Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus...

233
José Pereira da Silva Ensaios de Fraseologia CiFEFiL/DIALOGARTS Rio de Janeiro 1998

Transcript of Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus...

Page 1: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

José Pereira da Silva

Ensaios de Fraseologia

CiFEFiL/DIALOGARTS

Rio de Janeiro

1998

Page 2: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

1

FICHA CATALOGRÁFICA

ISBN 85-86837-11-3

Page 3: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

2

Epígrafes

Pela tendência à cristalização, as frases feitas resistem através dos

tempos, mas as palavras que as compõem perdem a potencialidade,

neutralizam-se diante da imposição rítmica do texto.

(FERNANDO SABINO).

Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE).

E, assim, o diamante bruto vai surgindo da ganga na crista do cô-

moro, graças a esses incansáveis perquiridores que o lapidam,

aproveitando-lhe as mínimas facetas, para deslumbrar-nos com seu

brilho e variadas cintilações.

(TOMÉ CABRAL).

Entre os autores, dos mais desvairados gêneros, figuram com certa

freqüência os cronistas, por se mostrarem, em maior ou menor

grau, bons espelhos da língua viva.

(AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA).

A tarefa social dos filólogos refere-se, de fato, aos textos de uso

repetido: os filólogos são encarregados de vigiar a tradição litúrgi-

ca e também literária da comunidade.

(HEINRICH LAUSBERG).

A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios.

(DIÓGENES DA CUNHA LIMA FILHO).

É fácil acusar a existência de um lugar-comum, mas nem todos sa-

bem dizer em que consiste a verdade que o inspirou.

(FERNANDO SABINO).

Page 4: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

3

Page 5: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

4

Dedicatórias

À memória dos Mestres da Fraseologia:

a) Antenor Nascentes:

b) João Ribeiro;

c) Luís da Câmara Cascudo;

d) Leonardo Motta; e) Amadeu Amaral.

À Dedicação Filológica e Amizade de que me orgulho e

que me incentiva:

a) Celso Cunha (de saudosa memória).

b) Mário Camarinha (de saudosa memória).

c) Leodegário A. de Azevedo Filho

d) Evanildo Bechara

e) Sílvio Elia

Page 6: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

5

Page 7: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

6

Agradecimentos

Aos Colegas:

Sebastião Gonçalves, Cláudio Sobrinho, Alfredo

Maceira, Magali, Guaciara, Cristiane, Juvenal e

Leonora pelo incentivo, amizade e colaboração;

Aos Mestres, Orientadores e Amigos: Camarinha (de saudosa memória), Cafezeiro e

Bélkior, pela segurança emanada e pela abnegada

disponibilidade.

Page 8: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

7

PREFÁCIO

Estes trabalhos foram realizados e, alguns deles, publicados em dife-

rentes épocas, com diferentes finalidades.

O artigo intitulado A classificação das frases feitas de João Ribei-

ro foi escrito especialmente para a participação no III Encontro Interdisci-

plinar de Letras da Faculdade de Letras da UFRJ em 1986 e publicado em

1992, nos Anais do referido encontro, p. 191 a 200.

Trata-se de uma tentativa de classificação do "discurso repetido",

tomando como corpus as expressões estudadas por João Ribeiro, em seu li-

vro, Frases feitas: estudo conjectural de locuções, ditados e provérbios. 2ª ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1960. 432 p.

A fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade foi es-

tudada em três trabalhos: o primeiro, que se constitui em subsídios para

um dicionário básico, foi orientado pelos professores Belchior Cornélio da

Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

nas no curso de mestrado em Filologia Românica. Nosso fichamento atin-

giu o número de 1889 verbetes, limitados por motivos práticos a uns 700,

que nos pareceram mais interessantes.

O segundo pretende trazer contribuições para a história e etimolo-

gia das expressões em questão e também foi escrita como trabalho do curso

de mestrado. Pretendemos esclarecer a origem de algumas dessas constru-ções proverbiais e indicar pistas que possam levar a tal esclarecimento das

restantes. Contribuiremos, assim, para compreensão do seu verdadeiro sen-

tido.

O terceiro, Estrutura das frases feitas, é um trabalho de lingüística

apresentado ao Prof. Edwaldo Cafezeiro, ao final de um curso sobre estrutu-

ras frasais, em 1984. Quanto à estrutura morfossintática dessas expressões,

e considerando também o seu valor endossêmico (em nosso corpus), 69%

delas se constitui de estruturas com valor de verbo, 13% com valor de ad-

vérbio, 10% com valor de substantivo, 7% com valor de adjetivo e 2% com

valor de interjeição.

Quanto à estrutura morfológica, 45 das frases 93 frases feitas estuda-

das começam com verbos, 14 começam com advérbios, 14 com preposi-ções, 9 com pronomes, 6 com artigos, 3 com conjunções, 1 com substantivo

e 1 com adjetivo.

O estudo comparativo da fraseologia românica apresenta algumas

questões teóricas sobre o assunto, além de uma relação de 108 expressões

aproximadamente equivalentes semanticamente em português, galego, es-

panhol, francês, italiano, romeno e latim.

Page 9: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

8

Com este trabalho comparativo, acreditamos que, analisada do ângu-

lo da fraseologia, a unidade lingüística românica será compreendida de um

modo bastante globalizante. Talvez maior do que se o for considerada de

qualquer outro ponto de vista.

Por fim, relacionamos todas as expressões estudadas, numa espécie

de índice rememorativo, dando uma idéia geral do corpus utilizado no con-

junto desses trabalhos.

Agradecemos as sugestões e críticas que porventura os leitores des-

tas páginas se dignarem a nos apresentar.

Rio de Janeiro, outubro de 1998.

José Pereira da Silva

Page 10: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

9

SUMÁRIO

0 – PREFÁCIO 4

1 – A CLASSIFICAÇÃO DAS FRASES FEITAS DE JOÃO RIBEIRO 8 1.1 – INTRODUÇÃO 9

1.2 – O “DISCURSO REPETIDO” E SUA CLASSIFICAÇÃO 9

1.3 – CONCLUSÃO 14

1.4 – BIBLIOGRAFIA 15

2 – A FRASEOLOGIA NAS CRÔNICAS DE CARLOS DRUMMOND

DE ANDRADE (Subsídios para um dicionário básico). 16

2.1 – ESTUDO INTRODUTÓRIO 18

2.2 – BIBLIOGRAFIA 22

2.3 – DICIONÁRIO 24

2.4 – APÊNDICES 93

2.4.1 – Antigamente I 94

2.4.2 – Antigamente II 95

2.4.3 – O Homem, Animal Exclamativo 97

2.4.4 – O Homem, Animal que Pergunta 99

2.4.5 – O Homem e suas Negativas 101

2.4.6 – Dizer e suas Conseqüências 103

3 – A FRASEOLOGIA ROMÂNICA (estudo comparativo). 105

3.1 – INTRODUÇÃO 106

3.2 – A CONVERGÊNCIA NA FRASEOLOGIA ROMÂNICA 108

3.3 – A DIVERGÊNCIA NA FRASEOLOGIA ROMÂNICA 113 3.4 – FRASES FEITAS SINÔNIMAS EM LÍNGUAS ROMÂNICAS 118

3.5 – CONCLUSÃO 126

3.6 – BIBLIOGRAFIA 128

4 – A ORIGEM DAS FRASES FEITAS USADAS POR DRUMMOND

(contribuições para sua história e etimologia). 130

4.1 – INTRODUÇÃO 131

4.2 – UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA E ETIMOLÓGICA DAS

FRASES FEITAS 133

4.3 – CONCLUSÃO 180 4.4 – BIBLIOGRAFIA 181

5 – A ESTRUTURA DAS FRASES FEITAS 184

5.1 – INTRODUÇÃO 186

Page 11: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

10

5.2 – ANÁLISE SINTÁTICA E MORFOLÓGICA DAS FRASES FEI-

TAS 187

5.3 – CLASSIFICAÇÃO DAS FRASES FEITAS 196

5.3.1 – Frases Feitas Classificadas como Verbos 197

5.3.1.1 – Frases feitas Classificadas Endossêmica e Exossemica-

mente como Verbos. 197

5.3.1.2 – Frases feitas Classificadas Endossemicamente como

Verbos e Exossemicamente como Substantivos. 199

5.3.1.3 – Frases feitas Classificadas Endossemicamente como Verbos e Exossemicamente como Advérbios. 200

5.3.2 – Frases Feitas Classificadas como Advérbios 201

5.3.2.1 – Frases feitas Classificadas Endossêmica e Exossemica-

mente como Advérbios. 201

5.3.2.2 – Frases feitas Classificadas Endossemicamente como

Advérbio e Exossemicamente como Substantivo. 201

5.3.3 – Frases Feitas Classificadas como Adjetivos 201

5.3.4 – Frases Feitas Classificadas como Substantivos 202

5.3.4.1 – Frases feitas Classificadas Endossêmica e Exossemica-

mente como Substantivos. 202

5.3.4.2 – Frases feitas Classificadas Endossemicamente como

Substantivo e Exossemicamente como Adjetivos. 202 5.3.5 – Frases Feitas Classificadas como Interjeições 203

5.4 – CONCLUSÕES 203

5.5 – BIBLIOGRAFIA 204

6 – ÍNDICE DAS EXPRESSÕES ESTUDADAS 206

Page 12: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

11

A CLASSIFICAÇÃO DAS FRASES FEITAS DE JOÃO RIBEIRO1

O “discurso repetido” como texto literá-

rio e como “frases feitas”: em nível de

texto e em nível de sintagma. Como

texto: provérbio, ditado, apotegma, má-

xima, etc. Com unidade sintagmática

nominal, verbal ou adverbial. O livro de

João Ribeiro é o corpus mínimo consi-

derado.

1 Texto resultante do trabalho apresentado III Encontro Interdisciplinar de Letras, em abril de

1986 e publicado nos Anais do III Encontro Interdisciplinar de Letras. Rio de Janeiro: Uni-

versidade Federal do Rio de Janeiro / Faculdade de Letras, 1992, p. 191-200.

Page 13: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

12

1 – INTRODUÇÃO

Classificar o “discurso repetido”, até hoje, tem sido uma tarefa sempre adi-

ada pelos especialistas, pelo menos se o considerarmos de uma forma globa-

lizante. Por isto, resolvemos partir de um corpus mínimo, que é a impor-

tante obra de João Ribeiro, Frases feitas.

Em busca de desafios, verificamos que a classificação das expressões pare-

miológicas jamais foi tentada de uma forma séria e que as “frases feitas” de

João Ribeiro não receberam sequer uma tentativa de sistematização. Estava ali um “prato feito”.

Dividiremos tais expressões em dois grupos, segundo o nível lingüístico que

apresentam: a) a nível de texto; b) a nível de sintagma.

2 – O “DISCURSO REPETIDO” E SUA CLASSIFICAÇÃO

Consideremos “discurso repetido” qualquer tipo de expressão fixa cujos

elementos não sejam substituídos ou recambiáveis segundo as regras atuais

da língua, importando, principalmente, o seu conceito de “expressões pré-

fabricadas”.2

Todas estas expressões, que constituem a fraseologia de uma língua e a sua paremiologia, ficam alheias à técnica do discurso propriamente dita.

Quanto a sua abrangência, o “discurso repetido” abarca tudo que tradicio-

nalmente está fixado como “expressão”, “giro”, “modismo”, “frase” ou “lo-

cução”. No entanto, não há precisão no uso dos termos que denominam os

diferentes tipos dessas expressões, usando-se, muitas vezes, um pelo outro.

São termos para os quais há um problema de identificação, sinonímia ou di-

ferença, para os quais procuraremos estabelecer alguns traços distintivos.

Antes disso, procuraremos classificar as unidades do “discurso repetido”

quanto ao nível lingüístico de sua expressão nos dois níveis seguintes, cla-

ramente distintos:

a) o nível lingüístico do texto, em que se incluem os provérbios, os ditados, os refrães, os adágios, as máximas, as sentenças, os aforismos, etc.

b) o nível lingüístico do sintagma, que corresponde às “perífrases

léxicas” de Coseriu, incluindo as frases feitas, assim como todos os tipos de

expressões fixas inferiores à oração: expressões proverbiais, apotegma.

As expressões fixas em nível de texto são todas as que correspondem a uma

unidade com sentido completo, em qualquer nível de complexidade. Podem

corresponder a uma oração e até a uma unidade mais complexa.

2 Cf. COSERIU, E. (1977) p. 113 & SEVILLA; J. M. /S.D./ f. 1

Page 14: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

13

Segundo a terminologia de Coseriu, são as “locuções”, “frasemas” ou “tex-

temas” que constituem “certas unidades do ‘discurso repetido’, comutáveis

apenas no plano das orações e dos textos, com outras orações e com outros

inteiros”.3

As expressões fixas em nível de sintagma são todas as que estão abaixo do

nível da oração, unidades combináveis com sintagmas e com simples pala-

vras, cuja interpretação se faz ao nível do léxico.4

Do ponto de vista do significante, são unidades que funcionam como unida-

des léxicas, pouco importando o número e a complexidade dos elementos constituintes discerníveis.

Dada a flutuação por que passa essa terminologia, não é nada fácil definir os

diversos tipos dessas “expressões fixas” para se poder apresentar uma tenta-

tiva de classificação definitiva.

Por isso, no pequeno espaço de que dispomos, tentaremos definir cada uma

delas: provérbio, ditado, refrão, máxima, adágio, aforismo, apotegma e fra-

ses feitas com valor de sintagma nominal, verbal e adverbial ou como inter-

jeição.

a) O provérbio se liga a diferentes formas de expressão tradicional,

com as quais nem sempre é fácil traçar linhas divisórias exatas. Mas Ama-

deu Amaral nos ensina que eles (...) encerram um fundo condensado de experiência refletidas, são amos-

tras de um “saber de experiências feito”, experiências da alma humana, das relações sociais, dos fenômenos da natureza, etc. Não há que discutir a le-gitimidade teórica ou lógica desse saber, um conjunto de verdades gerais adequadas à mentalidade média dos povos e expresso com a segurança da convicção. Outras feições características dos provérbios aludidos são a concisão e a elegância. Não há palavras inúteis. Freqüentemente dispensam-se mesmo palavras que poderiam ser úteis, como se se quisesse dar ao conjunto mais

o atrativo de uma tal ou qual obscuridade. A frase é cadenciada: o provér-bio, quando não é puro verso, é parente próximo deste, pelo ritmo e, mui-tas vezes, também pela rima. O todo, firme, enérgico, definitivo, brilha de uma certa originalidade de invenção e de expressão e grava-se facilmente na memória.5

Além desses traços, é importante ressaltar os “traços arcaicos” ou arcaizan-

tes dos provérbios, que constituem uma de suas características distintivas

intrínsecas.

Exemplos:

3 COSERIU, E. (1977) p. 115. 4 Cf. COSERIU, E. (1977) p. 116-7. 5 AMARAL, A. (1948) p. 219.

Page 15: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

14

No açougue, quem mal fala, mal ouve.

O alcaide e o sol por onde quer entram.

Melhor ama quem mais sente.

Com teu amo não jogues as pêras.

É maior o arruído que as nozes.

Mais vale um asno vivo que um doutor morto.

Ave por ave, o carneiro se voasse.

Cada casa favas lavam.

Cré com cré, lé com lé. Quem canta más fadas espanta.

b) O ditado é muito parecido com o provérbio. Por isto, muito pa-

remiologistas os tomam um pelo outro.

A diferença básica entre o ditado e o provérbio é que os elementos consti-

tuintes do provérbio são tomados sempre em sentido metafórico, enquanto o

ditado prima pelo sentido denotativo e diz respeito a setores precisos de ati-

vidades e grupos específicos.

Aliás, para que um ditado se transforme em provérbio, o que acontece com

muita freqüência, basta ele seja usado em sentido figurado, aplicando-se a

outra coisa diferente da que se refere diretamente o ditado.

Há três diferenças determináveis entre eles: o provérbio é uma construção metafórica ou conotativa, diz respeito a verdades gerais e faz um julgamen-

to de valor, enquanto que o ditado é uma construção direta ou denotativa,

diz respeito a setores precisos da atividade e a grupos específicos e fica na

simples observação e constatação dos fatos, sem julgá-los.

Exemplos:

Quem tem abelha, ovelhas e moinho, entrará com El-Rei em desafio.

Quem o alheio veste, na praça o despe.

Mais vale amigo na praça que dinheiro na arca.

Amigos, amigos, negócios à parte.

Quem comeu a carne que roa os ossos.

Céu pedrento, chuva ou vento. Comadres e vizinhas, a revezes hão farinha.

Pelejam as comadres, descobrem-se as verdades.

Lá vão as leis para onde querem os reis.

c) O refrão se apresenta como popular, familiar, festivo, gracioso e

não necessariamente metafórico, enquanto que o provérbio se apresenta

como culto, remoto no tempo e no espaço (logo, não familiar), contencioso,

grave, sério e necessariamente metafórico. Como só nesses particulares se

Page 16: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

15

difere o refrão do provérbio, na maioria das vezes, eles são confundidos uns

com os outros.

Em nossos corpus não encontramos exemplos de refrão que se ajustasse ri-

gorosamente a essas características.

d) A máxima se distingue do provérbio por obedecer à gramática,

não permitindo a omissão do artigo necessário nem transgredindo o modelo

gramatical, como o faz este. E tanto é assim que, formalmente, basta que se

acrescentem determinantes adequados ao enunciado de um provérbio que ele se transforma numa máxima.6

A máxima não admite a construção em forma de frase nominal, tem uma

freqüência muito elevada do infinitivo e não costuma ter nem rima nem rit-

mo.

Exemplos:

É melhor coisa ter um amigo na corte que um vintém na bolsa.

Todos vêem o argueiro no olho do vizinho e ninguém vê a trave no seu.

Se queres que teu filho cresça, lava-lhe os pés, raspa-lhe a cabeça.

O hábito não faz o monge.

e) Adágio é o termo mais genérico e de sentido mais amplo, equi-

valendo às noções de provérbio, ditado e refrão. Sendo assim, os exemplos apresentados para ditados e provérbios são válidos também para o adágio.

f) Aforismo é uma sentença breve e doutrinal, que em poucas pala-

vras explica e compreende a essência das coisas. Tanto o aforismo como o

apotegma são peças literárias ou poéticas.7

g) O apotegma ou apólogo proverbial é uma fórmula coletiva e tra-

dicional, pertinente a um personagem ilustre, que se aplicam às mais varia-

das situações da vida.

Exemplos:

Não aumentar a aflição do aflito. Entrou bispo.

Nunca mais bodas ao céu!

Aqui há caveira de burro.

Não passe além das chinelas.

Quem cura é a fé e não o pau da barca.

Mateus, primeiro os teus.

Aí morreu o Neves!

6 Cf. MELEUC,S. (1969) p.84. 7 Cf. SEVILLA, J.M. /s.d./ f. 17.

Page 17: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

16

A ocasião é calva.

h) As frases feitas não constituem textos, mas estão ao nível do lé-

xico e do sintagma. Tais expressões fixas, além de terem sentido incomple-

to, funcionando como um sintagma e não como uma frase, na maior parte

das vezes possuem formas variáveis.

Frase feita é uma locução fossilizada em sua forma e em seu sentido, que

perde um pouco de sua autonomia ou independência para se tornar parte in-

tegrante da cadeia da fala. Em seu sentido amplo, que é o que usou João Ribeiro no título de seu livro,

abrange todos os tipos de expressões fixas ou de “discurso repetido”.

Como as frases feitas, stricto sensu, se constituem de locuções em nível sin-

tagmático, resolvemos classificá-las de acordo com o tipo de sintagma a que

correspondem: sintagmas nominais, sintagmas verbais e sintagmas adverbi-

ais. Além dessas, há expressões equivalentes a interjeições, que estão numa

situação intermediária de palavra-frase, carregadas de emoção.

Eis um mostruário exemplificativo dessas frases feitas neste nível sintag-

mático:

Frases feitas com valor de sintagma nominais:

Alhos e bugalhos. Alma de cântaro.

Alqueires de razão.

Besta de carga.

Caldo requentado.

Camisa de onze varas.

Conta de mentiroso.

Fulano dos Anzóis Carapuça.

Pobre como Jó.

A morte da bezerra.

Frases feitas com valor de sintagmas verbais: Não se dar por achado.

Dar acordo de si.

Fazer de gato sapato.

Botar as manguinhas de fora.

Não meter a mão em cumbuca.

Custar os olhos da cara.

Não saber patavina.

Meter os pés pelas mãos.

Tirar sardinhas com a mão do gato.

Page 18: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

17

Dar às de Vila Diogo.

Frases feitas com valor de sintagmas adverbiais:

Entre a bigorna e o martelo.

Por que cargas d’água?

Nem chus nem bus.

Enquanto o Diabo esfrega um olho.

Com todos os ff e rr.

Onde Judas perdeu as botas. Entre a quarta e a meia partida.

Por um triz.

Frases feitas com valor de interjeição:

Santa Bárbara!

Vá bugiar!

Que maganão!

A grifa parideira!

Ora cebo!

3 – CONCLUSÃO:

A execução dessa tarefa nos mostrou a intensidade das limitações existentes

neste campo de pesquisa, praticamente toda ainda por ser feita.

Acreditávamos chegar a uma classificação segura de todas as expressões es-

tudadas por João Ribeiro, apesar da advertência de Amadeu Amaral de sua

quase-impossibilidade.

A terminologia demasiado flutuante, ora demasiado restrita, ora extrema-

mente ampla, confunde mais que esclarece, e torna difícil uma fundamenta-

ção convincente de uma classificação objetiva.

Nossa classificação não pôde seguir um critério unificado para todos os ca-

sos. Primeiramente, dividimos todo o nosso corpus em dois tipos de ex-pressões: as que se encontravam em nível de texto e as que se encontravam

em nível de sintagmas. Em segundo lugar, levando em consideração aspec-

tos múltiplos de natureza interna e externa, procuramos estabelecer as dife-

renças fundamentais entre os seus diversos tipos. Por último, para classifi-

car as “frases feitas”, strito sensu, o critério gramatical e o valor exossêmi-

co das expressões é suficientemente seguro.

Apesar de não termos conseguido um nível de grau “ótimo” para o estabele-

cimento de alguns dos itens aqui desenvolvidos, vangloriamo-nos por ter-

Page 19: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

18

mos avançado alguns passos em relação ao que até hoje existe pesquisado

sobre o assunto.

Como a perfeição é sonho que precisa ser sonhado, esperamos a contribui-

ção dos leitores para o aperfeiçoamento desta pesquisa.

4 – BIBLIOGRAFIA:

AMARAL, Amadeu. Tradições populares. Com um estudo de Paulo Duar-

te. São Paulo, Progresso: 1948. 418 p.

CÂMARA JÚNIOR, Joaquim Mattoso. Dicionário de filologia e gramáti-

ca: referente à língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: J. Ozon

[s.d.]. 409 p.

COSERIU, Eugenio. Principios de semántica estructural. Versión españo-

la de Marcos Martínez Hernández. Madrid: Gredos, 1977. 247 p.

MELEUC, Serge. Structure de la maxime. Languages. Paris, (13):69-99,

1969. Número dedicado à “analyse du discours”.

RIBEIRO, João. Frases feitas: estudo conjectural de locuções, ditados e

provérbios. 2ª ed. Com introdução de Joaquim Ribeiro. Rio de Janei-ro: F. Alves, 1960. 432 p.

SEVILLA, Julio Hernández. Estructura y contexto de las expresiones fijas.

Fotocópia de apontamentos feitos pela Profa. Maria de Lourdes Mar-

tini, na Universidade de Granada. (33 folhas manuscritas).

Page 20: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

19

A FRASEOLOGIA

NAS CRÔNICAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

(Subsídios para um dicionário básico) 8

A fraseologia na Literatura e na Le-xicologia. Importância e escassez de

estudos especializados da Fraseolo-

gia no Brasil. A prosa drummondia-na e a fraseologia brasileira.

8 Trabalho final apresentado aos Professores Mário Camarinha da Silva, no curso de Teoria e

Técnica da Pesquisa, e Belchior Cornélio da Silva, no curso de Etimologia e Lexicologia, na

Faculdade de Letras da UFRJ, no primeiro semestre de 1984.

Page 21: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

20

ABREVIAÇÕES

BL – Boca de Luar

CB – Cadeira de Balanço DL – Os Dias Lindos

DN – Da Notícia & Não Notícia Faz-se a Crônica

OC – Obra Completa

PP – Poesia e Prosa Obs. O livro Poesia e Prosa, nas abonações, é citado centenas de

vezes. Por isso, só aparece ali a indicação da página entre parênte-

ses, sem outra informação.

Page 22: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

21

ESTUDO INTRODUTÓRIO

Fraseologia é o “conjunto ou compilação de frases ou locuções de uma lín-

gua ou de um escritor”, afirma Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.9Joa-

quim Mattoso Câmara Jr. ensina que a Fraseologia se restringe ao estudo

das frases feitas, frases “fossilizadas em sua forma e seu sentido e usadas no

discurso à maneira de uma locução.”10 Enfim, a Fraseologia como ramo da

Lexicologia tem como matéria e objeto de estudo apenas a frase feita, que é

uma “locução fixa consagrada pelo uso”, segundo Aurélio.11 Não nos interessa a Fraseologia em seu sentido mais amplo, o estudo da

construção da frase, sua estrutura mórfica ou a sua geração. Também não

faremos um estudo histórico-comparativo, à João Ribeiro.12 O primeiro des-

tes aspectos será desenvolvido durante o curso de Estruturas Frasais, que fa-

remos com o Prof. Edwaldo Machado Cafezeiro no próximo semestre, mas

o estudo histórico-comparativo só será possível no próximo ano, quando es-

tudaremos comparativamente as línguas românicas, segundo os planos do

Prof. Bélkior.

Como a palavra fraseologia nos chegou através do francês phraseologie, se-

gundo A. G. Cunha13 e J. P. Machado,14 sendo documentada pela primei-

ra vez em 1813, por Antônio Morais Silva,15 concluímos que a Fraseologia

tenha se desenvolvido na França durante o século XVIII, embora seja muito mais antiga.

Em Portugal, já no século XVII, mais precisamente em 1651, Antônio Deli-

cado publicava o livro Adágios Portugueses Reduzidos a Lugares-comuns.

No Brasil, segundo nos parece, o mais antigo trabalho sobre o assunto é o

livro de Perestrelo da Câmara: Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sen-

tença Morais e Idiotismo da Língua Portuguesa, publicado no Rio de Janei-

ro em 1848, conforme indicação bibliográfica de R. Magalhães Jr.16

São poucos os trabalhos científicos sobre a Fraseologia Brasileira, embora

haja alguns considerados pela crítica especializada como muito bons.

Este trabalho consiste em relacionar as frases feitas encontradas nas crôni-

cas de Carlos Drummond de Andrade publicadas em livros,17 em forma de

9 FERREIRA, A. B. H. (s. d.), s.v. 10 CÂMARA JR., J. M. (s.d.) s.v. 11 FERREIRA, A. B. H. (s. d.), s.v. 12 RIBEIRO, J. (1933) e (1963) . 13 CUNHA, A. G. (1982) s. v. 14 MACHADO, J. P. (1977) s. v. 15 SILVA, A. M. (1813) s.v. 16 MAGALHÃES JÚNIOR, R. /s.d./ p. 6 afirma ser de 1879 o mais antigo trabalho de fraseo-

logia conhecido entre nós, contraditoriamente, pois indica Perestrelo da Câmara na bibliogra-

fia, à p. 364. 17 Verifique na bibliografia quais foram as edições consultadas.

Page 23: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

22

dicionário, com o significado ou explicação, abonação do cronista e indica-

ção da fonte. Quando julgamos conveniente ou necessário, dentro das limi-

tações do trabalho, acrescentamos algumas observações. Com isso preten-

demos facilitar o trabalho de quem for estudar melhor o tratamento literário

que Drummond dá às frases feitas, alertar os escritores para o aproveitamen-

to de nossa fraseologia em seus trabalhos e contribuir para a elaboração de

um dicionário básico da língua portuguesa.

Quanto à organização dos verbetes, verificamos que tanto Antenor Nascen-

tes18 quando Aurélio Buarque de Holanda Ferreira19 seguiram os critérios da Real Academia Espanhola.20 Seguimos a mesma trilha, pois deve ser a mais

segura.

Este critério consiste em dar entrada pelo substantivo ou pela palavra subs-

tantivada, desde que a frase o contenha. A seguir, pela ordem: o verbo, o

adjetivo, o pronome e o advérbio. Havendo mais de um vocábulo da mes-

ma classe, opta-se pelo primeiro. Entretanto, as palavras pessoa, coisa e

alguém e os verbos de ligação e auxiliares, a menos que constituam parte

essencial da locução, não são usadas.21

Em relação à organização do texto na lauda, como não existe um modelo

indiscutível, decidimos pela seguinte forma, que descrevemos detalhada-

mente, apesar da advertência do Prof. Bélkior de que seria desnecessária.

A entrada é feita em maiúsculas tiladas, começando na margem e em linha isolada.

O verbete só tem a primeira letra maiúscula. É sublinhado, seguido de pon-

to e começa também na margem. Depois do ponto final, ponto de exclama-

ção ou de interrogação há um espaço em branco de dois toques, não só no

verbete, mas em todo o trabalho.

O significado, ou explicação, ou sinônimo, ou definição da frase fica entre o

verbete e sua abonação, separado por igual espaço em branco de um lado e

de outro. termina sempre em ponto, mas, havendo mais de um significado,

separam-se por ponto e vírgula. Continuando na linha seguinte o texto não

volta à margem, mas continua a partir do quarto toque. O mesmo acontece

com as abonação. A abonação está sempre entre aspas duplas. As aspas já existentes no texto

são transcritas com aspas simples ou apóstrofos. Para indicar um corte no

texto do autor, utilizamos quatro pontos (...), conforme orientação do Prof.

18 NASCENTES, A. (1945) . 19 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) . 20 Conforme Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que usou a 19. ed. do Diccionario de la

Lengua Española da Real Academia Española, publicado em Madrid no ano de 1970. 21 Conf. FERREIRA, A. B. H. (s. d.), p. VII, item 5.

Page 24: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

23

Camarinha e do Aurélio Buarque de Holanda, para que se evite confusão

com as reticências do texto.

A indicação bibliográfica, entre parênteses, logo depois de cada abonação,

é constituída da abreviação convencionada do livro, seguida do número da

página, separados por vírgula. A indicação bibliográfica também se separa

das abonações por um espaço de dois toques, como os demais elementos do

verbete. Em alguns casos, outros exemplos citados, apenas indicada a fonte

bibliográfica acrescida à da última abonação.

As observações são precedidas da abreviatura (obs.) entrada para o sétimo toque e precedidas de um espaço de dois toques em branco.

Apenas em três casos usamos mais de uma abonação: quando o autor usou

formas variantes da frase em questão, quando a frase tem significados dife-

rentes da frase em questão, quando a frase tem significados diferentes em

cada exemplo ou quando o exemplo nos pareceu insuficiente para esclarecer

o significado do verbete. Neste último caso, nem sempre dispúnhamos de

exemplos para uma abonação mais farta.

Muito dos significados foram deduzidos pelo contexto, já que não foram

encontrados na bibliografia de que dispomos.22

Além de nossa limitação pessoal, o espaço e o tempo específicos de um tra-

balho de final de curso têm algumas exigências limitadoras.

Nosso fichamento atingiu o número de 1889 verbetes, limitados por moti-vos práticos a uns 700, que nos pareceram mais interessantes.

