Ensaio Sociológico Sobre a Família Em Burguess

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 Ensaio sociológico sobre a família  Burguess e o ‘companheirismo’ Resumo A teoria de Burguess assentou no estudo da família moderna e na centralidade do casamento. Assim, numa óptica interaccionista, que lhe advém da Escola de hicago, que foi grande impulsionador, trou!e a ideia inovadora que a família deveria ser entendida como ‘companheirismo’. A família dei!ava de ser vista como institui"#o, com toda a carga simbólica e efectiva que era e!ercida sobre os indivíduos. Antes a família é que decidia o futuro dos seus membros. $as tudo vai mudar com este novo paradigma. %ai alterar a sua estrutura e dar mais import&ncia aos indi duos, re'ectindo as características democr(ticas da sociedade global. onhecer as principais características e aspectos críticos do referido conceito, s#o o ob)ecto deste trabalho. António ampos *evereiro, +-

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Este trabalho tem por objecto a análise da família, na sua passagem definitiva da 'instituição' ao 'companheirismo. Mostra a perda definitiva da influência da estrutura familiar sobre as principais decisões dos seus membros, para a aquisição de importância dos indivíduos na constituição da família.

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Ensaio sociolgico sobre a famlia

Burguess e o companheirismo

Resumo

A teoria de Burguess assentou no estudo da famlia moderna e na centralidade do casamento. Assim, numa ptica interaccionista, que lhe advm da Escola de Chicago, que foi grande impulsionador, trouxe a ideia inovadora que a famlia deveria ser entendida como companheirismo. A famlia deixava de ser vista como instituio, com toda a carga simblica e efectiva que era exercida sobre os indivduos. Antes a famlia que decidia o futuro dos seus membros. Mas tudo vai mudar com este novo paradigma. Vai alterar a sua estrutura e dar mais importncia aos indivduos, reflectindo as caractersticas democrticas da sociedade global. Conhecer as principais caractersticas e aspectos crticos do referido conceito, so o objecto deste trabalho.

Antnio Campos

Fevereiro, 20151. Na primeira metade do sculo passado a Europa encontrava-se a sofrer as consequncias da primeira guerra mundial e o eclodir da segunda. Os principais sinais de desenvolvimento estenderam-se economicamente, mas tambm ao domnio das cincias, mormente no campo das cincias sociais, no continente americano e principalmente nos Estados Unidos. A evoluo da sociologia notria, encontrando autores com terreno frtil e condies excepcionais para a sua expanso. No domnio da sociologia da famlia, surgem autores de referncia como Burguess e Parsons, sendo o primeiro considerado o pai da sociologia americana. As suas teorias e anlises situam-se em volta da famlia moderna e no realce do casamento, neste novo contexto. Burguess, dirigiu equipas de pesquisa e de estudo no terreno, de cariz interaccionista, na Escola de Chicago, culminando na apresentao da ideia de transformar a famlia instituio em famlia companheirismo.

2. Por isso, o modelo companheirismo, por oposio lgica da instituio, uma famlia assente no casamento decidido pela livre escolha dos cnjuges, vem instalar a democracia como base do funcionamento poltico-social e tem finalidades que assentam no bem-estar pessoal, do casal e dos filhos (Burguess, 1960). Assim, o novo casal que cria a famlia, (no como na perspectiva institucional em que a famlia formava-se atravs dos interesses e convenincias que impunha aos mais novos o casamento). Ora, com o aumento do nmero de assalariados atravs da industrializao, tende a alargar-se o companheirismo como nova forma de encarar a famlia e o casamento.O que mais tarde veio a ser conhecido por interaccionismo simblico, tornou-se a corrente terica inspiradora, de forma global, dos trabalhos da Escola de Chicago. Ao que surge a primeira definio de famlia, considerada como unidade de personalidade em interaco existindo primordialmente para o desenvolvimento e gratificao mtua dos seus membrosunidos mais por coeso interna do que por presses externas (Burguess, 1960). Depois, a anlise de diferentes tipos de famlia urbana trazem novas pistas de abordagem. So o caso, das expectativas da famlia, das mes em relao aos filhos, os conflitos provocados por diferentes tipos de expectativas, entre outros.O reconhecimento do valor e dos limites do modelo apresentado por Burguess veio a ser confirmado com o evoluir do tempo. A famlia passa a ser mais valorizada no mbito da vida individual como meio de bem-estar afectivo, no tanto como espao de estmulo produo de bens econmicos ou prestao de servios. Reconheceu a sua coexistncia mas sem os mesmos se imporem ou oporem vivncia familiar.

