     jogam sua liberdade a cada momento, que não

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    têm direito a nenhuma diversão, muitos delessequer possibilidade de vida privada, que são ocorpo e o sangue do Partido, a cabeça da classeoperária. Ela conhece o seu dia-a-dia deanônimos heroísmos, ela se pergunta a si

    mesma o que deve fazer para ser dignacompanheira de tais homens, para ser dignamulher de João, que a espera, que tem umapergunta a lhe fazer.”

    Aguinaldo Penha — ou João, comoquisermos — é um jovem magro, branco de

    cabelos negros, rosto pálido e sério. É dirigentecomunista em São Paulo e vive naclandestinidade. Bebe café e constituirá, comMariana, o par romântico desta saga vermelha.Foi posto no Partido pelo pai de Mariana, quepor ele se enamora já no primeiro encontro:

    “Como era magro o camarada João, e sua

    camisa estava rasgada em mais de um lugar, elao notara, dura é a vida dos camaradas, maisdura daqueles que são solteiros e não têm quemcuide de sua comida, de sua roupa, não têm umseio onde repousar a cabeça fatigada...”

    Sem ser um crítico de artes, o camarada

     João, em termos de pintura, tem suas intuições.Ao ver um quadro surrealista, Marianamanifesta sua perplexidade:

    “— Eu não entendo nada de pintura, nãoposso criticar. Mas o que eu gostaria de saber éque coisa o pintor quis mostrar com essacomplicação...”

     João, o dirigente, não tem dúvidas. Basta-lhe apenas olhar a tela mais vez para pontificar:

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    “— Antes de tudo, ele não quis mostrar arealidade. É uma das maneiras de fazer artecontra o povo.”

    Ante um óleo primitivista, devidamentedestroçado pelo camarada Ruivo, como veremoslogo adiante, João exerce a crítica com destemor:

    “— E têm coragem de chamar isto dearte...”

    O autor não pede a seus personagenscomentário algum sobre o cubismo. Picasso,como Amado, fora também contemplado com o

    prêmio Stalin.Entre uma reunião e outra do Partido, em

    uma pausa na luta pela libertação, sem quesaibamos por quais razões, João pede a mão deMariana em casamento. Mas a clandestinidade ea militância impõem uma rápida despedida. Vale

    a pena registrar como Amado — em ummomento antológico — descreve o estado deespírito da noiva:

    “Mariana sente o calor de suas mãosossudas. Os lábios de João roçam a sua face e,quando ela os olhos, ele já não está, acaba deatravessar o portão do jardim e seus passos

    ressoam na calçada, levando-o para um lugardistante, no cumprimento de uma nova tarefa, eninguém sabe por quanto tempo estará ausente.Mas com ela ficou o calor de suas mãos, acarícia quase imperceptível do seu beijo. Porentre o jasmineiro de envolvente olor, brilha a

    luz de uma estrela fugidia. Como se chamaráessa estrela, testemunha de seu noivado,iluminando com seu brilho o solto cabelocastanho de Mariana?”

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    Entre os personagens que integram o timedo bem, está ainda José Gonçalo, ou Gonçalão,homem de porte gigantesco, braços como ramosde árvores, mãos cheias de calos. Foi enfermeirono Exército, profissão que passou a exercer num

    hospital, onde um médico o introduziu nomovimento comunista. Por defender as terrasindígenas, é condenado a quarenta anos deprisão. Tinha então trinta e dois anos e foge daBahia para o vale do Rio Salgado, em meio àsflorestas do Mato Grosso. Passa então a chefiara população ribeirinha, defendendo suas roçasreclamadas por empresas ligadas ao EstadoNovo, interessadas na exploração do manganês.Ao saber pelo camarada Vítor, do s