ENSAIO CPTU

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205 O ENSAIO CPTU NA CARACTERIZAÇÃO DE SOLOS MOLES THE CPTU TEST IN SOFT SOILS CHARACTERIZATION Gomes Correia, António – Prof. Associado c/ Agregação do IST Correia, Jorge – Director Técnico da Geocontrole RESUMO O trabalho que se apresenta assenta sobre a realização de ensaios com piezocone (CPTU) e sua interpretação com vista à obtenção dos parâmetros de consolidação, de compressibilidade e de resistência ao corte não drenada de solos moles. Os resultados dos ensaios CPTU e de ensaios de dissipação são comparados com resultados de ensaios edométricos realizados em laboratório e ensaios vane test, explorando os diversos modelos de interpretação na definição de alguns parâmetros de correlação. Utilizam-se os diagramas de classificação de solos para discernimento do estado de subconsolidação de alguns solos ensaiados e confirma-se a sua validade para a classificação litológica dos solos, com preferência sobre os que não usam as pressões intersticiais. ABSTRAT This paper deals with the characterisation of soft soils by comparing some results of CPTU and dissipation tests in the area of undrained shear strength, compressibility and consolidation, with oedometer tests and vane shear tests, to achieve more reliable relationship between field and laboratory tests. The charts for soil classification are used in order to explain some level of the subconsolidation stage of the soils investigated, confirming also the reliable use as a tool to define stratygrafhie, mainly when using pore water pressure data. 1. INTRODUÇÃO A utilização ainda pouco frequente no país, do ensaio de penetração estática com medição de pressões intersticiais, CPTU, torna interessante a compilação de algumas relações existentes na bibliografia (Robertson, 1990; Robertson et al., 1992; Senneset et al., 1992) que permitem converter as grandezas medidas em parâmetros mecânicos de utilização directa (valores derivados) no dimensionamento das obras (Gomes Correia et al., 1997). Este trabalho aborda o estudo dos parâmetros de compressibilidade, de consolidação e de resistência ao corte não drenada do solo, relativamente aos quais as relações mais divulgadas carecem pontualmente de alguns ajustamentos para solos regionais (Correia, 1999). Consequentemente torna-se necessário validar essas relações através do recurso, quer a ensaios de campo, quer de laboratório, que forneçam directamente esses parâmetros mecânicos. Nesta perspectiva apresentam-se alguns resultados de ensaios de penetração, complementados com a realização de ensaios de dissipação e comparam-se os resultados obtidos com resultados de ensaios edométricos. Pretende-se, assim, aferir a ordem de grandeza dos coeficientes de consolidação para as duas direcções normais, vertical e radial, complementando-se estas conclusões com resultados de alguns ensaios edométricos orientados. Na interpretação do módulo de compressão unidimensional perspectiva-se a determinação dos coeficientes α mais adequados para os estados de tensão inerentes ao caso em estudo. Os resultados da resistência não drenada, obtidos através da realização in-situ de ensaios de corte rotativo, permitem a sua comparação com os derivados com recurso a modelos de interpretação do ensaio de penetração, conduzindo ao estabelecimento dos factores do cone mais adequados para os solos estudados.

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O ENSAIO CPTU NA CARACTERIZAÇÃO DE SOLOS MOLES

THE CPTU TEST IN SOFT SOILS CHARACTERIZATION

Gomes Correia, António – Prof. Associado c/ Agregação do ISTCorreia, Jorge – Director Técnico da Geocontrole

RESUMO

O trabalho que se apresenta assenta sobre a realização de ensaios com piezocone (CPTU) e suainterpretação com vista à obtenção dos parâmetros de consolidação, de compressibilidade e deresistência ao corte não drenada de solos moles. Os resultados dos ensaios CPTU e de ensaios dedissipação são comparados com resultados de ensaios edométricos realizados em laboratório e ensaiosvane test, explorando os diversos modelos de interpretação na definição de alguns parâmetros decorrelação. Utilizam-se os diagramas de classificação de solos para discernimento do estado desubconsolidação de alguns solos ensaiados e confirma-se a sua validade para a classificação litológicados solos, com preferência sobre os que não usam as pressões intersticiais.