Esse fichamento resultou da leitura dos dez livros de crônicas de Carlos

Drummond de Andrade, em que colaboraram os Professores Juvenal Leitão

Alves e Leonora Lamoglia de Souza: Confissões de Minas;23 Passeios na

Ilha;24 Fala, Amendoeira;25 A Bolsa & a Vida;26 Cadeira de Balanço;27

Caminhos de João Brandão;28 O Poder Ultrajovem;29 De Notícias & Não

Notícias Faz-se a Crônica: Histórias, Diálogos, Divagações;30 Os Dias

Lindos31 e Boca de Luar.32

O cronista Carlos Drummond de Andrade tem um especial carinho pelas

frases feitas de nossa língua. Basta notar a freqüência com que elas apare-

cem em sua obra e a importância implícita que lhes atribui, escrevendo be-

22 Verifique a Bibliografia, p. 13-15. 23 ANDRADE, C.D. (1964) p. 505-607 e (1979) p. 899-961. 24 Idem, p. 609-725 e 963-1971. 25 Idem, p. 727-820 e 1073-1147. 26 Idem, p. 821-906 e 1149-1224. 27 ANDRADE, C.D. (1979) p. 1225-1293 e (1978-A) . 28 ANDRADE, C.D. (1979) p. 1295-1353. 29 Idem, p. 1355-1394. 30 ANDRADE, C.D. (1979) p. 1395-1470 e (1978-C) . 31 ANDRADE, C.D. (1978-B) 32 ANDRADE, C.D. /1984/.

Page 25: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

24

los estudos fraseológicos em forma de arte literária, como os que apresen-

tamos no final deste trabalho, como apêndices.

Detivemo-nos neste trabalho para mostrar aos que ainda não observaram a

obra do grande cronista sob esta ótica, que ele é um dos melhores “espelhos

da língua viva”,33 falada no Brasil; e que ele se esforça no aproveitamento

deste “diamante bruto”34 “em estado de dicionário”,35 ao qual dedica nada

menos que 13 crônicas.36

Ficaremos felizes se este trabalhinho vier a servir de auxílio a alguém para

uma pesquisa mais profunda sobre a obra de Drummond e de nossa fraseo-logia.

Aos estudiosos pedimos a colaboração, apresentando-nos sugestões para o

aperfeiçoamento deste trabalho.

33 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) p. VII, ITEM 1. 34 CABRAL, T. (1982) p. 7. 35 ANDRADE, C.D. (1979) p. 160. 36 Além de outras, citemos: Excelências (DN, 46-48); O Outro (DN, 52-54); O Verbo Matar

(D, 54-56); A Eterna Imprecisão da Linguagem (PP, 1317-1318); Antigamente (PP, 1318-

1321); O Homem, Animal Exclamativo (DL, 63-64); O Homem, Animal que Pergunta (DL,

64-66); O Homem no Condicional (Dl, 66-67); O Homem e suas Negativas (DL, 69-70); Pra-

zer em Conhecê-lo (DL, 75-77); Cao de Seqüestro (DL, 79-82); A Moça Disse: Alto Lá! (BL,

175-177) .

Page 26: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

25

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Carlos Drummond de. Boca de luar. [Rio de Janeiro]: Record

[1984]. 217 p.

______. Cadeira de balanço: crônicas. 11ª ed. Com um estudo da Profa.

Ângela Vaz Leão. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978 a. XXX+157 p.

(Coleção Sagarana, vol. 25).

______. Os dias lindos. 2ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de

Janeiro: J. Olympio, 1978 b. X+145 p. ______. De notícias & não notícias faz-se crônica: histórias, diálogos, di-

vagações. 3ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro: J.

Olympio, 1978. X+182 p.

______. Obra completa. Organizada por Afrânio Coutinho. Com estudo

crítico de Emanuel de Moraes. Fortuna crítica; Cronologia da vida e

da obra; Bibliografia. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964. 959 p.

______. Poesia e prosa. Organizada pelo autor. Com nota editorial, de

Afrânio Coutinho; As várias faces de uma poesia, de Emanuel de Mo-

raes; Fortuna crítica; Cronologia da vida e da obra; Bibliografia. Rio

de Janeiro: Aguilar, 1979. 1534 p. [Corresponde à 5ª ed. da Obra

Completa].

CABRAL, Tomé. Novo dicionário de termos e expressões populares. For-taleza: UFC, 1982. 786 p.

CÂMARA JR., J.[oaquim] Mattoso. Dicionário de filologia e gramática:

referente à língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: J. Ozon [s.d.].

409 p.

CAMPOS, Aluízio Mendes. Dicionário francês-português de locuções.

Com apresentação de Ângela Vaz Leão e assessoria de Albert Audu-

bert e Rodolfo Ilari. [São Paulo]: Ática [1980]. 301 p. [Com biblio-

grafia.]

COSTA, Agenor. Dicionário de sinônimos e locuções da língua portugue-

sa: suplemento. Rio de Janeiro: [Jornal do Commercio] 1952. 253 p.

CUNHA, Antônio Geraldo; Assistentes: MELO SOBRINHO, Cláudio et alii. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa.

[Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982]. XXIII+839 p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; Assistentes: ANJOS, Margarida

dos et alii. Novo dicionário da língua portuguesa. [Rio de Janeiro]:

Nova Fronteira [s.d.]. X+1499 p.

MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa;

com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos

vocábulos estudados. 3ª ed. [Lisboa]: Livros Horizonte [s.d.]. 5 v.

Page 27: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

26

MAGALHÃES JÚNIOR, R.[aimundo].Dicionário de provérbios, locuções,

curiosidades verbais, frases feitas, etimologias pitorescas, citações.

[Rio de Janeiro] EDIOURO [s.d.]. 366 p.

MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Fortaleza: Universidade Federal

do Ceará; [Rio de Janeiro]: J. Olympio, 1982. 433 p.

NASCENTES, Antenor. Tesouro da fraseologia brasileira. Rio de Janei-

ro: F. Bastos, 1945. 448 p.

PUGLIESI, Márcio. Dicionário de expressões idiomáticas: locuções usuais

da língua portuguesa. [São Paulo]: Parma [s.d.]. 390 p. RIBEIRO, João. Curiosidade verbais: estudos aplicáveis à língua nacio-

nal. 2ª ed. Rio de Janeiro: S. José, 1963. 244 p.

______. Frases feitas: estudo conjetural de locuções, ditados e provérbios.

Com introdução de Joaquim Ribeiro. 2ª ed. corrigida pelo autor, tra-

zendo numerosos acréscimos e comentários da crítica. Rio de Janeiro:

F. Alves, 1960. 432 p.

______. A língua nacional: notas aproveitáveis. 2ª ed. São Paulo: Com-

panhia Editora Nacional, 1933. 263 p.

SERPA, Oswaldo. Dicionário de expressões idiomática: inglês-português /

português-inglês. 2ª ed. revista e atualizada. [Rio de Janeiro]: FE-

NAME, 1976. 305p.

SILVA, Antônio de Morais. Dicionário da língua portuguesa. 2ª ed. Lis-boa, [s.d.]. 1813. 2 vols.

TRIGUEIROS, Edilberto. A língua e o folclore da bacia do São Francisco.

Com notação musical do autor e ilustração de J. Paulino e do autor.

[Rio de Janeiro]: Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro [1977].

191 p.

Page 28: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

27

ACERTO

Acerto de contas. Ajuste de contas; solução de uma pendência. “Foi até lá

e houve um complicado acerto de contas, à base de álcool, ironia e ódio.”

(DL, 41).

ACHADO

Não se dar por achado. Não se sentir denunciado, acusado ou achacado (cf.

RIBEIRO, J. (1960) p. 201-203) . “Ele não se deu por achado: ‘Ora, minha

tia, então não vê que é de meu padrinho Sr. São José?’” (1179).

ADIANTADO

O adiantado da hora. O atraso quanto à realização de alguma coisa. “...o

Adiantado da Hora encerrou os debates, com aplausos...” (DL, 80).

Obs. Neste texto, as locuções são personalizadas.

ÁGUA

Claro como água. Óbvio; evidente; muito claro. “Antes disso, porém, já

havia produzido muito, e é claro como água que suas obras mais perfeitas

são anteriores...” (955).

Com água no barco. Em situação extremamente perigosa e desesperadora.

“...pode contar comigo em qualquer situação, qualquer emergência, até mesmo com água no barco.” (BL, 136).

Sem dizer água vai. Sem avisar; traiçoeiramente; inesperadamente. “Sem

dizer água vai.” (DL, 68) “Mas sucede que o outro pode ter feito isso ou

aquilo, sem dizer água-vai, e brota-nos a exclamação estupefata: ‘Quem di-

ria, hem?’ (DL, 70).

Obs. Veja que são duas formas: “água vai” e “água-vai”.

AINDA

Ainda por cima. Além disso; além do mais. “E ainda por cima, usando o

meu binóculo, que tirou da gaveta da cômoda sem pedir licença.” (1259).

ALÇA Alça de mira. Perspectiva ou expectativa de ataque iminente. “...que se es-

tabelecesse frente única diante da alça de mira.” (1269).

Na alça de mira. Observação para ser punido; em observação rigorosa.

“Me disse o Capitão Lobo que tem o Sebastião na alça de mira.” (1268)

“Perdão. O senhor disse que ele estava na alça de mira...” (1268).

ALÉM

Além do mais. Além disso; ainda por cima; também. “E além do mais, já

estou na idade de descansar.” (1242) Vide também: (1261 e BL, 111).

Page 29: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

28

ALFINETE

Cheio de alfinete e navalhas. Violento e ameaçador; irritadíssimo. “Des-

sem-lhe carinho, e o homem cheio de alfinetes e navalhas se aveludava.”

(1131).

ALGUM

Ter sempre algum na bolsa. Não andar sem dinheiro. “...mas os fregueses

dão boas gorjetas, de maneira que tenho sempre algum na bolsa.” (1192).

ALMA

De alma embandeirada. Festivamente; muito alegre. “Levou-o rápido para

José, que o recebeu de alma embandeirada.” (1119).

Pôr a alma pela boca. Cansar-se exageradamente. “Com o aperto do laço,

o infeliz punha a alma pela boca.” (1118).

ALTO

Alto lá. Pare por aí! Não prossiga! “A moça disse: Alto lá!” (BL, 175) “–

Alto lá! Dobre a língua antes de pronunciar o nome de Madame Elzevir.”

(BL, 176).

ALTURA

À altura do pescoço. Em situação crítica; quase insuportável. “Quando me

deitei, à meia noite, os preços estavam à altura do pescoço.” (OC, 829).

A essa altura. Nesse exato momento; nesse ponto; nessa altura da situação

ou da narrativa. “A essa altura, porém, tornava-se mais fácil provar de di-

ferentes maneiras o intermezzo belo-horizontino do que invalidá-lo.”

(1078) “A essa altura, espantou-se com a mobilidade de suas reações.” (BL,

10).

AMIGO

Amigo é pras ocasiões. Nas horas difíceis é que se conhece o amigo. “...o senhor não entende isso, não compreende que amigo é pras ocasiões?” (BL,

169).

AMOR

Seja tudo pelo amor de. Expressão usada para indicar que o que se fará será

exclusivamente em atenção a ou por causa de algo ou alguém que se nomeia

a seguir. “– Não gosto de conversar na hora da refeição – mas seja tudo pe-

lo amor da Feira de Providência...” (DN, 115).

Page 30: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

29

ÂNCORA

Levantar âncora. Sair do lugar em que está; arredar-se. “...que nunca le-

vantariam âncora, como na frase de Gide, para a descoberta do mundo.”

(950).

ANGU

Debaixo desse angu tem carne. Há intenções ocultas; há trapaça; há alguma

coisa escondida ou sob disfarce. “Minha sogra acha que debaixo desse an-

gu tem carne, e que o senhor pretende exprimir em símbolos uma realidade sutil.” (DL, 13) “Debaixo de todo angu tem carne, ou só no da classe A?”

(DL, 66).

APELIDO

Ser apelido. Não ser a inteira expressão da verdade, estando a pessoa ou

coisa referida muito além do que foi dito. “Pobreza é apelido.” (1337).

AR

Ar de cegonha tímida. Expressão de timidez, de insegurança. “Sobre o

homem, há a notar ainda sua magreza e altura, seu ar de cegonha tímida, seu

silêncio quase completo...” (926).

Com ar de procissão de enterro. Tristonho; com expressão de profundo abatimento emocional. “Se a gente encontra na rua um homem e uma mu-

lher caminhando juntos com ar de procissão de enterro ou de indiferença to-

tal...” (OC, 873).

Ar de quem comeu e não gostou. Aborrecido; desiludido. “...e o mestre me

sai com esse ar de quem comeu e não gostou?” (DN, 90).

ARCO

Abrir o arco. Fugir; retirar-se em demandada. “...depois de fintar e engam-

belar os coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o ar-

co.” (1320).

ASA

Arrastar a asa. Insinuar-se junto a alguém com intenções amorosas; procu-

rar namorar. “...faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam

longos meses debaixo do laio.” (1318).

ASSIM

Assim assim. Modo de explicar como se fez a descrição de certa pessoa ou

coisa. “Disse mais que morava em Senador Camará, num sobradão assim

Page 31: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

30

assim, e lá se foi com o presente.” (1235) “...para restituir-lhe uma bolsa,

não para isso assim assim.” (1152).

Obs. Está locução é usada mais freqüentemente para indicar uma circuns-

tância indefinida de modo. Ex.: – Como vai, amigo? – Assim assim; meia

pedra, mei tijolo.

Assim como assado. De qualquer modo; desta ou daquela maneira. “O al-

tão, calvo e corcunda, era antes uma fotografia xeroquisada (sic), em que os

traços tanto podem ser assim como assado.” (DL, 8).

Assim e assado. De vários modos. “Depois de mil peripécias, assim e as-sado, todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca...” (1321).

ATAR

Não atar nem desatar. Não decidir; ficar sem solução. “Não ata nem desa-

ta.” (DL, 68).

AULA

Matar a aula. Faltar à aula; fazer gazeta. “O estudante que falta à aula con-

fessa que matou a aula, o que implica matança do professor, da matéria e...”

(1415).

AVISAR Eu bem que avisei. Expressão com que se reprova um ato contra o qual a

vítima fora prevenida. “Eu bem que avisei! Não apoiado!” (DL, 64).

AVISO

De bom aviso. Melhor; de bom senso. “...as mulheres acharam de bom avi-

so defender pelo menos suas pernas do ataque de agentes maléficos...” (DN,

102).

AVÓ

Como dizia minha vó. Expressão que precede a citação de um provérbio ou

expressão antiga. “...me tratando de Violeta e não de Violante, e pondo os pingos nos is, como dizia minha vó...” (DL, 23).

AZEITONA

Botar azeitona na empada de (alguém) . Ser um estraga-prazeres. “Não es-

tou aqui para botar azeitona na empada de ninguém.” (DL, 68).

BALACOBACO

Do balacobaco. Excelente. “Devia mexer com as fibras da elogiada o hino

na expressão, que também a fait son temps:

Page 32: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

31

– É do balacobaco!” (1411).

BALAIO

Ficar debaixo do balaio. Sofrer muito com a separação, como a galinha

choca, que é forçada a ficar longe de seus ovos até esquecê-los ou sair do

choco. “...faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos

meses debaixo do balaio.” (1318).

BANANEIRA Plantar bananeira. Ficar de cabeça para baixo, com o peso do corpo apoia-

do nas mãos, e as pernas para cima. “Nem todas as pessoas gostam de plan-

tar bananeira para contemplar normalmente uma obra de arte.” (1407).

Ser bananeira que já deu cacho. Estar em fase de improdutividade, por ve-

lhice; ser velho ou ultrapassado. “O Sr. Olavo Bilac... é bananeira que já

deu cacho.” (1006).

BANCA

Botar banca. Fazer-se de rogado; exibir-se. “Tenho medo que ele fique ri-

co, daí a pouco começa a botar banca.” (1399) “Pode parecer que estou bo-

tando banca, mas não é à toa que me chamo Teopompo.” (DN, 174).

BANDIDO

Trabalhar de bandido. Enganar; tramar contra alguém. “...e pediam a hora

a quem passava, sentindo que o tempo trabalhava de bandido, em sua lenti-

dão.” (1194).

BARBA

Botar as barbas de molho. Ficar de pé atrás; prevenir-se. “Se falta o boi

propriamente dito, peixe-boi deve botar as barbas de molho.” (DN, 116).

Pôr as barbas de molho. O mesmo que botar as barbas de molho. “O me-

lhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete...” (1320).

BARCA

Tomar a barca de Caronte. Morrer. Segundo a Mitologia, Caronte é o bar-

queiro que transporta os mortos para o outro lado do rio Estige. “Já imagi-

naram se todos nós houvéssemos tomado a barca de Caronte antes desta

noite amena...?” (DN, 66).

BARRA

Page 33: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

32

Agüentar a barra. Suportar uma situação difícil. “As empresas se queixam

de que o Governo cortou o subsídio que ajudava os empresários agüentar a

barra.” (BL, 187).

Forçar a barra. Insistir demasiadamente. “...fiquei calado, esperando a di-

ca... Não quis forçar a barra, desculpe.” (DN, 138) Veja também (DL, 28).

Sondar a barra. Observar atentamente o ambiente. “Peço? Perguntou a si

mesmo. Ou é melhor sondar a barra?” (DN, 149) “– Então não custa sondar

a barra.” (DN, 170).

BEM

Por bem ou por mal. De qualquer maneira. “E agora, José? Por bem ou

por mal, vai me dizer que horas são?” (DL, 66).

BICHO

Matar o bicho. Tomar um gole de aguardente; ingerir bebida alcoólica.

“...muita gente embira, que não tinha nem para matar o bicho; por exemplo,

o mão-de-defunto.” (1320).

Matar o bicho do ouvido. Aborrecer com uma conversa desagradável e pro-

longada. “O sujeito vulgarmente conhecido como chato, ao repetir a mesma

cantilena, ‘mata o bicho do ouvido’.” (1416).

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Situação inevitável; situação de quem está num beco sem saída. “O problema é que se correr o bicho pe-

ga, se ficar o bicho come.” (DL, 66).

Tornar-se um bicho do mato. Passar a viver solitariamente, afastado do

convívio social. “...Varela se tornou um bicho do mato e aparecia, como

um fantasma, nas fazendas da província do Rio...” (906).

BICO

Não abrir o bico. Calar-se; fechar-se em copas. “E quando Augusto fez

nova sujeira com outro da turma, você não abriu o bico para censurá-lo...”

(DL, 31).

BOCA

Botar a boca no mundo. Denunciar; gritar; botar a boca no trombone. “Se

mandam tomar o que é meu e me obrigam a receber uns cobres pra não bo-

tar a boca no mundo...” (BL, 169).

O que vem na boca. Forma de declarar insubmissão quanto ao que diz. “Eu

digo o que me vem na boca.” (1388).

Pegar com a boca na botija. Flagrar no delito. “Antigamente, certos tipos

faziam negócios e ficavam a ver navios; outros eram pegados com a boca na

botija...” (1319).

Page 34: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

33

BOCA-DE-SIRI

Fazer boca-de-siri. Guardar segredos sobre determinado assunto. “Fez bo-

ca-de-siri e guardou a hora ‘da meia-noite que apavora’.” (1299).

BODE

Bode expiatório. Pessoa escolhida para pagar pela culpa dos outros. “Por

favor, não vá dizer que eu tenho complexo de bode expiatório...” (1436).

Dar bode. Azarar; dar errado. “A mulher tinha o mesmo pensamento ne-gro. Ia dar bode.” (1135).

BOFE

De maus bofes. Genioso; temperamental; de mau caráter. “Lugar por onde

esse homenzinho pardo e de maus bofes andou é lugar encantado.” (955).

BOI

Almoçar um boi e jantar outro. Ter muito bom apetite. “Acordar cedo, vai

à praia, almoça um boi, janta outro, pula feito macaco...” (1124).

BOLA

Dar bola. Demonstrar interesse por alguém ou por alguma coisa; insinuar-se. “– Por quê? Ele não dá bola pra gente! (DN, 62) “Mas os dois não lhe

deram bola.” (1293).

BOLACHA

Dar bolacha. Dar tapa no rosto. “Não, isso não, espere lá, não precisa me

dar bolacha, eu saio imediatamente...” (1499).

BOLOLÔ

Um bololô dos diabos. Uma grande confusão. “Negócio mexendo com

gente importante daquela época, os descendentes estão aí, coisas de política

internacional, grupos econômicos, um bololô dos diabos.” (1461).

BOMBA

Levar bomba. Ser reprovado na escola; não passar numa prova. “Mamãe,

eu levei bomba, mamãe, eu quero mamar!” (DL, 93).

Ser uma bomba. Não valer nada; ser muito ruim. “– É uma bomba.”

(1317).

BONDADE

Page 35: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

34

Ter a bondade de. Forma que precede um infinitivo para indicar uma or-

dem ou um pedido. “– A senhorita quer ter a bondade de sair para fora da

areia?” (DN, 24) “Tenha a bondade de contar o dinheiro – pedi-lhe, cons-

trangido.” (1155).

BOTAR

Botar pra jambrar. Tomar a frente de um empreendimento com pulso fir-

me, fazendo que as coisas se decidam rápido. “O material sobe de preço,

enquanto o Ministro da Fazenda bota pra jambrar.” (1176).

BOTÃO

Dizer com os seus botões. Dizer consigo mesmo. “O gosto de dizer costu-

ma chegar ao excesso de dizê-lo com os seus botões, como se os botões dia-

logassem conosco.” (DL, 70).

BRAÇO

Cair nos braços de Morfeu. Dormir. Morfeu é o deus do sono. “...e se um

esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de

entrar no couro.” (1320).

Cruzar os braços. Nada fazer; omitir-se. “Enquanto isso, cruza os braços,

em lugar de estendê-los. Deixa que o desfile prossiga...” (DL, 143). Não dar o braço a torcer. Não admitir um erro ou fraqueza; não mudar de

opinião ante a evidência do erro, ou fingir que não mudou. “Mas para não

dar o braço a torcer, nem me declarar vencido pela competição das cervejas,

concluí: Leovigil, traga a de sempre.” (DN, 138).

BRASA

Mandar brasa. Prosseguir; agir com disposição firme. “Querem que eu

acabe com a Frente Ampla e mande brasa na administração.” (1347) “...e saí

por aí, sem lenço e sem documento, mandando brasa.” (1352).

BRINCADEIRA Não estar para brincadeira. Estar muito ocupado; estar mal-humorado.

“Hoje não estou para brincadeiras, e retrucou-lhe nada menos que...” (BL,

199) Vide também (BL, 201).

BUBUBU

Diz-que em bububu no bobobó, mas ninguém balançou. Falta fundamenta-

ção a respeito de algo que se declara. “Diz-que tem bububu no bobobó, mas

ninguém balançou, ninguém mandou jenipapo maduro cair no galho.” (DL,

94).

Page 36: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

35

BULHUFAS

Não entender bulhufas. Não entender nada; não entender patavina. “– Cê

não entendeu lhufas. Gravador faz parte do equipamento escolar moderno.”

(DL, 95).

BURRO

Burro velhote não acerta o trote. Cavalo velho não apanha andar; é de pe-

quenino que se torce o pepino. “...a sabedoria de Itabira do Mato Dentro, em um provérbio inventado neste momento, ensina que burro velhote não

acerta o trote.” (OC, 885).

Dar com os burros n’água. Sair-se mal numa empresa qualquer; fracassar;

falir “...se metiam em camisas de onze varas, e até em calças pardas; não

admira que dessem com os burros n’água.” (1319).

Pra burro. Muito. “...sofro pra burro, sofro sério, sofro sofrendo e não es-

petacularmente, é lógico.” (935).

CABEÇA

Botar na cabeça. Convencer-se. “Olhe, quando você botou na cabeça que

eu, para me afastar do Ernesto, devia contar a ele...” (DL, 29).

Com a cabeça mal atarraxada. Com um parafuso a menos; confuso; pouco lúcido. “– Depois do carnaval eu dou. Agora você está com a cabeça mal

atarraxada.” (1365).

Guardar na cabeça. Memorizar. “– E por que você guardou na cabeça que

ele é de Áries?” (1406).

Matar na cabeça. Resolver completa e definitivamente um problema.

“Não admira que, nas discussões, o argumento mais poderoso se torne arma

de fogo de grande eficácia letal: mata na cabeça.” (1415).

Passar pela cabeça. Imaginar; planejar. “Não lhe passaria pela cabeça re-

ceber qualquer coisa pelo correio sem a ler inteirinha.” (1172).

Perder a cabeça. Enlouquecer; perder o controle emocional. “Sai, azar!

Vá-se embora, antes que eu perca a cabeça e...” (1322). Ter cabeça fria. Ser ou estar calmo. “O Brasil lutando com a Bulgária, o

senhor quer que o nosso pessoal tenha cabeça fria para informar papéis?”

(1321).

CABRITO

Bom cabrito não berra. O comparsa ideal não denuncia os demais, qual-

quer que seja a situação. “Não foi aproveitado agora? Mais tarde será.

Bom cabrito não berra.” (BL, 135).

Page 37: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

36

CAÇAMBA

Pisar a caçamba de altas cavalarias. Estar em situação privilegiada. “Juca

não entrava no miúdo, falava em honras, feitos e bens, sem particularizá-

los, mas sentia-se que pisara a caçamba de altas cavalarias.” (1178).

CACHIMBO

Fumar o cachimbo da paz. Desfazer uma inimizade. “Não precisamos fu-

mar o cachimbo da paz, porque nunca houve nem poderia haver guerra en-

tre nós.” (DL, 39).

CACHORRO

Amarrar cachorro com lingüiça. Estar em situação de grande fartura. “Uns

raros amarravam cachorro com lingüiça.” (1319).

CADA

Cada um na sua. Liberdade de ação e opinião. “Assim, Touro, Virgem,

Áries e Sagitário ficam inteiramente harmonizados, cada um na sua, um por

todos, todos por um.” (1406) “– Eu na minha, a senhora na sua, cada um na

dele, entende?” (1364).

CAIR Cair duro. Ter um grande susto; morrer. “O filho quase cai duro.” (1304).

Cair em cima de. Agredir ou tentar agredir. “Caíram em cima do garoto,

que soverteu na multidão.” (1378).

Cair em si. Convencer-se. “...o topônimo já foi restabelecido – caíram em

si e aplaudiram o restabelecimento...” (OC, 622).

Cair fora. sair; ir embora; sair rápido. “ – Cai fora, coisinha.” (1203).

CAJU

Despedir-se para o Caju. Morrer; despedir-se para São João Batista. “Os

‘sebos’ foram rareando, freqüentadores assíduos se despediram para o Caju

e o São João Batista...” (OC, 736). Obs. Caju e São João Batista são nomes de cemitérios da cidade do Rio de

Janeiro.

CALA-A-BOCA

Cala-a-boca já morreu, quem matou fui eu. Réplica à expressão cala a bo-

ca! proferida por outra pessoa. “– Cala-a-boca já morreu, quem matou fui

eu – era a resposta única a essa terrível ofensa. Seguida de tiro.” (BL, 176).

Obs. Há uma variante muito freqüente: Cala-a-boca já morreu, quem te

manda sou eu.

Page 38: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

37

CALÇAS

Meter-se em calças pardas. Ficar em apuros; colocar-se em situação difícil.

“...se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira

que dessem com os burros n’água.” (1319).

CALO

Pisar nos calos. Prejudicar; causar algum mal. “Por que estará de impli-

cância comigo, que nunca lhe pisei nos calos?” (DL, 78).

CAMISA

Dar a camisa do corpo. Esgotar todos os recursos disponíveis: sujeitar-se a

qualquer coisa. “Dei 200 contos, daria 500, doutor, daria 5 mil, daria a ca-

misa do corpo para usar bem a minha vista...” (1341).

Meter-se em camisa de onze varas. Correr e afrontar um grande perigo e

risco. “...se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não

admira que dessem com os burros n’água.” (1319).

Obs. Confira o que diz a respeito J. Ribeiro, em Frases Feitas, p. 76-77.

CANELA

Espichar a canela. Morrer “...isso evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus fosse servido.” (1320).

CANIVETE

Doer como canivete na carne. Doer muito. “Em uns, o objetivismo sensua-

lista, voltado para o cheiro e o colorido das coisas; noutros, a auto-sátira

cruel, doendo como canivete na carne...” (927).

CANO

Entrar pelo cano. Ser ludibriado; fazer um mau negócio; decepcionar-se.

“Premiados, entram pelo cano, se me permite a expressão.” (DL, 6).

CANOA

Embarcar em canoa furada. Ser imprudente ou desprevenido; admitir ou

aceitar proposta de resultados duvidosos. “O que não impedia que, nesse

entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada.” (1318).

CARA

Com a cara e a coragem. Com determinação. “...sem auxílio de homem

algum, só com a cara e a coragem, atingiram...” (1440).

Page 39: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

38

Dar as caras. Aparecer; ir ou vir a algum lugar. “– Vai ter e não vai. Pes-

soal que saiu não pode dar as caras outra vez, pega mal.” (BL, 216).

Dar de cara com. Encontrar-se frente a frente com; deparar com. “Entre-

tanto, basta você sair por aí, na Gávea, e dá de cara com pencas de diadel-

fos.” (DL, 71).

De cara aberta. Bem humorado. “Junto ao guichê, o desconhecido de cara

aberta cutucou-o...” (DN, 173).

Estar na cara. Ser evidente. “É nota de propaganda comercial, o senhor

não vê que está na cara?” (1181) Vide também: (1108; DN, 32; BL, 122). Fazer cara feia. Não gostar; demonstrar desgosto ou insatisfação. “No

começo a gente faria cara feia, depois se acostumava...” (DN, 136).

Jogar na cara. Incriminar, cara-a-cara; relembrar. “...descobriu até aquelas

fotografias meio marotas que nós tiramos em Itacuruçá, e está me jogando

na cara como se eu fosse a última das traidoras.” (DL, 29).

Não ir com a cara de. Antipatizar-se com; ter aversão por. “Não li nem

gostei. Não vou com a cara dele.” (DL, 68).

Quebrar a cara (de alguém) . Espancar; dar sopapo. “Não sei onde estou

que não lhe quebro a cara.” (DL, 68).

Ter cara de. Parecer. “Mas tão manso e engraçado que não tinha cara de

mandão.” (DL, 51).

CARECA

É dos carecas que elas gostam mais. Frase maliciosa com que os carecas

revidam a qualquer insinuação a sua escassez de pêlos. “É dos carecas que

elas gostam mais?” (DL, 94).

CARNAVAL

Desde o carnaval do ano passado. Há bastante tempo; desde o outro carna-

val. “...mas eu te conheço desde o carnaval do ano passado e sei que sua

loucura é postiça...” (DL, 22).

CARNE Nem carne nem peixe. Imparcial; sem preferências; sem opinião expressa.

“Nem carne nem peixe.” (DL, 68).

Sentir na carne. Ter experiência direta com algo doloroso ou indesejável.

“Agora, como você está sentindo na própria carne o que os seus colegas já

sentiram...” (DL, 31).

CARRAPATO

Ser carrapato nas costas. Coisas incômoda e difícil de ser corrigida ou

eliminada. “Jorge dizia que casamento sete dias por semana é carrapato nas

Page 40: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

39

costas, não tem jeito de tirar.” (BL, 57) “...o casamento a semana inteira é

carrapato grudado nas costas.” (BL, 59).

