ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO NO BRASIL

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ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO NO BRASIL Desenvolvimento da tecnologia por ultracentrifugação Othon Luiz Pinheiro da Silva [1] André Luis Ferreira Marques [2] Introdução Após as iniciativas do Almirante Álvaro Alberto durante os anos 50 de realizar pesquisas científicas no Brasil, no setor nuclear, o governo brasileiro decidiu investir recursos, já no início dos anos 70, para dotar o país de capacitação plena no ciclo do combustível nuclear, produção de reatores de pesquisa e de potência e, finalmente, no reprocessamento de combustível nuclear utilizado nos reatores. Tal linha de ação visava garantir os meios necessários para o fortalecimento de nossa matriz energética, com a utilização dos recursos naturais existentes (minas de urânio e tório, cujas reservas estão entre as maiores no mundo) para a produção de energia elétrica, dentro da visão particular dos programas de desenvolvimento em vigor à época. Dentro deste contexto, previu-se a construção de diversas usinas nucleares, em torno de 56 unidades do tipo PWR (pressurized water reactor). Além desse motivo, havia a necessidade estratégica de se colocar o setor nuclear do Brasil em grau de desenvolvimento no mesmo patamar que outros países de mesmo porte estavam perseguindo. Assim, diversas medidas foram tomadas, como a capacitação de pessoal no exterior, formação de empresas estatais para executar as atividades industriais e a criação e o fortalecimento dos institutos de pesquisas. Neste cenário, em 1975, celebrou-se o Acordo Brasil-Alemanha de cooperação no setor nuclear, onde haveria a transferência alemã de tecnologia e alguns meios para os objetivos mencionados logo acima. Alguns itens derivados deste acordo são a fábrica de construção de reatores da NUCLEP (Nuclebrás Equipamentos Pesados, em Itaguaí) e a própria Usina Nuclear de Angra 2, ambos construídos no estado do Rio de Janeiro. No ciclo do combustível nuclear, a transferência tecnologia inicialmente prevista para o enriquecimento de urânio era a ultracentrifugação, a qual os alemães já dominavam há alguns anos. No entanto, por pressões internacionais, a transferência ao Brasil desta tecnologia foi vetada, oferecendo-se a alternativa do “jet-nozzle”, a qual ainda estava em fase de desenvolvimento laboratorial. O motivo de se enriquecer o urânio (aumento do teor de U 235 em relação ao que se dispõe naturalmente) deve-se ao fato de que a probabilidade de ocorrer a fissão neste elemento químico ser muito maior do que em outros elementos químicos (da ordem de mil vezes). Na mesma ocasião (final dos anos 70), a Marinha do Brasil (MB) identificou a necessidade de se operar com submarinos de propulsão nuclear, uma vez que estes são vetores com grande poder de dissuasão e vantagem tática, em função de seu alto poder de discrição (pode operar muito tempo submerso, dificultando sua detecção por forças aeronavais de superfície). Por causa da grande densidade de energia de seu reator nuclear, além de gerar oxigênio para sua tripulação, o submarino nuclear pode manter altas velocidades durante muito tempo, permitindo- se patrulhar grandes extensões de mar territorial.

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ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO NO BRASIL

Desenvolvimento da tecnologia por ultracentrifugação

Othon Luiz Pinheiro da Silva[1]

André Luis Ferreira Marques[2]

 Introdução

Após as iniciativas do Almirante Álvaro Alberto durante os anos 50 de realizar pesquisas científicas no Brasil, no setor nuclear, o governo brasileiro decidiu investir recursos, já no início dos anos 70, para dotar o país de capacitação plena no ciclo do combustível nuclear, produção de reatores de pesquisa e de potência e, finalmente, no reprocessamento de combustível nuclear utilizado nos reatores. Tal linha de ação visava garantir os meios necessários para o fortalecimento de nossa matriz energética, com a utilização dos recursos naturais existentes (minas de urânio e tório, cujas reservas estão entre as maiores no mundo) para a produção de energia elétrica, dentro da visão particular dos programas de desenvolvimento em vigor à época. 

Dentro deste contexto, previu-se a construção de diversas usinas nucleares, em torno de 56 unidades do tipo PWR (pressurized water reactor). Além desse motivo, havia a necessidade estratégica de se colocar o setor nuclear do Brasil em grau de desenvolvimento no mesmo patamar que outros países de mesmo porte estavam perseguindo. Assim, diversas medidas foram tomadas, como a capacitação de pessoal no exterior, formação de empresas estatais para executar as atividades industriais e a criação e o fortalecimento dos institutos de pesquisas.

Neste cenário, em 1975, celebrou-se o Acordo Brasil-Alemanha de cooperação no setor nuclear, onde haveria a transferência alemã de tecnologia e alguns meios para os objetivos mencionados logo acima. Alguns itens derivados deste acordo são a fábrica de construção de reatores da NUCLEP (Nuclebrás Equipamentos Pesados, em Itaguaí) e a própria Usina Nuclear de Angra 2, ambos construídos no estado do Rio de Janeiro. No ciclo do combustível nuclear, a transferência tecnologia inicialmente prevista para o enriquecimento de urânio era a ultracentrifugação, a qual os alemães já dominavam há alguns anos. No entanto, por pressões internacionais, a transferência ao Brasil desta tecnologia foi vetada, oferecendo-se a alternativa do “jet-nozzle”, a qual ainda estava em fase de desenvolvimento laboratorial. O motivo de se enriquecer o urânio (aumento do teor de U235 em relação ao que se dispõe naturalmente) deve-se ao fato de que a probabilidade de ocorrer a fissão neste elemento químico ser muito maior do que em outros elementos químicos (da ordem de mil vezes).

Na mesma ocasião (final dos anos 70), a Marinha do Brasil (MB) identificou a necessidade de se operar com submarinos de propulsão nuclear, uma vez que estes são vetores com grande poder de dissuasão e vantagem tática, em função de seu alto poder de discrição (pode operar muito tempo submerso, dificultando sua detecção por forças aeronavais de superfície). Por causa da grande densidade de energia de seu reator nuclear, além de gerar oxigênio para sua tripulação, o submarino nuclear pode manter altas velocidades durante muito tempo, permitindo-se patrulhar grandes extensões de mar territorial.

É importante mencionar que um País pretendendo operar submarinos nucleares deve providenciar toda a infra-estrutura necessária (base de apoio, fabricação e manutenção de componentes principais, entre outros), porque a dependência externa em se obter componentes vitais, tais como o núcleo do reator nuclear naval, é uma hipótese descartada, devido à vulnerabilidade logística inerente desse tipo de dependência. Em passado não muito distante, vimos este tipo de situação no veto de exportação de suprimentos ingleses para a Argentina, durante a Guerra das Malvinas, o que diminuiu em muito a eficácia de sua Marinha.

Dentre os diversos métodos de enriquecimento de urânio (separação isotópica do U235 em razão maior do que 0,7%, que aquela que se encontra na Natureza), somente dois processos revelam-se atraentes para produção em escala industrial: a difusão gasosa e a ultracentrifugação.

No primeiro, comprimi-se o gás hexafluoreto de urânio (UF6) através de membranas microporosas, associadas em série, de forma a se separar o U238 do U235, sendo este último mais interessante para a fissão com nêutrons. Na ultracentrifugação, a separação é feita pela força centrífuga agindo nas partículas de UF6, cujo princípio é idêntico àquele que conhecemos em nossa casa, concentrando-se o U238 em uma

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região mais externa do que o U235, porque o primeiro é mais pesado somente cerca de 1% em relação ao segundo. Daí aparecer o termo “ultra” centrifugação (operar em velocidades tangenciais muito altas), para separar dois elementos cujas massas são muito próximas.

 Todos os demais processos (e.g. eletromagnético, colunas térmicas) não se aproximam em termos de eficiência (da ordem de pelo menos 100 vezes) em relação à ultracentrifugação, seja pelo consumo elevado de energia e/ou pela geração de grande quantidade de efluentes químicos. Além disso, há processos que ainda não saíram da fase laboratorial, como é o enriquecimento a laser. O “jet-nozzle” seguiu o mesmo caminho, não sendo industrialmente eficaz.