ABSTRAT

This paper deals with the characterisation of soft soils by comparing some results of CPTU anddissipation tests in the area of undrained shear strength, compressibility and consolidation, withoedometer tests and vane shear tests, to achieve more reliable relationship between field andlaboratory tests. The charts for soil classification are used in order to explain some level of thesubconsolidation stage of the soils investigated, confirming also the reliable use as a tool to definestratygrafhie, mainly when using pore water pressure data.

1. INTRODUÇÃO

A utilização ainda pouco frequente no país, do ensaio de penetração estática com medição de pressõesintersticiais, CPTU, torna interessante a compilação de algumas relações existentes na bibliografia(Robertson, 1990; Robertson et al., 1992; Senneset et al., 1992) que permitem converter as grandezasmedidas em parâmetros mecânicos de utilização directa (valores derivados) no dimensionamento dasobras (Gomes Correia et al., 1997). Este trabalho aborda o estudo dos parâmetros decompressibilidade, de consolidação e de resistência ao corte não drenada do solo, relativamente aosquais as relações mais divulgadas carecem pontualmente de alguns ajustamentos para solos regionais(Correia, 1999). Consequentemente torna-se necessário validar essas relações através do recurso, quera ensaios de campo, quer de laboratório, que forneçam directamente esses parâmetros mecânicos.

Nesta perspectiva apresentam-se alguns resultados de ensaios de penetração, complementados com arealização de ensaios de dissipação e comparam-se os resultados obtidos com resultados de ensaiosedométricos. Pretende-se, assim, aferir a ordem de grandeza dos coeficientes de consolidação para asduas direcções normais, vertical e radial, complementando-se estas conclusões com resultados dealguns ensaios edométricos orientados. Na interpretação do módulo de compressão unidimensionalperspectiva-se a determinação dos coeficientes α mais adequados para os estados de tensão inerentesao caso em estudo.

Os resultados da resistência não drenada, obtidos através da realização in-situ de ensaios de corterotativo, permitem a sua comparação com os derivados com recurso a modelos de interpretação doensaio de penetração, conduzindo ao estabelecimento dos factores do cone mais adequados para ossolos estudados.

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Além disso, tecem-se algumas considerações no âmbito do problema do estado de consolidação dossolos, tendo por base algumas propostas mais recentes de classificação de solos, fazendo-se alusão aalgumas discrepâncias em relação a propostas mais antigas, que não tinham em conta o efeito daspressões intersticiais.

2. O ENSAIO CPTU

Embora a utilização de sistemas eléctricos possa ter antecedido o início da realização de ensaios commedição das pressões intersticiais, convirá aqui referir um importante salto qualitativo dadisponibilização deste tipo de equipamentos no nosso país. De facto a experiência anterior comsistemas mecânicos, com as inerentes imprecisões, nomeadamente no que se refere a toda a sequênciaintermitente de operações de penetração, paragem e leitura, mas também por questões relacionadascom a sensibilidade e precisão e, não menos importante, o atrito que se desenvolve nas varas interioresdo sistema mecânico, terão estado na origem de alguns insucessos. Tal facto terá certamentecontribuído para a menor utilização do ensaio de penetração estática, com sistemas mecânicos, nacaracterização geotécnica dos terrenos, em Portugal.

O CPTU utilizado neste estudo é o equipamento HYSON 200 do fabricante A.P.van den Berg comcapacidade de penetração até 200 kN, tendo sido utilizadas ponteiras com secções de 10 cm2

(d=35.7mm) e 15cm2 (d=43.6mm), com sensores para medições da resistência de ponta, da resistênciapor atrito lateral local e da pressão intersticial. O faseamento de execução do ensaio segue oprocedimento especificado pela ISSMGE (1999).