CARRO

Empurrar o carro (de alguém) . Paparicar; bajular. “– Você se lembra co-

mo ele era vidrado em cantoras líricas? – Andou até empurrando o carro de

uma...” (1388).

CARTA Botar as cartas na mesa. Dizer francamente toda a verdade. “Vamos jogar

o jogo da verdade, vamos botar as cartas na mesa e...” (DL, 23).

Dar as cartas. Ter o comando de uma ação; dirigir soberanamente. “Bom

era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão...” (1320).

CASA

Casa da mãe Joana. Coisa desgovernada, em que todos mandam. “Isso

aqui não é casa da mãe Joana!” (DL, 64).

Obs. Segundo J. Ribeiro, em Frases Feitas, p. 143, esta expressão é usada

para evitar a verdadeira e nua, que é a mais conhecida: Cu da mãe Joana.

Casa de orates. Casa de loucos. “Nessa teia de enganos, não faltou quem

achasse a seqüestrada, tanto nos Pinhais de Azambuja como na Casa de Orates, e ainda no Asilo Inviolável do Cidadão.” (DL, 81).

Obs. As locuções são personificadas, neste texto, e tornadas substantivos

próprios.

CASO

Em todo caso. Apesar de tudo; enfim. “E em todo caso, de mim não deses-

pere nunca.” (931) “Em todo caso, me arranje uma lata de talco.’ (1210)

Vide também: (951; 1095).

Em último caso. Não havendo outra solução. “E depois, em último caso,

não coma nada, mas venha!” (BL, 164).

CAVACO

Dar o cavaco. Dar mostra de aborrecimento ou zanga, por ser objeto de

troça, de pirraça ou de ridículo. “Ganhar vidro de cheiro marca barbante,

isso não: a mocinha dava o cavaco.” (1320).

CAVALO

Cair de cavalo magro. Mostra-se inábil em coisa de fácil execução. “As

pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não

caíam de cavalo magro.” (1318).

Page 41: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

40

Obs. Segundo Tomé Cabral, esta expressão é hoje quase desconhecida.

CABRAL, T. (1982) s. v.

Cavalo dado não se olha a idade. Não se examina o objeto que se ganha

com o fim de encontrar defeitos; a cavalo dado não se olham os dentes; a

cavalo dado não se abre a boca. “Cavalo dado não se olha a idade, presente

não se recusa nem se joga fora.” (1298).

Tirar o cavalo da chuva. Reduzir as pretensões; desistir de um propósito.

“E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em

outra freguesia.” (1318).

CECA

Andar por Ceca e Meca. Ir para um lado e para outro à procura de alguma

coisa; andar por várias terras. “Acolhiam com satisfação a visita do cometa,

que, andando por Ceca e Meca, trazia novidade de baixo...” (1319).

CÉSAR

A César o que é de César. A cada um o que é seu, por direito. “...aprecio

os grandes sendo um dos pequenos, porém a César o que é de César, e meu

humilde repertório dá para o gasto.” (1340).

Obs. Este provérbio corresponde ao versículo 21 do capítulo 22 do Evange-

lho segundo São Mateus: “Dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”

CÉU

Caído do céu. Conseguido sem esforço. “Os homens não têm estrutura pa-

ra fruir prêmios caídos do céu ou do acaso.” (DL, 6).

CHÁ

Chá de casca de vaca. Surra de chicote ou de relho. “– Bem que este me-

recia um chá de casca de vaca!” (1334).

Tomar chá em criança. Ter uma educação fina. “Havia os que tomaram

chá em criança, e, ao visitarem família de maior consideração, sabiam cus-pir dentro da escarradeira.” (1319).

CHACRINHA

Fazer chacrinha. Fazer palhaçada; bagunçar. “Na repartição... tanto se faz

chacrinha com o Plano como sobre a corrente da sorte.” (DL, 14) “Somos

capazes de identificar o macaco-prego fazendo chacrinha no alto das árvo-

res...” (1440).

CHÃO

Page 42: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

41

Até cair no chão. Muito. “Vou sambar até cair no chão, e se ninguém se

animar, quebro o meu tamborim!” (DL, 93).

CHAVE

A sete chaves. Muito bem fechado. “Falta só dizer que o Dr. Kissinger me

transmitiu apelo do Presidente Nixon para eu guardar a sete chaves os pa-

péis e queimá-los em emergência grave, pois não?” (1397).

Sob sete chaves e sete selos. Muitíssimo bem fechado; mais bem fechado

do que a sete chaves. “É um poeta raro, que se encerra sob sete chaves e se-te selos.” (OC, 703).

CHINA

Nem aqui nem na China. Em parte alguma; em nenhuma lugar do mundo.

“Nem aqui nem na China.” (DL, 68).

Obs. O cronista usa variantes, não só desta, mas de várias expressões. Veja

os exemplos seguintes: “Isso nunca foi chá, nem aqui nem na Índia.” (1304)

“Isto não é bacalhau à Gomes da Sá aqui nem em Macau.” (1329).

CHUS

Sem chus nem bus. Sem nada; nem chus nem mus. “Sem chus nem bus.”

(DL, 68). Obs. Como esta expressão se usa mais freqüentemente precedida do verbo

dizer, não dizer chus nem bus, pode ser sinônima de não tugir nem mugir ou

ficar calado.

CINTO

Apertar o cinto. Reduzir as despesas; economizar. “ – O jeito é apertar o

cinto.” (BL, 101) “- Certo. Mas apertar o cinto, na recomendação oficial,

quer dizer: renunciar ao supérfluo, pechinchar, gastar o menos possível.”

(BL, 103) Vide também: (BL, 102; BL, 102).

COBAIA Quem não tem cobaia caça com preá. Quem não tem cão caça com gato;

quem não tem os meios necessários improvisa com os de que dispõe. “–

Quem não tem cobaia caça com preá – concordaram, abusando da proposi-

ção.” (1373).

Obs. Drummond usa e abusa das alterações de frase feitas, dando-lhes,

muitas vezes conotações muito especiais. Foi este ocaso que vimos no ver-

bete Nem aqui nem na China.

COBRA

Page 43: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

42

Dizer cobras e lagartos. Esbravejar, dizendo palavrões. “Pode ser que vo-

cê tenha razão quando diz cobras e lagartos de Augusto.” (DL, 31) “Por que

se dizem cobras e lagartos, e não se dizem rouxinóis e açucenas?” (DL, 70).

COISA

A coisa está preta. A situação está muito difícil. “– Eu é que sei? Só posso

dizer que a coisa está preta.” (BL, 101) Vide também (BL, 103).

A coisa está ruça. A coisa está preta; a maré não está para peixe. “As coi-

sas estão, quem sabe, mais para ruça, tirando a pardo... É o que lhe digo: a coisa está ruça.” (BL, 103).

A coisa está ficando preta. A situação está de mal a pior. “– Então a coisa

está ficando preta.” (DN, 81).

Não dar outra coisa. Exatamente; isto mesmo. “Não deu outra coisa.”

(DL, 68).

Não fazer outra coisa. Exatamente; não dar outra coisa. “– Quem dizer que

ele dá nó até em pingo d’água? – Não faz outra coisa.” (BL, 75).

Não ser mais lá essas coisas. Ter menos valor atualmente do que já teve

anteriormente. “Nem dólar, que aliás hoje não é mais lá essas coisas.” (DN,

83).

Perceber alguma coisa no ar. Prever um acontecimento iminente. “– Per-

cebe-se alguma coisa no ar. – Não. – Não dá para perceber, mas há.” (DN, 81).

Sabe de uma coisa? Pergunta que se costuma fazer para prender a atenção

do interlocutor antes de se afirmar alguma pretensa novidade. “– Sabe de

uma coisa? Você envenena tudo.” (DL, 76).

Saber das coisas. Ser entendido em determinado assuntos; ser sábio. “Eles

sabem das coisas.” (BL, 173).

Ser outra coisa. Ser muito melhor; ser superior. “É pena ter vindo este ano,

com a Semana Santa feita em Antônio Dias. A do Pilar é outra coisa...”

(986).

Ter coisa. Haver trapaça; haver armadilha. “Quer dizer, certeza mesmo

não, mas estou quase jurando que ali tem coisa.” (1135). Uma coisa louca. Um amor; um encanto; lindíssimo. “Dizem que no Reci-

fe foi uma coisa louca, o núcleo espalhando lágrimas fosforescentes, um

troço feito fogo-de-artifício que vou te contar.” (1259).

COLHER

Colher de chá. Oportunidade. “– Tou contratada. Vamos não negue uma

colher de chá.” (BL, 43).

Meter a colher. Intrometer-se em assunto alheio; meter a colher de pau. “–

Então, permite que eu também meta a colher no assunto, embora não seja

do meu feitio – aparteou Euclides.” (DL, 45).

Page 44: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

43

COLUNA

Dar coluna do meio. Dar empate; não haver vencedor nem vencido. “Ati-

rei na cara do Lopes a teoria do Katicic. – Deu coluna do meio? – Um a

zero.” (1430).

Obs. Esta frase é um neologismo que nasceu com a loteria esportiva, no

início dos anos 70.

COMEÇO Para começo de conversa. Antes de mais nada; pra começar. “...para co-

meço de conversa, Virgínia e Sinhá não eram Virgínia e Sinhá...” (1461).

CONSELHEIRO

Ser Conselheiro Acácio. Ser um idiota com ares de ponderado e grave; ser

um repetidor de lugares-comuns. “A noite é conselheira acácia.” (1379).

Obs. A deteriorização dos provérbios, segundo Drummond, em Poesia e

Prosa, p. 1379, cria os antiprovérbios, quase todos muito espirituosos. O

exemplo acima é um antiprovérbio, como diversos no corpo deste trabalho,

pois o personagem que deu origem à frase não poderia ser feminizado.

CONTA Afinal de contas. Enfim; pensando bem; em último caso. “Parece, afinal de

contas, que os moços têm alguma coisa a ensinar aos mais velhos.” (DN,

17) “Presto compromisso, mas discretamente, porque afinal de contas sou

um funcionário público...” (1045) Vide também (967).

Ajustar contas com. Haver-se com; tirar satisfação com. “...para caçar feli-

nos por aí, ou se estes mergulhassem com a intenção de ajustar contas com

ele.” (1416).

Dar conta do recado. Executar bem uma tarefa; dar conta de. “Providência

de muito alcance do nosso homem-em-Ipanema (pois julgou inútil voar até

Brasília para dar conta do recado) foi...” (1349) Vide também (BL, 31).

Dar-se conta de. Entender; perceber. “Muitas pessoas ainda não se deram conta do que aconteceu, senão superficialmente.” (BL, 114) “Assim, vai do

individual ao universal, sem que nos demos conta de sua longa viagem.”

(OC, 705).

Fazer a conta no lápis. Calcular com rigor. “Como você vem de comadre

e quatro filhos, faça a conta no lápis.” (DL, 124).

Fazer de conta. Fingir; supor; imaginar. “...faz de conta que você, assim de

botas e short, caminhou pra trás no tempo...” (1419) “Faça de conta que eu

sou o padre.” (1206).

Page 45: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

44

Ficar por conta. Enfurecer-se; irritar-se muito. “Mas fico por conta vendo

você tão ignorantezinha em poesia, que para mim é o máximo.” (1365).

Ser a conta de. Ser o bastante; bastar. “– Viu? Foi a conta de fundir o Es-

tado do Rio com o Rio, e os carros da Barra do Piraí vêm atochar nossas

calçadas.” (BL, 39).

Ter em conta. Considerar; levar em conta. “Tendo em conta que só à últi-

ma hora, quando o calor se torna insuportável, os casais se lembram de...”

(BL, 140).

CONTAR

Que vou te contar. Fora do comum; admirável. “...o núcleo espalhando lá-

grimas fosforescentes, um troço feito fogo-de-artifício que vou te contar.”

(1259) Vide Vou-te-contar.

CONTRA

Ser do contra. Discordar por princípio; ser espírito-de-porco. “– Puxa, mas

o senhor é mesmo do contra, hem?” (1259).

CONVERSA

Conversa vai, sorvete vem. Conversa vai, conversa vem; ao fim de muita

conversa e de muito sorvete. “Conversa vai, sorvete vem, o herói tranqüilo, de mais de quarenta anos...” (1195).

Obs. O antiprovérbio acima acrescenta ao sentido normal do provérbio ori-

ginal, conversa vai, conversa vem, a circunstância de que se fazia propa-

ganda de sorvete durante a entrevista com o ator.

Ir na conversa. Deixar-se enganar. “Não vá na conversa daquele senhor

que o trouxe no carro.” (DN, 13) “Você foi na conversa dele, me iludindo,

pois...” (DL, 27) Vide também (1202).

Levar na conversa. Enganar com mentiras ou meias verdades. “Ninguém

consegue. Leva a gente na conversa, no aveludado.” (DN, 92).

Passar uma conversa em. Enganar com falsas promessas; engambelar; le-

var na conversa. “Antes que isto aconteça, ele passa uma conversa manhosa na gatona...” (BL, 74).

Puxar conversa. Tirar um assunto; provocar alguém ao diálogo. “E então

parar e puxar conversa com gente chamada baixa e ignorante!” (933) “Puxe

conversa com ela.” (BL, 173).

CONVERSAR

Conversando é que a gente se entende. É através do diálogo franco que as

pessoas podem chegar a um acordo. “Talvez nos entendamos de alguma

forma, sei lá; pois conversando é que a gente se entende.” (DL, 32).

Page 46: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

45

Estar conversado. Ter-se chegado a uma conclusão; estar decidido. “ – Já

avisei. Estamos conversado – voou.” (DL, 6)

COPAS

Fechar-se em copas. Fazer-se em copas; ficar calado. “– Eu sei, eu perce-

bo. Faz bem em fechar-se em copas.” (DN, 12) “Quem é capaz de sabê-lo e

transmiti-lo, se o Outro se fechou em copas e desmentirá tudo quanto se dis-

ser que ele disse?” (1414) Vide também (1075).

COR

Conhecer de cor e salteado. Saber de cor e salteado; saber ou conhecer

muito bem. “Conheço de cor e salteado, sou capaz de distingui-lo entre mil

pointers iguaizinhos uns aos outros.” (BL, 46).

CORAÇÃO

Duro de coração. Insensível; não sentimental. “Talvez você seja apenas

mais duro de coração.” (1185).

CORNO

Elevar aos cornos da Lua. Pôr nos cornos da Lua; pôr ou colocar nas nu-

vens; elogiar; exaltar. “Portanto, não pense que desmereço os colegas para me elevar aos cornos da Lua.” (1367).

CORPO

De corpo e alma. Sem reservas. “Onde que você está com a cuca, Violeta?

Se entregar de corpo e alma a um indivíduo...” (DL, 27).

Tirar o corpo fora. não assumir; negar. “Interpelei Augusto, ele tirou o

corpo fora, alegando que namorada ou...” (DL, 27).

COSTAS

Cair nas costas de. Ser atribuído a; ficar na responsabilidade de. “Não fora

autor da gaiatice e um medo maior o invadiu: tudo iria cair nas suas cos-tas...” (1164).

Ter costas quentes. Ter as costas largas; ter santo forte; estar sob a proteção

de alguém. “Bom era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo

na mão...” (1320).

Voltar as costas (a alguém) . Desprezar. “O irmão voltou-lhe as costas,

com desprezo: – Palhaço!” (1227).

COURO

Page 47: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

46

Entrar no couro. Levar um a surra; apanhar. “...e se um esquecia de arear

os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro.”

(1320).

CRESCER

Cresça e apareça. Votos de sucesso que se fazem aos iniciantes; ironica-

mente, é usada para recriminar alguém que age como se fosse muito mais

importante do que realmente o é. “Cresça como puder, mas apareça.” (DN,

135) “Comida, José, você terá que esperar que as roças plantadas pelo Mi-nistro Delfim cresçam e apareçam.” (BL, 86) “...e filho da gente, por mais

que cresça e apareça, é sempre uma plantinha mimosa, sabe como é?” (DL,

50).

CRIANÇA

Há criança e criança. Há vários tipos de criança. “Depende. Há criança e

criança.” (DN, 134).

Obs. Esse tipo de frase feita, com o verbo haver ou sinônimo, seguido de

dois substantivos ligados pela conjunção e, traz a idéia geral de que há duas

espécies de coisas: uma é autêntica e a outra é falsa e desvalorizada.

CRUZ Cruz credo! Expressão de asco ou de esconjuro. “– Mas sem levar o ca-

chorro dos mortos. – Cruz credo.” (DL, 87).

CUCA

Fundir a cuca. Confundir; esquentar a cabeça. “Assim o senhor me funde

a cuca.” (DN, 99) Vide também (DN, 155).

CUCUIA

Ir pras cucuias. Ir para os quintos do inferno; desaparecer. “Boa bisca!

Foi pras cucuias!” (DL, 64).

CUTILIQUÊ

De cutiliquê. De pouca monta; sem importância. “...quando na verdade usa

apenas jóias de cutiliquê, adquiridas na Rua da Alfândega.” (BL, 22).

Obs. É interesse a explicação que J. Ribeiro dá para a origem desta e de

outras expressões, que ele reúne sob o signo da soletração. Entre outras, es-

tuda: cutiliquê; gregotins; ramerrão, ff e rr (ou efes e erres); legalhé; p-a-pa,

santa Justa; e pé por pé. Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 52-57.

DANÇA

Page 48: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

47

Estranhar a dança. Não entender uma explicação. “– Agradeci, sim se-

nhor, mas estranhei a dança.” (1380).

DAR

Dar a entender. Insinuar. “Dá a entender que sim, ao pé do ouvido, sem se

comprometer publicamente.” (BL, 135).

Dar-se bem. Ser amigo. “...e o caso é que todas se dão muito bem, e são

madrinhas dos filhos umas das outras.” (1006) Vide também (BL, 123).

Dar-se mal. Ser mal sucedido; ter um insucesso. “Este cronista se deu mal ao excursionar pelo jet set para contar o que foi o jantar dos...” (BL, 21) Vi-

de também (DL, 103).

Dar uma de. Imitar; agir como se fosse o imitado. “Sem essa, vê lá se va-

mos dar uma de turista.” (1440).

Deu o que tinha de dar. Produziu tudo que pôde, ou o máximo que pôde.

“O Sr. Olavo Bilac... também deu o que tinha de dar; é bananeira que já

deu cacho.” (1006).

Não dar para entender. Estar confuso. “Não dá para entender.” (DL, 69).

Para dar e vender. De sobra; com muita fartura. “Há Joões Brandões para

dar e vender, do lado de lá e do lado de lá e do lado de cá do Atlântico.”

(DL, 16).

Para o que der e vier. Disposto e em condições de enfrentar a situação; sem reservas. “...compreendeu que devia obedecer, abrindo uma segunda

porta, esta invisível, para o que desse e viesse.” (DL, 8) Vide também (DL,

118).

Pouco se me dá. Pouco me importa; indiferentemente. “Quando a ele me

imortalizar, mesmo discretamente, isto é, por 150 ou 500 anos, pouco se me

dá.” (1439).

DECLARAR

Nada ter a declarar. Não estar disposto a dar informações, nem interessa-

do. “Nada tenho a declarar. Não há verba.” (DL, 68).

DEDO

Ficar cheio de dedos. Com medo; com muita cerimônia ou burocracia. “E

o banco, associado à companhia, fica cheio de dedos para falar com ela.”

(DL, 127).

DESAFORO

Não levar desaforo pra casa. Revidar imediatamente a ofensa ou agressão.

“Não levo desaforo para casa.” (DL, 68).

Page 49: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

48

DEUS

Deus me livre. Forma de esconjuro que corresponde a cruz credo. “ – Co-

mo? Quer dizer que ele morreu? – Deus me livre.” (BL, 47).

Deus sabe. Só Deus sabe; ninguém sabe. “...mas a idéia de subir ao cocu-

ruto do Pico (ou Bico) do Papagaio se implantara nelas, Deus sabe por quê.”

(1439).

Quando Deus é servido. Na hora certa. “Chega-se quando Deus é servido,

quando possível – e nem sempre é possível.” (982) “...pagaria quando Deus

fosse servido – e Deus foi servido um ano depois.” (OC, 921). Que Deus tenha. Expressão de reverência usada ao se nomear um falecido

de saudosa memória. “...por sinal que meu pai, que Deus tenha, era tratado

de Paquerinha pelos íntimos.” (1325) Vide também (BL, 98).

Se Deus ajudar. Provavelmente; se Deus quiser. “Se tudo der certo, né, e

se Deus me ajudar.” (DL, 67).

Se Deus quiser. Certamente; se Deus ajudar. “Acaba daqui a pouco, se

Deus quiser.” (DL, 14) Vide também (DL, 66).

Vá com Deus! Vai com Deus! Forma de despedida piedosa de quem fica

para quem fica para quem sai, à qual se responde, normalmente: fica com

Deus também! “- Vá com Deus!” (1318).

DEUS-ME-LIVRE Morar no deus-me-livre. Morar em lugar de difícil acesso. “Afinal o caso

não se passa comigo, que não tenho quintal nem moro no deus-me-livre.”

(DL, 137).

DIA

Dia de São Nunca de tarde. Nunca; jamais; dia 30 de fevereiro. “Mas até

aí morreu o Neves, e não foi no Dia de São Nunca de tarde: foi vítima de

pertinaz enfermidade...” (1321).

Estragar o dia (alguém) . Causar grande aborrecimento ou preocupação.

“– Agora não adianta, você estragou o meu dia.” (DL, 77).

Lá um belo dia. Num certo dia. “...pois há afetos que lá um belo dia, aliás um péssimo dia, explodem em tragédia, pelo menos em vergonha pública.”

(1457).

Lá um dia. Lá um belo dia. “...lá um dia assinou um gordo cheque e decla-

rou fundada a academia gonçalvina.” (1107).

Mais dia menos dia. Não tardará muito; está perto o dia em que. “...e a in-

fluência que, mais dia menos dia, o fato há de produzir em benefício da cul-

tura...” (1004).

Page 50: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

49

Não há nada como um dia depois do outro. A melhor coisa que existe é se-

gurança sobre o futuro. “...‘não há nada como um verão depois do outro,

para refrescar este agora...” (BL, 141).

Obs. O cronista não usou o provérbio do verbete, mas criou um antiprovér-

bio correspondente a ele.

Um dia a casa cai. Não há bem que sempre dure nem mal que nunca se cu-

re. “Fraqueza de mulher, doutor. Um dia a casa cai.” (BL, 58).

Um dia é da caça e outro é do caçador. Frase com que se tenta consolar

alguém que não se deu bem no seu negócio. “Um dia é do caçador e outro também.” (1379).

Obs. Note-se que Drummond, ao criar um antiprovérbio, faz uma crítica

sócio-política ao regime capitalista.

DIABO

O diabo que o carregue. Qualquer coisa que não se deseja nomear; coisa

desagradável e que se odeia. “Dia do Poeta é um só, o resto do ano é todo

dos milicos, das multi, do imposto de renda e do diabo que o carregue!”

(BL, 166).

Pobre diabo. Pessoa sem prestígio social; João Ninguém; infeliz; miserá-

vel. “Picasso assina falsos Picassos por blague ou para ajudar pobres dia-

bos.” (1342) “Perceberam que somos uns pobres-diabos.” (BL, 197). Vá para o diabo. Vá para o inferno. “...pois para o diabo vá a razão quando

o futebol invade o coração.” (BL, 79).

Vá para o diabo que o carregue! Vá para o inferno; suma-se. “Te arrene-

go! Vá para o diabo que o carregue.” (DL, 63) “Mas se a gente não fizer is-

so, baseado no meu sistema universal do avessismo dinâmico, iremos todos

pro diabo que carregue, e então...” (BL, 67).

DITO

Dar o dito por não dito. Não levar em consideração o que foi falado ou

combinado anteriormente. “Dá o dito por não dito. Darei então o não dito

por dito.” (1424). Ficar o dito por não dito. Ignorar-se o combinado ou acertado verbalmen-

te; passar uma esponja em tudo. “E na variação, fica o dito por não dito.”

(DL, 69).

DIZER

Até dizer chega. Até atingir o limite máximo; ao máximo. “Agora, a 15

minutos de lancha de Salvaterra, dê uma olhada em Soure, isto sim, nomi-

nho portuga até dizer chega...” (BL, 171) “Dirá 2 milhões, dirá até dizer:

chega.” (DL, 70).

Page 51: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

50

Digo e repito. Insisto; mantenho o que disse. “A menos que o convicto (ou

teimoso) diga: ‘Digo e repito’.” (DL, 69).

Dize-tu direi-eu. Bate-boca; discussão. “...lance uma contradita, passando

os dois a renhir em dize-tu direi-eu.” (DL, 70).

Dizer bem com. Ficar bem para; combinar com; estar de acordo ou em con-

formidade com. “O azul diz bem com a tua pele, minha querida: observa-

ção tranqüilizadora para a mulher que está pensando em encomendar um

vestido azul.” (DL, 70).

Dizer coisa com coisa. Ser coerente no que diz.”...deve assumir não só em lirismo como também na vida social, dizendo coisa com coisa e adotando o

lema pão-pão queijo-queijo.” (DL, 29).

Eu não disse? Expressão com que se assinala o acontecimento de algo pre-

visto. “Eu não disse? Repete.” (1379).

Não dizer coisa com coisa. Fazer declarações desencontradas, criando con-

fusões; se incoerente quanto ao que diz. “...o Inconsciente Coletivo, que,

visivelmente alcoolizado, não disse coisa com coisa...”

Não me diga. Expressão de encantamento ou surpresa, freqüentemente usa-

do em sentido irônico. “– Tou vendo. Mas olha aí. Mesmo com gravador,

o material ainda está faltando. – Não me diga.” (DL, 96).

Não ser lá que digamos. Não merecer destaque; não merecer elogios.

“Muito do que se diz em louvor disso ou daquilo, em confronto com a reali-dade, pode suscitar o bocejo em forma de frase: Não é lá para que diga-

mos.” (DL, 70).

Não ter nada a dizer. Não há novidade que deva ou possa ser dita. “Em

verdade, em verdade vos digo que hoje não tenho nada a dizer.” (DL, 70).

Não vá dizer que. Já se pode adivinhar que vai dizer que. “Não vá me dizer

que ela é sua cunhada.” (DL, 68).

Nem me diga. Nem precisa dizer, pois estou farto de saber. “Nem me di-

gam que o rol está errado, pois as pessoas anunciam...” (DL, 92).

O que é mesmo que eu estava dizendo? Expressão que se usa ao retomar

um assunto interrompido, para que interlocutor abandone a digressão e volte

ao tema em questão. “...apelando para fórmulas: ‘como eu ia dizendo...’ ‘O que é mesmo que eu estava dizendo?...’” (DL, 69).

Por assim dizer. Pouco mais ou menos; quase; digamos. “Os traços subsis-

tiram, mas a espécie nasceu, por assim dizer, errada, e tende a acabar.”

(1113) “A câmara esboça aqui uma compatibilização, por assim dizer, do

elemento vegetal com o humano.” (970) Vide também (1131).

Por isso que eu digo. Estou certo em dizer; insisto em dizer. “Por isso que

eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum.”

(DN, 102).

Page 52: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

51

Por que não dizer? Diga-se; é melhor que se diga; por que negar? “Pouco

importa que alguns crítico menos inclinados à justiça, e mesmo – por que

não dizê-lo?...” (1004).

Quem diria? É uma surpresa; ninguém imaginava. “Augusto, quem diria?’

(DL, 25) “...a Virgínia, hem? quem diria, aquela santinha nunca me enga-

nou, pois há afetos...” (1457).

Quem disse que? Expressão de realce, numa pergunta que pretende sugerir

uma resposta negativa. “...para pegar docemente no queixo da moça, quem

disse que o queixo cedeu?”

DOCE

Acabou-se o que era doce. Acabou a sopa; expressão com que se indica o

fim de uma situação cômoda e agradável. “...três feriados! E daí, mais na-

da, acabou-se o quer era doce.” (1103).

DOIDO

Ser doido por. Gostar muito de; ter grande atração por. “– Pois eu sou doi-

do por chá.” (1303).

DÓLAR

Dólar furado. Coisa sem valor ou de valor insignificante. “Se as malhas do processo chegarem até a nós, não dou um dólar furado pelo segundo manda-

to do Mr. Nixon.” (1397) Vide também (DN, 22).

DOR

Dar dor de cabeça. Aborrecer. “Há também uns casos de corrupção que

começam a me dar dor de cabeça.” (1347) “Ele só nos tem dado dor de ca-

beça...” (DL, 27).

DOSE

Dose para leão. Exagero; que passa dos limites. “...essa eu acho dose para

todos os leões do Simba Safári de São Paulo.” (DL, 27).

DOUTOR

Doutor de mula ruça. Charlatão. “...ia-se ver, debaixo de tanta farofa era

um doutor de mula ruça, um pé rapado, que espiga!” (1320).

DURO

Dar duro. Trabalhar muito, em serviço prolongado ou fatigante. “Na sua

idade eu já dava duro e ajudava em casa.” (1202) Vide também (1447;

1259).

Page 53: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

52

EIRA

Sem eira nem beira. Muito pobre. “Sem eira nem beira.” (DL, 68).

EIXO

Entrar nos eixos. Ajustar-se; voltar ao bom funcionamento. “Em todo ca-

so, não lhe parece que respondida a grande pergunta... tudo entrará nos ei-

xos?” (1272) Vide também (DL, 117).

EMBIRA

Na embira. Sem dinheiro; em dificuldades financeiras. “...acabava na rua

da amargura, lá encontrando, encafifada, muita gente na embira, que não ti-

nha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto.” (1320).

ENCARAMUJADO

Encaramujado em si mesmo. Fechado em si mesmo. “O indivíduo encara-

mujado em si mesmo lutava com o escritor socializante...” (931).

ENGANAR

Se não me engano. Acredito que; penso. “– Perdi a conta. Quatro ou cin-

co, se não me engano.” (BL, 74).

ENXERGAR

Você não se enxerga? Repreensão a alguém que ousa algo que está além de

sua posição. “Você não se enxerga?” (DL, 66).

ESCANTEIO

Botar pra escanteio. Desprezar; não dar a devida atenção. “Quando a gen-

te é modesta demais, botam pra escanteio.” (BL, 41).

ESCARRADEIRA

Saber cuspir dentro da escarradeira. Disfemismo que exprime a idéia de uma educação apurada; saber portar-se com elegância refinada. “Havia os

que tomaram chá em criança, e, ao visitarem família da maior consideração,

sabiam cuspir dentro da escarradeira.” (1319).

ESPERAR

Espere e verá. Você não perde por esperar; mais cedo ou mais tarde rece-

berá o que merece. “Da próxima espere e verá.” (DL, 22).

Page 54: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

53

Quando menos se espera. Exatamente quando não parecia ser o momento

adequado; inesperadamente. “Quando menos se espera... Você pega um

táxi, manda tocar para...” (BL, 69).

Ser de se esperar. Ser previsível. “Era de se esperar.” (DL, 72).

ESPINHA

Curvar a espinha. Humilhar-se; reconhecer a superioridade de alguém.

“Perdemos o sono e o sentimento da nossa orgulhosa integração na cidade,

pois toda a cidade curva a espinha sob essa visita errante...” (1145).

ESPONJA

Passar uma esponja. Esquecer o que se passou; não se falar mais em. “Ele

prometeu passar uma esponja no acontecido, propôs que se estabelecesse

frente única diante da alça de mira.” (1269).