Tratava-se de uma viso da vida familiar imbuda de um certo optimismo. Burguess pretendeu enfatizar a importncia dos bons princpios, do sentimento e do companheirismo, em relao aos maus princpios do passado, as lgicas do interesse como base para o casamento. Deste modo, a famlia tem um papel central na manuteno da ordem social pois um factor de equilbrio dos apertos e dificuldades que as pessoas esto sujeitas na vida social.Esta ideia da aco fundamental da famlia como factor protector da pessoa, numa sociedade onde no existiam sistemas de proteco social, reconhece-se na situao dos mais pobres, desempregados e sem-abrigo. Por isso, a disfuno acontece como reflexo dos problemas da famlia, derivando muitas vezes, da insero social das pessoas e de problemas externos que sobre eles tm impacto, crise econmica, desemprego, etc.O autor analisa ainda o processo que constituiu a passagem da instituio para o companheirismo. O diagnstico e a anlise prospectiva no se devem somente a aspectos tericos, mas essencialmente grande diferena de contextos sociais nos Estados Unidos entre os anos 20 e os anos 50. Nos anos 20-30 v-se o peso da pobreza e da delinquncia nos bairros pobres de Chicago. Na obra posterior, Burguess mostra o optimismo moderado de um incio de crescimento econmico e de emprego.

3. Em termos prospectivos uma das suas previses a de que sugere uma economia fragilizada para uma economia mais consistente, tem como consequncia uma maior estabilizao das relaes familiares. Os factos vieram a confirm-la completamente. Mas, mais tarde pode compreender-se melhor pois essa relao parece ter-se estabelecido de forma diferente do lado da famlia e do indivduo ou do lado econmico do acesso aos recursos. Pelo lado da famlia e das relaes interpessoais, a valorizao da dimenso afectiva na relao dos cnjuges, teve como consequncia o aumento das exigncias individuais no plano amoroso, no mbito da relao conjugal. Vindo a reflectir-se, mais nuns sectores sociais do que noutros, avanando na concretizao da ruptura conjugal. O que por outras palavras significou ser legtima a iniciativa do divrcio por razes de carncia de sentimento e afectividade, quando at altura, s as causas de fora maior o poderiam levar a cabo. Pelo que, a valorizao do sentimento, no contribuiu por si na estabilidade da famlia.Quanto estabilidade econmica pode ter outras consequncias, no imediatamente perceptveis, como ocorrido a partir dos anos 50, houve um menor desemprego, com mais oportunidades de trabalho para as mulheres, nomeadamente no sector dos servios, contribuindo para uma menor dependncia da mulher no casamento. O que Burgess no pode compreender foi a natureza contraditria das transformaes provocadas nos anos 50 pois mesmo o lado subjectivo da vida conjugal, no est isento de contradies internas, onde novas variveis vo surgindo afectando de forma diferente as relaes conjugais.Outra previso foi a sobrevivncia da famlia, pelo seu poder de adaptao mudana e importncia central que detm no campo afectivo e na satisfao pessoal, reflectindo numa conteno do nmero de divrcios, pelo que tenderiam, no futuro, a no aumentar. Contudo, esta no se verificou to acertada como a primeira. Assim, a ruptura conjugal, nos finais dos anos 50, atingiu nos EUA, os valores mais altos at ento registados, desde a existncia de estatsticas (Blood e Wolf, 1960) com valores na ordem de 1 divrcio para 5 casamentos. E curiosamente, foi a partir dos anos 60 que a subida do nmero de divrcios se acentuou bastante, passando para valores que hoje chegam a cerca de 1 divrcio para 2 casamentos, no mesmo ano.Para alm das insuficincias j referidas anteriormente, houve algumas crticas mais consistentes feitas proposta de Burgess que podem situar-se em dois nveis: o do contedo substantivo das propostas e ao que se pode chamar por enviesamento ideolgico normativo. De uma vertente, apresentava a vida familiar e a vida poltica como espaos autnomos, por serem governados por lgicas diferentes de um lado a lgica da proteco, do afecto, da intimidade, do outro, a da competio, do interesse e do lucro. Esta separao considerada perda em relao ao passado, das funes econmicas da famlia. Noutra vertente, em contexto terico, teve consequncias negativas. Assim, subestimou um conjunto de trocas e de relaes internas que no passou pela lgica dos afectos. o caso, como exemplo, do trabalho produzido na esfera familiar cuidados com os filhos, realizao de tarefas domsticas. Outro aspecto a considerar, tem a ver com a dicotomizao entre a vida familiar e a vida pblica que est associada a uma lgica que considera a distribuio de papis diferenciados entre homem e mulher, como natural e universal. A questo das mulheres aqui invisvel pela viso naturalizada com a distribuio dos papis tendo em conta as diferenas biolgicas. A tendncia para encarar a vida familiar e o casamento como aspectos desligados da vida social, governados somente por lgicas e sentimentais e interpessoais, alimentou por muito tempo a ideia de famlia como unio protectora. Desvalorizou-se a possibilidade de factores externos interferirem no funcionamento interno das famlias com a possibilidade de, em certas circunstncias, desestruturar. No se percebeu, como certas famlias organizadas pelo companheirismo, podiam ter conflitos, tenses ou to s problemas.

4. O contributo de Burguess e seus pares mostrou-se bastante relevante pois permitiu entender a grande mudana que se verificou da famlia como instituio, que perdurou historicamente, durante vrios sculos, para a famlia companheirismo, onde as pessoas passam a ser mais consideradas e valorizadas.

Bibliografia

- Blood, Robert O. Donald (1960), Husbands and wifes, Nova York, Free Press.- Burguess, Ernest, M.J.Locke, M.Thomas (1960), The family from institution to companionship, Nova York, American Book.- Torres, A. (2001), Sociologia do casamento, Celta Editora, Oeiras, pp.34-59.