3. ESTUDO EXPERIMENTAL

O estudo experimental envolveu um conjunto de ensaios laboratoriais e ensaios de penetração estáticasem e com medição das pressões intersticiais, CPTU, realizados em duas zonas geograficamentedistintas, embora em ambientes similares. Tratam-se de horizontes com composição fina, argilo-lodosacorrespondendo uma das zonas estudadas às baixas do Sado e Valado dos Frades. Os ensaiospermitirão enfatizar a diferença de comportamento que se observa, fundamentalmente em relação aoestado de consolidação dos solos.

Foram ensaiadas em laboratório 25 amostrasobtidas por cravação hidráulica de amostradortipo Osterberg sobre as quais se procedeu àdeterminação da composição granulométricapor peneiração, dos limites de consistência edos teores em água naturais. Na Fig.1representam-se, na carta de plasticidade deCasagrande, os resultados obtidos para oslimites de consistência. Estes distribuem-se aolongo da linha A, embora diferenciando-seduas famílias de materiais, CL e CH, quecorrespondem a ambientes geograficamentedistintos.

0

10

20

30

40

50

60

70

0 20 40 60 80 100 120

Limite de Liquidez (%)

Índi

ce d

e P

last

icid

ade

(%)

Linha A

Fig. 1 – Carta de Plasticidade dos solosensaiados

4. CONSOLIDAÇÃO

O sensor para medição das pressões intersticiais acoplado à ponteira permite, de modo relativamentesimples, medir as pressões intersticiais ao longo do tempo num ensaio de dissipação, cujainterpretação dos resultados permite a determinação do coeficiente de consolidação.

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O ensaio de dissipação consiste na paragem do movimento de penetração e medição e registo daspressões intersticiais em cada momento, de modo a poder traçar-se a curva de evolução da dissipaçãodo excesso de pressão intersticial ao longo do tempo. Atendendo porém aos elevados períodosnecessários a uma completa dissipação, habitualmente a interpretação do ensaio simplifica-se com adeterminação do tempo correspondente a 50% da dissipação (embora dependendo do campo detensões que se pretenda investigar e da sua relação com as tensões de pré-consolidação do solo). Defacto a curva tem um interesse essencialmente qualitativo, e mesmo assim de informação limitada porem regra se dispor de curvas incompletas, sendo apenas representado o estádio inicial.

No Quadro 1 apresentam-se alguns resultadosdos ensaios realizados em solos lodosos.Assim, são apresentados os valores obtidospara t50 associados aos respectivos índices deplasticidade e limites de liquidez dos solosensaiados. Os valores de t50 foram obtidos emensaios realizados com a ponteira normalizada(entenda-se em relação à secção e posição doelemento filtrante). A interpretação destesresultados para obtenção do coeficiente deconsolidação, c, recorre a modelos baseados nateoria da expansão de uma cavidade.

QUADRO 1 – RELAÇÃO DE t50 COM OS

LIMITES DE ATTERBERG

Tipo de soloIP

(%)

WL

(%)

t50

(min.)

Argila lodosa 53 88 74

Argila lodosa 60 95 70Argila lodosa 15 44 33Argila lodosa 17 48 42.5

Silte areno-lodoso 8 24 1.3Silte areno-lodoso 10 30 3.5Argila silto-lodosa 14 37 20

Argila lodosa 26 57 54

Anote-se que o coeficiente de consolidação de um solo assume normalmente valores diferentes para asdirecções vertical (cv) e horizontal (ch), ou radial (cr). Ora, o recurso a um modelo de cavidadecilíndrica conduz à dedução de um coeficiente para a direcção horizontal, normal ao eixo do cone,enquanto que um modelo de interpretação esférica conduz a um coeficiente de consolidação“envolvente”. Na realidade a escolha do modelo mais apropriado é dependente da posição do elementofiltrante, sendo o modelo esférico mais adequado para o filtro localizado no cone, e o modelocilíndrico para o filtro localizado no fuste com algum afastamento do cone, o que não será bem o casoda posição normalizada.