ESQUINA

Ali na esquina. Em toda parte. “Hoje estão ali na esquina para consumo

geral.” (1409).

ESSA

Essa é boa. Expressão pejorativa que indica insatisfação. “...essa é muito boa, então a gente tem que provar que nasceu, eu que estou viva...” (1447)

Vide também (1449).

Ora essa. Ora sebo; ora bolas. “Volto, ora essa, juro que volto, meu amor.”

(1222) “...disca de novo, mas quer falar é com o Nosso Bar, ora essa.”

(1170).

Por essas e outras. É por isso; por coisas semelhantes. “– Por essas e ou-

tras é que só moro em casa, e casa térrea, sem escada, pra não dar grilo.”

(1402).

Sem essa. Discordo; jamais. “Sem essa, vê lá se vamos dar uma de turista.”

(1440) “Eu descer porque estou suado? Sem essa.” (DN, 33) Vide também

(1339; DN, 62).

ESTRIBEIRA

Perder as estribeiras. Desnortear-se; descomedir-se; praticar despropósi-

tos. “Daí se perder as estribeiras por uma tutaméia, um alcaide que caixeiro

nos impingia...” (1320).

EVA

Como Eva é servida. Nua. “...é porque uma onda mais velhaca pode deixar

a gente como Eva é servida...” (DN, 25).

Page 55: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

54

EXPRESSÃO

Se me permite a expressão. Com licença da má palavra. “Premiados, en-

tram pelo cano, se me permite a expressão.” (DL, 6).

FACA

Com a faca e o queijo na mão. Com amplo poderes; com todos os recursos

necessários para a realização de uma tarefa. “Bom era ter costas quentes,

dar as cartas com a faca e o queijo na mão...” (1320) “Eu não era governa-dor, não estava com a faca e o queijo na mão?” (CB, 106).

FALTAR

Não faltava mais nada. Expressão de descontentamento ao se constatar um

fato lamentável. “Não faltava mais nada!” (DL, 64).

FAMÍLIA

Acontece nas melhores famílias. É muito natural; não é motivo para se

amofinar. “Um dia, seus queridos bisnetos farão o mesmo. Acontece nas

melhores famílias.” (1384).

FAVOR Nem contra nem a favor, muito antes pelo contrário. Desejo de não opinar;

abstenção. “Nem contra nem a favor do divórcio, muito antes pelo contrá-

rio.” (DL, 68) “Mônica, você fica encarregado de tomar nota dos votos

iguais aos de Peter: nem contra nem a favor, antes pelo contrário.” (1364).

FAZER

Não fazer por menos. Não ceder; não diminuir o preço. “É da lei não escri-

ta, homem ficar emburrado e não fazer por menos.” (BL, 54) “...e as convi-

dadas não faziam por menos em toaletes que atestavam o talento de costu-

reiras...” (BL, 20).

Não se fazer de rogado. Sem cerimônias; aceitar imediatamente um convi-te. “Curió não se fez de rogado, e o vizinho adotou o figurino.” (1190).

Não se fazer num dia. Ser muito demorado. “A famosa Reforma de Lutero

não se fez num dia, ele levou tempo para...” (BL, 203).

Que se há de fazer? Expressão de resignação. “ – Que se há de fazer? São

os ossos do barão.” (1429).

Ter mais que fazer. Estar ocupado; não estar disponível. “Tenho mais que

fazer.” (1191) “E se o atacante tiver categoria, não ataca, pois tem mais que

fazer.” (1184).

Page 56: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

55

Dar fé de si. Perceber; notar; ver. “Quando dei fé de mim, estava dentro do

Opala 73 e recebia o cumprimento respeitoso do chofer...” (DN, 12).

FEDER

Não feder nem cheirar. Ser ou ficar indiferente; não interessar. “Não fede

nem cheira.” (DL, 68).

FEIO Fazer feio. Errar num cerimonial; fazer fiasco; dar uma mancada. “Passou

a noite, infeliz, pensando nos paulistas, ele mineiro fazendo feio ao lado dos

paulistas, sempre os paulistas.” (1252).

FEITIO

Não ser do feitio (de alguém) . Não ser hábito; não estar afeiçoado a. “Não

é do meu feitio e, mesmo, Deus me livre de fazer uma coisa dessas.” (1219).

FEITO

Bem feito! Expressão de satisfação por um mal ocorrido a outrem. “Não

disse: bem feito, porque não sou de gozar a tristeza dos outros.” (DL, 83).

FESTA

Em festa de jacaré, inhambu não entra. Galinha não faz negócio com rapo-

sa; os pequenos ou fracos devem ficar longe dos negócios dos grandes, for-

tes ou poderosos. “ – Em festa de jacaré... – Não entendi. – Inhambu não

entra, o senhor não sabia?” (1400).

FICAR

Fiquemos por aqui. Basta. “Fiquemos por aqui, você e eu habitando em

pensamento as ilhas que afloram em Minas...” (BL, 51).

Não ficar bem. Ficar mal; ter repercussão negativa. “Essas coisas não lhe

ficam bem, meu filho.” (1180). Não ficar mal. Ficar bem; ter boa acolhida; agradar. “Cadeira de balanço é

móvel de tradição brasileira, que não fica mal em apartamento moderno.”

(1225) Vide também (1010).

FIGA

Fazer figa. Esconjurar; fazer cruzes a. “Não ligue. Faça figa. – Eu faço,

mas adianta?” (DN, 91).

FILHO

Page 57: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

56

Os filhos da Candinha. Boateiros; fuxiqueiros; candongueiros. “O Diacho

eram os filhos da Candinha: quem somava a candongas acabava na rua da

amargura...” (1320).

FIM

Ser o fim da picada. Ser inacreditável, horrível, impossível. “Que vergo-

nha, meu Deus do céu! É o fim da picada!” (DL, 64).

FLOR Não ser flor que se cheire. Ser desaconselhável; ser indesejável ou cheio de

defeitos. “É uma flor... que se cheire?” (1317).

FOGO

Com fogo não se brinca. Evitem-se as coisas perigosas; não ponha a mão

em boca de lobo. “ – Eu? Absolutamente. Apenas prevenindo que com

fogo não se brinca.” (DL, 127).

Obs. Brincar com fogo é deliciar-se em aventuras perigosas.

FORA

Dar o fora. ir-se embora; raspar-se; sair. “Dê o fora depressa antes que eu

chame meu marido!” (1229) Vide também (1240).

FREGUESIA

Ir pregar em outra freguesia. Ir pentear macacos; ir procurar o que fazer.

“E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em

outra freguesia.” (1318).

FRENTE

Nada de novo na frente ocidental. Sem novidades; tudo como dantes no

quartel de Abrantes. “Nada de novo na frente ocidental.” (DL, 68).

FRIA Entrar numa fria. Fazer um mau negócio; ser enganado; meter-se em en-

crencas. “Sabia de experiência própria que passageiro nenhum quer entrar

numa fria.” (DN, 32).

FRITO

Estar frito. Estar em apuros. “Se eu sou mesmo, estou frito.” (1267).

FUMAÇA

Page 58: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

57

E lá vai fumaça. E tarará; e tantos; um bom número. “Aos sessent’anos –

sessenta e lá vai fumaça – nada, corre, entra em pelada, monta, joga vôlei...”

(BL, 74).

Tirar uma fumaça. Fumar um pouco; tirar um trago. “Sei o que é um fu-

mante inveterado, impedido de tirar uma fumaça.” (BL, 32).

Virar fumaça. Desaparecer; evaporar-se. “Sumo! Viro fumaça!” (DL, 46).

FUTURO

O futuro a Deus pertence. Ninguém deve comprometer o futuro; só o pre-sente é certo. “– Já sei. O futuro a Deus pertence.” (1267).

GABAR

Não é por me gabar. Embora eu não queira me exibir. “Mas fala a seu

modo, desde que eu saiba interrogá-lo, e eu, não é por me gabar, tenho meus

macetes.” (DN, 133) Vide também (DN, 170).

Não é pra me gabar. Sem exibicionismo. “Meu filho, não é pra me gabar,

mas é uma lindeza...” (1446) Vide também (BL, 43; DL, 125).

GALHO

Quebrar o galho. Dar um jeitinho. “Eles vão me quebrar esse galho.”

(1226) “...quem sabe se esse banqueiro não quebraria o galho da firma?” (CB, 75) Vide também (DN, 140; 1190).

GALO

Ouvir cantar o galo, mas não saber onde. Interpretar mal uma informação;

não ouvir direito ou não entender bem. “Alguns ouviam cantar o galo, mas

não sabiam onde.” (1319).

GAMBÁ

Comer gambá errado. Equivocar-se; tomar uma coisa por outra; comer ga-

to lebre. “Que sarro! Comeu gambá errado!” (DL, 64).

GATA

Não poder com uma gata pelo rabo. Ser ou estar muito fraco; estar sem re-

cursos. “ Não pode com uma gata pelo rabo.” (DL, 68).

GATO

O gato comeu. Desculpa de quem deu fim a alguma coisa e não quer se

confessar; maneira de dizer que sabe quem deu fim a algo, mas não deseja

delatar. “Não há mais nada? Havia; mas o gato comeu (e ninguém viu o

gato) .” (OC, 591).

Page 59: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

58

Fazer de gato-sapato. Fazer gato e sapato de alguém; menosprezar; maltra-

tar; aproveitar de. “Qualquer um acabava enjerizado se lhe chegava a urtiga

ao nariz, ou se faziam de gato-sapato.” (1320).

GENTE

Desde que me entendo por gente. Há muito tempo; desde que tomei consci-

ência deste mundo. “Nunca a vi desde que me entendo por gente, e do tem-

po de garoto não guardo a menor lembrança dela.” (1188).

GERAÇÃO

Gerações e gerações. Muitas gerações. “Nos parques municipais, gerações

e gerações de namorados gravam no lenho indiferente...” (969).

Obs. Neste caso, a repetição é um recurso para indicar quantidade. Em

nossa língua, a repetição tem inúmeras funções, podendo indicar também

intensidade, modo e várias modificações de sentido da palavra repetida.

GIBI

Não estar no gibi. Ser inédito; ser inesperado; ser incrível ou maravilhoso.

“Não está no gibi.” (DL, 68).

GRAÇA Com a graça de Deus. Graças a Deus. “Detesto isso, minha formação é

cristã, com a graça de Deus.” (BL, 211).

GREGOS

Gregos e goianos. Todos; amigos e inimigos. “O chofer de V. Exa. pas-

sou a ser assediado por gregos e goianos...” (1096).

Obs. O espirituoso antiprovérbio drummondiano é uma sátira bem sutil aos

bajuladores em geral.

GRILO

Dar grilo. Criar confusão; azarar. “Por essas e outras é que só moro em ca-sa, e casa térrea, sem escada, pra não dar grilo.” (1402) “Mas se o senhor fi-

zer isso não bota o meu nome no meio, porque vai dar grilo.” (DN, 98).

Ouvir grilo. Sem dormir; com insônia. “Eu tinha tomado pervitim para va-

rar a noite guiando, e agora ia passar toda essa madrugada de olho aberto,

ouvindo grilo.” (1178).

GUERRA

Guerra é guerra. Na guerra, o feio é perder; na guerra, os fins justificam os

meios. “Guerra é guerra, greve é outra coisa, e a minha é outríssima.” (BL,

Page 60: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

59

149) “...daqui a pouco você inventa carregar banheirinho plástico, torradei-

ra, essas coisas. Guerra é guerra.” (1440).

HAVER

Haver por bem. Decidir; achar melhor. “...e cujo proprietário houvera por

bem confiar à guarda deste amador das artes acima de qualquer suspeita?”

(DN, 21) Vide também (1407).

Não haver nada a tirar nem pôr. Estar ou ser perfeito. “Na realidade, tra-

vamos conhecimento com Edival quando o seu destino está consumado e perfeito, e não há nada a tirar nem pôr na sua vida.” (OC, 586).

HORA

Cheio de nove horas. Metido a besta; vaidoso; cerimonioso. “Às vezes,

sem tirte nem guarte, aparecia um doutor pomada, todo cheio de nove ho-

ras...” (1320).

De hora em hora Deus melhora. As coisas estão melhorando. “De hora em

hora Deus vai simbora.” (1379).

Obs. Neste antiprovérbio, Drummond parece indicar o que está causando

tantos males em nosso tempo.

Horas e horas. Durante muitas horas; horas a fio. “– Se prolonga por horas

e horas e não se esgota...” (OC, 873). Na hora de acertar os ponteiros. Na hora do acerto; no momento de pôr tu-

do em pratos limpos. “...se na hora de acertar os ponteiros você me vem

com essa história de que amor não deve ser objeto de contrato...” (DL, 36).

Quando soar a hora. Na hora agá; na hora da verdade. “Quando soar a ho-

ra de oficializar a composição do Governo, aí você chama os que tiver de

chamar.” (BL, 135).

Soar a hora da verdade. Estar na hora agá. “Soou a hora da verdade? E

que mais?” (DL, 65).

Vinte e quatro horas por dia. Todo o tempo. “...dor de não ocupar o seu

pensamento 24 horas por dia, e...” (DL, 90).

IDA

Nas idas e venidas. Nas andanças; nas idas e vindas. “Nas idas e venidas

em busca da moça carregava comigo o objeto embrulhado.” (1154).

IMPORTAR

Que bem me importa. Não tem importância. “...o moço não disse mas fa-

lou consigo mesmo, que bem me importa se ela não quer mais me beijar, eu

beijo outras...” (BL, 54).

Page 61: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

60

INÊS

Se Inês é morta. Se o momento oportuno não foi aproveitado; se não adian-

ta mais nada; se o prejuízo é irreversível. “...aliás extinta, do Rio de Janei-

ro, para implicar com a indústria imobiliária nem seria mais tempo de fazê-

lo, se Inês é morta.” (DN, 23).

Obs. Esta frase é alusiva à revolta ou insatisfação popular causada pela

morte de Inês de Castro, assassinada pelo crime de ter amado seu Rei.

INFERNO Vá para o inferno. Suma-se; vá para o diabo que o carregue. “ – Quero que

o senhor vá para o inferno, sim?” (1334) “E seu marido? Vá tudo para o in-

ferno.” (1363) Vide ainda (1250).

IR

Ou vai ou racha. Não haverá mais paliativos; é o último recurso. “Pra

frente, Brasil! Ou vai ou racha!” (DL, 63).

Vá lá. Pode ser; admita-se. “Vá lá, pode derrubar ainda umas três ou qua-

tro, de pinga.” (DN, 114) Vide também (BL, 196).

Vamos e venhamos. Convite à reflexão, ao raciocínio. “...que o rótulo per-

tence a Gonçalo Fernandes Trancoso, e daí, vamos e venhamos, por que es-

sa mania de...” (DL, 19).

ISSO

É isso aí. Tudo bem; certo. “É isso aí. Te telefono amanhã, tá?” (1430) “É

isso aí: ninguém aprende mais nada na escola...” (DL, 71) Vide também

(DL, 94).

Lá isso é. Isso é verdade. “A gente tá em 1980, pô. – Lá isso é.” (BL, 42).

Não seja por isso. Não há por quê; tudo certo; tudo bem. “ – Não seja por

isso, meu poeta.” (BL, 164).

Não ser bem isso. Rigorosamente, não; apenas em parte. “Não é bem isso,

Inácio. Você não entendeu o meu ponto de vista.” (DL, 76).

ISTO

Lá isto é. Isto é verdade. “Lá isto é, ou se calça a luva e não se põe o anel,

ou...” (DL, 67).

Lá isto é verdade. Sem dúvida; é verdade; isto é verdade. “Se cogitarmos...

já se sabe: nada feito. – Lá isto é verdade.” (1454).

Já não se... como antigamente. As coisas modernas estão falsificadas; falta

autenticidade nas coisas de hoje. “Já não se comem broas de fubá como an-

Page 62: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

61

tigamente!” (DL, 64) “Já não se pode mais andar como antigamente.” (BL,

151).

JABUTICABA

Não vale a pena chupar a jabuticaba dos outros. O alheio procura o seu

dono; o que é do homem o bicho não come. “Não vale a pena chupar a ja-

buticaba dos outros.” (1316).

JEITINHO Dar um jeitinho. Improvisar uma solução de última hora. “Espere um

momento, que dou um jeitinho.” (BL, 195).

JEITO

Dar-se um jeito. Dar um jeitinho. “O estatuto não permite, mas dá-se um

jeito.” (1110) Vide também (1156; 1450).

Do jeito que vão as coisas. Assim; desta maneira. “ – É mesmo. Do jeito

que vão as coisas temos de voltar ao suspensório.” (BL, 101).

JOGADA

Entrar na jogada. Aceitar uma situação; participar de um negócio; enten-

der. “Olhe, poeta, um conselho: não entre nessa jogada das cartas de Virgí-nia.” (1461) “Desculpe ter custado um pouco a entrar na jogada.” (1450)

“Melhor você não dar uma de contestadora, e entrar na jogada.” (DN, 133)

Vide ainda (1431).

JOSÉ

E agora, José? Já decidiu? Qual é a tua, bicho? “E agora, José? Por bem

ou por mal, vai dizer que horas são?” (DL, 66) “...botou as mãos na cabeça:

– E agora, José?” (1314) Vide também (1167).

JUDAS

Onde Judas perdeu as botas. Onde o vento faz a curva; cafundós do Judas; calcanhar do Judas; lugar pouco habitado e de difícil acesso. “...contavam

tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Ju-

das perdeu as botas.” (1319).

JUIZ

Não haver mais juízes em Berlim. Só há justiça para alguns privilegiados; a

justiça já não é garantida para todos. “Não há mais juízes em Berlim.” (DL,

68).

Page 63: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

62

LASCAR

Ser de lascar. Ser profundamente desagradável, ou irritante, ou decepcio-

nante; ser dos diabos. “É de lascar. Essa não!” (1379) Vide também (DL,

63).

LATA

Levar a lata. Receber resposta negativa a um pedido de casamento. “...pois

isso evitava levar lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus

fosse servido.” (1320).

LATIM

Perder o seu latim. Explicar para quem não irá entender; sacrificar-se inu-

tilmente. “Mas quem escreveu, coitado! Esse perdeu o seu latim, como se

diz.” (1172).

LEITE

Defender o leite das crianças. Trabalhar; ganhar dinheiro; procurar garantir

lucro. “Então continuo nesta de defender o leite das crianças...” (BL, 63)

Vide ainda (BL, 61; BL, 61).

Esconder o leite. Ocultar alguma coisa; fingir que não sabe. “– Esconden-

do o leite, hem? Sabidão!” (DN, 14).

LELÉ

Lelé da cuca. Gira; doido; maluco. “Podia continuar toda vida neste papo,

mas desconfio que o leitor já está me achando lelé da cuca.” (1384).

LENÇO

Sem lenço e sem documento. Totalmente desprevenido; sem o mínimo con-

forto. “...e sai por aí, sem lenço e sem documento, mandando brasa.”

(1352) “Sem destino. Sem lenço nem documento.” (DL, 68).

LETRA Tirar de letra. Resolver com muita facilidade um problema. “Os caras que

têm ensino tiram de letra nas provas.” (1400) “Se me contratarem eu tiro de

letra.” (BL, 42) Vide também (BL, 74).

LEVAR

O que é que eu levo nisso? Qual seria a minha recompensa? “O que é que

eu levo nisso, me diga?” (DL, 66).

LIGAR

Page 64: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

63

Nem te ligo. Demonstração de total desinteresse pelos acontecimentos.

“Alguém braceja entre as ondas, desesperadamente. O salva-vidas, de cos-

tas para o mar, nem te ligo.” (DN, 23) “O moço (pois ostentava barba e ca-

beleira amazônica, sinais indiscutíveis de mocidade, nem-te-ligo.” (DN,

31).

LÍNGUA

Dobrar a língua. Ter mais respeito ou reverência. “Antigamente, os pirra-

lhos dobravam a língua diante dos pais e se um esquecia...” (1320) “Dobre a língua antes de pronunciar o nome de Madame Elzevir.” (BL, 216).

LINHA

Tirar uma linha. Chegar a alguma conclusão; reparar em uma pessoa. “Fa-

lecido não manda. – Pelos discursos a gente tira uma linha.” (BL, 216).

LIRÓ

Todo liró ao copo d’água. Todo emperiquitado; todo enfeitado. “O verda-

deiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao copo

d’água, se bem que...” (1320).

LOCA Por locas e bibocas. Por toda parte. “Que a alma do padrinho Padre Cícero

te acompanhe por locais e bibocas do mundaréu...” (DL, 89).

LONA

Na última lona. Sem nenhum dinheiro; em petição de miséria. “É, esse es-

tá mesmo na última lona, e dói ver a lenta agonia de um ser tão gracioso,

que viveu para cantar.” (1234).

LUGAR

Ter seu lugar ao sol. Ter sua posição garantida. “Só? Não. Têm seu lugar

ao sol a metalinguagem, o servomecanismo, as algias...” (1409). LUZ

À luz da razão. Logicamente; racionalmente. “Além do mais, os conceitos

estabelecidos lucrariam em ser revistos à luz da razão.” (1407).

À luz do dia. Às claras; sem subterfúgios. “O fato de não produzir não é o

mais grave, e tolera-se no asfalto e na praia, à luz do dia...” (BL, 86).

MACACO

Macacos me mordam. Espécie de juramento. “Macacos me mordam se es-

tou pregando peta.” (1320).

Page 65: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

64

MAL

Não há mal que sempre dure. Todos os sofrimentos terão um fim. “Não há

mal que sempre dure.” (DL, 68).

MANDAR

Mandar e não pedir. Ser autoritário. “Puxa, mas você é mesmo o Impera-

dor Augusto em pessoa. Manda e não pede.” (DL, 36).

MANTA

Passar manta. Lesar em negócios. “Encontravam alguém que lhes passava

manta e azulava, dando às de Vila-Diogo.” (1318).

MÃO

Abrir mão de. Desistir; não dar importância; abandonar. “Pode-se abrir

mão da analogia ou da sugestão...” (1312) “Abro mão de direitos autorais,

não da co-autoria.” (1461) Vide também (1052).

Agüentar a mão. Ter paciência; ser tolerante. “...enfim, que agüentasse a

mão, mesmo que isso fosse uma tremenda mão-de-obra...” (DL, 139).

Botar a mão na consciência. Pensar bem antes de agir. “...não desejava

meter a mão em cumbuca, e exortou-me a botar a mão na consciência...” (DL, 139).

Botar a mão no fogo (por alguém) . Defender os atos de determinada pes-

soa, responsabilizando-se por sua lisura; ter confiança cega em alguém. “Se

porventura cair (não boto a mão no fogo por ele), a causa que os senhores

peritos deverão pesquisar...” (1157).

Botar as mãos na cabeça. Achar-se se situação embaraçosa. “...botou as

mãos na cabeça: – E agora, José?” (1314).

Com uma mão atrás e outra adiante. Em estado de penúria; muito pobre.

“...para que os velhinhos não ficassem de mãos abanando, ou com uma mão

atrás e outra adiante...” (DL, 139).

Dar as mãos à palmatória. Confessar-se vencido; convencer-se de erro. “Dei as mãos à palmatória. De fato, era eu quem iria cintilar na assem-

bléia...” (DL, 139).

Ficar de mãos abanando. Ficar sem nada; ficar com as mãos vazias.

“...para que os velhinhos convidadores não ficassem de mãos abanando, ou

com uma mão atrás e outra adiante...” (DL, 139).

Ficar na mão. Não conseguir o que esperava como certo; decepcionar com

o resultado de um negócio; ficar sem nada. “...não ficassem de mãos aba-

nando, ou com uma mão atrás e outra adiante, ou ainda, para falar mais cla-

ramente, na mão.” (DL, 139).

Page 66: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

65

Meter a mão em cumbuca. Ser cauteloso; ser prudente; não arriscar; não se

entregar a aventuras perigosas. “Alegou que para esse tipo de coisas tinha

mão-de-pilão; além disso, não desejava meter a mão em cumbuca.” (1319).

Pôr a mão em cumbuca. Meter a mão em cumbuca. “...os presunçosos

queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cum-

buca.” (1319)

Sujar as mãos em alguém. Esbofetear; dar uns tapas; sentar a mão. “Não

vou sujar minhas mãos em você.” (DL, 68).

MÃO-BEIJADA

De mão-beijada. Sem receber pagamento. “...que tivesse paciência e desse

uma mãozinha, mesmo de mão-beijada, pois...” (DL, 139).

MÃO-DE-OBRA

Ser uma mão-de-obra. Ser muito trabalhoso. “...enfim, que agüentasse a

mão, mesmo que isso fosse uma tremenda mão-de-obra...” (DL, 139)

MÃO-DE-PILÃO

Ter mão-de-pilão. Ter mão pesada; ser rigoroso. “Alegou que para esse ti-

po de coisas tinha mão-de-pilão...” (DL, 139).

MÃO-NA-RODA

Ser uma mão-na-roda. Ser rápido; ser veloz. “...que ela constituiria ele-

mento essencial; que seu concurso seria verdadeira mão-na-roda...” (DL,

139).

MÃOZINHA

Dar uma mãozinha. Auxiliar; prestar um pequeno serviço; dar uma mão.

“...que tivesse paciência e desse uma mãozinha, mesmo de mão-beijada,

pois...” (DL, 139).

MAPA Sumir do mapa. Desaparecer; viajar para lugar ignorado. “Sumiu do mapa.

Esses óculos!” (1341).

MARÉ

Espiar maré. Estar desocupado, sem o que fazer. “ – É verdade que tem

muito carioca,... espiando maré.” (DN, 172).

MARINHEIRO

Page 67: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

66

Marinheiro de primeira viagem. Pessoa inexperiente. “Mas logo se verifi-

cava que as pessoas assim descobertas eram, na realidade, a Cláusula Rebus

Sic Stantibus, o Marinheiro de Primeira Viagem e o Cidadão Quase Acima

de Qualquer Suspeita.” (DL, 81).

MATO

Estar no mato sem cachorro. Ficar inteiramente desorientado, em face dos

negócios fracassados ou dos planos frustados; fracassar; sofrer grandes pre-

juízos. “Então ele está no mato sem cachorro – comentou um terceiro.” (1268) “É, não tem saída, não. Estamos no mato sem cachorro.” (1307) Vi-

de também (1443).

MEIO

No meio está a virtude. Nem oito nem oitenta; evitem-se os extremos. “Eu

acho que no meio está a virtude, como gostava de falar o vovô.” (BL, 41).

MEMÓRIA

Se não me falha a memória. Salvo maior engano; parece-me que. “Parar é

regra de ouro (se não me falha a memória) .” (DL, 67).

MINHOCA Tirar minhocas da cabeça. Esquecer certas idéias malucas ou certos planos

perigosos; criar juízo. “ – Vai tirar essas minhocas da cabeça dele?” (1399).

MISSA

Não saber da missa a metade. Desconhecer um assunto; estar mal informa-

do. “Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar

padre-nosso ao vigário...” (1319) “Não sabe da missa a metade.” (DL, 68).

MOLE

Não ser mole. Ser difícil, ruim, desagradável ou complicado. “Eu vou de

travesseiro, dormir no chão de pedra não é mole, hem?” (1440) Vide tam-bém (1436; 1302).

MONTANHA

Já que a montanha não vai até Maomé, Maomé vai à montanha. Se não for

possível a realização de um milagre, façamos o que estiver ao nosso alcan-

ce, dentro de nossa limitação. “Já que a montanha não vai até Maomé (e

quem sou eu para me comparar a Maomé), vou até a montanha.” (DL, 38).

Obs. Cf. MAGALHÃES JÚNIOR, R. (s.d.) p. 198.

Page 68: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

67

MULHER

Mulher feia não bebe mas paga. É uma dessas frases com que os camelôs

se anunciam e anunciam suas mercadorias. “...é de toda colidade, mulher

feia não bebe mas paga.” (1352).

Obs. A forma norma da frase é: Mulher (ou moça) bonita não paga mas

também não leva. A paródia pretende castigar as mulheres feias, como se

toda mulher tivesse que ser bonita, ou se feiúra fosse crime.

MUNDO Virar o mundo abaixo. Ocorrer uma catástrofe, um mal irremediável, ou

uma ventania, ou chuva forte, etc. “Tinham-se rompido umas telhas, e o

mundo parecia vir abaixo, derretido em chuva.” (1244).

MÚSICA

Dançar conforme a música. Adaptar-se à situação; mudar de comporta-

mento ou até de objetivos. “Não mudo de alvo? Não danço conforme a

música ou até sem ela e contra ela?” (DN, 99).

NADA

Antes de mais nada. Principalmente; em primeiro lugar. “A nova institui-

ção se recomenda, antes de mais nada, pelo culto à memória de Gonçalves, hoje tão esquecido...” (1107) Vide também (DN, 119; DN, 115; 1157).

De nada. Mínimo ou insignificante. “ – Um objeto de nada.” (BL, 159).

De nada. Não há de quê; forma de responder a um agradecimento. “Mas

agradecer de coração, isso eu poso. – De nada, ora essa.” (BL, 98).

Não ser de nada. Não ter influência; ser uma nulidade; não ter mais força.

“Não é de nada.” (DL, 68) “...pois o Guto não é de nada em matéria de reli-

gião, ele é de outra coisa muito diferente, você sabe qual é.” (DL, 27).

NÃO

Por que não? Sim; é uma boa; é isso mesmo; exatamente. “Apelar para o

Presidente Figueiredo, por que não?” (BL, 16).

NARIZ

Diante do nariz. Debaixo do nariz; diante de si; óbvio. “O homem guarda

esta desconfiança a respeito de fatos ocorridos diante do seu nariz...”

(1078).

Meter o nariz no que não é da conta (de alguém) . Intrometer-se em assun-

tos alheios. “ – Sem querer meter o nariz no que não é da minha conta, gos-

taria que também...” (1450).

Page 69: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

68

NASCER

Nascer de novo. Escapar de um grande perigo; recuperar-se de um aciden-

te. “No que eu nasci de novo e nunca mais vi o tipo.” (DN, 7).

NAVIO

A ver navios. Não conseguir o que desejava; dar-se mal. “Antigamente,

certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios...” (1319).

NEGÓCIO Negócio de mãe. Coisa que não dá lucro; trabalho sem importância. “A ve-

lha trate de arranjá-los é negócio de mãe.” (DN, 70).

Que negócio é esse? O que é isso? “Mas que negócio é esse de irmãozi-

nho fotografados na praia...?” (DL, 27) Vide também (1419).

Se o negócio é esse. Se é assim; sendo desta maneira. “Se o negócio é esse,

então tira o absinto e bota caninha.” (DN, 51).

NINGUÉM

Pra ninguém botar defeito. De primeiríssima qualidade; perfeito. “Eu acho

muito positivo esse nosso casamento, foi uma experiência pra ninguém bo-

tar defeito.” (BL, 123).

NÍQUEL

Não compreender níquel. Não compreender patavinas; não compreender

bulhufas; não compreender nada. “Ia retirar-se, sem que o Silva compreen-

desse níquel, mas voltou-se, e rapidamente desfolhou esta confidência...”

(1111).

Dar nó até em pingo d’água. Ludibriar a todos; ser muito velhaco. “ –

Quer dizer que ele dá nó até em pingo d’água?” (BL, 75).

NOITE À noite todos os gatos são pardos. À noite, as pequenas diferenças não se

distinguem; é fácil ser enganado à noite. “Quem foi que verificou que à

noite todos os gatos são pardos?” (DL, 65).