Com a negativa de importação da tecnologia de ultracentrifugação e com a transferência alemã de um método não eficaz em escala industrial, decidiu-se pelo desenvolvimento nacional do enriquecimento de urânio por ultracentrifugação pela Marinha e por laser pela FAB, também no final dos anos 70. É importante mencionar que dentre as atividades do ciclo do combustível, o enriquecimento de urânio é a que reúne a maior complexidade tecnológica, por lidar com exigências técnicas muito estritas, em termos de seleção e desenvolvimento de materiais, em controle de qualidade dimensional, diversos métodos e etapas de fabricação eletromecânica, entre outros aspectos.

 Desenvolvimento

A tecnologia de ultracentrifugação foi desenvolvida na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, pela equipe do Prof. Zippe. Posteriormente, os russos a aperfeiçoaram com o auxílio do próprio Zippe e alguns de seus cientistas. Atualmente, menos de 10 países no mundo dominam esta tecnologia, sendo o Brasil um deles.

 Figura 1 – Esquema de Ultracentrífuga

Na figura 1, baseando-se em fontes ostensivas e em linhas gerais, apresenta-se um esquema de uma ultracentrífuga, com as seguintes partes [1]:

a)      Carcaçab)      Rotorc)       Motord)      Distribuidor e coletores de hexafluoreto de Urânioe)      Mancais

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Para se obter a separação isotópica mencionada acima, deve-se operar com as maiores rotações possíveis, uma vez que a força centrífuga é proporcional ao quadrado da velocidade angular. No entanto, deve-se respeitar os limites de resistência dos materiais (devido às altas tensões mecânicas ou esforços solicitantes decorrentes) e diminuir o consumo de energia ao máximo. Nesta ótica, quanto menor for o atrito entre as diversas partes, melhor será o rendimento da ultracentrífuga.

Para a diminuição do atrito, opera-se sob vácuo entre a carcaça e o rotor, ao mesmo tempo que se atenua o atrito nos mancais. Desenvolvido e homologado um modelo de ultracentrífuga, fabricam-se diversas delas para que sejam montadas em arranjos série e paralelo, os quais passam a se chamar “cascata de enriquecimento de urânio”, em função das condições de contorno do projeto (quantidade de massa e teor de enriquecimento). Para reatores do tipo de Angra 1 e 2, são necessárias toneladas de UF 6 enriquecido entre 3 e 5%.

 Por exemplo, os arranjos em paralelo objetivam a produção de grande massa, mas com baixo teor de enriquecimento. Por outro lado, o arranjo em série provê uma quantidade de massa muito pequena, mas com alto teor de enriquecimento. A figura 2 apresenta um arranjo em cascata, onde o produto de um determinado estágio segue para a alimentação do estágio seguinte, enquanto que o seu “rejeito” retorna para alimentação do estágio anterior. Observa-se que se recicla o UF6 o tempo todo ao longo do processo: o produto de um estágio de enriquecimento é direcionado para a alimentação do estágio seguinte, enquanto que o rejeito do estágio inicial retorna para a alimentação do estágio anterior.

Como em aplicações de alto desempenho (e.g. aeroespacial, biomedicina), os materiais potencialmente aplicáveis em sistemas de separação isotópica devem reunir grande resistência mecânica, baixa densidade e resistência ao meio corrosivo (constituído pelo UF6). No quesito da resistência mecânica, considera-se para efeitos didáticos que a tensão mecânica associada seja proporcional ao quadrado do módulo de elasticidade (N/m2) dividido pela densidade (kg/m3). Consultando-se referências ostensivas, na tabela 1 evidencia-se que os materiais poliméricos são extremamente desejáveis, apesar de sua fabricação ser mais trabalhosa, assim como o seu projeto, uma vez que tais materiais exibem grande “anisotropia”, i.e. variação acentuada das propriedades, principalmente mecânicas, com as direções. Os materiais metálicos, como os aços “maraging” ou as ligas de titânio são também atraentes, mas sua densidade diminui sensivelmente o desempenho, quando se compara com os materiais compósitos.

Tabela 1 – Comparação de propriedades de materiais [1]

•Material    •Resistência Mecânica  

•Densidade •Velocidade periférica máxima

•Ligas de Alumínio •1,0 •1,0 •1,0

•Ligas de Titânio •1,8 •1,6 •1,0

•Aços de Alta Resist •3,4 •2,9 •1,1

•Aços Maraging •5,5 •2,9 •1,4

•Fibra de vidro/ resina •1,4 •0,7 •1,4

•Fibra de Carbono •3, •20,6 •2,2

•KEVLAR /resina •3 •0,5 •2,6Observações:Resistência mecânica liga Alumínio = resistência à tração = 500MPa;Densidade liga Alumínio = 2800 kg/m3

Velocidade periférica máxima(Al)=425m/s

 

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Legenda: A – Alimentação (com urânio natural)P – Produto (ou parte enriquecida)R – Rejeito (ou parte empobrecida)Figura 2 – Esquema de cascata

O poder de separação de uma ultracentrífuga é medido em kg de UTS, ou Unidade de Trabalho Separativo, por ano (kg UTS/ano). Esta unidade advém da teoria de operação de meios em cascata, onde se emprega o conceito matemático de função de valor. Em linhas gerais, a equação 1 expressa esse poder [2].

Poder de Separação L x rotação n x D x (DM) 2 x Temp –2        (1)

Onde:L – comprimento verticalD – coeficiente de difusão do UF6

DM – diferença de massa entre isótopos (U238 – U235)Temp – temperatura do UF6

n – coeficiente entre 4 e 5.

Como se pode notar, quanto maior a rotação maior será o poder separativo, assim como o comprimento do rotor, e menor for a temperatura do UF6. Entretanto, é digno de nota que o ponto triplo deste gás é muito próximo das condições normais de temperatura e pressão (CNTP), fazendo com que este dessublime (passe do estado gasoso para sólido) facilmente naquelas condições, o que pode entupir tubulações de processo. Além disso, em contato com o ar, o hexafluoreto de urânio reage com a umidade  produzindo o ácido fluorídrico (HF), que é perigoso.

Identificados os principais aspectos técnicos do desenvolvimento da ultracentrifugação, o programa nuclear da MB construiu todos os meios laboratoriais e industriais necessários para se desenvolver e implantar esta tecnologia no Brasil. Como sempre feito pela MB, mobilizaram-se alguns dos melhores talentos e meios existentes no Brasil, reunindo-se equipes de vários setores: engenharia mecânica, mecatrônica, engenharia eletrônica, engenharia de processos, engenharia de materiais, entre outros. Para a gerência dos recursos materiais e humanos, a MB criou a Coordenadoria para Projetos Especiais (COPESP), em 1986, posteriormente renomeada como Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), com sede no

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campus da Universidade de São Paulo (USP) e o Centro Experimental ARAMAR (CEA) na região do município de Iperó/SP. A escolha recaiu no Estado de São Paulo por ser o estado que dispõe do melhor parque industrial, contando também com escolas de engenharia e centros de pesquisa de primeira grandeza.

Como se sabe, os fenômenos de transporte (gás dinâmica) e transferência de calor associados aos fluidos que escoam em velocidades muito altas apresentam-se como não lineares, sendo muito difícil a sua  simulação por meios puramente analíticos e numéricos, mesmo com a atual disponibilidade de recursos computacionais de grande capacidade.

Assim sendo, no desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação de urânio, foram construídos diversos laboratórios, relacionando-se estes com muitos institutos de pesquisas, empresas e universidades em todo o território nacional. Em poucas palavras, tal desenvolvimento é fundamentado em experimentação e simulação em diversas escalas (inclusive a natural ou 1:1), de forma a se homologar um componente ou sistema para a produção e montagem industriais. Nas diversas parcerias firmadas, a interação procura a otimização contínua de aspectos multidisciplinares, incorporando-se às máquinas o que se há de mais avançado nas diversas áreas tecnologias com materiais avançados, técnicas de fabricação, malhas de controle e eletrônica.