Houlsby e Teh (1988) desenvolveram uma interpretação baseada numa análise em grandesdeformações, conjugando uma avaliação das pressões intersticiais geradas com a penetração, comrecurso ao método dos elementos finitos, e da dissipação das pressões intersticiais com uma análise dediferenças finitas. Desta análise os autores propuseram a utilização de um factor tempo modificado,T*, dado pela eq. (1), que utiliza o conceito de índice de rigidez do solo. Este traduz a importância darigidez do solo na extensão da zona plastificada.

r2

*

Ir

t.ChT = (1)

em que:

T* - Factor tempo modificado;Ch - Coeficiente de consolidação horizontal (direcção normal ao eixo do cone);r - Raio do cone;Ir - Índice de rigidez (G/Su);t - Tempo correspondente ao grau de dissipação pretendido.

No Quadro 2 apresentam-se valores do factor tempo modificado, T*, para alguns valores do grau dedissipação, no caso da posição normalizada do elemento filtrante (u2).

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0.00

0.25

0.50

0.75

1.00

0 1 4 10 15

RIJO

MOLE

C = r 20

Tth

MÉDIO

Factor tempo T

Rel

ação

∆u/

∆u

0

QUADRO 2 – FACTOR TEMPO MODIFICADO, T*, PARA O ELEMENTO FILTRANTE

NA POSIÇÃO u2 (HOULSBY E TEH, 1988)

Grau de dissipação (%) 20 30 40 50 60 70 80

Factor tempo modificado,T* 0.038 0.078 0.142 0.245 0.439 0.804 1.60

Senneset et al. (1992) propõem uma abordagem baseada na teoria da expansão da cavidade queconduz ao coeficiente de consolidação radial (cr), expresso em termos do factor tempo (T), dada por:

t

T.rc 2

o= (2)

em que t é o tempo para ser atingido determinado nível de dissipação e ro o raio do penetrómetro.NaFig. 2 representa-se a proposta de Senneset et al. (1992) para a obtenção dos valores do factor tempo,T. Este depende da rigidez do meio e do grau de dissipação, UT, obtido por:

Fig. 2 - Factor tempo, T, (Senneset et al., 1992)

(%)100.uu

uu

u

uU

oT

ot

T

tT −

−==

∆∆

(3)

em que:

UT – grau de dissipação;ut – pressão intersticial no tempo t;uo – pressão intersticial em equilíbrio;uT – pressão intersticial no início do ensaio dedissipação(t=0).

Estes dois modelos de interpretação foram aplicadas a alguns resultados de ensaios de dissipação (graude dissipação de 50%) disponíveis (Quadro 3). No modelo de Houlsby e Teh, consideraram-se valoresdo índice de rigidez de Ir=50 e Ir=500. Os valores deduzidos para os coeficientes de consolidaçãoradial, obtidos por aplicação de cada um dos modelos, foram comparados com os valores docoeficiente de consolidação vertical resultante dos ensaios edométricos efectuados em laboratório,tendo-se obtido as relações apresentadas no Quadro 3.

QUADRO 3 – COEFICIENTES DE CONSOLIDAÇÃOModelo de interpretação → Senneset Houlsby e Teh Cr/Cv

REF. PROF. Ir=50 Ir=500Laborat.

Houlsby eTeh(m)

Cr(cm2/s) Cr

(cm2/s)Cr

(cm2/s)Cv

(cm2/s)

SennesetIr=50 Ir=500

D1 4.00 7.9x10-4 8.8x10-4 3.9x10-3 1.6x10-4 4.9 5.5 24

D2 13.50 1.4x10-3 8.7x10-3 4.2x10-3 8.8x10-4 1.6 9.9 31

D3 5.08 4.6x10-2 2.9x10-1 9.2x10-1 2.1x10-3 21.9 138 431

D4 5.82 1.7x10-2 1.1x10-1 3.3x10-1 8.0x10-3 2.1 13.8 41

D5 12.88 2.9x10-3 1.8x10-2 5.8x10-2 1.6x10-4 18 113 362

D6 10.22 1.1x10-3 6.9x10-3 2.2x10-2 4.4x10-3 0.25 1.6 5

Numa tentativa de explorar um pouco melhor os valores elevados obtidos para estas relações,procedeu-se também à realização de ensaios edométricos sobre provetes orientadosperpendicularmente, de modo a obter parâmetros representativos das duas direcções, cujos resultadosse apresentam no Quadro 4. Apresentam-se igualmente as relações obtidas para os coeficientes depermeabilidade radial e vertical. Os resultados obtidos com estes ensaios orientados apresentam

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10

(cm

/ se

c)

10

100.1

-10

hk

10

-9

-8

1 100

(min)50

10

t

1000 10 000

-7

-6

10

-5

10

-4

10

2

35.6mm(10cm )

u

2

Neste trabalhoRobertson et al, (1992)

igualmente apreciável dispersão, embora com maior persistência dentro da gama de valoreshabitualmente considerada, Ch=2 a 5Cv.