Cair a noite. Anoitecer. “Caíra a noite, e, descendo a Rua do Ouvidor, tí-

nhamos em redor de nós...” (990).

NÓS

Page 70: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

69

Aqui entre nós. Confidencialmente; discretamente. “– E depois, doutor,

aqui entre nós: a senhora que vai conosco é esposa do...” (1178) “Aqui entre

nós: ela dá pelota?” (DL, 65).

NOSSO SENHOR

Até Nosso Senhor me fechar os olhos. Enquanto eu estiver vivo; até à mor-

te. “Deixa pra lá, sem carteira vivi até hoje, sem ela vou viver até Nosso

Senhor me fechar os olhos.” (1447).

NOTA

Uma nota firme. Muito dinheiro. “ – Mas você descolou uma nota firme

naquela concorrência da ponte de São Luís Rei.” (1429) Vide também

(1438).

NUVEM

Cair das nuvens. Sofrer uma grande decepção. “Caí das nuvens lendo vos-

so relato do jantar chez Sempervírens.” (BL, 23) Vide também (1320).

Passar em branca nuvem. Não ser lembrado; ficar despercebido. “Certos

papais não apreciavam festa de aniversário, a data passava em brancas nu-

vens.” (1312) Vide também (BL, 163).

Pôr nas nuvens. Elogiar; gabar; elevar aos cornos da Lua. “O Inácio tam-bém põe você nas nuvens.” (DL, 75).

Ter lá suas nuvens. Duvidar; não estar seguro de. “Deus te ouça, meu fi-

lho. Mas tenho cá as minhas nuvens.” (DN, 90).

OBRA

Por obra e graça de. Graças à ação ou à participação de. “Não podia dei-

xar de reconhecer, entretanto, que se estabelecera o diálogo entre duas gera-

ções, por obra e graça do ensino.” (1248).

OLHO

Aos olhos de (alguém) . Diante de; perante; na opinião de. “Santos doía-se de ser um objeto aos olhos de D. Laurinha.” (1165) “...e o que se chama vi-

tória aparece aos olhos de todos com uma evidência corporal que dispensa a

imolação física.” (1091).

Aos olhos de hoje. Na opinião geral de hoje. “Esse Rei Congo e essa Rai-

nha Ginga, decorativos, burlescos aos olhos de hoje, mas revestidos de pro-

funda dignidade...” (977).

Bons olhos o vejam. Saudação a pessoa estimada que regressa. “Olalá!

Bons olhos o vejam!” (DL, 64).

Page 71: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

70

Botar no olho da rua. Despedir; expulsar; pôr no olho da rua. “E se o se-

nhor me fizer mais uma, já sabe: boto-o no olho da rua.” (DL, 67).

Entrar pelos olhos da cara. Saltar aos olhos; ser evidente. “A lei entra pe-

los olhos da cara do transeunte.” (DL, 113).

Ficar de olho. Não descuidar; estar ou ficar atento. “...onde quer que este-

jas nascendo, fica de olho no futuro, presta atenção nas coisas...” (DN, 5).

Olhar com outros olhos. Observar com espírito desarmado; ver sem malí-

cias. “...eu diria que os moços convidam os pais e, por extensão, os homens

e mulheres de gerações anteriores, a olhar com outros olhos a vida.” (DN, 18).

Olho vivo! Cuidado! Atenção! “Olho vivo! Cavalo não desce escada!”

(DL, 64).

Não pregar olho. Não dormir; ter insônia. “Hoje, não. Nem preguei olho.”

(DL, 68).

Que meus olhos já viram. Conhecido; existente. “...onde hoje funciona o

mais lindo museu que meus olhos já viram.” (992).

ONÇA

Virar onça. Ficar furioso ou violento. “Embora sentido pena, e querendo

ajudar, virava onça.” (1308).

ONDA

Fazer onda. Criar problema. “ – Meu bem, é melhor a gente não fazer on-

da.” (1266).

Ir na onda. Enganar-se; deixar-se enganar; aderir sem pesar bem as conse-

qüências. “Mulher não vai na onda, só tem pena de aleijado e de velhinho.”

(1202) “Que fazer senão ir na onda?” (1379).

ORELHA

Abanar as orelhas. Discordar; não entender. “A todas essas interrogações,

eu continuo abanando as orelhas e...” (OC, 585) “Se ele abanou orelhas di-

ante da primeira advertência da nossa folha...” (996). Coçar a orelha. Demonstrar má vontade; interpor dificuldade. “...um ge-

rente simpático, desses que não coçam a orelha quando a gente propõe uma

reforma de títulos. “ (BL, 73).

OSSO

São os ossos do barão. São os ossos do ofício; são problemas atinentes a

uma atividade ou profissão. “ – Que se há de fazer? São os ossos do ba-

rão.” (1429).

Page 72: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

71

OUTRA

Partir para outra. Dar por terminada uma tarefa ou uma etapa de uma ati-

vidade. “Por que, em vez disso, não parte para outra?” (BL, 47).

OUTRO

Como diria o outro. Como se supõe ou diz supor que alguém diria, se esti-

vesse na mesma ou idêntica situação. “Não creia ainda em quem lhe diz al-

guma coisa, precedida de: ‘Como diria o outro.’ O outro não diria aquilo.”

(DL, 70). Como diz o outro. Maneira de não assumir totalmente o que diz: “Tudo in-

dica que o Outro é cúmplice de quem diz: Como diz o outro.”

Como nenhum outro. Melhor que todos os outros. “No seio de uma gente...

como nenhuma outra, com as dores do mundo, no desejo de interpretá-las e

leni-las?” (981).

Que é que os outros vão dizer? Frase denunciadora de inibição quanto à re-

alização de uma tarefa; preocupação com a opinião pública. “Que é que os

outros vão dizer? Mas os outros nunca dizem nada, apenas se receia que

eles digam...” (1413).

Uma pá de. Uma grande quantidade. “Posso contar ao senhor uma pá de infâncias que eu tive, uma pá de vidas que eu vou levando.” (1436).

PADRE-NOSSO

Desfiar padre-nossos. Rezar. “Ao pé do fogo quase extinto, siá Mariana

desfia padre-nossos pelos defuntos...” (1062).

Ensinar padre-nosso ao vigário. Tentar explicar um assunto a quem já é

perito nele. “Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam

ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca.”

(1319).

PAGAR Pagar e não bufar. Pagar sem reclamação; sujeitar-se a uma situação.” Es-

tou sim! Pague e não bufe!” (DL, 63).

PÁGINA

Fazer página virada. Esquecer; não dar importância mais. “Bastou que

uma espevitada rebolasse na sua frente para você fazer de mim página vi-

rada.” (DL, 26).

Page 73: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

72

Revelar uma página de. Tornar pública uma parte de um segredo.

“...revelarei uma página – meia página, se tanto – da vida particular de Gre-

ta Garbo.” (1075).

PAI

Tirar o pai da forca. Fazer alguma coisa de extremíssima urgência. “As

pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e não

caíam de cavalo magro.” (1318).

PALAVRA

Dar a palavra (a alguém) . Permitir que fale. “Ou damos a palavra à Razão

das Coisas, ou a assembléia será dominada pelo Caos Telúrico.” (DL, 79).

Dizer duas palavras. Dizer umas palavrinhas; usar brevemente do direito

de falar. “Fuja do cara que lhe pede licença para dizer só uma palavrinha

ou, no máximo, duas palavras.” (DL, 70).

Em duas palavras. Laconicamente; com brevidade na exposição. “O se-

nhor recomendava ao menino: o essencial em duas palavras.” (1282).

Em poucas palavras. Em duas palavras. “Elementar, caríssimo. Explico

em poucas palavras.” (DL, 12).

Palavra de honra. Dou minha palavra; empenho minha palavra. “Ele me

faz falta, palavra de honra.” (DL, 55). Pedir a palavra. Pedir um tempo para falar, durante uma outra falação; pe-

dir uma parte. “...um convidado pediu a palavra, e tal foi a surpresa que

ninguém se mexeu para recusá-la.” (DN, 66).

PALETÓ

Abotoar o paletó. Morrer; ir visitar o Caju. “Perdeu 20 quilos com as

obras. Quase abotoa o paletó.” (1316).

PALHA

Não mover uma palha. Não fazer esforço nenhum; não fazer nada. “Você

é íntimo do Daniel Filho e não quer mover uma palha em favor de uma po-bre artista em potencial!” (BL, 43).

PALMATÓRIA

Ser palmatória do mundo. Pretender corrigir todos os erros da humanidade;

ter a função de castigar os erros alheios. “Não sou a palmatória do mundo.”

(DL, 69).

PANO

Page 74: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

73

Pano de fundo. Conjunto de acontecimentos sobre os quais se desenvolve

uma ação. “...uma chusma vaga de bandeirantes, emboabas e liberais revo-

lucionários agitando-se sobre o pano de fundo...” (951).

PÃO

Comer o pão que o diabo amassou. Comer o que o diabo ajuntou; sofrer

com dificuldades, trabalhos forçados, perseguições ou apertos financeiros.

“...contavam tudo tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou,

lá onde Judas perdeu as botas.” (1319). Tirar o pão da boca de alguém. Apoderar-se do ganha-pão de outrem. “ –

Eu ia tirar o pão da boca de uma professora, se foi outra professora que em

ensinou a ler?” (1400).

PÃO-PÃO

Pão-pão queijo-queijo. Sim-sim, não-não; tudo certo e definido; nada de

subterfúgio. “...na vida social, dizendo coisa com coisa e adotando o lema

pão-pão queijo-queijo.” (DL, 29).

PAPA

Não ter papas na língua. Ser muito franco ou desabusado; dizer sempre e

claramente o que pensa. “Não ter papas na língua.” (DL, 68).

PAPAI

O papai aqui. Eu (referindo-se a homem), “ – E não venham dizer que o

papai aqui é zureta, só porque...” (DL, 86).

Obs. Se for mulher, o sinônimo é a mamãe aqui. Tanto num caso como no

outro, a expressão pretende se auto-valorizar, colocando em destaque, mui-

tas vezes, a função sexual.

PAPEL

Fazer papel pança. Fazer feio; fazer papel ridículo. “Quem queria lá fazer

papel pança?” (1320).

PAPO

Bater papo. Conversar ou falar despreocupadamente. “Eu tinha tristeza

quando as colegas de minhas garotas iam estudar ou bater papo.” (1337)

Vide também (OC, 872).

Bater um papo. Conversar um pouco, despreocupadamente. “– Diga ao

Vai-por-Mim que apareça aqui no São Sebastião para batermos um papo.”

(1339) Vide também (1450).

Page 75: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

74

Levar um papo. Bater um papo. “...lá na Escola Técnica, ela simpatizou

comigo, a gente levou um papo, fiquei sabendo...” (1400) Vide também

(1437).

Com o papo cheio de vento. Passando fome; desanimado. “Éramos bons

poetas na circunstância tal, mas, já agora estamos com o papo cheio de ven-

to...” (1013).

Papo fino. Assunto encerrado; basta de conversa. “Portaria nenhuma diz

que o passageiro suado tem que viajar de pé. Papo findo, tá bom?” (DN,

33) Vide também (DN, 99).

PARADA

Ser uma parada. Ser um empreendimento difícil; ser uma situação embara-

çosa. “...o colega de escritório lhe garantiu que Palito Bol é uma parada.”

(DN, 155).

PARAFUSO

Não estar com os parafusos ajustados. Estar com a cabeça desatarrachada;

estar com um parafuso a menos; estar louco. “ – Vamos embora, frei Panta,

que esse aí não está com os parafusos ajustados.” (DL, 7).

PARTE Deixar de partes. Deixar da aparentar inocência; abrir o jogo. “ – Deixe

de partes, vamos!” (1198).

Mandar praquela parte. Mandar para o inferno; mandar à puta que o pariu.

“Quer dizer que a senhora está mandando meu presente praquela parte.”

(DL, 100).

PARTIDA

As sete partidas do mundo. Todo mundo. “Salvaterra, salvação de muita

gente das sete partidas do mundo. (São sete?) .” (BL, 173).

Obs. O número de sete se refere às sete massas continentais: África, Amé-

rica do Norte, América do Sul, Antártida, Ásia, Europa e Oceânia.

PARTIDO

Tirar partido de. Aproveitar de uma oportunidade ou posição vantajosa. “

– Sem essa! Eu a querer salvar o Vai-por-Mim, e o colega pensando em ti-

rar partido da loucura dele!” (1339) Vide também (1143).

PASSAGEM

Diga-se de passagem. É bom que se diga. “O que me parece muito cortês

de sua parte, diga-se de passagem.” (DL, 15).

Page 76: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

75

PASSAR

Passar para trás. Enganar. “Para me ver passada para trás sem a menor

explicação...” (DL, 25).

PASSARINHO

Ver passarinho voar. Não ter o que fazer. “O moço de coração simples es-

tava à beira da estrada vendo passarinho voar.” (1254).

PASSO

A dois passos. Perto. “...chegamos a dois passos da Igreja; o que nos falta é

o sentimento de Deus.” (1013) Vide também (1073; 985).

PATAVINA

Não entender patavina. Não entender nada. “Não entendi patavina.” (DL,

68) Vide também (1320).

PATATI-PATATÁ

Ficar em patati-patatá. Ficar em conversa mole; não atingir nenhum obje-

tivo prático. “Pensei que ele fosse dizer alguma novidade, e ficou nesse pa-

tati-patatá!” (1301).

PAU

Cair de pau em. Espancar. “A gente está acostumada com ele, sabe lidar

com o bichinho, e cai de pau no lombo dele antes que ele ferre a gente...”

(DL, 48) “A Selminha contou ao pessoal, o pessoal caiu de pau em cima do

Bob, e exigiu dele a restituição de...” (BL, 145).

Dar por paus e por pedras. Ter vida muito acidentada; andar sofrendo pelo

mundo afora. “Não pensem vocês aí de Minas, que sou um qualquer levia-

no e estou dando por paus e por pedras sem saber bem o que estou fazen-

do.” (936).

Levar pau. Ser reprovado nos exames. “Porque vestibular enche, sobretudo quando a gente leva pau e começa a pensar, chateado, no vestibular ano que

vem.” (BL, 184).

Com quantos paus se faz uma canoa. O que alguém precisa de saber.

“Com quantos paus se faz uma canoa?” (DL, 64) “Algumas jogavam verde

para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa.” (1318).

PAZ

Se queres a paz, prepara a guerra. Segurança é a melhor garantia de paz.

“Se queres a paz, prepara a guerra.” (DL, 66).

Page 77: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

76

Ao pé do ouvido. Confidencialmente. “Dá a entender que sim, ao pé do

ouvido...” (BL, 135) “Eu não sou jurista, dou meus palpites ao pé do ouvi-

do.” (1270) Vide também (1234).

Não arredar pé. Não se afastar. “Aí o meu eu tijucano, ele é de morte, não

arreda pé da Rua General Roca, meu domicílio global...” (1436).

Botar o pé na estrada. Pôr-se a caminho. “ – Mas antes de botar o pé na

estrada, passe na casa de...” (DL, 89). Dar no pé. Fugir. “ – Acho bom dar no pé – sussurrou um membro da co-

missão a outro.” (1268) Vide também (1378; 1453; DN, 7).

De pé atrás. Cauteloso; prevenido. “O certo é que inspiravam confiança,

ao contrário do que imagina o leitor, habituado a receber de pé atrás a visita

de um desconhecido...” (1286).

Ficar nesse pé. Ficar desse modo; ficar assim. “Ficou tudo nesse pé, até

dois dias depois, quando recebi o documento que...” (1098).

Não dar pé. Ser difícil. “No papel, em imagem, não dá pé.” (1439) “Não

dá pé. Lembra defunto.” (DN, 74) Vide também (DN, 63; 1422).

Pegar pelo pé. Pegar de surpresa; enganar; ludibriar. “...como fazem os

políticos da situação (de qualquer situação) quando o repórter os pega pelo

pé com uma provocada...” (BL, 180). Pé rapado. Indivíduo de baixa classe ou sem recursos. “...era um doutor de

mula ruça, um pé rapado, que espiga!” (1320).

Sem pé nem cabeça. Coisa ilógica ou sem nexo. “Sem pé nem cabeça.”

(DL, 68).

PEÇA

Pregar peças. Armar uma peça; lograr; enganar. “Diverte-se em pregar

peças ao dono e ao próximo...” (DN, 104).

PECADO

Dos meus pecados. Referência à pessoa por quem se preocupa. “Nunca mais pensei com raiva na tal crioula dos meus pecados.” (1388).

Por mal de pecados. Por azar. “...se pudesse deli-lo dos refolhos d’alma,

onde, por mal de pecados, se tatuou inapagavelmente.” (1062).

PEDRA

Atirar a primeira pedra. Acusar em primeiro lugar. “Quem tiver a mesma

idade que eu tinha, e alimentar idênticas ambições, me atire a primeira pe-

dra.” (1459).

Page 78: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

77

Não ficar pedra sobre pedra. Destruir; arrasar completamente. “Não ficará

pedra sobre pedra.” (DL, 68).

PEGAR

Pegar mal. Ser mal aceita uma atitude ou ação; ser mal recebida uma ação

ou atitude. “Pessoal que saiu não pode dar as caras outra vez, pega mal.”

(BL, 216) Vide também (DL, 60).

PEITO Meter os peitos. Atirar-se com coragem a uma empresa. “ – Eu sei, e por

isso meti os peitos.” (DN, 25).

PEIXE

Não ter nada com o peixe. Não ter nenhuma ligação com o caso. “E eu não

tenho nada com o peixe, eu cumpro determinações do alto...” (DN, 80).

Vender o peixe. Cuidar de assunto do interesse pessoal; contar o que ouviu,

sem nada alterar. “Não digo isto para vender o meu peixe.” (DN, 175).

PELE

Salvar a pele. Evitar ser atingido por um perigo. “...(me perdoe, mamãe, se

desprezei os seus ensinamentos, mas era preciso salvar a pele de seu filhi-nho) .” (DL, 119).

PELOTA

Dar pelota. Dar bola; demonstrar interesse; insinuar-se. “Não dá pelota

para a hipótese da terra virar poeira, se um cometa como este que não...”

(1260).

PENA

A duras penas. Com muito trabalho, cansaço ou sacrifício. “Reconhecer

que muitos livros comprados a duras penas...” (1159) Vide também (1171).

Vale a pena. Compensar um sacrifício. “...mandaram a gente para uma ca-sa de saúde em Botafogo, negócio alinhado, valeu a pena.” (1156) Vide

também (949; 999; 1011; 1183).

PENSAR

Não ser o que está pensando. Estar havendo um mal-entendido. “Não sou

o que o senhor está pensando, cavalheiro.” (DL, 68).

Obs. Esta é uma frase de situação. Referindo-se ao contexto ou à situação

em que se dá um diálogo, esta frase pretende evitar que o interlocutor tenha

o falante como uma outra categoria de pessoa, mais ou menos favorável.

Page 79: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

78

PERDER

Não perder por esperar. Frase que pode dar uma esperança ou significar

uma ameaça, conforme a situação do destinatário. “Você não perde por es-

perar.

“ (DL, 68).

PÉROLA

Ser excelente. “Ela diz que sou uma pérola – mas barroca, isto é, imperfei-ta.” (1309).

PERU

Sentir-se peru de natal. Verificar que seu destino certo é cruel. “É como a

gente sentir-se peru de Natal. Engordado para... Não!” (1267/8).

PESTANA

Tirar uma pestana. Dormir; tirar um cochilo. “Numa terra em que há uma

noite cada sete dias, em que ninguém consegue tirar uma pestana...” (OC,

874).

PETA Pregar peta. Mentir. “Macacos me mordam se estou pregando peta.”

(1320).

PEZINHO

Dar no pezinho. Dar no pé rapidamente; fugir depressa. “...mas se a chama

de cobaia, vê nesse nome conotações ingratas, e dá no pezinho.” (1373).

PINDAÍBA

Estar na pindaíba. Estar na embira; estar em dificuldades financeiras.

“...(ouço ainda a voz dos mais velhos: Estou numa pindaíba danada!) ...”

(BL, 51). Ficar na pindaíba. Ter apertos financeiros; ficar sem dinheiro. “...pois isso

evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus

fosse servido.” (1320).

PINGA

Dar de pinga. Dar de quebra ou como agrado. “Daí se perder as estribei-

ras por uma tutaméia, um alcaide que o caixeiro nos impingia, dando de

pinga um cascão de goiabada.” (1320) “Vá lá, pode derrubar ainda umas

três ou quatro, de pinga.” (DN, 114).

Page 80: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

79

PINGO

Pôr os pingos nos is. Deixar tudo esclarecido. “Não vou a encontro ne-

nhum enquanto você não me responder esta carta, me tratando de Violeta e

não de Violante, e pondo os pingos nos is, como dizia minha vó...” (DL,

23).

PINHAL

Nos pinhais da Azambuja. Lugar, casa ou repartição onde se perpetram muitas ladroeiras. “Nessa teia de enganos, não faltou quem achasse a se-

qüestrada, tanto nos Pinhais de Azambuja como na Casa de Orates, e ainda

no Asilo Inviolável do Cidadão.” (DL, 81).

PIRA

Dar pira. Sair; afastar-se. “ – Rápido, pessoal, vamos dar o pira que isto

aqui...” (DN, 113).

Pó de perlimpimpim. Pó dotado de propriedades ou virtudes mágicas; me-

zinha miraculosa. “...melhor ainda, ter uma caixinha de pós de perlimpim-

pim, pois isso evitava de levar a lata, ficar na pindaíba ou...” (1320). Virar pó. Decompor-se; desaparecer. “E o que era poder no tempo virou

pó. O que era riqueza nos abismos virou pó.” (1274).

POMAR

Avançar em pomar alheio. Roubar ou usar indevidamente qualquer coisa

ou propriedade alheia. “Que estava lá sabe que só executei umas coisinhas

de minha lavra, pois não sou de avançar em pomar alheio...” (1340).

PONTA

Andar na ponta dos pés. Andar com muito cuidado, para não fazer barulho.

“Andando na ponta dos pés, ou descalços, levamos tropeções no escuro, mas sendo por amor de Pedro, não tinha importância.” (1258).

Com a ponta do pé. Grosseiramente; sem esmero de técnicas. “Porque a

primeira Itabira, a Itabira do ouro, essa não tinha outra forma senão a que

lhe traçaram, com a ponta do pé, os desbravadores...” (948).

De ponta a ponta. Do princípio ao fim; de cabo a rabo. “Esclareço a Teo-

dorico que não leio de ponta a ponta, mas sempre abro ao acaso, leio uma

página ou umas linhas...” (1172) Vide também (991).

Na ponta da língua. Bem decorado; bem sabido; sem vacilar. “Mas ele tem

resposta na ponta da língua...” (1334) Vide também (BL, 184).

Page 81: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

80

PONTA-CABEÇA

De ponta cabeça. De cabeça para baixo. “...foi lançado na água, de ponta-

cabeça, e até hoje não deu notícia.” (OC, 831) Vide também (1239).

PONTEIRO

Acertar os ponteiros. Colocar os pontos nos is; chegar a um acordo ou a um

entendimento. “...se na hora de acertar os ponteiros você me vem com essa

história de que amor não deve ser objeto de contrato...” (DL, 36).

PONTINHA

De pontinha (da orelha) . Muito bom; de boa qualidade. “...levar o polegar

e o indicador da mão direita (salvo se for canhoto) ao lóbulo da orelha e ex-

clamar: – É da pontinha!” (1410).

PONTO

Em ponto de bala. Em excelentes condições; bem treinado; pronto para en-

trar em atividade ou para ser utilizado. “...o Orador Nato, que se preparava

para incendiar o auditório com meia dúzia de Tropos de Retórica em ponto

de bala.” (DL, 80).

Entregar os pontos. Render-se; dar-se por vencido. “Isto é, podia. Eu é que entreguei os pontos.” (1245).

Não dar ponto sem nó. Não meter prego sem estopa; ser interesseiro. “Não

dá ponto sem nó.” (DL, 68).

Ponto de vista. Opinião. “Do ponto de vista nacional, apraz-me colocar a

poesia...” (1050) Vide também (BL, 110).

Ponto facultativo. Dia em que é facultativo o trabalho nas repartições pú-

blicas. “Estabelecido legalmente o feriado, sob a forma veludosa de ponto

facultativo nas repartições...” (DL, 102).

Pôr ponto final em. Encerrar; dar por encerrado. “ – Acho melhor pôr pon-

to final nesta discussão – disse Lucrécia.” (DL, 46).

PONTO-E-VÍRGULA

Não entender ponto-e-vírgula. Não entender vírgula, patavinas, bulhufas,

nada. “A fila chegou ao guichê, o papo acabou, e eu não entendi ponto-e-

vírgula do que os dois disseram.” (DL, 73).

Obs. Esta forma da frase é uma modificação estilística da frase não enten-

der vírgula, correspondente a um antiprovérbio.

PORTA

Page 82: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

81

Bater à porta errada. Pedir alguma coisa a alguém que não tem condições

de atender, por não ter competência para tal. “ – E o namorado? – pergun-

tei, desistindo de esclarecer que ela batera à porta errada.” (BL, 42).

POSTO

Entregar os postas. Desistir. “ Mais sem força, mais entregando os postos.

O meu ordenado...” (1381).

POTE Chover a potes. Chover torrencialmente. “Chovia, não direi que a potes,

mas a bules de chá, e a moça disse que ia dar uma circulada por aí.” (DN,

42) “Em janeiro choveu a potes na cidade, mas...” (1336).

POUCO

Dizer poucas e boas. Dizer malcriações ou desaforos. “Pois me dá depres-

sa o chapéu para eu ir lá dizer poucas e boas!” (1219).

PRATO

Cuspir no prato em que comera. Não prezar os favores recebidos, tornan-

do-se ingrato. “Não sou daqueles que cospem no prato em que comeram.”

(DL, 68) Vide também (1320). Por em pratos limpos. Esclarecer. “...depois de fintar e engambelar os

coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco.”

(1320).

PRAZER

O prazer é todo meu. Resposta cortês a alguém que diz ter prazer em co-

nhecer pessoalmente uma pessoa, ou em qualquer situação que se faz seme-

lhante afirmação. “O senhor vai querer saber mais alguma coisa? Foi um

prazer. – O prazer é todo meu.” (BL, 213) “Oh, o prazer é todo meu.” (DL,

75).

PRECISÃO

Não guasqueies sem precisão nem grites sem ocasião. Seja comedido, não

se apressando nem criando confusão desnecessária; provérbio gaúcho que

desaconselha precipitações ou pressa. “ – Não guasqueies sem precisão

nem grites sem ocasião, homem!” (1333).

Obs. Guasquear é fustigar com guasca ou outro açoite.

PREÇO

Page 83: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

82

A preço de banana. Muito barato; a preço de galinha morta. “Prefigurei o

leilão, as ilusórias cadeiras, o motor ilusionante, arrematados a preço de ba-

nana...” (DL, 83) “Um corretor ofereceu-me um apartamento supersensaci-

onal na Praça Saens Peña e outro, piramidal, na Estrada do Tumba, tudo a

preço de banana-prata...” (DN, 14) Vide também (BL, 181).

O preço da liberdade é a eterna vigilância. Se deseja a paz, prepare-se para

a guerra. “Não mate a árvore, pai, para que eu viva! O preço da liberdade é

a eterna vigilância!” (DL, 63).

PREGO

Não meter prego em estopa. Ser prevenido; não fazer nada antes de verifi-

car se o resultado será certo. “Não mete prego sem estopa.” (DL, 68).

Obs. Segundo CABRAL, T. (1982) s.v., não meter prego em estopa é me-

nos usada, mas é mais lógica e mais ajustada ao seu sentido.

PRIMAVERA

Completar primaveras. Fazer aniversário. “Não faziam anos: completavam

primaveras, em geral dezoito.” (1318).

PROVA

Até prova em contrário. Provisoriamente. “ – Cale-se. Até prova em con-trário, o senhor pode ser um criminoso.” (DL, 110) Vide também (DL, 116).

QUALQUER

Não ser para qualquer um. Ser difícil. “A técnica de chorar, que não é pa-

ra qualquer um?” (DL, 125).

QUANDO

De quando em quando. Uma vez ou outra. “De quando em quando, a mesa

interrompia os trabalhos, para jogar peteca ou dar um mergulho.” (1081).

QUÊ Sem quê nem praquê. Sem motivo plausível; sem razão justa; por motivo

fútil. “Sem quê nem praquê.” (DL, 68).

QUERER

Quem quer que seja. Qualquer pessoa; nenhuma pessoa. “Não dá bola a

cartões-postais. Ou a quem quer que seja.” (DL, 91).

Quero ver, mas quero ver. Quero ver urgente e perfeitamente. “...e quero

ver, mas quero ver quem derruba minha casinha!” (1088).

Page 84: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

83

QUESTÃO

Questão de ordem. Em assembléias deliberativas, aquela que versa sobre o

encaminhamento dos trabalhos. “...o Equilíbrio Orçamentário e a Instrução

Moral e Cívica levantavam questões de ordem e eram aparteados...” (DL,

79).

QUINHENTOS

Ser outros quinhentos. Coisa muito melhor ou muito diferente. “Mas o gc

do Primeiro Ministro Chamberlain, da Grã-Bretanha, são outros quinhen-tos...” (DN, 105) “Talvez não pudesse, mas isso eram outros quinhentos.”

(1266).

QUINTOS

Nos quintos dos infernos. Bem longe; em lugar bem ruim. “ – Vá ser boni-

ta assim nos quintos dos infernos, puxa!” (1079) ‘...’vá fazer calor assim

nos quintos dos infernos’ e outras que tais...” (BL, 141).

RABICHO

Estar de rabicho. Estar apaixonado. “E a moçoila, que começava a nutrir

xodó por ele, que estava de rabicho, caía das nuvens.” (1320).

RABO

Bater com o rabo na cerca. Morrer. “...todo mundo acabava mesmo baten-

do com o rabo na cerca, ou simplesmente a bota, sem saber como descalçá-

la.” (1321).

Olhar com o rabo do olho. Olhar disfarçadamente; olhar de esguelha.

“Embaraçado, limitei-me a olhá-la com o rabo do olho, pois íamos no mes-

mo frescão...” (BL, 34).

Com o rabo entre as pernas. Acovardado; retraído; amedrontado; humilha-

do. “Saí de lá com o rabo entre as pernas e nunca mais entro em concurso

nenhum neste Rio de Janeiro.” (1401).

Pregar rabo em nambu. Fazer algo inútil; perder tempo com uma emprei-tada. “Não responda a ataques de quem não tem categoria literária: seria

pregar rabo em nambu.” (1184).

RAIMUNDO

Se eu me chamasse Raimundo. Se as coisas fossem diferentes; se a situação

fosse outra. “...se eu me chamasse Raimundo, seria talvez a solução.” (DL,

60).

RAPA

Page 85: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

84

Rapa do tacho. O filho mais novo; o caçula. “A filha mais nova, nascida

depois de longo intervalo, encantava-o: um dia, brincando com ela, esque-

ceu-se e chamou-a de netinha; era a ‘rapa do tacho’.” (1212).

RARO

De raro em raro. Muito raramente; lá uma vez ou outra. “Brotam-lhe de

raro em raro pensamentos lúbricos...” (910) Vide também (1198; 1199).

RECADO Dar seu recado. Dar conta do recado; cumprir a contento sua obrigação;

dizer o que devia ser dito ou fazer o que devia ser feito. “’O máximo’, ‘o

maior’ deram seus recados.” (1411).