O produto deste esforço nacional pode ser visto nas duas instalações de enriquecimento de urânio da MB no CEA: o Laboratório de Enriquecimento de Urânio (LEI) e a Usina de Demonstração Industrial de Enriquecimento (USIDE), as quais operam desde o final dos anos 80 e início dos 90. Mais recentemente, o esforço do desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação se faz notar no contrato celebrado entre a MB e as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) para a instalação de cascatas de enriquecimento de urânio na unidade de Resende/RJ, para a fabricação de combustível nuclear para as usinas de Angra 1 e 2. Outras informações sobre o processo de enriquecimento de urânio no mundo podem ser encontradas nas referências 4 e 5.

Conclusão

O desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação de urânio é um marco de sucesso na história tecnológica do Brasil. Do interesse inicial do Almirante Álvaro Alberto, o qual tentou trazer centrífugas da Alemanha no pós-Guerra, enfrentando forte resistência externa, conseguiu-se com o esforço, dedicação, criatividade e obstinação de técnicos e engenheiros brasileiros, ao longo de 15 anos, conceber e aperfeiçoar uma série de máquinas para produção de material para uso no combustível nuclear, emprego pacífico da energia nuclear, como estabelece nossa Constituição Federal.

A decisão tomada no final dos anos 70 pela escolha da ultracentrifugação foi acertada, por ser um método muito eficiente, em termos de consumo de energia elétrica, e modular, trabalhando com unidades padronizadas e organizadas em arranjos em série e paralelo, o que garante boa flexibilidade operacional. Prova do acerto da decisão é visto na recente evolução tecnológica dos países que usavam a difusão gasosa, como os EUA e a França, para o processo da ultracentrifugação.

Como produtos do desenvolvimento da implantação da tecnologia de ultracentrifugação, foi desenvolvida no Brasil a produção de aços de alta resistência, assim como de válvulas especiais para operar com substâncias corrosivas. Igualmente importante, vários componentes de satélites e mísseis têm sido fabricados e testados usando recursos laboratoriais e industriais do CEA, originalmente estabelecidos para o desenvolvimento do programa nuclear conduzido pela Marinha. Recentemente, identifica-se também como resultado expressivo o trabalho conjunto da MB, Força Aérea Brasileira (FAB), universidades e institutos de pesquisa, para a produção no país de fibra de carbono de alto desempenho, por meio de convênio com a Financiadora de Projetos (FINEP), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

O sucesso alcançado pelo projeto de enriquecimento, dentro do lema do CTMSP de que “Tecnologia Própria é Independência”, constitui-se em exemplo de que o caminho de acreditar no potencial dos brasileiros e utilizá-lo para suplantar obstáculos ao desenvolvimento nacional é, em alguns casos, o único viável e, em muitos outros, aquele que poderá garantir às futuras gerações maior autonomia e independência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO NO BRASIL

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Desenvolvimento da tecnologia por ultracentrifugação

Othon Luiz Pinheiro da Silva[1]

André Luis Ferreira Marques[2]

 Introdução

Após as iniciativas do Almirante Álvaro Alberto durante os anos 50 de realizar pesquisas científicas no Brasil, no setor nuclear, o governo brasileiro decidiu investir recursos, já no início dos anos 70, para dotar o país de capacitação plena no ciclo do combustível nuclear, produção de reatores de pesquisa e de potência e, finalmente, no reprocessamento de combustível nuclear utilizado nos reatores. Tal linha de ação visava garantir os meios necessários para o fortalecimento de nossa matriz energética, com a utilização dos recursos naturais existentes (minas de urânio e tório, cujas reservas estão entre as maiores no mundo) para a produção de energia elétrica, dentro da visão particular dos programas de desenvolvimento em vigor à época. 

Dentro deste contexto, previu-se a construção de diversas usinas nucleares, em torno de 56 unidades do tipo PWR (pressurized water reactor). Além desse motivo, havia a necessidade estratégica de se colocar o setor nuclear do Brasil em grau de desenvolvimento no mesmo patamar que outros países de mesmo porte estavam perseguindo. Assim, diversas medidas foram tomadas, como a capacitação de pessoal no exterior, formação de empresas estatais para executar as atividades industriais e a criação e o fortalecimento dos institutos de pesquisas.

Neste cenário, em 1975, celebrou-se o Acordo Brasil-Alemanha de cooperação no setor nuclear, onde haveria a transferência alemã de tecnologia e alguns meios para os objetivos mencionados logo acima. Alguns itens derivados deste acordo são a fábrica de construção de reatores da NUCLEP (Nuclebrás Equipamentos Pesados, em Itaguaí) e a própria Usina Nuclear de Angra 2, ambos construídos no estado do Rio de Janeiro. No ciclo do combustível nuclear, a transferência tecnologia inicialmente prevista para o enriquecimento de urânio era a ultracentrifugação, a qual os alemães já dominavam há alguns anos. No entanto, por pressões internacionais, a transferência ao Brasil desta tecnologia foi vetada, oferecendo-se a alternativa do “jet-nozzle”, a qual ainda estava em fase de desenvolvimento laboratorial. O motivo de se enriquecer o urânio (aumento do teor de U235 em relação ao que se dispõe naturalmente) deve-se ao fato de que a probabilidade de ocorrer a fissão neste elemento químico ser muito maior do que em outros elementos químicos (da ordem de mil vezes).

Na mesma ocasião (final dos anos 70), a Marinha do Brasil (MB) identificou a necessidade de se operar com submarinos de propulsão nuclear, uma vez que estes são vetores com grande poder de dissuasão e vantagem tática, em função de seu alto poder de discrição (pode operar muito tempo submerso, dificultando sua detecção por forças aeronavais de superfície). Por causa da grande densidade de energia de seu reator nuclear, além de gerar oxigênio para sua tripulação, o submarino nuclear pode manter altas velocidades durante muito tempo, permitindo-se patrulhar grandes extensões de mar territorial.

É importante mencionar que um País pretendendo operar submarinos nucleares deve providenciar toda a infra-estrutura necessária (base de apoio, fabricação e manutenção de componentes principais, entre outros), porque a dependência externa em se obter componentes vitais, tais como o núcleo do reator nuclear naval, é uma hipótese descartada, devido à vulnerabilidade logística inerente desse tipo de dependência. Em passado não muito distante, vimos este tipo de situação no veto de exportação de suprimentos ingleses para a Argentina, durante a Guerra das Malvinas, o que diminuiu em muito a eficácia de sua Marinha.

Dentre os diversos métodos de enriquecimento de urânio (separação isotópica do U235 em razão maior do que 0,7%, que aquela que se encontra na Natureza), somente dois processos revelam-se atraentes para produção em escala industrial: a difusão gasosa e a ultracentrifugação.

No primeiro, comprimi-se o gás hexafluoreto de urânio (UF6) através de membranas microporosas, associadas em série, de forma a se separar o U238 do U235, sendo este último mais interessante para a fissão com nêutrons. Na ultracentrifugação, a separação é feita pela força centrífuga agindo nas partículas de UF6, cujo princípio é idêntico àquele que conhecemos em nossa casa, concentrando-se o U238 em uma região mais externa do que o U235, porque o primeiro é mais pesado somente cerca de 1% em relação ao

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segundo. Daí aparecer o termo “ultra” centrifugação (operar em velocidades tangenciais muito altas), para separar dois elementos cujas massas são muito próximas.

 Todos os demais processos (e.g. eletromagnético, colunas térmicas) não se aproximam em termos de eficiência (da ordem de pelo menos 100 vezes) em relação à ultracentrifugação, seja pelo consumo elevado de energia e/ou pela geração de grande quantidade de efluentes químicos. Além disso, há processos que ainda não saíram da fase laboratorial, como é o enriquecimento a laser. O “jet-nozzle” seguiu o mesmo caminho, não sendo industrialmente eficaz.