No Quadro 4 apresentaram-se também as relações obtidas para os coeficientes de permeabilidade paraambas as direcções, verificando-se que estas são semelhantes às que se definiram para os coeficientesde consolidação. Robertson et. al. (1992) compilando um conjunto de resultados de ensaios dedissipação e de determinações laboratoriais, concluem por uma relação com o coeficiente depermeabilidade, kh, que a Fig. 2 reproduz. Esta teve por base uma avaliação do tempo t50 com aponteira normalizada. Nesta figura incluem-se também as relações com valores obtidos nos ensaioslaboratoriais orientados, kh, relacionados com os valores de t50 dos ensaios de dissipação realizadosna sua dependência. Daqui se constata uma razoável adequação da proposta de Robertson et. al.(1992), embora ainda com uma variação relativamente grande.

QUADRO 4 – RELAÇÕES DOS

COEFICIENTES Cv - Ch e Kh - Kv

Amostra Prof. (m) LL Ch/Cv Kh/Kv

26624 3.70-4.50 60 3.00 2.40

26626 3.80-4.60 100 1.40 1.04

26628 7.80-8.60 96 12.7 12.0

26630 3.80-4.60 88 0.63 0.90

26632 6.80-7.60 95 1.30 1.40

Fig. 3 – Avaliação de kh a partir do tempo t50, para aponteira de 10cm2 ( adaptada de Robertson et al, 1992)

5. DEFORMAÇÃO

A determinação das características de deformabilidade de um solo tem contornos complexos devido àdiversidade de factores que influenciam estas propriedades. Neste trabalho procuram-se apresentar asvias para obtenção do módulo de compressão unidimensional, através do valor derivado quer daresistência ao corte não drenada, quer da resistência à penetração do cone, privilegiando-se esta últimavia nesta exposição. Vários autores estabeleceram relações do módulo de compressão unidimensional,M, ou módulo edométrico (que corresponde ao inverso do coeficiente de compressibilidadevolumétrica, mv), com a resistência à penetração do cone, através de expressões do tipo:

cq.M α= (4)

em que α, varia com tipo de solo e para o qual existem propostas detalhadas, já muito divulgadas.

Senneset et al. (1992), investigando o comportamento de argilas, propõem uma relação de acordo coma gama de tensões em análise, sugerindo que na zona sobreconsolidada, em que as tensões seposicionam aquém da tensão de pré-consolidação, a avaliação do módulo se faça por:

)q(q.M votinii σαα −== (5)

em que αi varia de 5 a 15, que no caso das argilas de Glava, analisadas pelo autor da proposta, mostrauma boa concordância para um valor médio de αi =10.

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Para a região normalmente consolidada, os mesmos autores propõem a expressão:

)q(q.M votnnnn σαα −== (6)

em que o coeficiente αn , designado de número de módulo in-situ (αn=m/Nm), varia entre 4 e 8, sendofrequente adoptar-se um valor de αn =5.

Para avaliação do módulo de compressão unidimensional, dispõe-se neste estudo de um conjunto deresultados de ensaios edométricos realizados sobre amostras colhidas na vizinhança de locais derealização de ensaios de penetração CPTU. Na Fig. 4 representa-se, para os solos de plasticidadeelevada, CH, correspondentes à zona baixa do Sado, a variação do módulo de compressãounidimensional com a tensão efectiva, verificando-se tratarem-se tipicamente de resultados associadosà zona normalmente consolidada (é evidente a ausência do patamar inicial sobreconsolidado).