REMÉDIO

Não ter outro remédio. Ser a única solução possível. “João não teve outro

remédio senão declinar sua extinta importância...” (BL, 197).

RESTO

Aprender para o resto da vida. Aprender bem ou definitivamente. “...eu

ainda não tinha muita experiência de jacaré, facilitei, pronto: gurugutu, mas

aprendi pro resto da vida...” (DL, 49) Vide também (DL, 23).

RETIRADA

Bater em retirada. Ir embora; desistir; fugir. “Espantado com a reação, o

pseudofumante bate em retirada, a menos que...” (DL, 119).

RITMO

Em ritmo de tartaruga. Muito lento; sem a menor pressa. “Ultimamente, as

coisas vêm mudando, umas em ritmo de tartaruga, outras em ritmo de cáp-

sula espacial.” (1422).

RUA Na rua da amargura. Em difícil situação; em prolongada situação aflitiva.

“O Diacho eram os filhos da Candinha: quem somava a candongas acabava

na rua da amargura...” (1320).

Botar na rua. Expulsar; pôr no olho da rua. “Pra me botar na rua no dia

seguinte e me procurar outra vez...” (DL, 23).

SABER

Eu é que sei? Não sei. “ – Eu é que sei? Só posso dizer que a coisa está

preta.” (BL, 101).

Page 86: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

85

Não sei onde estou que não. Ameaça de agressão, seguida da descrição da

forma de agressão pretendida. “Não sei onde estou que não lhe quebro a ca-

ra.” (DL, 68).

Não sei o quê. Forma de descartar a descrição ou nomeação de alguma coi-

sa, principalmente ao final de uma série. “Mulher carioca exige coisas de-

mais, desde geladeira a TV a cores, é um tal de cabeleireiro, de festas, de

não sei o quê...” (DL, 60) Vide também (DN, 33).

Não saber o que dizer. Não estar seguro quanto à conveniência de se dizer

ou ao que dizer. “Não sei o que diga.” (DL, 68). Obs. Há inúmeras formas variantes, em que se acrescenta uma palavra ou

expressão à forma básica não sei o que, como os exemplos que se seguem:

“Fica aí com essas milongas de Caetano, Gil e não sei que mais...” (1365)

“Inculpam-no de vacilação, timidez, frustração e não sei que outros peca-

dos...” (998) “Se o banco falir, o carro enguiçar, a canoa virar, a vaca for

pro brejo, nem sei o que será de nós, Madalena.” (DL, 67).

O que sabe das coisas. Referência à pessoa entendida do assunto em ques-

tão. “ – Tonerre de Dieu é assim – explicou o que sabia das coisas.” (DN,

50) “ – Ué, o senhor é o entrevistado, o que sabe das coisas.” (DN, 98) Vide

também (1382/3; 1461).

Quem sabe? Não sei; duvido; pode ser. “Quem sabe se mesmo à noite eu

poderia tranqüilizá-la?” (1152) Vide também (951; 955; 1461). Sabe como é? Entende? Sacumé? “...e filho da gente, por mais que cresça

e apareça, é sempre uma plantinha mimosa, sabe como é?” (DL, 50 “Padre

mesmo, desses de batina, sacumé?” (1401) Vide também (1436; BL, 54).

Sabe com quem está falando? Forma de ameaça feita por pessoa que se jul-

ga uma autoridade. “Mas quem é você? Sabe com quem está falando?”

(DL, 64).

Saber de experiência feito. A verdadeira sabedoria, que tem por fundamen-

to a prática e não a teoria. “Durante o não, andou por Manguinhos e Butan-

tã, trabalhou em laboratórios, adquiriu saber de experiências feito.” (1372)

Vide também (1232).

Sei lá. Não sei; duvido. “Essa gente é meio maluca, sei lá se elas levam mesmo o garoto para casa?” (1129) “Sabe lá que espécie de viúva é essa?”

(DN, 172) Vide também (1209; 1437; DN, 15; DN, 33).

SABUGO

Até o sabugo da alma. Profundamente; muito bem. “...pula feito macaco,

está exausto até o sabugo da alma; entretanto, quando o sol se recolhe, ele

não faz o mesmo.” (1124).

SAGRADO

Page 87: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

86

Por tudo quanto é sagrado. Por amor de Deus. “...arregalando os olhos,

suplicou-me, por tudo quanto fosse sagrado para mim, que não contasse a

ninguém.” (1076).

SAIR

Daqui não saio, daqui ninguém me tira. Ser intransigente numa posição;

expressão do desejo de continuar numa posição vantajosa. “...que o condu-

ziu a uma pedreira, e lá faz greve de fome. De lá não sai, de lá ninguém o

tira.” (DL, 59).

SALAMALEQUE

Cheio de salamaleques. Cheio de mesuras exageradas ao cumprimentar as

pessoas; cortesia exagerada. “Luva-de-Pelica, um todo cheio de salamale-

ques, perdera 15 e teve de voltar para Miracema.” (1316).

SARDINHA

Tirar sardinha com mão de gato. Servir-se de terceiros para proveito pró-

prio. “...exortou-me a botar a mão na consciência: não estaria eu querendo

tirar sardinha com mão de gato?” (DL, 139).

SEDE Não vá com tanta sede ao pote. Calma; não deixe para a última hora o que

pode ser evitado. “Não vá com tanta sede ao pote.” (DL, 68).

SEGURO

O seguro morreu de velho. Segurança não se excede; é melhor prevenir do

que curar. “Apenas a Marcha da História, em companhia da Pausa Para

Meditação e do Seguro Morreu de Velho, se recolhera...” (DL, 82).

SER

Era só o que faltava. Só faltava essa. “Esqueci a pílula! Era só o que fal-

tava!” (DL, 64). Quem sou eu. Não tenho competência. “ – Quem sou eu para decretar feri-

ado, Zefa.” (DL, 101).

Se eu fosse você. Em sua posição. “O problema é que se correr o bicho pe-

ga, se ficar o bicho come. Bom, se eu fosse você...” (DL, 66).

Ser e acontecer. Fazer vantagem; conseguir sucesso. “Há por aí uma plan-

ta chamada amor-por-um-dia, que não carece muito esforço para ser e acon-

tecer, como doidivanas.” (DL, 85).

Page 88: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

87

Ser e não ser. Mais ou menos; não estar muito bem definido. “ – É uma

invenção nacionalista? – É e não é.” (DN, 51) “V. Exa. vai ser e não ser,

qual novo Hamleto.” (1097).

Ser ou não ser. Situação duvidosa, de indecisão. “Afinal de contas, a cal-

çada é ou não é do povo?” (BL, 38).

SERAPIÃO

Comigo não, Serapião. Não me meta nesse negócio. “Caubi passava a mão

na testa, alisava-a, determinado: ‘Comigo não, Serapião’.” (DL, 60).

SÉRIE

Fora de série. Extraordinário; incomparável. “...essas manhãs fora de sé-

rie, que maio-junho dão de graça ao carioca, para compensá-lo dos vinagres

da vida-cão.” (DN, 153) Vide também (1411; DN, 153).

SÉRIO

Levar a sério. Dar crédito; acreditar em. “Como posso levar a sério um

homem doidamente apaixonado por mim que...” (DL, 28) Vide também

(DL, 25).

SERVIÇO Não brincar em serviço. Levar a sério o que faz; considerar o objeto em

questão em si mesmo. “Desça a serra e não brinque em serviço.” (1347).

SEXO

Apurar o sexo dos anjos. Discutir sobre coisas óbvias; pesquisar a respeito

de algo sobre que já se sabe tudo; tratar de problema inexistentes. “E o sexo

dos anjos, já se apurou se tem?” (DL, 66).

SILVA

Da silva. É muito freqüente o emprego a expressão constituída de um adje-

tivo na forma diminutiva seguido de da silva, significando: inteiramente; totalmente; de todo. “Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, relu-

zia vivinho da silva, com uma fome danada?” (1234) “Já sei, quer me botar

maluquinha da silva por você, com essa jogada...” (DL, 23) Vide também

(1437).

SIM

Sim e não. Situação ambígua ou intermediária; nem contra nem a favor,

muito antes pelo contrário. “ – Sim e não. – Sim e não, como?” (BL, 42).

Page 89: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

88

Pelo sim pelo não. Por não haver decisão ainda; em qualquer caso. “Pelo

sim pelo não, estou tirando meu passaporte.” (1397).

SINAL

Avançar o sinal. Desrespeitar o regulamento; atrever-se. “Só não trouxe

Lucinéia consigo porque ele não é de avançar o sinal.” (DL, 60).

Dar sinal de vida. Aparecer. “Você prometeu conversar comigo sobre nos-

sos problemas e até agora não deu sinal de vida.” (DL, 38).

SOCO

Ser um soco na cara. Ser decepcionante; ser extremamente desagradável.

“Foi um soco na cara aquela foto. Roubei, não nego, essa prova terrível...”

(DL, 27).

SOMBRA

De boa sombra. Simpaticamente; amavelmente. “A Paulo Bittencourt, que,

no Correio da Manhã, recebeu de boa sombra estes escritos.” (1073) Vide

também (1014).

SOPA

Não deixar a sopa esfriar. Iniciar imediatamente; começar logo. “Vamos, governe já, governe logo, não deixe a sopa esfriar.” (BL, 136).

SUSPIRO

Exalar o último suspiro. Morrer; entregar a alma ao Criador. “Foi aliás o

que me recomendou meu pai, ao exalar o último suspiro...” (1325).

TÁBUA

Levar tábua. Ser rejeitado; receber resposta negativa a um pedido de casa-

mento. “E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir

pregar em outra freguesia.” (1318).

TAL

E tal e coisa. E outras coisas; etc.; e coisa e tal; e mais alguma coisa, que

não se precisa enumerar. “...racionalizar todos os atos de nossa vida (e a do

próximo) sob o critério exclusivo da eficiência, produtividade, rentabilidade

e tal e coisa.” (BL, 199) Vide também (DL, 10).

Que tal. Semelhante; idêntico. “Na impossibilidade de elucidar definitiva-

mente dúvidas que tais, mas também...” (1010).

Que tal? Qual a sua opinião a respeito deste assunto? “Que tal a Liza Mi-

nelli, em Cabaret?” (1410).

Page 90: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

89

Tal qual. Muito parecido; do mesmo modo; exatamente o mesmo, em sua

essência. “A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a

deixaram...” (CB, 53).

TAMANHO

Tamanho família. Muito grande; exagerado. “ – O Neco é um sem-

vergonha tamanho família.” (DL, 15).

TEMPO Cada coisa em seu tempo. Frase com que as pessoas são lembradas sobre

as vantagens e conveniências de que haja ordem na execução das tarefas.

“Cada coisa em seu tempo, e todo assunto, para ser bem considerado, deve

ser decomposto em partes, ordenadamente.” (BL, 30).

Cada coisa no seu tempo e lugar. Frase com que se exortam as pessoas a

usarem o lugar adequado e o momento mais conveniente para executar suas

tarefas. “ – Cada coisa no seu tempo e lugar. Reforma não é revolução.”

(BL, 203).

Levar tempo. Demorar. “A página passou a interessar tão acentuadamente

o Sr. Borges que ele levou tempo para dizer...” (1407) Vide também (BL,

204).

Matar o tempo. Provocar perda de tempo; passar o tempo. “...citam Juve-nal e Cícero e acabam discutindo para matar o tempo.” (OC, 624) “...à falta

de atentados sangüinolentos a cometer, ele mata calmamente o tempo.”

(1415).

No tempo da vó da vó da nossa vó. Em tempo remotíssimo. “Isso nas ilhas

do Pacífico, no tempo da vó da vó da nossa vó, mas aqui na Zona Sul, dian-

te de...” (BL, 184).

Os tempos mudaram. Os tempos são outros; em novos tempos, são necessá-

rios novos métodos, novas técnicas. “É verdade que os tempos mudaram,

do século III para cá.” (DL, 105).

Obs. Camões, no século XVI, já escolhera este tema para um lindo soneto,

que transcrevemos da edição de Joaquim Ferreira:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança;

Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades.

Page 91: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

90

O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto. E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.”

(FERREIRA, J. Sonetos de Camões, 3ª ed. Porto, Domingos Barreira [s.d.] p. 97).

Rolaram os tempos. Depois de muito tempo. “Rolaram os tempos, e a mui-

ta insônia cívica devem ter assistido os pesados móveis...” (1092).

Sem tempo a perder. Sem se esforçar inutilmente; visando a aproveitar o

tempo. “Sem tempo a perder, procurou o essencial; dosagem, e como pre-

parar a isca.” (BL, 15).

Tudo a eu tempo. Cada coisa no seu tempo; há tempo para tudo. “ – Cal-

ma, tudo a seu tempo.” (DN, 23).

TER

Não ter de quê. Não há de quê; de nada; forma cortês de responder a al-

guém que agradece alguma coisa. “ – Falarei também a meu marido. Obri-

gada pela colaboração. – Não tem de quê.” (BL, 30) Vide também (BL, 70).

Ter mais que fazer. Ter que fazer; ter mais o que fazer; ter o quer fazer; ser

uma pessoa ocupada. “– Ah, mas agora sou eu que não penso em casamen-

to. Tenho mais que fazer.” (1191) Vide também (DL, 4).

Tenho para mim que. Suponho que; acho que; é minha opinião que. “Te-

nho para mim que a luzinha vermelha de Exu brilhava no farolete do car-

ro...” (1071) Vide também (BL, 91).

TINTIM

Tintim por tintim. Detalhadamente; minuciosamente. “...contavam tudo

tintim por tintim e iam comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas.” (1319).

TINTURA

Ter uma tintura rala de. Conhecer superficialmente; saber um pouco de.

“Se você tivesse uma tintura rala de latim e grego, em vez de passar pelas

humanidades como motorista de ônibus pelo sinal vermelho...” (DL, 74).

TIRO

Page 92: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

91

Ser tiro e queda. Ser eficiente; não falhar; ser como água no fogo. “Eu não

experimentei, mas um amigo meu afiançou que é tiro e queda.” (BL, 15).

TIRTE

Sem tirte nem guarte. Sem cerimônia; sem prévio aviso. “Às vezes, sem

tirte nem guarte, aparecia um doutor pomada, todo cheio de nove horas...”

(1320) Vide também (DL, 68).

TITIO Não se esqueça aqui do titio. Lembre-se de mim. “Vá lá, pode derrubar

ainda umas três ou quatro, de pinga. Mas não se esqueça aqui do titio,

hem.” (DN, 114).

Obs. Com a palavra papai e a palavra mamãe lembrariam o aspecto ma-

chista e feminista, respectivamente, titio ou titia lembra a idade madura e a

relação afetiva. Em todos estes casos, os substantivos correspondem à pri-

meira pessoa, ao falante.

TOCAR

Não me toques. Expressão de asco ou de melindres. “Não me toques.”

(DL, 67).

Tocar pra frente. Esquecer o passado; prosseguir. ‘assim, em plena flores-ta de exclamações, vai-se tocando pra frente.” (1379).

TODAS

Estar em todas. Estar em evidência; ser o centro de atrações. “...riram de

mim, e agora, pelo que vejo, estou em todas.” (DN, 134).

TONA

Voltar à tona. Reaparecer. “Insinuava o mesquinho desejo de voltar à tona,

impelido pela lei geral.” (1247) “Pois não é que o ex-marido voltava à toda,

com seus sinais particulares, seu modo de falar, seu jeito de ser e viver?”

(DL, 57).

TOQUE

A toque de caixa. Festivamente; apressadamente. “As eleições vêm aí a to-

que de caixa, e, depois delas, novas eleições.”(1097).

TRAMONTANA

Perder-se a tramontana. Desorientar-se; desgovernar-se; descontrolar-se;

atarantar-se. “Era natural que com eles se perdesse a tramontana.” (1319).

Page 93: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

92

Obs. João Ribeiro afirma que “o norte para antigüidade era uma noção de

pequena importância... Como ficava para além dos montes, chamou-se em

certo tempo tramontana, na língua dos pilotos genoveses e venezianos...

Daí a frase ‘perder a tramontana’, perder o norte, o rumo certo.” Vide RI-

BEIRO, J. (1963) p. 62/3.

TRAPINHO

Separar os trapinhos. Largar-se, o casal; desquitar-se; divorciar-se. “De-

pois separamos nossos trapinhos e a vida continua.” (BL, 123). Obs. Juntar os trapinhos é a forma normal, que significa casar-se, ajuntar-

se, viver maritalmente com alguém.

TRIPA

Fazer das tripas coração. Fazer todo o possível; fazer um grande esforço;

dispor-se a enfrentar perigos e adversidades, desprezando situações humi-

lhantes ou repugnantes. “Faça das tripas (há quem prefira das entranhas)

coração, e, garanto, lá um dia será feliz.” (1383).

TUDO

Ou tudo ou nada. Situação ou posição extremista; situação de extremo ris-

co. “...só para deixar passar o Chevrolet 54, mas Cyro foi irredutível: ou tudo ou nada.” (1178).

Tudo como dantes, no quartel de Abrantes. Nada foi alterado. “A reforma

não deve reformular a forma. Deve confirmá-la. – Tudo como dantes, no

quartel-de-abrantes?” (BL, 204).

Tudo virá a seu tempo. Tudo a seu tempo; cada coisa em seu tempo; não há

motivos que justifiquem o atropelamento do tempo. “Mas para que tanta

pressa? Tudo virá a seu tempo, e se não for agora, como foi em 1898...”

(946).

TUGIR

Não tugir nem mugir. Não reclamar; calar. “Não tugiu nem mugiu.” (DL, 68) “Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir.”

(1320).

TUTAMÉIA

Por uma tutaméia. Por uma tuta-e-meia; por uma ninharia; por quase nada.

“Daí se perder as estribeiras por uma tutaméia, um alcaide que o caixeiro

nos impingia, dando de pinga um cascão de goiabada.” (1320).

Obs. Compare o que diz João Ribeiro: RIBEIRO, J. (1960) p. 170 e FER-

REIRA, A.B.H. [s.d.] s.v.

Page 94: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

93

UM

Se um não quer dois não brigam. Numa briga, ninguém tem toda a razão.

“Pois é, se um não quer, dois não brigam.” (DL, 66).

Um por todos, todos por um. União perfeita; completa integração de forças.

“Assim, Touro, Virgem, Áries e Sagitário ficam inteiramente harmonizados,

cada um na sua, por todos por um.” (1406).

Dar uma de. Fingir-se; querer ser. “Marquinhos roubou a margarida, quis

dar uma de poeta.” (DN, 63) “Melhor você não dar uma de contestadora, e entrar na jogada.” (DN, 133) Vide também (DN, 69).

Umas e outras. Algumas doses de bebida alcoólica. “Todas as noites, de-

pois de ingerir uma e outras, sente necessidade de dizer-me pelo telefone

palavras amáveis...” (1170).

USAR

Usar e abusar. Fazer uso excessivo; usar indevidamente. “Porém seu mau-

humor nunca foi maior que o meu, que usei e abusei de seus serviços com

impaciência...” (1244).

VACA

Aí é que a vaca foi pro brejo. Neste ponto é que vai tudo a perder. “No fim, está aí o neologismo, e aí o neologismo é que – desculpe a expressão,

que não costumo usar, mas me deu vontade – aí é que a vaca vai pro brejo.”

(DN, 99) “Se o banco falir, o carro enguiçar, a canoa virar, a vaca for pro

brejo, nem sei o que será de nós, Madalena.” (DL, 67) “E se a vaca for pro

brejo? (DL, 66).

VACA-FRIA

Voltar à vaca-fria. Retornar ao assunto principal duma conversa. “Mas

voltando à vaca-fria: nenhuma esperança para as próximas vagas?” (1109).

VALER Ser para valer. Não ser de brincadeiras; não temer as conseqüências. “O

anúncio é pra valer ou não é?” (1243).

VER

A meu ver. Em minha opinião. “A meu ver, a insubmissão dos filhos aos

pais é fenômeno que envolve...” (DN, 17) Vide também (1053; 1057).

Não ter nada a ver. Não interessar; não ser da conta de. “Bem, este assun-

to é particular, os senhores e senhoras aqui presentes não têm nada a ver

com isso.” (BL, 61).

Page 95: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

94

Não ter nada que ver. Não ter nada a ver; é outro assunto. “...é uma ima-

gem poética e daí isso não tem nada que ver com mineiro...” (BL, 53).

Quem te viu e quem te vê! Como estás diferente! Expressão usada ao se re-

ver uma pessoa depois de muito tempo, já com idéias ou aspecto físico mui-

to diferente. “Quem te viu e quem te vê! Átila, você é bárbaro!” (DL, 64).

VERDE

Jogar verde para colher maduro. Insinuar ou afirmar algo, conduzindo a

conversa para determinado assunto, a fim de apurar o que tenciona saber; obter informações indiretamente. “Algumas jogavam verde para colher

maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa.” (1318).

VÉSPERA

Ninguém morre na véspera. Nada acontece fora de seu tempo próprio; tudo

tem seu tempo. “ – Não é bem com a morte dele, afinal ninguém morre na

véspera, a hora é a hora.” (BL, 216).

VEZ

Até outra vez. Despedida de quem pretende retornar; resposta a esta expe-

dida. “Bom, tudo legal. Até outra vez.” (DL, 56)

Cada vez mais. Progressivamente mais. “– Eu disse isso? Você esta cada vez mais por fora.” (DL, 131) Vide também (DL, 73).

De uma vez por todas. Definitivamente. “Exijo que fique e resolva de uma

vez por todas esta situação.” (DL, 46)

De vez em quando. Freqüentemente. “De vez em quando eu tiro e contem-

plo esse casal embolado na areia da praia.” (DL, 27)

Era uma vez. Terminava; tinha fim. “...13 de maio, e era uma vez o cati-

veiro; 14 de julho, viva a queda da Bastilha!...” (1103)

Lá de vez em quando. Uma vez ou outra; periodicamete. “Os que... nos

impacientavam lá de vez em quando...” (1105) Vide também (1155).

VIDA Cuidar da vida que a morte é certa. Não é necessário cuidar da morte.

“Todos têm que cuidar da vida que a morte é certa.” (DL, 50)

E a vida continua. Nem por isso a vida se extingue. “Depois separamos

nossos trapinhos e a vida continua.” (BL, 123)

Ser da vida. Ser normal, natural ou comum. “Amigos me informam que o

serviço costuma levar seis meses, e não por moleza dos oficiais. É da vida.”

(1175)

VILA-DIOGO

Page 96: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

95

Dar às de Vila-Diogo. Fugir rapidamente. “Encontravam alguém que lhes

passava manta e azulava, dando às de Vila-Diogo.” (1318)

VIOLÃO

Comigo não, violão! Afaste-se, satanás! Comigo não, Serapião! “Do alto

destas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam! Comigo não, violão”.

VIR

Isso não vem ao caso. Isso não interessa, neste caso. “...fica com pena da gente gastar o dinheiro com os livros de sua livraria. Mas isso não vem ao

caso.” (1430)

Não vem que não tem. Não se meta comigo. “Não tenho que lhe dar satis-

fação! Não vem que não tem!” (DL, 64)

VÍRGULA

Não entender vírgula. Não entender nada. “Em segundo lugar, não entendi

nem uma vírgula de sua carta...” (DL. 22)

Não falar vírgula. Não falar nada. “Estas é que são as melhores figuras do

elenco; não falam vírgula...” (1466)

VISITA Não pagar nem visita. Ser péssimo pagador. “Ele não paga nem visita.”

(DL, 68)

VISTA

Perder de vista. Ficar muito distante; deixar de ser visto. “...que Saint-

Hilaire observou, com as montanhas a se perderem de vista...”

VIVER

Vivendo e aprendendo. Quanto mais se vive mais se aprende. “Vivendo e

aprendendo – concluiu Andréia, voltando à paz e à ventura de morar sozi-

nha.” (BL, 17) “Ilmo. colunista. Vivendo e aprendendo. Caí das nuvens lendo vosso relato...” (BL, 23)

VOLTA

Dar a volta por cima. Contornar um problema, superando-o. “Não costu-

mo bancar o infeliz em amor. Sei perder e dar a volta por cima.” (DL, 30)

Dar uma volta. Dar um passeio. “Vamos dar uma volta geral?” (DL, 72)

VOU-TE-CONTAR

Que vou-te-contar. Expressão enfática que se usa no meio de uma narrati-

va. “É uma taxa de desemprego que vou-te-contar.” (BL, 103) “...que vou

Page 97: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

96

te contar.” (1259) (Vide CONTAR)

XODÓ

Nutrir xodó (por alguém). Estar apaixonado; estar enamorado; ser amante

de. “E a moçoila, que começava a nutrir xodó por ele, que estava mesmo de

rabicho, caía das nuvens.” (1320)

X.P.T.O.

X.P.T.O. London. Excelente; de ótima qualidade; XPTO. “...a casimira ti-nha que ser superior e mesmo X.P.T.O. London...” (1319) “Em tempos

mais remotos, batizava-se deste modo o objeto da melhor qualidade: – É

X.P.T.O. London.” (1410)37

ZERO

Estar a zero. Estar arruinado; estar a nenhum. “– Então estamos a zero. –

Zerinho quilômetro.” (DL, 86)

ZORRA

Ser uma zorra global. Ser uma grande confusão; ser uma confusão genera-

lizada; ser uma zorra total. “...senão de repente ele solta uma faixa de Billy

Cohbam, e aí é uma zorra global, entende?” (DL, 95).

Ser uma zorra total. Ser uma zorra global. “Vocês sabem? Era uma zorra total.” (DL, 86).

37 XPTO Cartacho é o seu antônimo, segundo ensina João Ribeiro: RIBEIRO, J. (1960) p. 142.

Page 98: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

97

APÊNDICES:

1 – Antigamente I (PP, 1318-1319).

2 – Antigamente II (PP, 1320-1321).

3 – O Homem, Animal Exclamativo (DL, 63-64).

4 – O Homem, Animal que Pergunta (DL, 64-66).

5 – O Homem e suas negativas (DL, 67-69).

6 – Dizer e suas Conseqüências (DL, 69-70).

Page 99: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

98

ANTIGAMENTE

Carlos Drummond de Andrade

I

ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas

mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras,

em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-

de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio.

E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em ou-tra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai

da forca, e não caiam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para co-

lher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não im-

pedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada.

Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila

Diogo. Os mais idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a

fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens,

esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas

de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se

metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas, não admira que

dessem com os burros n’água.

Havia os que tomavam chá em criança, e, ao visitarem família de maior consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. Se mandavam seus res-

peitos a alguém, o portador garantia-lhes: “Farei presente.” Outros, ao cru-

zarem com um sacerdote, tiravam o chapéu, exclamando: “Louvado seja

Nosso Senhor Jesus Cristo”; ao que o Reverendíssimo correspondia: “Para

sempre seja louvado.” E os eruditos, se alguém espirrava – sinal de defluxo

– eram impelidos a exortar: “Dominus tecum”. Embora sem saber da missa

a metade, os presunçosos queriam ensinar padre-nosso ao vigário, e com is-

so punham a mão em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tra-

montana. A pessoa cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe

faziam, quando, por exemplo, insinuavam que sem filho era artioso. Ver-

dade seja que às vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás da igreja. As meninas, não: verdadeiros cromos,

umas tetéias.

Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios: outros

eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam

comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. Uns raros

amarravam cachorro com lingüiça. E alguns ouviam cantar o galo, mas não

sabiam onde. As famílias faziam sortimento na venda, tinham conta no car-

niceiro e arrematavam qualquer quitanda que passasse à porta, desde que o

moleque do tabuleiro, quase sempre um “cabrito”, não tivesse catinga.

Page 100: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

99

Acolhiam com satisfação a visita do cometa que, andando por Ceca e Meca,

trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. Ele vinha

dar dois dedos de prosa e deixar de presente ao dono da casa um canivete

roscofe. As donzelas punham carmim e chegavam à sacada para vê-lo ape-

ar do macho faceiro. Infelizmente, alguns eram mais do que velhacos: eram

gradessíssimos tratantes.

Acontecia o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o

próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsu-

las ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos lombrigas, as-

thma os gatos; os homens portavam ceroulas, botinas e capa-de-goma, a ca-

simira tinha de ser superior e mesmo X.P.T.O. London, não havia fotógra-

fos, mas retratistas, e os cristãos não morriam: descansavam.

Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.

II

Antigamente, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se es-

quecia de arcar os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de

entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais

velhos, pois levava tunda. Ainda cedinho, aguava as plantas, ia ao corte e

logo voltava aos penates. Não ficava mangando na rua nem escapulia do

mestre, mesmo que não entendesse patavina da instrução moral e cívica. O

verdadeiro smart calçava botina de botões para comparecer todo liró ao co-

po d’água, se bem que no convescote apenas lambiscasse, para evitar flatos.

Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo

que carecia muita cautela e caldo de galinha. O melhor era pôr as barbas de

molho diante de um treteiro de topete; depois de findar e engambelar os

coiós, e antes que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco. O di-

acho eram os filhos da Candinha: a quem somava a candongas acabava na rua da amargura, lá encontrando, encafifada, muita gente na embira, que

não tinha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto.

Bom era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão; me-

lhor ainda, ter uma caixinha de pós de perlimpimpim, por isso evitava de

levar a lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que Deus fosse ser-

vido. Qualquer um acabava enjerizado se lhe chegavam a urtiga ao nariz,

ou se o faziam de gato-sapato. Mas que regalo, receber de graça, no dia-de-

reis, um capado. Ganhar vidro de cheiro marca barbante, isso não: a moci-

nha dava o cavaco. As vezes, sem tirte nem guarte, aparecia um doutor

Page 101: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

100

pomada, todo cheio de nove horas; ia-se ver, debaixo da tanta farofa era um

doutor de mula ruça, um pé rapado, que espiga! E a moçoila, que começava

a nutrir xodó por ele, que estava mesmo de rabicho, caía das nuvens. Quem

queria lá fazer papel de pança? Daí se perder as estribeiras por uma tuta-

méia, um alcaide que o caixeiro nos impingia, dando de pinga um cascão de

goiabada.

Em compensação, viver não era sangria desatada, e até Chico vir de baixo

vosmecê podia provar uma abrideira que era o suco, ficando na chuva mes-

mo com tempo bom. Não sendo pexote, e soltando arame, que vida supim-pa a do degas! Macacos me mordam se estou pregando peta. E os tipos que

havia: o pau-para-toda-obra, o vira-casaca (este cuspia no prato em que co-

mera), o testa-de-ferro, o sabe-com-quem-está-falando, o sangue-de-barata,

o Dr. Fiado que morreu ontem, o zé povinho, o biltre, o peralvilho, o salta-

pocinhas, o alferes, a polaca, o passador de nota falsa, o mequetrefe, o sa-

fardana, o maria-vai-com-as-outras... Depois de mil peripécias, assim ou

assado, todo mundo acabava mesmo batendo com o rabo na cerca, ou sim-

plesmente a bota, sem saber como descalça-la.

Mas até aí morreu Neves, e não foi no Dia de São Nunca de tarde: foi víti-

ma de pertinaz enfermidade que zombou de todos os recursos da ciência, e

acreditam que a família nem sequer botou fumo no chapéu?

Page 102: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

101

O HOMEM, ANIMAL EXCLAMATIVO

Carlos Drummond de Andrade

AVE! SALVE! Viva! Sursum corda!

Alvíssaras, meu capitão!

Essa, não! Antes a morte! E eu que pensei que você fosse meu amigo!

Nunca! Jamais! Credo! Te arrenego! Vá para o diabo que o carregue!