Com a negativa de importação da tecnologia de ultracentrifugação e com a transferência alemã de um método não eficaz em escala industrial, decidiu-se pelo desenvolvimento nacional do enriquecimento de urânio por ultracentrifugação pela Marinha e por laser pela FAB, também no final dos anos 70. É importante mencionar que dentre as atividades do ciclo do combustível, o enriquecimento de urânio é a que reúne a maior complexidade tecnológica, por lidar com exigências técnicas muito estritas, em termos de seleção e desenvolvimento de materiais, em controle de qualidade dimensional, diversos métodos e etapas de fabricação eletromecânica, entre outros aspectos.

 Desenvolvimento

A tecnologia de ultracentrifugação foi desenvolvida na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, pela equipe do Prof. Zippe. Posteriormente, os russos a aperfeiçoaram com o auxílio do próprio Zippe e alguns de seus cientistas. Atualmente, menos de 10 países no mundo dominam esta tecnologia, sendo o Brasil um deles.

 Figura 1 – Esquema de Ultracentrífuga

Na figura 1, baseando-se em fontes ostensivas e em linhas gerais, apresenta-se um esquema de uma ultracentrífuga, com as seguintes partes [1]:

a)      Carcaçab)      Rotorc)       Motord)      Distribuidor e coletores de hexafluoreto de Urânioe)      Mancais

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Para se obter a separação isotópica mencionada acima, deve-se operar com as maiores rotações possíveis, uma vez que a força centrífuga é proporcional ao quadrado da velocidade angular. No entanto, deve-se respeitar os limites de resistência dos materiais (devido às altas tensões mecânicas ou esforços solicitantes decorrentes) e diminuir o consumo de energia ao máximo. Nesta ótica, quanto menor for o atrito entre as diversas partes, melhor será o rendimento da ultracentrífuga.

Para a diminuição do atrito, opera-se sob vácuo entre a carcaça e o rotor, ao mesmo tempo que se atenua o atrito nos mancais. Desenvolvido e homologado um modelo de ultracentrífuga, fabricam-se diversas delas para que sejam montadas em arranjos série e paralelo, os quais passam a se chamar “cascata de enriquecimento de urânio”, em função das condições de contorno do projeto (quantidade de massa e teor de enriquecimento). Para reatores do tipo de Angra 1 e 2, são necessárias toneladas de UF 6 enriquecido entre 3 e 5%.

 Por exemplo, os arranjos em paralelo objetivam a produção de grande massa, mas com baixo teor de enriquecimento. Por outro lado, o arranjo em série provê uma quantidade de massa muito pequena, mas com alto teor de enriquecimento. A figura 2 apresenta um arranjo em cascata, onde o produto de um determinado estágio segue para a alimentação do estágio seguinte, enquanto que o seu “rejeito” retorna para alimentação do estágio anterior. Observa-se que se recicla o UF6 o tempo todo ao longo do processo: o produto de um estágio de enriquecimento é direcionado para a alimentação do estágio seguinte, enquanto que o rejeito do estágio inicial retorna para a alimentação do estágio anterior.

Como em aplicações de alto desempenho (e.g. aeroespacial, biomedicina), os materiais potencialmente aplicáveis em sistemas de separação isotópica devem reunir grande resistência mecânica, baixa densidade e resistência ao meio corrosivo (constituído pelo UF6). No quesito da resistência mecânica, considera-se para efeitos didáticos que a tensão mecânica associada seja proporcional ao quadrado do módulo de elasticidade (N/m2) dividido pela densidade (kg/m3). Consultando-se referências ostensivas, na tabela 1 evidencia-se que os materiais poliméricos são extremamente desejáveis, apesar de sua fabricação ser mais trabalhosa, assim como o seu projeto, uma vez que tais materiais exibem grande “anisotropia”, i.e. variação acentuada das propriedades, principalmente mecânicas, com as direções. Os materiais metálicos, como os aços “maraging” ou as ligas de titânio são também atraentes, mas sua densidade diminui sensivelmente o desempenho, quando se compara com os materiais compósitos.

Tabela 1 – Comparação de propriedades de materiais [1]

•Material    •Resistência Mecânica  

•Densidade •Velocidade periférica máxima

•Ligas de Alumínio •1,0 •1,0 •1,0

•Ligas de Titânio •1,8 •1,6 •1,0

•Aços de Alta Resist •3,4 •2,9 •1,1

•Aços Maraging •5,5 •2,9 •1,4

•Fibra de vidro/ resina •1,4 •0,7 •1,4

•Fibra de Carbono •3, •20,6 •2,2

•KEVLAR /resina •3 •0,5 •2,6Observações:Resistência mecânica liga Alumínio = resistência à tração = 500MPa;Densidade liga Alumínio = 2800 kg/m3

Velocidade periférica máxima(Al)=425m/s

 

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Legenda: A – Alimentação (com urânio natural)P – Produto (ou parte enriquecida)R – Rejeito (ou parte empobrecida)Figura 2 – Esquema de cascata

O poder de separação de uma ultracentrífuga é medido em kg de UTS, ou Unidade de Trabalho Separativo, por ano (kg UTS/ano). Esta unidade advém da teoria de operação de meios em cascata, onde se emprega o conceito matemático de função de valor. Em linhas gerais, a equação 1 expressa esse poder [2].

Poder de Separação L x rotação n x D x (DM) 2 x Temp –2        (1)

Onde:L – comprimento verticalD – coeficiente de difusão do UF6

DM – diferença de massa entre isótopos (U238 – U235)Temp – temperatura do UF6

n – coeficiente entre 4 e 5.

Como se pode notar, quanto maior a rotação maior será o poder separativo, assim como o comprimento do rotor, e menor for a temperatura do UF6. Entretanto, é digno de nota que o ponto triplo deste gás é muito próximo das condições normais de temperatura e pressão (CNTP), fazendo com que este dessublime (passe do estado gasoso para sólido) facilmente naquelas condições, o que pode entupir tubulações de processo. Além disso, em contato com o ar, o hexafluoreto de urânio reage com a umidade  produzindo o ácido fluorídrico (HF), que é perigoso.

Identificados os principais aspectos técnicos do desenvolvimento da ultracentrifugação, o programa nuclear da MB construiu todos os meios laboratoriais e industriais necessários para se desenvolver e implantar esta tecnologia no Brasil. Como sempre feito pela MB, mobilizaram-se alguns dos melhores talentos e meios existentes no Brasil, reunindo-se equipes de vários setores: engenharia mecânica, mecatrônica, engenharia eletrônica, engenharia de processos, engenharia de materiais, entre outros. Para a gerência dos recursos materiais e humanos, a MB criou a Coordenadoria para Projetos Especiais (COPESP), em 1986, posteriormente renomeada como Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), com sede no

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campus da Universidade de São Paulo (USP) e o Centro Experimental ARAMAR (CEA) na região do município de Iperó/SP. A escolha recaiu no Estado de São Paulo por ser o estado que dispõe do melhor parque industrial, contando também com escolas de engenharia e centros de pesquisa de primeira grandeza.

Como se sabe, os fenômenos de transporte (gás dinâmica) e transferência de calor associados aos fluidos que escoam em velocidades muito altas apresentam-se como não lineares, sendo muito difícil a sua  simulação por meios puramente analíticos e numéricos, mesmo com a atual disponibilidade de recursos computacionais de grande capacidade.

Assim sendo, no desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação de urânio, foram construídos diversos laboratórios, relacionando-se estes com muitos institutos de pesquisas, empresas e universidades em todo o território nacional. Em poucas palavras, tal desenvolvimento é fundamentado em experimentação e simulação em diversas escalas (inclusive a natural ou 1:1), de forma a se homologar um componente ou sistema para a produção e montagem industriais. Nas diversas parcerias firmadas, a interação procura a otimização contínua de aspectos multidisciplinares, incorporando-se às máquinas o que se há de mais avançado nas diversas áreas tecnologias com materiais avançados, técnicas de fabricação, malhas de controle e eletrônica.