Na Fig. 5 representa-se a variação do módulo de compressão unidimensional com o coeficiente α,tendo por base a utilização das eq. (4) ou (6) (sem diferenciação do índice), definindo-se para cadaconjunto de valores medidos, de resistência à penetração do cone e correspondente estado de tensão, alei possível de variação dos valores de α. Anote-se que cada uma destas Figs.4 e 5, deverá serconstruída por família de materiais. Os solos da família CL não se apresentam, mas definem tendêncianitidamente diversa, donde resultaria uma outra proposta de variação dos valores de α.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

Tensão efectiva (kPa)

M (

MP

a)

Fig. 4 – Variação do módulo M em função datensão efectiva

0

1

2

3

4

5

6

0 2 4 6 8 10 12 14 16

Coeficiente alfa

M (

MP

a)

Fig. 5 – Variação do módulo M em função de α

Usando agora as linhas de tendência definidas por cada família de curvas, igualando os valores domódulo de compressão unidimensional lidos em cada gráfico, facilmente se relaciona o valor de α e seestabelece uma relação única com o estado de tensão. No Quadro 4 apresentam-se os resultadosobtidos, que permitem a selecção do valor de α mais adequado ao nível de tensão em apreço.

QUADRO 4 - RELAÇÃO MÓDULO DECOMPRESSÃO UNIDIMENSIONAL,

COEFICIENTE α E ESTADO DE TENSÃOM

(MPa)α Tensão

(kPa)

0.5 2 501.5 5 2002 9 240

2.5 11 3003.3 16 400

Verifica-se que a ordem de grandeza dosvalores de α que resultam da relação com osensaios edométricos se situa um pouco abaixoda proposta de Senneset et al. (1992). Talconstatação poderá ser justificada pelo factodesta proposta assentar essencialmente sobre oestudo do comportamento de argilassobreconsolidadas, enquanto que no casopresente os solos investigados são solos muitobrandos, denotando mesmo uma aparente sub-consolidação.

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A partir dos valores de α associados aos diferentes estados de tensão, facilmente se relaciona avariação do módulo de compressão udimensional em profundidade, com as resistências medidas noensaio CPTU. Acresce a vantagem deste ter uma natureza contínua, permitindo um granderefinamento do cálculo ao proceder-se a uma discretização fina das camadas.

6. RESISTÊNCIA AO CORTE NÃO DRENADA

A resistência ao corte não drenada não é uma característica intrínseca do solo, dependendo do modode rotura, da anisotropia do solo, da velocidade de deformação (que se acentua em argilas plásticas) eda história de tensões, sendo a análise e o método de avaliação fortemente condicionados pelo tipo deproblema em apreciação.

Tem havido intenso trabalho de investigação para relacionar os resultados da resistência à penetraçãodo cone com a resistência não drenada, podendo estabelecer-se uma dicotomia entre duas vias distintasde investigação; uma que recorre a soluções teóricas e outra a correlações empíricas. Estas vias,distintas quanto ao modo de avaliação do factor teórico do cone, convergem para uma relação entre aresistência de ponta e a resistência não drenada com o mesmo andamento.

A determinação da resistência ao corte não drenada a partir da resistência do cone, tendo por base aresistência total, pode fazer-se pela expressão que faz intervir um factor empírico do cone, Nk, e atensão total vertical ao nível do ensaio, σvo.

k

vocu N

)q(S

σ−= (7)

A utilização do CPTU em vez do CPT, permite considerar o efeito da pressão intersticial, privilegiandoa utilização da resistência de ponta corrigida, qt em vez de qc, vindo:

kt

votu N

)q(S

σ−= (8)

Do mesmo modo, Nkt corresponde ao factor empírico do cone, sendo frequente posicionar-se nointervalo de 10 a 15 para argilas normalmente consolidadas e entre 15 a 20 para argilassobreconsolidadas.