Raio que te parta! Deus é grande! Ô diabo, esqueci! Salvo seja! Mas que beleza! Que tetéia! Que pancadão! Que pão! Que

uva! Que coisa mais boba! Que gracinha!

Ah, você está querendo briga! Você não se emenda! Casaca! casaca! ca-

saca!

Está na hora! Protesto! Agora é tarde! Tarde piaste! Que dor! Ai! Ui!

Irra! Bofé! Minha santa Maria eterna! Este garoto é de morte! Nunca

morrer assim! Num dia assim, de sol assim!

Corta! Desliga! Mas que calor! Que friu, meu tiu, na beira do riu! É de-

mais! Socorro! Este país está à beira do abismo! É a vovozinha!

Fora! Fiau! Argh! Catrapus! Alto lá! Repita se é capaz! Rua! Volta,

meu amorzinho, volta!

Feiosa! Tem gente! Socorro! Assim é demais! Grandessíssimo canalha! O senhor está me ofendendo! Estou sim! Pague e não bufe! Atenção, mui-

ta atenção! Vae victis! Pega ladrão!

Não mate a árvore, pai, para que eu viva! O preço da liberdade é a eterna

vigilância! Pra frente, Brasil! Ou vai, ou racha!

Tome que o filho é seu! O passarinho do relógio está maluco! Não quero

saber de nada! Cuidado! Puxa vida! Boa piada!

Do alto destas pirâmides, quarenta séculos vos contemplam! Comigo não,

violão! Mea culpa! É de lascar! Da pontinha! Sossega, leão!

Putzgrila! Eia! Tá! Olá! Tá doido! Exijo mais respeito!

Chi! Ora bolas! Papagaio! Não pode! Pipocas! Olha o rapa! Não diga!

Shazam! Michou os carburetos! Hélas! Lotado! Não chateia! Te mato! Te adoro! Não admito! Até a próxima!

Bom fim de semana, boas festas, bom tudo!

Não faltava mais nada! Eu bem que avisei! Não apoiado! Podia ser pior!

Assim não vai! Desenvolvimento e segurança!

Cala a boca, Etelvina! Você é que é culpado! Eu nunca disse isso! Pois

agora, tome! Filhinha, nunca vi essa mulher na minha vida! Sou uma bes-

ta! Comigo ninguém pode!

Uma esmolinha, pelo amor de Deus! Presente! Os que forem brasileiros

me sigam! Ame-o ou deixe-o! Eu estava brincando!

Page 103: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

102

Noutra não caio! Olho vivo! Cavalo não desce escada! Sou pequenino

mas não sou burro! Que é isso, rapaz! Genial! Mamãe, papai deixou! Es-

queci a pílula! Era só o que faltava!

Cretino é você! Olalá! Bons olhos o vejam! Nem me fale! O filme é uma

droga! Que sarro! Comeu gambá errado!

Bravo! Assim é que é! Vou-me embora pra Pasárgada! Não quero saber

mais de você! É baixo! Guerra é guerra!

Joga a chave! É mentira! Juro por alma de minha mãe! Vamos acabar com

isso! Amanhã é outro dia! Que vergonha, meu Deus do céu! É o fim da picada! Sou filho do carbono e do amoníaco!

Caramba! Per la Madonna! Quem te viu e quem te vê! Átila, você é bár-

baro! Peço a palavra! Paz e amor! A guerra acabou, eu devolvo o órfão a

Saigon!

Ama com fé e orgulho a favela em que nasceste! Isto não está no script!

Babau! Oxalá! Braço é braço! Boa bisca! Foi pras cucuias!

É o cúmulo! Isso aqui não é a casa da mãe da Joana! Dobre a língua! Vos-

sa excelência é quem sabe! Já ganhou! Independência ou morte! Essa é

boa! Coitado! Você é que é feliz! Acabou! Foi ele! Não tenho que lhe

dar satisfação! Não vem que não tem!

Que tempos, meu caro senhor, que tempos! Já não se comem broas de fubá

como antigamente!

Page 104: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

103

O HOMEM, ANIMAL QUE PERGUNTA

Carlos Drummond de Andrade

QUE HORAS SÃO? Mas quem é você? Sabe com quem está falando?

E daí? Por quem os sinos dobram? Que é a verdade? Há sinceridade nis-

so?

Com quantos paus se faz uma canoa? Mas você se emenda? Está pensando

o quê? Aceita mais uma xícara? Por que não me disse antes? Sabe da última? Quem ganhou? Qual o seu

desodorante predileto? E a CIA, hem?

Esses camarões são frescos? O senhor é parente do falecido? Soou a hora

da verdade? E que mais?

Fez sua declaração dentro do prazo? Dói muito? Afinal, quando é que vo-

cês se casam? A que hora é o batizado? Passou na Alfândega sem bololô?

Qual nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? De que cor era o cavalo russo de

Napoleão? Até quando abusarás da nossa paciência?

O senhor é que é o Epaminondas? És cristão? Que é ser cristão? Quando é

que sai o pagamento?

Você é mais Brossard ou mais Portela? Será que via chover? Ia esquecen-

do o meu aniversário, né? Aqui que nós; ela dá pelota? Seu signo é Leão, e você não aproveita hoje? Tem certeza que ele mora no

Beco das Garrafas? Em que posso servi-lo? Por que ela vai sempre ao den-

tista a essa hora, mesmo nos feriados?

Me dá uma cópia da sua dieta, para eu experimentar? Como você faz,

quando é assaltado? Quem tem medo do Imposto de Renda? Quem matou

e quem mentiu nos crimes da Barra? Who’s who?

Desde quando eu tenho que lhe prestar contas da minha vida? Quando foi

que o senhor percebeu que era andrógino? Se vier o divórcio, como é que

você vai fazer pra casar de novo?

Você é surdo de nascença ou de rock? A reclassificação ainda vai demorar

50 anos, ou apenas mais 10? Que há de novo? To be or not to be? Por que você não pareceu mais lá em casa? Esta briga

é pública ou particular? Você jura que não está me traindo, jura? Chi lo

sa?

Que é que eu vou fazer com tanto dinheiro? Qual o maior: César ou Ale-

xandre, Gonçalves Dias ou Castro Alves? A senhorita está sentindo alguma

coisa? E a moral da história, pode me dizer qual é, se não for imoral?

É seu este cachorrinho que acabou de fazer pipi na minha calça nova? Sabe

que vai se arrepender de não ter comprado este apartamento a preço de ba-

nana-prata? Você sonha em preto e branco, ou tevê a cores?

Page 105: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

104

O senhor se julga realizado, semi-realizado ou não-realizado? Kissinger

vem ao Brasil antes ou depois de Frank Sinatra? O cavalheiro está namo-

rando pra casar ou pra que é? Na sua opinião, o terceiro partido resolve, ou

é melhor nenhum? À quoi bon?

Por que as coisas só melhoram amanhã ou depois de amanhã, e hoje é sem-

pre hoje? Por que ninguém ri quando está com dor de barriga, por melhor

que seja a piada? Quem foi que verificou que à noite todos os gatos são

pardos? Você me ama, diz, você me ama de verdade ou é de mentirinha?

Por que ninguém mais se lembra de ir à Lua: preguiça? Afinal, quem é que descobriu o Brasil: Cabral ou as multinacionais? Debaixo de todo angu tem

carne, ou só na classe A? Quem, se eu gritasse, me escutaria, entre as cortes

angélicas? E o sexo dos anjos, já se apurou se tem?

Você não se enxerga? Você sabe se o Xavier já pediu demissão? Você está

louco? O que é que levo nisso, me diga? E quando ele souberem? E se a

vaca for pro brejo? Quem desconstantinoplorizará o arcebispo de Constan-

tinopla, se?... Verdade que o Prefeito desistiu de alugar sede para a Prefei-

tura porque não agüenta pagar predial e taxas?

E agora, José? Por bem ou por mal, vai me dizer que horas são?

Page 106: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

105

O HOMEM E SUAS NEGATIVAS

Carlos Drummond de Andrade

NÃO PODE. Não me diga. Não dá. Essa, não.

Não me toques. Não me deixes. Não te esqueças de mim. Não tem de quê.

Não vá com tanta sede ao pote. Não admito. Não estou aqui pra botar azei-

tona em empada de ninguém.

Hoje, não. Nem preguei olho. Não sei de que se trata. Não li e não gostei. Não vou com a cara dele.

Nada tenho a declarar. Não há verba. Não ficará pedra sobre pedra. Não

entendi patavinas. Não sei onde estou que não lhe quebro a cara.

Nem aqui nem na China. Não fede nem cheira. Não dá ponto sem nó. Não

pode com a uma gata pelo rabo. Não sabe da missa a metade.

Não tem papas na língua. Não mete prego sem estopa. Não é de nada. Não

sou o que o senhor está pensando, cavalheiro.

Não me amole. Nem te ligo. Não quero saber e tenho raiva de quem sabe.

Não dá para a saída. Nem me fale. Não atire.

Não tugiu nem mugiu. Não ata nem desata. Não quero saber de namoro na

Barra da Tijuca. Não e não, já disse. Homem, nem sei o que diga. Nada,

não. Não vá me dizer que ela é sua cunhada. Nunca mais. Não sou daqueles que cospem no prato em que comeram.

Não adianta você chorar. Não repita. Não penso noutra coisa. Não insista,

por favor, seu Januário. Não há mal que sempre dure. Não há pressa. Você

não perde por esperar. Não há mais juízes em Berlim.

Não matarás. Não cobiçarás a mulher do próximo. Não buzine. Não tenho

que lhe pedir desculpas. Não comi nada até esta hora. Não estou gostando

dessa história. Não queria aborrecê-lo, mas...

Não sei de que se trata. Não goste de ser incomodado. Nem contra nem a

favor do divórcio, muito antes pelo contrário. Não vou sujar minhas mãos

em você. Não bebe mais não, meu anjo. Não abuse do crediário, meu filho.

Tenho lá alguma coisa com isso. Não levo desaforo pra casa. Não bato em mulher. Nada de novo na frente ocidental. Nesse andar você não emplaca.

Ele não nem visita.

Sem chus nem bus. Sem tirte nem guarte. Sem eira nem beira. Nem um

pio. Nem carne nem peixe. Nem por pensamento, doutor. Nadinha, queri-

do. Sem pé nem cabeça. Sem dizer água vai. Sem quê nem praquê. Não

me provoque que eu digo tudo.

Sem destino. Sem lenço nem documento. Não deu outra coisa. Não é

normal. Não está no gibi. Não é mole não. Nada pior do que um elefante

não hora do jantar. Garçom, isso nunca foi sopa à la Sainte Meunière.

Page 107: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

106

Não estou te reconhecendo hoje. Não dói na hora. Não estou lembrado. Já

disse que não pago e não pago. Não há país no mundo igual a esse. Nem se

compara. Nem tanto. Nunca me senti tão perto de Deus como naquela tar-

de no Corcovado.

Não há exemplo de tamanha bandalheira. Nesta casa eu não mando nada.

Não posso contar por enquanto. Nunca se sabe o que elas estão tratando.

Não me chamo Antônio, não sou casado e não moro em Niterói.

Não dá pra entender. Nem assim. Ali não boto mais os pés. Você não sabe

quanto me custa. Santa não sou. Até que nem. Hoje não estou para brin-cadeiras. Não pedi nem pedirei demissão; não peço nada a ninguém.

Não pense que isso fica assim, não. Ringo não perdoa. Hoje não tem carta

para a senhora. Proibido estacionar. Mas não espalha. Não sou palmatória

do mundo. Proibido pisar no gramado. Proibido proibir.

Eu não tinha esse rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro.

Não te fies do tempo nem da eternidade. Hippocrate dit oui, mais Galien

dit non. Os não alinhados, a não-valia, a não-violência – esta última, valen-

do como sim à vida, ou nem isso.

Page 108: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

107

DIZER E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Carlos Drummond de Andrade

MUITAS COISAS SE DIZEM, que não deviam ser ditas; muitas outras se

calam, que não mereciam calar-se. As palavras são as mesmas, em um e

outro caso; só a conveniência delas, na circunstância delas, na circunstância,

é que varia. E na variação, fica o dito por não dito. A menos que o convic-

to (ou o teimoso) diga: “Digo e repito.” Também cabe referir aquelas coisas manifestadas com a ressalva: “Diga-se

de passagem.” Em geral, são as que não passam, as mais relevantes no dis-

curso, e a matéria que parecia principal descolore em função do que parecia

acessório.

Dizer, bendizer, maldizer, confundem-se na massa de sons. Tudo escapan-

do da mesma boca, mas vozes diferentes atropelam-se nesse anunciar de ju-

ízos, interesses, paixões e estados de espírito que se desmentem uns aos ou-

tros. Contradizer-se é ainda uma solução para o conflito que nossos impul-

sos sucessivos travam por meio e à custa de palavras.

É tão incoerente essa trama verbal a desenvolver-se no tempo, que se procu-

ra dar-lhe nexo, apelando para fórmulas: “Como eu ia dizendo...” “O que é

mesmo que eu estava dizendo?” O dizer de um precisa ser acionado pelo di-zer do outro, e do acoplamento (linguagem espacial em curso) dos dizeres

surge novo dizer, que é o anterior e é outro. De modo que ninguém diz pro-

priamente o que diz, mas só o que lhe ocorre (se ocorre) dizer, ou lhe é so-

prado na ocasião. E pode acontecer que o companheiro, em vez de soprar

uma dica, lance uma contradita, passando os dois a renhir em dize-tu direi-

eu.

O gosto de dizer costuma chegar ao excesso de dizê-lo com os seus botões,

como se os botões dialogassem conosco. Mas há quem diga que botão não

só escuta, como também fala a quem tem ouvido capaz de ouvir e de enten-

der botões.

Por que se dizem cobras e lagartos, e não se dizem rouxinóis e açucenas? Dizer maravilhas de alguém ou de alguma coisa não é o mesmo que dizer

chocolates ou estrelas ou sonatas. O repertório da língua presta-se mais ao

dizer contra que ao dizer a favor. O Zico disse horrores de você. O Zico

não disse arco-íris de você. Disse as últimas, e você não reagiu?

O azul diz bem com a tua pele, minha querida: observação tranqüilizadora

para a mulher que está pensando em encomendar um vestido azul. Mais um

vestido, amor? Bem, eu não queria dizer isto. Muito do que se diz em lou-

vor disso ou daquilo, em confronto com a realidade, pode suscitar o bocejo

em forma de frase: Não é lá para que digamos.

Page 109: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

108

Fuja do cara que lhe pede licença para dizer só uma palavrinha ou, no má-

ximo, duas palavras. Dirá 2 milhões, dirá até dizer: chega. Não creia ainda

que quem lhe diz alguma coisa, precedida de: “Como diria o outro.” O outro

não diria aquilo. Mas sucede que o outro pode ter feito isso ou aquilo, sem

dizer água-vai, e brota-nos a exclamação estupefata: “Quem diria, hem? O

Astolfo!”

Do diz-que-diz cumpre fugir às léguas, embora seja tão capitoso o “ouvi di-

zer que”, pois nos permite ser indiscretos e nos exime de responsabilidade.

Como seria imprudente, em outras eras, “dizer a alguma dama com al-guém”, pois seria o mesmo que culpá-la de mancebia com esse alguém, que

podia ser, digamos, o comandante da praça: “Dir-se-ia que...” não teria a

mesma origem montanhesa?

Entre o dizível e o indizível balança a criação do poeta, flutua o êxtase dos

namorados. Dizer o que jamais soube ser dito, aspiração de manipulador de

vocábulos, que talvez nem saiba dizer o sabido. Haverá algo a dizer, abso-

lutamente inefável, que nem os anjos conseguissem exprimir nem os ho-

mens entender?

Em verdade, em verdade vos digo que hoje noa tenho nada a dizer. Dizen-

do esse nada, encerro aqui. Dictum, factum.

Page 110: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

109

A FRASEOLOGIA ROMÂNICA

(estudo comparativo) 38

A necessidade de um estudo

comparativo da fraseologia

das línguas românicas. A

convergência e a divergência

na comparação das frases

feitas de sete línguas româ-

nicas, semântica, fonética e

morfossintaticamente. A uti-

lidade do estudo comparati-

vo das frases feitas das lín-

guas românicas.

38 Trabalho final apresentado ao Professor Belchior Cornélio da Silva, ao final do curso de Es-

tudo Comparativo das Línguas Românicas, na Faculdade de Letras da UFRJ, primeiro semestre

de 1985

Page 111: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

110

INTRODUÇÃO

Estudaremos algumas das frases feitas da língua portuguesa documentadas

literariamente por Carlos Drummond de Andrade em suas crônicas.39 Tal

estudo consistirá, basicamente, na comparação de nossas frases feitas com

as frases feitas correspondentes semanticamente em outras línguas români-

cas.

Não tivemos a ousadia de atingir um grande número de expressões nem de

compará-las com as existentes em todas as línguas românicas. Aliás, nem

mesmo as línguas que elegemos para fazermos nossa comparação, puderam ser exaustivamente examinadas, visto a escassez de bibliografia disponível.

Partindo do português, examinamos a fraseologia galega, a espanhola, a ita-

liana, a francesa, a romena e a latina.

Para os fins deste trabalho, consideraremos como frase feita toda locução

cristalizada e todo tipo de expressão fixa, tais como provérbios, adágios,

anexins, etc., utilizados na linguagem oral e documentados literariamente.

Como língua românica também, ousamos incluir o latim literário, fugindo

ao tradicional conceito universalmente aceito pelos romanistas. Justificar-

nos-emos disto pelo fato de serem, as frases feitas, expressões cristalizadas

numa língua, que refletem o espírito de seus falantes e não de seus artífices.

Assim sendo, acreditamos que as frases feitas encontradas no latim literário

sejam as mesmas do latim oral e vulgar, como são as que se encontram nas literaturas de línguas neolatinas. Portanto, do latim vulgar também.

Além disso, a comparação se torna mais abrangente, se levarmos em conta

uma fase das línguas românicas bastante mais antiga. Com isto, além de

observarmos os diferentes usos de uma locução ou provérbio nas diversas

línguas românicas comparadas, notaremos também a antigüidade de algu-

mas delas, que já se usavam em latim. Na realidade, o latim é um estágio

anterior das nossas línguas.

As nossas limitações pessoais, mais as limitações impostas pelo tema, cuja

bibliografia não é das melhores, mais as limitações relativas à natureza do

trabalho, que tem um cronograma apertado, tudo isto junto é responsável

por não ampliarmos um pouco mais as nossas pesquisas agora. Além de ficarmos apenas no português, galego, espanhol, italiano, francês,

romeno e latim, como dissemos, não utilizaremos frases feitas de todas estas

línguas nas diversas comparações realizadas. Aliás, isto acontece raríssimas

vezes.

Além de não existirem formas correspondentes, como frases feitas, em to-

das as línguas comparadas, nem todas as existentes tivemos acesso. Nou-

tros casos, as expressões que traziam semelhança semântica eram tão dife-

39 Confira, na Bibliografia, os livros de crônicas consultados para este trabalho.

Page 112: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

111

rentes da nossa ou têm aplicações tão diversas, que nos desanimaram a in-

cluí-las no trabalho.

Algumas frases feitas são tão semelhantes que mais parecem traduções lite-

rais. Isto não é de estranhar, pois têm origem comum todas as línguas em

que elas se encontram.

O número de frases feitas estudadas pouco passa de uma centena em portu-

guês, ficando bastante aquém em todas as demais línguas. Confessamos

que nossa bibliografia sobre o assunto é muito deficiente.

O único dicionário bilíngüe romeno-português, editado em 1977, é uma ra-ridade. Mesmo assim, ainda agradecemos a Deus por termos este, pois o fa-

to é muito mais lamentável quando tratamos das outras línguas românicas

que não se tornaram línguas nacionais, como é o caso do galego.

É urgente que se levantem questões sobre estas entre-palavras-e-frases, tão

ricas de expressividade, e que se amplie a bibliografia comparativa da fra-

seologia entre as diversas línguas românicas, ou mesmos, simples dicioná-

rios bilíngües de locuções, que seriam as bases destes estudos.

Quanto ao galego, por exemplo, nada encontramos a respeito. Nossa fonte

de consulta foi o Prof. Alfredo Maceira Rodríguez, galego, poliglota, e es-

tudioso apaixonado das fatos referentes às línguas românicas.

Filólogo, professor de Português, Espanhol, Inglês e Esperanto, é autor de

uma gramática espanhola para falantes de português40, e pretende publicar, em breve, um opúsculo de divulgação do galego. Sua tese de doutorado,

cujo curso ainda não começou, já está definida: será sobre o galego41.

Eis os passos que seguimos para realização deste trabalho.

Inicialmente, levantamos a fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond

de Andrade, que foi o nosso corpus básico para diversos outros trabalhos.

Das 700 frases feitas constantes no trabalho A Fraseologia nas Crônicas de

Carlos Drummond de Andrade: subsídios para um dicionário básico,42 após

verificação da fraseologia nas línguas românicas selecionadas, escolhemos

108 frases feitas entre as 175 que tiveram pelo menos em três línguas uma

forma proverbial ou locucional correspondente.

Antes de começar este estudo comparativo, estudamos o seu significado e fizemos sua abonação com exemplos extraídos das crônicas drummondia-

nas,43 conjeturamos sobre a sua origem e a sua história,44 apoiado na me-

40 Foi publicada em 1996, com o título Estudiemos Español: gramática, ejercicioos, lecturas,

para estudiantes brasileños. 41 Intitulada Interferência do léxico galego no português falado pelos imigrantes galegos no

Rio de Janeiro, foi defendida em abril de 1995. 42 SILVA, J.P. (1984-B) . 43 SILVA, J.P. (1984-B) . 44 SILVA, J.P. (1984-B) .

Page 113: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

112

lhor bibliografia existente sobre o assunto, e procuramos demonstrar a sua

estrutura morfossintática,45 ou seja, a sua constituição interna.

Estabelecido assim o nosso corpus para este trabalho, analisaremos compa-

rativamente algumas dessas expressões, levando em conta a sua estrutura

semântica, a sua estrutura morfossintática e a sua estrutura morfossintática e

a sua estrutura métrico-rímica.

Quanto aos dois últimos aspectos, faremos considerações nos dois primeiros

capítulos seguintes, levando em conta a convergência e a divergência nessas

formas. Quanto ao aspecto semântico, sem discussões mais personalizadas, apresentamos as frases feitas em ordem alfabética da palavra-chave da for-

ma portuguesa, de acordo com os critérios adotados por Antenor Nascen-

tes46 e por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira,47 e adotados também por

nós em nossos trabalhos anteriores. V. capítulo 4.

No capítulo 2, trataremos da convergência na fraseologia das línguas româ-

nicas, observando que quase sempre esta convergência é parcial, pois as co-

res locais sempre ficam evidentes na fraseologia do falantes de cada língua,

e apresentando hipóteses para explicar alguns casos. Observamos, inclusi-

ve, que a convergência pode se dar em relação a duas línguas, em relação a

um fato, ou em relação a uma estruturação qualquer. Também, que pode

haver convergência só em relação a duas ou três línguas e não em relação às

demais. O mesmo que dissemos em relação à convergência é válido para os fatos

divergentes, que trataremos no capítulo 3.

O nosso objetivo principal, com elaboração deste trabalho, é mostrar aos es-

tudiosos da Filologia e da Lingüística Românicas que existe uma área de es-

tudos comparativos da mais alta importância para o desenvolvimento das

ciências da linguagem, das ciências humanas, de diversas áreas do conhe-

cimento, que está quase totalmente intocado.

Lembramos, inclusive, que o estudo comparativo das diversas fraseologias

(portuguesa, galega, espanhola, italiana, francesa, romena, latina, etc.) será

muito importante para a compreensão de fatos relativos a cada uma destas

línguas e de todas, no conjunto da romanidade lingüística.

2 – A CONVERGÊNCIA NA FRASEOLOGIA ROMÂNICA

45 SILVA, J.P. (1984-B) . 46 NASCENTES, A. (1945) . 47 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) .

Page 114: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

113

Embora saibamos que as frases feitas sinônimas em línguas diferentes e

com a mesma estrutura morfossintática são muito raras, podemos afirmar

que elas não são tão raras assim, quando se trata das línguas românicas.

Basta que admitamos que os sinônimos sejam imperfeitos ou que formem

séries sinonímicas. Além do mias, podemos encontrar pontos de conver-

gência até em construções locucionais bastante diferenciadas. A final de

contas, estamos lidando com línguas que têm um ponto de partida comum,

ao latim vulgar.

Muitas vezes, o que é uma locução ou uma frase feita em uma língua, em outra é uma palavra composta simplesmente. Isto acontece com muita fre-

qüência quando a frase feita se constitui de apenas dois ou três elementos

vocabulares.

Como escolhemos a fraseologia como elemento de comparação, neste traba-

lho, não consideraremos tais casos, mesmo quando as formas corresponden-

tes contiverem os mesmos elementos mórficos constituintes. Mesmo sa-

bendo também que isto é muito mais um problema convencional de ortogra-

fia do que um problema de natureza semântica ou morfossintática.

É claro que existem muitas frases-feitas que não têm forma locucional em

outras línguas ou em algumas outras línguas. Existem até semas que não

possuem correspondentes em tais outras línguas.

Aliás, dentro de uma mesma língua, é possível encontrar formas locucionais paralelas a palavras compostas. Vejamos os seguintes casos, em português:

“cabeça fria” e “cabeça-chata”; “água mineral” e “água-comum” ou “aguar-

rás”; “em cima” e “embaixo”; etc.

Não achamos fácil explicar por que umas dessas palavras constituem “pala-

vras compostas” e outras palavras, da mesma natureza e classe morfo-

semântica, constituem “locuções”.

Entre línguas diferentes também ocorre o mesmo fato. Eis alguns exem-

plos: o português “talvez” corresponde à locução galega e espanhola “tal

vez”; a nossa locução “por isto” corresponde ao vocábulo italiano “perciò”;

o português “mestre-cuca” corresponde à locução francesa “maître coq”.

Dados os graus de afinidades geopolíticas e culturais, o português é mais parecido com o galego, com a qual se confundiu durante a sua fase proto-

histórica, e com o espanhol. A seguir, com o italiano e com o francês, com

que teve relações histórico-culturais que não se podem desprezar.

O latim, por estar no tempo, e o romeno, por se ter isolado no espaço, estão

igualmente muito distantes da estrutura atual da língua portuguesa, conside-

rando-se que são todas de uma mesma família, numa relação de irmãs e de

filha-mãe.

Analisemos, comparativamente, algumas frases feitas, considerando os seus

diferentes níveis e natureza de convergência.

Page 115: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

114

A nossa frase-feita “uma andorinha só não faz verão”, por exemplo, con-

verge com a correspondente espanhola em relação à partícula de restrição.

É claro que, mesmo nesta convergência, a forma espanhola diverge sutil-

mente da nossa por ser claramente adjetivante, enquanto a nossa partícula

mantenha a ambigüidade, podendo ser analisada também como adverbial,

modificando o determinante de andorinha. Portanto, em português, pode-

mos analisar a frase como “uma andorinha sozinha...”ou “uma andorinha

somente...”.

A expressão espanhola “uma golondrina sola no hace verano” e a portugue-sa “uma andorinha só não faz verão” ainda têm em comum a referência ao

verão, enquanto que nas demais a estação do ano em que as andorinhas de-

vem aparecer é a primavera. Ei-las, todas juntas:

Português: Uma andorinha só não faz verão.

Espanhol: Una golondrina sola no hace verano.

Italiano: Una rondine no fa primavera.

Francês: Une hirondelle ne fait pas le printemps.

Latim: Una hirundo no facit ver.

Como as frases-feitas refletem o meio ambiente em que surgiram e prospe-

raram, os costumes e a história do povo que as cultivaram, etc., podemos

concluir, provisoriamente, que as andorinhas costumavam estacionar-se no

território da Península Ibérica durante a primavera. Mais ainda. Podemos concluir que estas aves migratórias mantém o seu hábito de revoar sobre as

cabeças dos romanos, desde a época em que sua língua era o latim, durante

a estação da primavera.

Aí está, portanto, uma frase em que é importante a inclusão da língua latina

junto às línguas românicas neste trabalho comparativo. Com isto documen-

tamos um fato relativamente interessante em relação ao hábito migratório

das andorinha no território europeu desde priscas eras.

Podemos ainda observar, em relação à estrutura destes provérbios români-

cos, que todos têm a forma de um negação que diz respeito ao que uma an-

dorinha não pode fazer sozinha.

Em todas se entrevê, portanto, a crença popular de que as andorinhas é que trazem o verão ou, para os outros, a primavera.

Um outro exemplo é a locução portuguesa “por acaso”, que tem correspon-

dente em espanhol, “por acaso”, em italiano, “per caso”, em francês, “par

hasard”, em romeno, “po brodite”, em latim, “per accidens”, e em galego,

“por suposto”.

Em todos os casos, as locuções se constituem de preposição mais nome.

Nos três primeiros casos, os nomes têm os mesmos traços semânticos, en-

quanto nos demais casos eles têm constituição morfo-semântica apenas se-

melhante.

Page 116: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

115

O português “levantar âncora” corresponde ao espanhol “levar anclas, ao

italiano “salpere ancora” e ao latim “ancoras vellere”ou “ancoras moliri”.

Todos os casos documentados acima se constituem dos mesmos elementos

mórficos. A diferença está apenas na colocação inversa, no latim, em rela-

ção às demais línguas, e no plural da palavra âncora em espanhol e latim.

Acreditamos que isto está relacionado ao tipo mais comum de barcos ou

embarcações em cada uma dessas regiões. As embarcações em cada uma

dessas regiões. As embarcações menores podiam fixar-se com uma âncora

apenas, ao passo que as maiores precisavam de mais de uma. Por outro la-do, registramos o fato de que existe a variante “levantar âncoras” também

em português, com a ressalva de que tal expressão só se usa quando o sujei-

to da ação está no plural, podendo-se supor que cada um esteja em embar-

cação diferente.

A frase-feita “sem dizer água vai” tem correspondente literal em espanhol,

que é “sin decir agua va”. Em francês também a frase tem forma muito pa-

recida com a nossa. Principalmente se considerarmos a história da frase,48

em que a situação já é suficiente para esclarecer que também os franceses

queriam dizer “água vai”.

Se considerarmos que gritar é uma forma especial de dizer, a frase francesa

“sans crier gare” considera a situação, em que, realmente, não se dizia, mas

se gritava para os transeuntes: água vai! Como aviso de que iria lançar al-guma coisa à rua. Como na realidade não se jogava apenas água, parece

mais lógica a expressão francesa do que as outras duas. Sendo “gare” uma

palavra de situação real de seu uso, sem trazer expressa a informação que

trazem as formas ibéricas, sem dizer o que é que se pretende jogar à rua.

“Quem não arrisca não petisca.” Provérbio português de sentido prático

evidente, cuja intenção é persuadir o seu decodificador a ousar, a tentar ul-

trapassar os eus próprios limites. Pode ser interpretado também de maneira

passiva, como justificação de alguém, que fracassou numa aventura arrisca-

da, mas com objetivos práticos.

Nos cinco casos documentados, em português, espanhol, italiano, francês e

latim, a estrutura morfossintática é idêntica. É uma frase com sujeito oraci-onal e oração principal negativa, que tem significado afirmativo, visto se

negar a respeito de uma outra negação. Além disso, em todas elas, existe

uma preocupação com a rima grande. A tal ponto de ser quase totalmente

desprovida de valor semântico a última palavra de cada uma dessas frases.