O produto deste esforço nacional pode ser visto nas duas instalações de enriquecimento de urânio da MB no CEA: o Laboratório de Enriquecimento de Urânio (LEI) e a Usina de Demonstração Industrial de Enriquecimento (USIDE), as quais operam desde o final dos anos 80 e início dos 90. Mais recentemente, o esforço do desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação se faz notar no contrato celebrado entre a MB e as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) para a instalação de cascatas de enriquecimento de urânio na unidade de Resende/RJ, para a fabricação de combustível nuclear para as usinas de Angra 1 e 2. Outras informações sobre o processo de enriquecimento de urânio no mundo podem ser encontradas nas referências 4 e 5.

Conclusão

O desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação de urânio é um marco de sucesso na história tecnológica do Brasil. Do interesse inicial do Almirante Álvaro Alberto, o qual tentou trazer centrífugas da Alemanha no pós-Guerra, enfrentando forte resistência externa, conseguiu-se com o esforço, dedicação, criatividade e obstinação de técnicos e engenheiros brasileiros, ao longo de 15 anos, conceber e aperfeiçoar uma série de máquinas para produção de material para uso no combustível nuclear, emprego pacífico da energia nuclear, como estabelece nossa Constituição Federal.

A decisão tomada no final dos anos 70 pela escolha da ultracentrifugação foi acertada, por ser um método muito eficiente, em termos de consumo de energia elétrica, e modular, trabalhando com unidades padronizadas e organizadas em arranjos em série e paralelo, o que garante boa flexibilidade operacional. Prova do acerto da decisão é visto na recente evolução tecnológica dos países que usavam a difusão gasosa, como os EUA e a França, para o processo da ultracentrifugação.

Como produtos do desenvolvimento da implantação da tecnologia de ultracentrifugação, foi desenvolvida no Brasil a produção de aços de alta resistência, assim como de válvulas especiais para operar com substâncias corrosivas. Igualmente importante, vários componentes de satélites e mísseis têm sido fabricados e testados usando recursos laboratoriais e industriais do CEA, originalmente estabelecidos para o desenvolvimento do programa nuclear conduzido pela Marinha. Recentemente, identifica-se também como resultado expressivo o trabalho conjunto da MB, Força Aérea Brasileira (FAB), universidades e institutos de pesquisa, para a produção no país de fibra de carbono de alto desempenho, por meio de convênio com a Financiadora de Projetos (FINEP), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

O sucesso alcançado pelo projeto de enriquecimento, dentro do lema do CTMSP de que “Tecnologia Própria é Independência”, constitui-se em exemplo de que o caminho de acreditar no potencial dos brasileiros e utilizá-lo para suplantar obstáculos ao desenvolvimento nacional é, em alguns casos, o único viável e, em muitos outros, aquele que poderá garantir às futuras gerações maior autonomia e independência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO NO BRASIL

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Desenvolvimento da tecnologia por ultracentrifugação

Othon Luiz Pinheiro da Silva[1]

André Luis Ferreira Marques[2]

 Introdução

Após as iniciativas do Almirante Álvaro Alberto durante os anos 50 de realizar pesquisas científicas no Brasil, no setor nuclear, o governo brasileiro decidiu investir recursos, já no início dos anos 70, para dotar o país de capacitação plena no ciclo do combustível nuclear, produção de reatores de pesquisa e de potência e, finalmente, no reprocessamento de combustível nuclear utilizado nos reatores. Tal linha de ação visava garantir os meios necessários para o fortalecimento de nossa matriz energética, com a utilização dos recursos naturais existentes (minas de urânio e tório, cujas reservas estão entre as maiores no mundo) para a produção de energia elétrica, dentro da visão particular dos programas de desenvolvimento em vigor à época. 

Dentro deste contexto, previu-se a construção de diversas usinas nucleares, em torno de 56 unidades do tipo PWR (pressurized water reactor). Além desse motivo, havia a necessidade estratégica de se colocar o setor nuclear do Brasil em grau de desenvolvimento no mesmo patamar que outros países de mesmo porte estavam perseguindo. Assim, diversas medidas foram tomadas, como a capacitação de pessoal no exterior, formação de empresas estatais para executar as atividades industriais e a criação e o fortalecimento dos institutos de pesquisas.

Neste cenário, em 1975, celebrou-se o Acordo Brasil-Alemanha de cooperação no setor nuclear, onde haveria a transferência alemã de tecnologia e alguns meios para os objetivos mencionados logo acima. Alguns itens derivados deste acordo são a fábrica de construção de reatores da NUCLEP (Nuclebrás Equipamentos Pesados, em Itaguaí) e a própria Usina Nuclear de Angra 2, ambos construídos no estado do Rio de Janeiro. No ciclo do combustível nuclear, a transferência tecnologia inicialmente prevista para o enriquecimento de urânio era a ultracentrifugação, a qual os alemães já dominavam há alguns anos. No entanto, por pressões internacionais, a transferência ao Brasil desta tecnologia foi vetada, oferecendo-se a alternativa do “jet-nozzle”, a qual ainda estava em fase de desenvolvimento laboratorial. O motivo de se enriquecer o urânio (aumento do teor de U235 em relação ao que se dispõe naturalmente) deve-se ao fato de que a probabilidade de ocorrer a fissão neste elemento químico ser muito maior do que em outros elementos químicos (da ordem de mil vezes).

Na mesma ocasião (final dos anos 70), a Marinha do Brasil (MB) identificou a necessidade de se operar com submarinos de propulsão nuclear, uma vez que estes são vetores com grande poder de dissuasão e vantagem tática, em função de seu alto poder de discrição (pode operar muito tempo submerso, dificultando sua detecção por forças aeronavais de superfície). Por causa da grande densidade de energia de seu reator nuclear, além de gerar oxigênio para sua tripulação, o submarino nuclear pode manter altas velocidades durante muito tempo, permitindo-se patrulhar grandes extensões de mar territorial.

É importante mencionar que um País pretendendo operar submarinos nucleares deve providenciar toda a infra-estrutura necessária (base de apoio, fabricação e manutenção de componentes principais, entre outros), porque a dependência externa em se obter componentes vitais, tais como o núcleo do reator nuclear naval, é uma hipótese descartada, devido à vulnerabilidade logística inerente desse tipo de dependência. Em passado não muito distante, vimos este tipo de situação no veto de exportação de suprimentos ingleses para a Argentina, durante a Guerra das Malvinas, o que diminuiu em muito a eficácia de sua Marinha.

Dentre os diversos métodos de enriquecimento de urânio (separação isotópica do U235 em razão maior do que 0,7%, que aquela que se encontra na Natureza), somente dois processos revelam-se atraentes para produção em escala industrial: a difusão gasosa e a ultracentrifugação.

No primeiro, comprimi-se o gás hexafluoreto de urânio (UF6) através de membranas microporosas, associadas em série, de forma a se separar o U238 do U235, sendo este último mais interessante para a fissão com nêutrons. Na ultracentrifugação, a separação é feita pela força centrífuga agindo nas partículas de UF6, cujo princípio é idêntico àquele que conhecemos em nossa casa, concentrando-se o U238 em uma região mais externa do que o U235, porque o primeiro é mais pesado somente cerca de 1% em relação ao

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segundo. Daí aparecer o termo “ultra” centrifugação (operar em velocidades tangenciais muito altas), para separar dois elementos cujas massas são muito próximas.

 Todos os demais processos (e.g. eletromagnético, colunas térmicas) não se aproximam em termos de eficiência (da ordem de pelo menos 100 vezes) em relação à ultracentrifugação, seja pelo consumo elevado de energia e/ou pela geração de grande quantidade de efluentes químicos. Além disso, há processos que ainda não saíram da fase laboratorial, como é o enriquecimento a laser. O “jet-nozzle” seguiu o mesmo caminho, não sendo industrialmente eficaz.

Com a negativa de importação da tecnologia de ultracentrifugação e com a transferência alemã de um método não eficaz em escala industrial, decidiu-se pelo desenvolvimento nacional do enriquecimento de urânio por ultracentrifugação pela Marinha e por laser pela FAB, também no final dos anos 70. É importante mencionar que dentre as atividades do ciclo do combustível, o enriquecimento de urânio é a que reúne a maior complexidade tecnológica, por lidar com exigências técnicas muito estritas, em termos de seleção e desenvolvimento de materiais, em controle de qualidade dimensional, diversos métodos e etapas de fabricação eletromecânica, entre outros aspectos.