Senneset et al. (1992) propuseram a determinação da resistência ao corte não drenada a partir doconceito de resistência de ponta efectiva, qe, definida pela diferença entre a resistência no cone e apressão intersticial medida na posição normalizada, vindo:

ke

2c

ke

eu N

)uq(

N

qS

−== (9)

A constatação de que o conceito de resistência efectiva é pouco adequado à determinação daresistência não drenada em solos moles, tem levado à utilização preferencial de critérios que utilizemos excessos de pressão intersticial. A partir de soluções teóricas baseadas na teoria da expansão dacavidade, vários autores propuseram a determinação da resistência ao corte não drenada a partir doexcesso de pressão intersticial, (∆u=u2-uo), e um factor do cone, N∆u, segundo uma expressão do tipo:

uu N

uS

∆= (10)

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212

Na Fig. 6 apresentam-se diversas propostas, compiladas por Lunne et al. (1997) e alguns resultadosobtidos no presente trabalho, para os factores empíricos do cone, que poderão ser aplicados nasequações apresentadas.

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50Factores do Cone : Nk; Nkt; Nke; N∆u

- PROPOSTAS DE VÁRIOS AUTORES

� NESTE TRABALHO

Nk

Nkt

Nke

N∆u

Fig. 6 – Factores do cone, Nk, Nkt, Nke, N∆u

A prática tem sido essencialmente baseada na adopção de Nk=15, e de Nkt=15 a 20, para umaaproximação mais conservativa. Para argilas normalmente consolidadas, ou levemente consolidadas,Nkt pode ser próximo de 10, vindo valores próximos de 30 para argilas sobreconsolidadas fissuradas.Para argilas moles é sugerido o uso de acréscimo de pressão intersticial, com valores de N∆u de 7 a 10,com adopção dos valores mais elevados para uma estimativa conservativa.

A Fig. 6 refere o conjunto de propostas de vários autores para os diferentes factores do cone, exibindouma gama muito alargada. Repare-se por exemplo nos factores Nk e Nkt; a relação que se estabeleceentre as resistências de ponta corrigidas e não corrigidas resulta numa manifesta inconcordância entreas propostas existentes. O posicionamento de alguns resultados obtidos pela comparação dasgrandezas medidas no ensaio CPTU com resultados corrigidos de ensaios vane test, sugere umestreitamento mais provável.

Atente-se também na banda mais estreita de resultados para o critério dos acréscimos de pressãointersticial reflectindo aparentemente a confirmação da tendência para uma resposta mais fiável destecritério.

7. CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS

A observação dos resultados dos ensaios edométricos, representados na Fig. 4, sugeria a hipótese dealguma subconsolidação dos solos ensaiados (estes resultados referem-se apenas à baixa do Sado),sendo evidente a ausência de patamar inicial correspondente à região sobreconsolidada, referindo-seessencialmente à zona virgem, não obstante os reduzidos níveis de tensão investigados. Este aspectodecorria também de alguma forma das tensões de pré-consolidação avaliadas pelo ensaio edométrico,embora com as reservas inerentes ao carácter pouco preciso desta determinação. Numa tentativa demelhor esclarecer este aspecto, procedeu-se ao posicionamento de alguns resultados mais expressivosnos diagramas de classificação de solos propostos por Robertson (1990), que se apresentam na Fig. 7.

A observação desta figura, é consentânea com um estado de subconsolidação dos solos da baixa doSado, em particular no diagrama da esquerda em que a mancha de pontos se posiciona francamenteafastada da região normalmente consolidada. Embora com resistências mecânicas similares, apenas ossolos da Baixa do Sado exibem esta condição, posicionando-se os solos ensaiados noutros ambientes(solos CL) tipicamente na zona normalmente consolidada.

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213

1

10

100

1000

0.1 1 10

1

6

5

4

3

2

9

87

ϕ

F (%)r

Q t

1-0.4

10

Bq

tQ

100

1000

0 0.4 0.8 1.2

7

6

5

4

3

2 1

UOCR crescente com idade e cimentação

a idade OCR crescente com

Sensibilidade crescente

Norm

almente consolidado

Sensibilidade crescente

crescenteOCR

σ

2

qtU0

V0

Baixa do Sado Outras localizações

Fig. 7 – Diagramas de classificação de solos (adaptado de Robertson, 1990)

Os números referidos na figura delimitam zonas de solos com comportamento diferenciado de acordocom a descrição que se apresenta no Quadro 5.

