Ensaio Morte (1)

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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Faculdade de Comunicação e Artes Habilitação: Publicidade e Propaganda Disciplina: Teorias da Imagem Professora: Beth Miranda ENSAIO A vida e a imagem Felipe Oliveira Mesquita

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Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais Faculdade de Comunicao e Artes Habilitao: Publicidade e Propaganda Disciplina: Teorias da ImagemProfessora: Beth Miranda

ENSAIOA vida e a imagem

Felipe Oliveira Mesquita

Belo Horizonte2014Buscando-se evidenciar a questo da representao da morte, ou da vida, este ensaio visa uma discusso entre trs textos (um filme, um captulo de um livro e uma exposio de artes), comparando o que cada um diz a respeito do tema.A Partida, filme de 2008 dirigido por Yojiro Takita, conta a histria de Daigo, um jovem msico que se v sem emprego quando a orquestra que trabalha dissolvida. Ento, ele decide se mudar, juntamente com a esposa, para sua cidade natal. L, apos ler um anncio em um jornal, encontra um trabalho como nokanshi, ou seja, pessoa responsvel por preparar os mortos na cerimnia de velrio do corpo. Tal experincia profissional muda profundamente a viso de Daigo sobre a vida e os questionamentos da morte.O texto escrito, de Regis Debray, o Captulo 1 de um livro denominado Vida e Morte da imagem. Tal captulo tem o nome de O Nascimento pela Morte e discorre sobre as tradies das mais diferentes sociedades no que diz respeito concepo de morte e ao conceito de imagem.O ltimo texto, a exposio Bodies... The Exhibition, uma mostra que j percorreu todo o mundo, inclusive o Brasil. Hoje, ela tem sede nas cidades de Las Vegas, Atlanta e Buena Park. uma exposio inovadora, na medida em que permite que os espectadores entrem dentro do universo do corpo humano. Nela, so expostos alguns corpos humanos reais, com rgos reais, tudo com uma tcnica de preservao inovadora, que permite a integridade das partes do organismo sem alguma ou com pouca deteriorao. Os corpos, normalmente, so expostos como se estivessem realizando alguma atividade, praticando um esporte, por exemplo.O texto diz que civilizaes antigas possuam a tradio de manter o antepassados vivos, mesmos j estando mortos. Tudo isso a partir da imagem. Assim, eles acreditavam que ele continuaria vivo, pelo menos na mente de cada um. Esse o objetivo da cerimnia de velrio presente na cultura japonesa, explicitada no filme. Nela, a pessoa que prepara o corpo do falecido, no caso o protagonista Daigo, responsvel por maquiar e barbear o corpo. Assim, os seus entes tero a oportunidade de lembrar do morto com uma boa imagem, assim como ele era em vida. Toda essa cerimnia se torna um prolongamento da vida. De acordo com o texto de Debray, a imagem deve representar o vivo, de boa qualidade, sem deteriorizao. E isso que ocorre na tradio japonesa, na medida em que a maquiagem e a barba feita mostram rejuvenescimento.O texto mostra que na cultura romana at o Baixo Imprio, a exibio de retratos era limitada por um grupo pequeno de pessoas, normalmente dotados de poder e pertencentes ao sexo masculino. No filme, isso tambm existe, j que quem assiste a cerimnia do velrio so os parentes mais prximos. Em contrapartida, na exposio isso no ocorre. Imagens so expostas para todos os tipos de pessoas, na medida em que elas no representam algum especfico, mas sim, um esteretipo.A exposio mostra a morte como um renascimento, pois ela retira de corpos j mortos um sentindo para a vida, que , no caso, o conhecimento do corpo humano. Isso evidenciado no texto, quando o autor diz que imagem o mpeto de reviver quilo outrora vivo.Segundo o texto, cada sociedade tem uma tradio de como lidar com a morte. O filme retrata essa tradio sob a tica da cultura japonesa. Depois da preparao do corpo, ele colocado em um caixo e, em seguida, levado a um forno, cremando-o. Profissionais que lidam com esse tipo de servio sofrem preconceitos, fazendo com que o ofcio seja visto com maus olhos pelo resto