 Desenvolvimento

A tecnologia de ultracentrifugação foi desenvolvida na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, pela equipe do Prof. Zippe. Posteriormente, os russos a aperfeiçoaram com o auxílio do próprio Zippe e alguns de seus cientistas. Atualmente, menos de 10 países no mundo dominam esta tecnologia, sendo o Brasil um deles.

 Figura 1 – Esquema de Ultracentrífuga

Na figura 1, baseando-se em fontes ostensivas e em linhas gerais, apresenta-se um esquema de uma ultracentrífuga, com as seguintes partes [1]:

a)      Carcaçab)      Rotorc)       Motord)      Distribuidor e coletores de hexafluoreto de Urânioe)      Mancais

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Para se obter a separação isotópica mencionada acima, deve-se operar com as maiores rotações possíveis, uma vez que a força centrífuga é proporcional ao quadrado da velocidade angular. No entanto, deve-se respeitar os limites de resistência dos materiais (devido às altas tensões mecânicas ou esforços solicitantes decorrentes) e diminuir o consumo de energia ao máximo. Nesta ótica, quanto menor for o atrito entre as diversas partes, melhor será o rendimento da ultracentrífuga.

Para a diminuição do atrito, opera-se sob vácuo entre a carcaça e o rotor, ao mesmo tempo que se atenua o atrito nos mancais. Desenvolvido e homologado um modelo de ultracentrífuga, fabricam-se diversas delas para que sejam montadas em arranjos série e paralelo, os quais passam a se chamar “cascata de enriquecimento de urânio”, em função das condições de contorno do projeto (quantidade de massa e teor de enriquecimento). Para reatores do tipo de Angra 1 e 2, são necessárias toneladas de UF 6 enriquecido entre 3 e 5%.

 Por exemplo, os arranjos em paralelo objetivam a produção de grande massa, mas com baixo teor de enriquecimento. Por outro lado, o arranjo em série provê uma quantidade de massa muito pequena, mas com alto teor de enriquecimento. A figura 2 apresenta um arranjo em cascata, onde o produto de um determinado estágio segue para a alimentação do estágio seguinte, enquanto que o seu “rejeito” retorna para alimentação do estágio anterior. Observa-se que se recicla o UF6 o tempo todo ao longo do processo: o produto de um estágio de enriquecimento é direcionado para a alimentação do estágio seguinte, enquanto que o rejeito do estágio inicial retorna para a alimentação do estágio anterior.

Como em aplicações de alto desempenho (e.g. aeroespacial, biomedicina), os materiais potencialmente aplicáveis em sistemas de separação isotópica devem reunir grande resistência mecânica, baixa densidade e resistência ao meio corrosivo (constituído pelo UF6). No quesito da resistência mecânica, considera-se para efeitos didáticos que a tensão mecânica associada seja proporcional ao quadrado do módulo de elasticidade (N/m2) dividido pela densidade (kg/m3). Consultando-se referências ostensivas, na tabela 1 evidencia-se que os materiais poliméricos são extremamente desejáveis, apesar de sua fabricação ser mais trabalhosa, assim como o seu projeto, uma vez que tais materiais exibem grande “anisotropia”, i.e. variação acentuada das propriedades, principalmente mecânicas, com as direções. Os materiais metálicos, como os aços “maraging” ou as ligas de titânio são também atraentes, mas sua densidade diminui sensivelmente o desempenho, quando se compara com os materiais compósitos.

Tabela 1 – Comparação de propriedades de materiais [1]

•Material    •Resistência Mecânica  

•Densidade •Velocidade periférica máxima

•Ligas de Alumínio •1,0 •1,0 •1,0

•Ligas de Titânio •1,8 •1,6 •1,0

•Aços de Alta Resist •3,4 •2,9 •1,1

•Aços Maraging •5,5 •2,9 •1,4

•Fibra de vidro/ resina •1,4 •0,7 •1,4

•Fibra de Carbono •3, •20,6 •2,2

•KEVLAR /resina •3 •0,5 •2,6Observações:Resistência mecânica liga Alumínio = resistência à tração = 500MPa;Densidade liga Alumínio = 2800 kg/m3

Velocidade periférica máxima(Al)=425m/s

 

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Legenda: A – Alimentação (com urânio natural)P – Produto (ou parte enriquecida)R – Rejeito (ou parte empobrecida)Figura 2 – Esquema de cascata

O poder de separação de uma ultracentrífuga é medido em kg de UTS, ou Unidade de Trabalho Separativo, por ano (kg UTS/ano). Esta unidade advém da teoria de operação de meios em cascata, onde se emprega o conceito matemático de função de valor. Em linhas gerais, a equação 1 expressa esse poder [2].

Poder de Separação L x rotação n x D x (DM) 2 x Temp –2        (1)

Onde:L – comprimento verticalD – coeficiente de difusão do UF6

DM – diferença de massa entre isótopos (U238 – U235)Temp – temperatura do UF6

n – coeficiente entre 4 e 5.

Como se pode notar, quanto maior a rotação maior será o poder separativo, assim como o comprimento do rotor, e menor for a temperatura do UF6. Entretanto, é digno de nota que o ponto triplo deste gás é muito próximo das condições normais de temperatura e pressão (CNTP), fazendo com que este dessublime (passe do estado gasoso para sólido) facilmente naquelas condições, o que pode entupir tubulações de processo. Além disso, em contato com o ar, o hexafluoreto de urânio reage com a umidade  produzindo o ácido fluorídrico (HF), que é perigoso.

Identificados os principais aspectos técnicos do desenvolvimento da ultracentrifugação, o programa nuclear da MB construiu todos os meios laboratoriais e industriais necessários para se desenvolver e implantar esta tecnologia no Brasil. Como sempre feito pela MB, mobilizaram-se alguns dos melhores talentos e meios existentes no Brasil, reunindo-se equipes de vários setores: engenharia mecânica, mecatrônica, engenharia eletrônica, engenharia de processos, engenharia de materiais, entre outros. Para a gerência dos recursos materiais e humanos, a MB criou a Coordenadoria para Projetos Especiais (COPESP), em 1986, posteriormente renomeada como Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), com sede no

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campus da Universidade de São Paulo (USP) e o Centro Experimental ARAMAR (CEA) na região do município de Iperó/SP. A escolha recaiu no Estado de São Paulo por ser o estado que dispõe do melhor parque industrial, contando também com escolas de engenharia e centros de pesquisa de primeira grandeza.

Como se sabe, os fenômenos de transporte (gás dinâmica) e transferência de calor associados aos fluidos que escoam em velocidades muito altas apresentam-se como não lineares, sendo muito difícil a sua  simulação por meios puramente analíticos e numéricos, mesmo com a atual disponibilidade de recursos computacionais de grande capacidade.

Assim sendo, no desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação de urânio, foram construídos diversos laboratórios, relacionando-se estes com muitos institutos de pesquisas, empresas e universidades em todo o território nacional. Em poucas palavras, tal desenvolvimento é fundamentado em experimentação e simulação em diversas escalas (inclusive a natural ou 1:1), de forma a se homologar um componente ou sistema para a produção e montagem industriais. Nas diversas parcerias firmadas, a interação procura a otimização contínua de aspectos multidisciplinares, incorporando-se às máquinas o que se há de mais avançado nas diversas áreas tecnologias com materiais avançados, técnicas de fabricação, malhas de controle e eletrônica.

O produto deste esforço nacional pode ser visto nas duas instalações de enriquecimento de urânio da MB no CEA: o Laboratório de Enriquecimento de Urânio (LEI) e a Usina de Demonstração Industrial de Enriquecimento (USIDE), as quais operam desde o final dos anos 80 e início dos 90. Mais recentemente, o esforço do desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação se faz notar no contrato celebrado entre a MB e as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) para a instalação de cascatas de enriquecimento de urânio na unidade de Resende/RJ, para a fabricação de combustível nuclear para as usinas de Angra 1 e 2. Outras informações sobre o processo de enriquecimento de urânio no mundo podem ser encontradas nas referências 4 e 5.