QUADRO 5 – ZONAS E TIPO DE COMPORTAMENTO DO SOLO (ROBERTSON,1990)

ZONA COMPORTAMENTO DO SOLO Parâmetros utilizados

1 Solos finos sensíveis2 Solos orgânicos3 Argilas e argilas siltosas4 Argilas siltosas e siltes argilosos5 Areias siltosas a siltes arenosos6 Areias limpas a areias siltosas7 Areias e areias cascalhentas8 Areias comp.e areias argilosas comp.9 Argilas e siltes rijos

vot

o2q q

uuB

σ−−

= Parâmetro de pressões intersticiais

vo

vott ’

qQ

σσ−

= Resistência de ponta normalizada

vot

sr q

fF

σ−= Razão de atrito normalizada

Dispõe-se ainda de outros indicadores empíricos que parecem convergir para a tendência desubconsolidação expressa pelo diagrama, nomeadamente os que decorrem de necessidades relativas àconservação da plataforma, com trabalhos de compensação de deformações, nos períodos de secageme abaixamento dos níveis freáticos, o que aparentemente se poderia atribuir aos consequentesaumentos de tensão efectiva, o que é particularmente importante para materiais subconsolidados, umavez que o efeito da consolidação, por tendência, não evanesce. Por outro lado, as taxas de acréscimoda resistência não drenada com a tensão efectiva que se obtiveram em ensaios de corte directorealizados, não se encontram espelhadas nas variações de resistência de ponta com o aumento daprofundidade, exibindo em regra valores substancialmente abaixo.

Embora não sendo oportuna a apresentação de situações emblemáticas, refere-se o facto de, pelaimportância que assume, os diagramas da Fig. 7 traduzirem com excelente fiabilidade as condiçõeslitológicas ensaiadas, ultrapassando adequadamente algumas condições de erro resultantes dautilização de diagramas de classificação que não contemplam o efeito das pressões intersticiais nasleituras.

Page 10: ENSAIO CPTU

VII Congresso Nacional de Geotecnia

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8. CONCLUSÕES

As situações analisadas ao longo deste trabalho permitiram clarificar alguns aspectos relacionadoscom a utilização do equipamento CPTU e testar o enquadramento de algumas relações conhecidas emrelação à interpretação do ensaio nas diversas vertentes.

Foram apresentadas algumas orientações no que se refere à avaliação do módulo de compressãounidimensional a partir da resistência de ponta, com base em comparações com os resultados deensaios edométricos, que permitiram a adopção de coeficientes α adequados aos diferentes estados detensão. Um aproveitamento fiável das leituras contínuas efectuadas pelo ensaio CPTU permitiram,assim, um conhecimento de uma sequência, também contínua, do módulo em profundidade, bemcomo um maior rigor de análise conseguido através de uma discretização fina das camadasatravessadas.

No âmbito do estudo da evolução do processo de consolidação apresentam-se alguns resultados deensaios de dissipação e sua comparação com resultados de ensaios edométricos orientados,conduzindo o critério de Senneset e seus colaboradores a uma boa relação entre resultados.

No âmbito da avaliação da resistência ao corte não drenada, sugerem-se factores do cone para osdiferentes modelos de interpretação estreitando, e mesmo racionalizando (atente-se à falta deconcordância das propostas para os coeficientes Nk e Nkt) as gamas propostas por vários autores,concluindo-se pela melhor adequação da utilização dos factores N∆U para caracterização de solosmoles.

Tendo por base os diagramas de classificação de solos, retiram-se também algumas conclusões muitointeressantes em relação ao problema da subconsolidação dos solos lodosos no caso dos terrenosaluvionares do Sado, para onde convergem as informações laboratoriais.

AGRADECIMENTO

Expressa-se aqui um agradecimento particular à Ferbritas pela cedência de parte substancial dainformação integrada neste trabalho, referente aos trabalhos desenvolvidos na baixa do Sado.

REFERÊNCIAS

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