da sociedade.A questo do tmulo tambm explorada no texto, quando Debray cita que estes artifcios existem para que quem visita, lembre-se do morto e de sua importncia em vida. Os caixes mais elaborados so destinados queles que tiveram uma maior importncia em vida. Isso ocorre tambm no filme, j que os caixes mais caros so destinados queles que possuem uma renda compatvel com o preo do mesmo, ou seja, segundo a tradio japonesa, queles que tiveram sucesso em vida. No filme, durante a cerimnia do funeral, h uma latente preocupao com a maquiagem e a esttica do corpo. Isso se deve, de acordo com o texto O Nascimento pela Morte ao fato de que a imagem deve proteger as pessoas que a observam do pior, da ao de desintegrao do corpo. A maquiagem e todo o cuidado com o morto servem para mostrar aos entes que esto presentes na cerimnia uma imagem boa do falecido. Caso contrrio, a ltima lembrana seria de um corpo desintegrado e sem vida. A beleza durante todos os passos do processo muito importante, por isso que os movimentos de Daigo so sutis e calmos, mantendo a esttica do momento.Alm disso, demonstrado no filme que a cultura japonesa v a cerimnia no como algo triste. Os participantes buscam transparecer os momentos bons que passaram com o morto, tentando tornar aquele momento mais leve e menos doloroso e lembrando do ente da melhor forma possvel.Em contrapartida, na exposio isso ocorre de forma contrria. Ao apresentar os corpos mortos, sem maquiagens ou com figurino, algo que em um contexto diferente seria considerado feio ou nojento, ela mostra a beleza do corpo humano. A representao, segundo o texto, um artifcio para tentar compreender a vida. O autor explicita que ela um meio de se mostrar as dvidas a respeito desse tema, um meio de sanar as dvidas. Na exposio, isso ocorre de forma oposta. Normalmente, busca-se um pouco de vida para compreender a morte, mas em Bodies... The Exhibition isso ocorre de modo contrrio. A exposio se utiliza de corpos j mortos para tentar explicar um pouco da vida, mostrando como funciona os sistemas do corpo, em atividades comuns. Representaes, normalmente, so uma forma de representar o vivo. A exposio literalmente representa o vivo a partir da morte. Segundo Debray, a imagem no nada mais do que uma splica do artista que a faz. No uma forma de compreender a realidade, mas sim de escapar dela. Uma das partes da exposio pode servir para comprovar tal hiptese, na medida em que expe dois pulmes: um saudvel e um pertencente a uma pessoa que fumava. O segundo apresenta uma colorao mais escura e aparncia mais frgil que o primeiro. Esta seo, indo a favor das palavras de Debray, pode ter um tom de splica, j que indiretamente alerta os visitantes acerca dos problemas que o consumo do cigarro pode causar.O texto explicita que representar tornar presente o ausente. Tal conceito pode ser utilizado para justificar a existncia da exposio Bodies... The Exhibition. Ela surgiu do desejo das pessoas em conhecer o corpo humano por dentro. A ausncia, nesse caso, seria a falta de conhecimento dos espectadores sobre o seu prprio organismo. Ela serviu, pelo menos em parte, para preencher um vazio que existia na mente de que a visitou.A exposio e o filme apresentam concepes diferentes. A primeira mostra a morte sob o aspecto da vida, na medida em que busca, por meio de imagens, compreender o corpo humano e seu funcionamento. Ou seja, v a morte como uma forma de auxiliar os vivos, por meio do conhecimento. Os responsveis pela exposio so considerados gnios pela sociedade, fato comprovado, inclusive, por prmios j ganhos por eles. Alm disso, ela aberta a todo pblico pagante. No filme, a morte vista como uma perda, uma passagem, ou seja, um fato no muito agradvel para os parentes e amigos do defunto. Quem lida com a cerimnia de morte no visto com bons olhos perante a sociedade. A cerimnia vista somente pelos mais prximos, sendo mais reservada.Os trs textos convergem em alguns aspectos e se distanciam em outros. Este ensaio buscou explicitar tais pontos, a fim de uma leitura mais crtica dos mesmos.