Conclusão

O desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação de urânio é um marco de sucesso na história tecnológica do Brasil. Do interesse inicial do Almirante Álvaro Alberto, o qual tentou trazer centrífugas da Alemanha no pós-Guerra, enfrentando forte resistência externa, conseguiu-se com o esforço, dedicação, criatividade e obstinação de técnicos e engenheiros brasileiros, ao longo de 15 anos, conceber e aperfeiçoar uma série de máquinas para produção de material para uso no combustível nuclear, emprego pacífico da energia nuclear, como estabelece nossa Constituição Federal.

A decisão tomada no final dos anos 70 pela escolha da ultracentrifugação foi acertada, por ser um método muito eficiente, em termos de consumo de energia elétrica, e modular, trabalhando com unidades padronizadas e organizadas em arranjos em série e paralelo, o que garante boa flexibilidade operacional. Prova do acerto da decisão é visto na recente evolução tecnológica dos países que usavam a difusão gasosa, como os EUA e a França, para o processo da ultracentrifugação.

Como produtos do desenvolvimento da implantação da tecnologia de ultracentrifugação, foi desenvolvida no Brasil a produção de aços de alta resistência, assim como de válvulas especiais para operar com substâncias corrosivas. Igualmente importante, vários componentes de satélites e mísseis têm sido fabricados e testados usando recursos laboratoriais e industriais do CEA, originalmente estabelecidos para o desenvolvimento do programa nuclear conduzido pela Marinha. Recentemente, identifica-se também como resultado expressivo o trabalho conjunto da MB, Força Aérea Brasileira (FAB), universidades e institutos de pesquisa, para a produção no país de fibra de carbono de alto desempenho, por meio de convênio com a Financiadora de Projetos (FINEP), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

O sucesso alcançado pelo projeto de enriquecimento, dentro do lema do CTMSP de que “Tecnologia Própria é Independência”, constitui-se em exemplo de que o caminho de acreditar no potencial dos brasileiros e utilizá-lo para suplantar obstáculos ao desenvolvimento nacional é, em alguns casos, o único viável e, em muitos outros, aquele que poderá garantir às futuras gerações maior autonomia e independência.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Irã continuará a enriquecer urânio a 20% mesmo com acordo, diz governoAnúncio foi feito pouco depois de país firmar pacto de troca de material nuclear com Brasil e Turquia

17 de maio de 2010 | 8h 48

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Agência Estado

Page 17: ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO NO BRASIL

Chanceleres (à frente) e presidentes celebram acordo em Teerã.

TEERÃ - O Irã vai continuar a enriquecer urânio a 20%, afirmou nesta segunda-feira, 17, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do país à agência Irna. A declaração foi dada pouco tempo depois de Teerã firmar um acordo com Brasil e Turquia para enviar a maior parte de seu urânio enriquecido e trocá-lo em território turco por material nuclear preparado para uso pacífico.

Em torno do acordo:Irã, Brasil e Turquia fecham acordo para troca de urânioLula diz que acordo é vitória da diplomaciaIrã fala em retomar diálogo com potênciasAmorim diz que acordo impede novas sanções

"Claro que o enriquecimento a 20% irá continuar em nosso próprio país", disse o porta-voz Ramin Mehmanparast. O Irã recebeu muitas críticas internacionais em fevereiro, após começar a enriquecer urânio a 20%, necessário como combustível em seu reator de pesquisas.

O processo de enriquecimento de urânio pode ser usado tanto para fins pacíficos como para um programa de armas nucleares. Potências lideradas pelos EUA temem que o Irã busque secretamente essas

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armas, mas Teerã alega ter apenas fins pacíficos. Para produzir uma bomba atômica, é preciso urânio enriquecido a mais de 90%.

Repercussão:Brasil rebate críticas de Israel sobre acordoAIEA deve validar acordo, dizem potênciasAcordo não elimina, mas dificulta sançõesReino Unido diz que Irã ainda causa 'preocupação'

No domingo, os ministros de Relações Exteriores do Irã, da Turquia e do Brasil assinaram um acordo sobre o programa nuclear iraniano na reunião do G-15 (17 países em desenvolvimento), em Teerã. O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, aceitou trocar 1.200 quilos de urânio por material nuclear (enriquecido a 20%) equivalente para seu reator de pesquisas médicas. O processo deverá se dar em território turco.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considerou o acordo como uma "vitória da diplomacia". O Brasil, ao lado da Turquia, eram dois dos membros não permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) que rejeitavam a imposição de sanções contra o Irã por conta de seu programa nuclear e pediam mais diálogo.

O Irã já foi alvo de três rodadas de sanções no Conselho de Segurança por se recusar a interromper o enriquecimento de urânio. Os membros permanentes do órgão - EUA, França, Reino Unido, Rússia e China - negociam uma quarta rodada de sanções à República Islâmica. Chineses e russos, porém, mostram-se desfavoráveis às resoluções devido à boas relações comerciais que mantêm com os iranianos.

Diplomatas ocidentais próximos à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão regulador das atividades nucleares mantido pela ONU, afirmaram que o acordo não elimina as chances de serem aplicadas novas sanções, já que o Irã se recusa a interromper o enriquecimento de urânio. O pacto, porém, pode dificultar a ação do Conselho, já que Rússia e China podem se distanciar das negociações.

Especialistas: GUTERMAN: O 'acordo' com o Irã: ouro de tolo CHACRA: Ameaça de sanções ajudou acordo

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, porém, informou que já planeja retomar o diálogo com as potências do Conselho de Segurança. "Espero que o 5+1 - Reino Unido, EUA, China, Rússia, França e Alemanha - participem das negociações com honestidade, respeito e

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justiça e deem sequencia ao grande trabalho iniciado em Teerã", disse ele, segundo a agência de notícias estatal iraniana.

Ainda sobre a adoção de sanções pendente, o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, e o primeir-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, disseram que o acordo faz com que não sejam mais necessárias tais medidas.

PONTOS-CHAVE

Proposta da AIEA

Em outubro, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) propõe ao Irã enviar urânio para França e Rússia, que o devolveriam enriquecido o suficiente para pesquisas

Condenação

Em novembro, a AIEA condena o Irã por manter segredo sobre estação de Qom. Teerã diz que motivação é política e anuncia construção de dez novas instalações nucleares

Pressão americana

O presidente americano, Barack Obama, diz que a única forma de frear o programa nuclear iraniano é a adoção de novas sanções pela ONU ao país. Grã-Bretanha, e França reforçam esta posição

Defesa brasileira

Contrariando os EUA, o presidente Lula afirma que sanções prejudicariam somente o povo iraniano e defende o direito do Irã de levar adiante um programa nuclear pacífico

O enriquecimento de urânio no Brasil * Por Oyanarte Portilho Publicado em 18/02/2005 - 02:00 A+ | A- | |

Em 1939, um mês antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, Einstein escreveu uma carta ao presidente Roosevelt alertando-o sobre as pesquisas acerca da fissão do urânio, desenvolvidas por Otto Hahn e colegas na Alemanha. Os estudos poderiam conduzir à conquista da conversão da matéria em energia, prevista na sua teoria especial da relatividade. Einstein temia que o controle de tal processo, aplicado para fins bélicos, conferisse a Hitler, que já havia proibido a exportação de urânio pela Checoslováquia ocupada, o poder de dominar o mundo, encerrando a civilização nas negras masmorras da

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ditadura nazista. Cessou aí a decisiva contribuição do pacifista Einstein ao que se tornou o Projeto Manhattan.

O projeto culminou na eliminação de milhares de vidas de cidadãos inocentes em Hiroshima e Nagasaki em 1945, no fim da Guerra. Paralelamente ao projeto militar, Enrico Fermi, que havia emigrado da Itália fugindo do regime fascista, logrou em 1942, pela primeira vez, num laboratório montado sob as estruturas de uma quadra esportiva na Universidade de Chicago, o controle da reação em cadeia da fissão do urânio para fins pacíficos, construindo a chamada pilha atômica, precursora das modernas centrais nucleares de produção de energia elétrica.

Para o funcionamento eficiente dos reatores nucleares, usados na geração de energia elétrica ou como força propulsora, o combustível deve apresentar o urânio-235 na proporção entre 2% e 3%, enquanto que nas bombas atômicas requer-se 90%. Como o minério contém apenas 0,7%, o urânio deve passar por um processamento de elevação do teor desse isótopo, conhecido como enriquecimento de urânio. O primeiro método utilizado em escala industrial foi o da difusão gasosa, que consiste na passagem do gás hexafluoreto de urânio por paredes porosas, atingindo-se a cada passagem maior concentração das moléculas mais leves de UF6, formadas por átomos do isótopo desejado. 

Um outro método consiste na ultracentrifugação do gás, de forma a poder coletar-se as moléculas mais leves fora da borda da centrífuga. Esse método ainda se encontrava em fase experimental em 1975 quando o presidente Geisel assinou o Acordo Brasil-Alemanha, no qual constava, além da aquisição das centrais nucleares de Angra 2 e 3, a transferência dessa segunda tecnologia de enriquecimento desenvolvida até aquela época pela Alemanha. 

De lá para cá, pouco se tem falado a respeito de eventuais avanços alcançados por cientistas e técnicos brasileiros nesse tópico, até que o jornal New York Times noticiasse recentemente a dificuldade enfrentada por inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para acessar uma parte das dependências da fábrica de Resende (RJ), onde os equipamentos de enriquecimento encontram-se instalados. Autoridades do governo alegam a necessidade de proteção do know-how adquirido após a injeção de mais de um bilhão de dólares de investimentos em pesquisas, o que nos teriam tornado auto-suficientes na produção do combustível nuclear para as usinas de Angra dos Reis (RJ). 

Entretanto, José Goldemberg, eminente físico brasileiro, com passagens na direção da Sociedade Brasileira de Física, na reitoria da USP e no Ministério da Ciência e Tecnologia no governo Collor, e que tem acompanhado o desenvolvimento do programa nuclear brasileiro há várias décadas, afirmou em entrevista na televisão que na realidade não haveria segredo industrial a se esconder, pois os detalhes do processo já seriam do livre conhecimento acadêmico. 

Não sabemos quem está com a razão, mas o certo é que o enriquecimento de urânio deve ser monitorado para se evitar qualquer dúvida quanto à sua finalidade pacífica, dentro do parâmetro de 3%, debalde a garantia constitucional que proíbe aplicações bélicas e a adesão ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. É preciso deixar claro mais uma vez o

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não endosso às declarações confusas do ex-ministro Roberto Amaral, dadas logo no início do atual governo, de tal maneira a refletir o espírito indubitavelmente pacífico, fraterno, hospitaleiro do nosso povo, avesso a qualquer aspiração de destaque no cenário internacional a custa de armas. Antes, esporte, música e carnaval!

Monteiro Lobato chegou a defender a tese de que o mundo seria mais seguro depois que as maiores nações fossem todas detentoras de armas atômicas, pois logo perceberiam a inutilidade de qualquer beligerância. Mas não viveu para presenciar as tensões sentidas durante a Guerra Fria, quando estivemos próximos do holocausto. Essa paz armada até os dentes não interessa a ninguém. 

Hoje, temos o terrorismo exacerbado que lograria um enorme poder de persuasão se dispusesse de armamento nuclear, por mais simples que fosse. Daí a preocupação quase paranóica dos norte-americanos após o episódio de 11 de setembro, ironicamente ocorrido na mesma Manhattan que batizou o projeto pioneiro de desenvolvimento de armas atômicas, quando colheram frutos de uma política externa com certeza equivocada. Portanto, não custa nada negociar a visita dos inspetores da AIEA de tal forma a proteger possíveis segredos industriais e, ao mesmo tempo, dissipar quaisquer dúvidas quanto aos objetivos pacíficos do nosso programa e às boas intenções do governo brasileiro.

* Oyanarte Portilho é professor do Instituto de Física da UnB. É doutor em Física Nuclear pelo Instituto de Física Teórica da Unesp.

No Brasil, 99% do urânio é usado para gerar eletricidade; saiba mais

Atualmente, há uma única mina de urânio em exploração no país, na BA.Enriquecimento do urânio é feito no país na cidade de Rezende (RJ).

Do G1, em São Paulo imprimir

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O enriquecimento de urânio que está no centro da controvérsia entre Irã e o Conselho de Segurança da ONU é o mesmo processo que o Brasil faz para geração de energia elétrica. Entenda como isso é feito e para que o Brasil usa essa tecnologia:

O "yellow cake", pó amarelo usado na produção deenergia nuclear (Foto: Divulgação)

O que é o urânio?É um elemento químico encontrado na natureza. Do urânio retirado da mina, em forma de rocha, 99,3% é do tipo (ou “isótopo”) 238, o mais comum. O 0,7% restante é urânio 235, que é o que pode ser usado para geração de energia e para a construção de bombas atômicas.

Após a extração, o urânio é processado e transformado em "yellow cake", um pó amarelo mais fácil de ser transportado.

Para que serve o urânio?O urânio é um energético milhões de vezes mais poderoso do que o petróleo. No Brasil, 99% de sua utilização é voltada para a geração de energia. O 1% restante é usado para medicina e agricultura. Ele também é um dos elementos que podem ser usados para a fabricação de armas nucleares -- mas o Brasil não o utiliza para esse fim.

De onde o Brasil extrai urânio?Atualmente, há uma única mina de extração de urânio no país, a mina de Caetité, na cidade

Page 23: ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO NO BRASIL

de Lagoa Real (BA). Uma nova mina, em Santa Quitéria, no Ceará, deve entrar em operação nos próximos anos.

Mina de Caetité, na Bahia (Foto: Divulgação)

Onde há urânio no Brasil?Pelo que se tem conhecimento, há urânio na Bahia, Ceará, Paraná e Minas Gerais. O governo brasileiro, porém, só tem estudos de 25% do solo brasileiro. Mesmo assim, o país tem a sétima reserva mundial do elemento. Ainda falta prospectar 75% do solo do país.

Como a substância amarela vira energia?O pó amarelo é levado para uma espécie de refinaria para ser purificado e enriquecido com a dosagem de urânio 235 necessária para seu objetivo. O urânio (combinado com flúor) passa por uma centrífuga, que separa os átomos para obter uma porcentagem maior do urânio 235.

Parar gerar energia elétrica, é preciso cerca de 3% de urânio 235 na amostra. Para o uso na medicina, é necessário 20%. Para construir uma bomba nuclear, é preciso 95%.

Esse processo de aumentar a quantidade de urânio 235 é chamado de “enriquecimento de urânio”.

Para gerar a energia em si, ocorre um processo chamado "fissão nuclear", dentro do reator de uma usina de geração de energia. Na prática: é a quebra do núcleo do urânio que gera energia.

Onde o Brasil enriquece o urânio?A única usina no país de enriquecimento de urânio fica na cidade de Rezende (RJ). O pó sai da mina, passa por um processo de refinamento e vai para o enriquecimento.

Page 24: ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO NO BRASIL

Armazenamento de combustível nuclear (Foto:Divulgação)

Onde o país produz energia nuclear?Após ser enriquecido, o urânio vai para as usinas nucleares. No Brasil, são duas: as usinas de Angra 1 e Angra 2, no Rio de Janeiro. Está em construção a usina Angra 3, também no Rio. Atualmente, entre 3% e 5% da energia brasileira vem das usinas termonucleares.

Quem controla o urânio no Brasil?Por razões de segurança, o governo federal tem monopólio sobre a cadeia de urânio, conforme estabelece a Constituição Federal. A Eletronuclear é responsável pela geração de energia nuclear e as Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) são responsáveis pela extração e beneficiamento do urânio.

Fonte: Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Instituto de Física da UnB e Indústrias Nucleares Brasileiras (INB)