A última palavra da primeira oração rima com a última palavra da frase.

Confira:

Português: Quem não arrisca não petisca.

Espanhol: Quien no arriesca no pesca.

48 Cf. SILVA, J.P. (1984-B) p.14.

Page 117: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

116

Italiano: Chi no risica, non rosica.

Francês: Qui ne risque rien, n’a rien.

Latim: Nihil lucri cepit que nulla pericla subivit.

A frase-feita que significa tomar um gole de bebida alcoólica em jejum, tem

origem numa história de que duvidamos um pouco.

Conta-se que uma senhora sentiu um a forte dor e morreu dentro de pouco

tempo, sem se poder saber a causa de sua morte. Como era gente de bem,

uma equipe médica abriu-lhe o cadáver para examinar as suas entranhas,

encontrando um pequeno verme atravessado em seu coração, violentamente encravado.

Extraindo-o, aplicaram sobre ele os mais diferentes remédios sem lhe causar

o menor mal.

Esgotados todos os recursos, colocaram-no sobre um pedaço de pão embe-

bido em vinho e ele morreu imediatamente.

Sabendo disso, passou-se a tomar uma dose de bebida alcoólica pela manhã,

com o pretexto de “matar o verme”.

Como correr dos anos, mata-se o bicho a qualquer hora.

Pois bem. Esta frase tem esta mesma origem nas três línguas em que a en-

contrei: português, espanhol e francês.

Curiosamente, a palavra que traduz a palavra copo, em italiano, é “bicchie-

re”. Por isto, tomar um copinho ou tomar uma dose de bebida, traduz-se como “tracannare un bicchierino”, que forma uma expressão aparentemente

semelhante.

Nessas quatro línguas, as expressões referidas são: “matar o bicho” (portu-

guês), “matar el gusanillo” (espanhol), “tuer le ver” (francês) e “tracannare

un bicchierino” (italiano, com devida ressalva).

Outra expressão também interessante é “bode expiatório”.

Em português, espanhol, italiano e romeno, a locução tem a mesma estrutu-

ra morfo-semântica: “bode expiatório”, “chivo expiatorio”, “capro espiato-

rio” e “tap ispasitor”, respectivamente.

Em espanhol e em francês existe aproximada, também convergente nestas

duas línguas: “chivo emisario” e “bouc emissaire”.

Embora esteja ligada à mesma origem, provavelmente, a expressão romena

“cal de ba taie”, que quer dizer cavalo de pancada, lembra muito mais de

perto a cena das tragédias gregas em que se espancava um bode no palco.

As demais frases acima, inclusive as variantes, lembram o costume dos ju-

deus de abandonarem um bode no deserto para expiar os pecados do povo.

Por fim, consideremos a frase, ”quem canta, seus males espanta”, que é uma daquelas inúmeras frases feitas românicas que refletem o veio poético do

povo.

Page 118: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

117

Como na frase “quem não arrisca não petisca”, também nesta a rima e o

ritmo são importantes. A pausa entre o sujeito oracional e o seu predicado

marca o fim de um verso que rima com o seu par, formando um dueto.

A forma espanhola constitui um par sem nenhuma divergência com o por-

tuguês. No entanto, a forma francesa tem o objeto da segunda oração no

singular, em oposição à nossa e em convergência com a italiana. Esta, por

sua vez diverge com todas as demais eliminando a idéia de posse no objeto

da segunda oração.

Fora esses detalhes, em tudo mais são convergentes entre si, como se pode ver:

Português: Quem canta, seus males espanta.

Espanhol: Quien canta, sus males espanta.

Italiano: Chi canta, il soffrir incanta.

Francês: Qui chante, son mal enchante.

Seria cansativo enumerar todos os casos convergentes na fraseologia mos-

trada neste trabalho. Esta pode ser até mesmo gratificante, se for feita ao

sabor do leitor, que poderá ir descobrindo detalhes interessantíssimos nesta

comparação. Por isto mesmo é que deixaremos inúmeros casos, apenas ar-

rumados, em ordem alfabética, para que possam ser cotejados por quem

quiser fazer disso um lazer.

Muitas vezes a convergência está entre duas línguas estrangeiras, e não, en-tre uma estrangeira e a nossa. Nuns casos a convergência é mais abrangen-

te, noutros envolve apenas alguns aspectos. Enfim, é difícil encontrarmos

frases sinônimas em diferentes línguas românicas em que não haja algum

tipo de convergência, mesmo que sutil. Quando isto acontece, o caso é de

um frase feita que reflete uma situação exclusiva de uma população ou de

um período histórico de um povo, totalmente desligado da história e da evo-

lução dos demais.

Por outro lado, também existem divergências na maioria das frases-feitas de

línguas diferentes. É que, embora sejam todas estas línguas descendentes

diretas do latim vulgar, cada um se desenvolveu num meio ambiente parti-

cular, com características que não se confundem com as dos demais. É isto que veremos no capítulo seguinte.

3 – A DIVERGÊNCIA NA FRASEOLOGIA ROMÂNICA

Como a fraseologia constitui o que de mais característico existe no léxico de

qualquer língua, é natural que aí apareçam as divergências e as convergên-

cias que caracterizam cada uma dessas línguas em relação a todas as outras

Page 119: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

118

do grupo a que pertencem. Através da fraseologia afloram os fatos sociais,

o aspecto geopolítico, a cultura e a história dos falantes de cada região e de

cada povo.

Os fatos convergentes são a prova da unidade na diversidade, enquanto os

fatos divergentes são a prova da diversidade na unidade.

A “unidade na diversidade e a diversidade na unidade” a que se refere Sera-

fim da Silva Neto49 talvez seja mais válida em relação às línguas românicas

em conjunto do que a cada uma delas em particular. Basta verificar que a

extensão territorial ocupada por falantes de línguas românicas é bastante maior do que a metade de toda porção ocupada de nosso planeta, sendo es-

pantosas as diferenças de costumes entre todos esses homens, que vivem em

ambientes das mais extremadas diferenças, a ponto de se tornar difícil qual-

quer tipo de comparação entre alguns deles com outros.

É exíguo o número de frases feitas totalmente convergentes entre línguas di-

ferentes. Alias, tal exigüidade se estende aos povos diferentes que falam

uma mesma língua, embora em menor extensão. Tanto assim é que poderí-

amos partir das mesmas frases feitas estudadas sob o ponto de vista da con-

vergência, no capítulo anterior, e chegaríamos a resultados interessantes,

como é fácil entrever das poucas observações que ali fizemos a tal respeito.

Vamos considerar a divergência, portanto, em expressões que estão muito

próximas das portuguesas. Comecemos pela locução “num átimo”, que corresponde à espanhola “en un

santiamén” e à romena “cît sa zici miau”.

As duas primeiras locuções, embora sejam as mais semelhantes, têm dife-

renças essenciais em seus núcleos constituintes.

A forma portuguesa provém da linguagem erudita, através da palavra áto-

mo, que é a menor parte da matéria e tomou o significado de menor parte do

tempo.50

A expressão espanhola provém diretamente do latim dos cristãos, através do

sinal-da-cruz,51 que termina com as palavras “sancti, amem”. A oração, que já é pequena: “In nomine Patris, et Fili et Spiritus Sancti. Amen.”, ao

ser reduzida às suas duas últimas palavras demonstra uma grande pressa, ou

a exigüidade de tempo disponível.

Quanto à frase romena, que mais parece com a nossa frase “enquanto o Di-

abo esfrega um olho”, traduz-se literalmente como enquanto o gato diz mi-

au E o seu sentido é facilmente compreensível.

49 SILVA NETO, S. (1979) p. 161, 50 MACHADO, J. P. (s.v.) s.v. 51 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) . Vocábulo “santia men”

Page 120: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

119

A frase feita “casa da Mãe Joana”, que já foi por nós explicada noutro lu-

gar,52 tem forma correspondente em francês e em romeno.

A expressão francesa, “la cour du roi Pétaud”, tem estrutura idêntica à nos-

sa. Analisadas em sua estrutura profunda, para utilizarmos uma expressão

do gerativismo, as duas frases são semanticamente igualmente estruturadas.

Mas a sua estrutura superficial, digamos, é uma para cada uma das línguas.

Certamente, aquele “roi Pétaud” dos franceses tenha admitido livremente

quaisquer pessoas em sua corte, como fizera a rainha Joana, conhecida co-

mo Mãe Joana, em seu palácio.53

A expressão romena correspondente é “sat fa ra cîini”, que se traduz literal-

mente como casa sem cachorros. Isto significa que nessa casa também en-

tram todos os que quiserem, pois não já o que impeça a alguém de fazê-lo.

A expressão latina correspondente à portuguesa “fechado a sete chaves” ou

à espanhola “bajo siete llaves” diverge no numeral, principalmente, cem e

não sete.

No entanto, a expressão latina “servatus centum clavibus” significa exata-

mente o mesmo que a nossa, pois, tanto o numeral sete quanto o numeral

cem são palavras que indicam quantidade indefinida. Nada mais indicam do

que uma grande quantidade ou um número exagerado de chaves. Também neste caso, a divergência é apenas superficial.

De outro lado, os franceses têm a expressão “tirer son épingle du jeu”, que

se traduz literalmente como tirar seu alfinete do jogo, que corresponde à

nossa “tirar o corpo fora” e à espanhola “echar el cuerpo fuera”.

Tanto as frases ibéricas quanto a francesa, sem dúvida se referem a algum

jogo, ao menos na sua origem. A frase portuguesa lembra o jogo de futebol,

como tivemos oportunidade de mostrar em outro trabalho. A frase espanho-

la pode ser uma adaptação da nossa (ou vice-versa), aplicada à tourada, que

é seu esporte favorito.

No caso dos franceses, não é o corpo que está em jogo. É um alfinete. E o

jogo, certamente, é um jogo de azar. Se o alfinete a que se refere a frase é o que se usa para prender coisas, a ori-

gem da frase se torna obscura. No entanto, é bem mais provável que alfine-

te seja uma jóia que os homens usam presas à gravata, em forma de alfinete,

ou a jóia em forma de broche que as mulheres costumam usar na roupa.

Com este último sentido, é muito fácil o entendimento da frase feita acima.

São muito mais divergentes entre si as frases feitas correspondentes à nossa

“dia de São Nunca, de tarde”.

A maioria tem em comum a característica de indicara data através de um fa-

to estranho ao calendário. E entre essas está a nossa.

52 Cf. SILVA, J.P. (1984-B) p.29. 53 Cf. CASCUDO, L.C. (1970) p.102.

Page 121: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

120

Os espanhóis costumam dizer: “cuando febrero tenga treinta días”,. Os

franceses dizem: “la semaine des quatre jeudis” ou “trois jours après ja-

mais”. Diziam os romanos: “ad kalendas graecas”.

Ora, como não existem fevereiro de trinta dias, nem semana de quatro quin-

tas-feiras, também não é possível chegar ao terceiro dia após jamais. Quan-

to às calendas, elas não existiram no calendário dos gregos, mas no latino.

Deste modo, quem fizer quais compromissos para essas datas, não tem a

menor intenção de executá-los.

Além dessas formas, os franceses costumam marcar para “à Pâques ou à la Trinité”, deixando imprecisa a data.

Os romenos usam expressões que correspondem também à nossa “quando a

galinha nascer dente”. Dizem eles “cînd s-o face agurida miere”, ou seja,

quando a uva verde fica doce. Dizem também “de joi pîna mai apoi”, que

se traduz literalmente como de quinta-feira até mais depois ou de quinta-

feira em diante. Em ambos os casos, a interpretação fácil dispensa esclare-

cimentos.

Nossa frase feita “ensinar padre-nosso ao vigário” tem correspondentes em galego, espanhol e latim.

Em galego se diz “ensinar a seu pai a fazer fillos”; em espanhol se diz “en-

señar al cura a decir misa” e em latim se diz “piscem natare doces”.

Embora todos se refiram ao fato de alguém pretender ensinar alguma coisa a

alguém que já sabe com perfeição esta coisa, cada um considera ações dife-

rentes para serem ensinadas e pessoas diferentes para receberem os ensina-

mentos.

Os espanhóis são os que mais se aproximam dos portugueses, embora ensi-

nem a rezar missa e não o padre-nosso apenas. Os galegos descem um pou-

co o nível, embora permaneçam na mesma idéia básica. Mas os latinos es-

quecem o ser humano para considerarem o peixe como sendo quem já sabe nadar muito bem.

De qualquer modo, perde-se o tempo de ensinar a quem já sabe.

Para a expressão “pão, pão; queijo, queijo”, os italianos e os espanhóis mu-

daram o queijo pelo vinho, construindo frases feitas parecidas com a nossa.

Os primeiros dizem “pane al pane, vino al vino”, enquanto os espanhóis di-

zem “al pan pan, y al vino vino”.

Os franceses e os romenos têm bastante mais divergentes em relação à nos-

sa. Dizem os franceses: “appeler un chat un chat”. Os romenos dizem: “ori

alba, ori neagra”, que se traduz literalmente: ou branco, ou negro.

Há frases feitas curiosas, ou cômicas, como as francesas correspondentes à nossa “comer o pão que o Diabo amassou”. Dizem eles: “tirer le Diable par

la queue” (puxar o Diabo pelo rabo) ou ainda “manger de la vache enragée”

(comer carne de vaca zangada).

Page 122: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

121

Como não poderíamos mostrar todos os casos, vamos concluindo esta

amostragem com a conhecida expressão com que se iniciam os contos in-

fantis: “era uma vez”.

Com uma estrutura mais ou menos semelhante, só descobrimos a forma ita-

liana “c’era una volta”.

Os espanhóis dizem: “erase que se era”. Os galegos dizem: “foi no tempo

de María Castaña”. Os romenos dizem: “a fost odata ”, que se traduz litera-

riamente como em antiga vez.

Era de se supor que forma como esta, de um certo modo literária, tivesse

constituição mais semelhante entre as diversas línguas românicas. No en-

tanto, é o que se vê, são totalmente diferentes.

Para que o leitor possa analisar outros casos ou fazer a sua análise pessoal

dessas mesmas expressões já apresentadas, apresentemo-las em ordem alfa-

bética.

Page 123: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

122

4 – FRASES FEITAS SINÔNIMAS EM LÍNGUAS ROMÂNICAS

P.54 POR ACASO

G.55 Por suposto

E.56 Por acaso.

I.57 Per caso.

F.58 Par hasard; Des fois.

R.59 Pe brodite.

L.60 Per accidens, Forte quandam.

P. NÃO SE DAR POR ACHADO

G. Non se inteirar.

E. No darse por enterado.

I. Fare l’indiano.

P. ESTAR DE ACORDO.

F. Tomber d’accord; Vouloir bien.

R. A gasi cu cale.

L. Consentire cum aliquo.

P. SEM DIZER ÁGUA VAI

E. Sin decir agua va.

F. Sans crier gare.

P. LEVANTAR ÂNCORA

E. Levar anclas; Irse com la música

a otra parte.

I. Salpere ancora.

54 P. será a abreviação de Português, neste

capítulo. 55 G. será a abreviação de Galego, neste ca-

pítulo. 56 E. será a abreviação de Espanhol, neste

capítulo. 57 I. será a abreviação de Italiano, neste ca-

pítulo. 58 F. será a abreviação de Francês, neste ca-

pítulo. 59 R. será a abreviação de Romeno, neste ca-

pítulo. 60 L. será a abreviação de Latim, neste capí-

tulo.

L. Ancoras vellere; Ancoras moliri.

P. UMA ANDORINHA SÓ NÃO

FAZ VERÃO.

E. Ni una flor hace ramo, ni una

golondrina sola hace verano.

I. Una rondine no fa primavera. F. Une hirondelle ne fait pas le

printemps.

L. Una hirundo non facit ver; Una

hirundo non efficit ver.

P. QUEM NÃO ARRISCA NÃO

PETISCA.

E. Quien no arriesca no pesca.

I. Chi no risica, non rosica.

F. Qui ne risque rien, n’a rien.

L. Nihil lucri cepit qui nulla pericla

subivit

P. ASSIM ASSIM

E. Así, así.

I. Cosí, cosí.

F. Cousi-cousi

R. Si bino si rau.

P. NUM ÁTIMO

E. En un santiamén.

R Cît sazici miau; cît ai da.

P. MATAR O BICHO.

E Matar el gusanillo.

F. Tuer le ver.

P. BODE EXPIATÓRIO

E. Chivo expiatorio; chivo emisa-

rio.

I. Capro espiatorio.

F. Bouc emissaire.

Page 124: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

123

R. T ap ispasitor; cal de ba taie.

P. (FALAR) COM SEUS BO-

TÕES.

E. Hablar para sus adentros.

I. Parlare fra sé e sé.

F. À part soi.

R. A-si sopti în barba.

P. NÃO DAR O BRAÇO A TOR-

CER.

E. No dar el brazo a torcer.

I. No dar filo da torcere.

P. NÃO ENTENDER PATAVINA

(BULHUFAS, VÍRGULA, ETC.). E. No entender ni torta.

F. Ný voir qui du feu; N’entendre

goutte à; N’y comprendre que dalle.

P. PERDER A CABEÇA.

E. Irsele a uno la cabeza.

R. A iesi din minti; A-si pierde

mintile.

L. Animo ceficer; Exire de consi-

lio.

P. DAR CABO DE.

E. Dar buena cuenta de.

F. Venir à bout de.

R. A mînca fript (pe cineva).

P. CAIR EM SI.

E. Volver en sí.

I. Tornare in sé.

P. (DAR ou VENDER) A CAMISA

DO CORPO.

E. (Vender) uno hasta la camisa.

F. (Y laisser) as dernière chemise.

P. QUEM CANTA, SEUS MALES

ESPANTA.

E. Quien canta, sus males espanta.

I. Chi canta, il soffir incanta.

F. Qui chante, son mal enchante.

P. FAZER CARA FEIA.

E. Poner cara de pocos amigos. R. Ase face cîrlig.

L. Oculis infestis conspire; Excipe-

re malo vultu.

P. NEM CARNE NEM PEIXE.

E. Ni carne ni pescado; Ni chicha

ni limonada (ou limoná).

I. Nè carne, nè pesce.

F. N’être ni chair ni poisson.

P. BOTAR AS CARTAS NA ME-

SA. F. Jouer cartes sur table; Jouer ses

cartes sur la table.

R. A da în carti. L. Astuto nihil esse acturus.

P. DAR AS CARTAS.

I. Avere il mestolo in mano.

F. Tenir le dé; Tenir la queue de la

poêle.

R. A da cu cart ile.

P. CASA DA MÃE JOANA.

F. La cour du roi Pétaud.

R. Sat fara cîini.

P. EM TODO CASO.

E. En todo caso. I. In tutti i modi.

F. En tout cas; À tout hasard.

R. În tot cazul.

Page 125: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

124

L. Quidquid est; Utcumque erit;

Utcumque casura res est.

P. CAVALO DADO NÃO SE

OLHA A IDADE.

E. A caballo de presente no se le

mira el diente.

I. A caval donato non si guarda in

bocca. F. À cheval donné on ne regarde

pas la bouche.

L. Equi donati dentes non insipi-

cuntur.

P. FAZER CENA.

E. Hacer escenas.

I. Far scenate.

F. Faire une scène à quelqu’un;

Faire du chichi; Faire des chichis.

P. A CÉSAR O QUE É DE CÉ-SAR.

E. Lo de Cesar dalo a Cesar.

I. A Cesare quello che é di Cesare.

F. À César ce qui appartient à Cé-

sar.

L. Quæ sunto Cæsaris, Cæsari.

P. CAÍDO DO CÉU.

F. Tombé du ciel.

L. Missus caelo.

P. A SETE CHAVES.

E. Bajo siete llaves.

L. Servatus centus clavibus.

P. AFINAL DE CONTAS

G. Ao fin e ao cabo.

I. Alla fine dei conti.

F. Au bout du compte; Après tout;

Tout compte fait; À tout prendre.

P. FAZER DE CONTA

I. Far conto.

F. Faire semblant.

P. TER EM CONTA DE

G. Ter en conta.

E. Llevar en cuenta.

I. Tenere in conto di. F. Tenir compte; Faire la part de

quelque chose.

R. A face caz.

P. DE COR

E. De coro; De memoria.

I. A memória.

F. Par couer.

R. Pe de rost; Din gînd; Pe dinafara; Pe din afara.

P. TIRAR O CORPO FORA.

E. Echar el cuerpo fuera.

F. Tiere son épingle du jeu; Se tirer

d’affaire; Tirer au flanc; Tirer au

cul.

P. TER COSTAS QUENTES.

E. Tener las espaldas cubiertas. F. Avoir bon dos.

P. VOLTAR AS COSTAS A AL-

GUÉM.

E. Dar la espalda alguien.

L. Tergum vertere.

P. ENTRAR NO COURO.

F. Prendre une piquette.

R. A mînca bataie; A lua la de-

panat.

P. DAR-SE MAL

Page 126: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

125

E. Llevarse mal.

R. A ajunge rau.

P. POUCO SE ME DÁ

E. Me importa muy poco.

F. Je m’en fiche.

P. DIA DE SÃO NUNCA DE

TARDE.

E. Cuando febrero tenga treinta dí-

as.

F. Trois jours après jamais; La se-

maine des quatre jeudis; À Pâques

ou à la Trinité.

R. Cînd s-o face agurida miere; De

joi pîna mai apoi.

L. As kalendas græcas.

P. HOJE EM DIA.

E. Hoy en día; Hoy poer hoy; Hoy

día.

I. Al giorno d’oggi.

F. Des nos jours.

P. O DIABO QUE O CARRE-

GUE. F. Que le Diable l’emporte.

R. Bata-te sa te bata!

P. POBRE DIABO.

E. Pobre diablo.

F. Un pauvre diable.

L. Homo nihili.

P. VÁ PARA O DIABO.

F. Va te faire fiche. R. La dracu cu; Du-te la naiba!

L. Abi ad Acherontem; Abi in ma-

lam pestem.

P. POR ASSIM DIZER.

F. Pour ainsi dire; Autant vaut dire.

R. Ca sa zic asa.

P. PASSAR UMA ESPONJA

F. Passer l’éponge.

R. A da cu buretele.

L. Spongia delere.

P. PERDER AS ESTRIBEIRAS.

E. Perder los estribos.

R. A scoate din pepeni.

P. COM A FACA E O QUEIJO

NA MÃO

E. Estar con la sartén por el mango;

Ser el que corta el bacalao.

I. Avere il coltello per il manico.

F. voir beau jeu.

P. POR FAVOR.

E. Por favor.

F. S’il vous plaît.

R. Prin hatir.

P. ESTAR FRITO

I. Esser fritto; Star fresco.

F. Être frit; Être fichu; Être fait.

P. O FUTURO A DEUS PER-

TENCE. E. El futuro es de Dios.

I. L’avenire è nelle mani di Dio.

P. FAZER ALGUÉM DE GATO-

SAPATO.

E. Tomar el pelo a alguien.

I. Fare qualcuno de mosca cieca.

P. GRAÇAS A DEUS!

E. ¡Gracias a Dios!

F. Dieu merci!

Page 127: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

126

R. Slava Domnului!

L. Deo Gratias!

P. DE HORA EM HORA DEUS

MELHORA.

I. Di ora in ora, Iddio migliora.

F. En peau d’heures, Dieu labeure. L. Utile quid nobis novit Deus om-

nibus horis

P. IDAS E VENIDAS.

E. Idas y venidas.

F. Allées et venues.

P. IR PARA O INFERNO.

I. Andare al diavolo.

L. Sub terras ire.

P. ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS.

E. Donde el diablo perdió el pon-

cho; Por las lomas de Zamora.

F. Au diable vauvert; Au diable

vert.

P. PERDER O SEU LATIM.

G. Gastar o seu latín.

F. Y perdre son latin.

L. Non habeo quo me vertam.

P. LEVAR A MAL

E. Llevar a mal.

I. Aversela a male.

F. Prendre en mauvaise part.

P. MAIS OU MENOS.

E. Mas o menos.

I. Più o meno.

F. À peu-près; À peu de chose près;

Pas mal.

L. Plus minus.

P. BOTAR A MÃO NO FOGO.

E. Poner las manos en el fuego.

I. Metter la mano sul fuoco.

F. En metre la main au feu.

P. DAR AS MÃOS À PALMA-

TÓRIA

F. Faire amende honorable; Batre as coulpe.

L. Manus dare.

P. FICAR DE MÃOS ABANAN-

DO

E. Quedar com las manos vacías.

I. Tornarsene a mani voute.

F. Revenir bredouille; Rentrer bre-

douille.

P. À MEDIDA QUE.

E. A medida que. F. À mesure que; Au fur et à mesu-

re.

R. Cu cît.

L. Ut quieque.

P. DANÇAR CONFORME A

MÚSICA

G. En terra de lobos ai que ouvear

como todos.

F. Hurler avec les loups.

P. DE NADA.

E. Por nada.

F. Il n’y a pas de quoi.

P. POR QUE NÃO?

E. ¿Por qué no?

F. Porquoi pas?

R. D-apoi cum nu?

Page 128: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

127

P. METER O NARIZ EM.

E. Meter las narinas en; Meter la

nariz.

I. Mettere il naso.

F. Fourrer le nez dans; Fourrer son

nez partout.

R. A-si baga nasul în toate; A se

anesteca unde nu-i fierbe oala.

L.Immiscere se alicuius negotiis.

P. FICAR A VER NAVIOS.

E. Quadarse a la luna de Valencia;

Quedase con un palmo de narices.

I. Restare con un pugno de mosche;

Restare con un palmo di naso.

F. Être de la revue.

P. À NOITE TODOS OS GATOS

SÃO PARDOS. E. De noche todos los gatos son

pardos.

I. Al buio tutte le gatte son bigie;

Di notte tutti i gatti son bigi.

F. La nuit, tous les chats son gris.

L. Nocte latent mendæ; Lucerna

sublata nihil discriminis inter mulie-

res.

P. CAIR DAS NUVENS

E. Caer de las nubes. I. Cader dalle nuvole.

F. Tomber des nues.

L. Attonitis animis haerere.

P. PÔR ALGUÉM NAS NUVENS.

E. Poner alguien en las nubes.

L. Ad cælum ferre aliquem.

P. NÃO PREGAR OLHO.

G. Non cerrar ollo.

E. No pegar ojo.

F. Ne pas fermer l’oeil.

L. Somnum non vidit.

P. SER DURO DE OUVIDO.

I. Duro d’orecchio; Duro d’orecchi.

F. Être dur d’oreille; Avoir l’oreille

dure; Être dur de la feuille.

L. Aures habetiores.

P. ENSINAR PADRE-NOSSO AO

VIGÁRIO.

G. Ensinar a seu pai a fazer fillos.

E. Enseñar al cura a decir misa.

L. Piscem natare doces.

P. PALAVRA DE HONRA.

E. Palabra de honor.

F. Parole d’honneur.

R. Pe crucea mea.

L. Medius fidius.

P. PEDIR A PALAVRA.

E. Pedir la palabra.

I. Chiedere la parola.

L. Ius dicendi petere.

P. NÃO MOVER UMA PALHA.

E. No mover una paja.

F. Ne pas en ficher une secousse.

P. PANO DE FUNDO.

E. Telón de fondo. I. Scena di fondo.

P. PÃO-PÃO, QUEIJO-QUEIJO.

E. Al pan pan, y al vino vino.

I. Pane al pane, vino al vino.

F. Appeler un chat un chat.

R. Ori alba, ori neagra.

Page 129: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

128

P. COMER O PÃO QUE O DIA-

BO AMASSOU.

I. Vivere fra gli stenti.

F. Tirer le Diable par la queue;

Manger de la vache enragée.

P. NÃO TER PAPAS NA LÍN-

GUA.

E. No tener pelos en la lengua. F. Ne pas avoir la langue dans as

poche.

P. TIRAR PARTIDO DE.

E. Sacar partido de.

I. Prender partito di.

R. A lua partea cuiva; A t ine cu.

P. SE QUERES A PAZ, PREPA-

RA A GUERRA. F. Si tu veux la paix, prépare la

guerre.

L. Si vis pacem, para bellum.

P. PÉ ANTE PÉ.

G. Andar pe ante pe.

E. De puntillas; A la chita callando;

Paso a paso.

I. In punta di piedi.

F. À pas de loup; À pas de velours.

P. SEM PÉ NEM CABEÇA.

E. No tener ni pies ni cabeza.

I. Senza capo né coda.

F. Sans queue ni tête.

L. Nec caput nec pedes habere.

P. VALER A PENA.

E. Merecer la pena.

I. Valere la pena.

F. Ca vaut le coup.

R. A merita osteneala.

P. TIRAR UMA PESTANA.

I. Fare un sonnellino.

F. Piquer un roupillon.

P. PÔR OS PINGOS NOS IS.

E. Poner los puntos sobre las íes.

F. Mettre les points sur les i.

P. QUEM PLANTA COLHE.

E. Quien siembra, coger espera.

I. Chi semina, racconglie.

F. Il faut semer pour récolter.

P. ANDAR NA PONTA DOS PÉS

E. Andar de puntillas.

I. Sulla punta dei piedi.

L. Ire gradu suspenso; Summis di-

gitis ambulare.

P. DE PONTA A PONTA. G. De riba a baixo.

E. De punta a punta; De cabo a ra-

bo.

I. De cima al fondo.

R. Din cap in cap; Din fir pîna in

ata . P. SABER NA PONTA DA LÍN-

GUA.

E. En la punta de la lengua.

I. Sapere a fil di campanello.

F. Savoir sur le bout de la langue.

R. A sti pe degete.

P. DE QUANDO EM QUANDO.

E. De cuando en cuando.

I. Di tanto in tanto.

R. Din cînd în cînd; Cînd si cînd;

Pe alocuri.

Page 130: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

129

P. OLHAR COM O RABO DO

OLHO.

G. Ollar de reollo.

E. Mirar com el rabillo de ojo.

R. A se uita acru la cinova.

L. Limis oculis adspicere; Limis

oculis intueri.

P. COM O RABO ENTRE AS PERNAS.

E. Com el rabo entre las peirnas.

R. Cu coada între picicare.

L. Remulcere caudam.

P. BATER EM RETIRADA.

I. Battere in ritirata.

F. Batre en retraite.

R. A da îndarat (înapoi).

P. NÃO SEI O QUÊ.

E. No sé qué.

I. No so che.

R. Nu stiu ce.

P. TIRAR SARDINHA COM MÃO DE GATO.

I. Cavar la castagna del fucco con

la zampa altrui; Togliere le castagen

dal fuoco com lo zampino del gatto.

F. Faire commo le singe; Tirer les

marrons du feu avec la patte du

chat.

P. O SEGURO MORREU DE VE-

LHO.

G. Quen dunha escapa cen aos vi-

ve. E. Dona Prudencia murió de vieja.

F. La prudence est la mère de la su-

reté.

P. TAL QUAL.

G. Tal cal.

E. Tal cual.

I. Tale e quale.

R. Iac-asa.

L. Talis qualis.

P. MATAR O TEMPO.

E. Matar el tiempo.

I. Ammazzare il tempo.

F. Tuer le temps.

R. A-si împlini timpul.

P. (CONTAR) TINTIM POR TIN-

TIM.

E. Con pelos y señales; Punto por

punto; C’por bé. Punto per punto.

F. Conter par le menu; Raconter

par le menu.

P. PERDER A TRAMONTANA.

E. Perder la tramontana; Perder el

rumbo.

I. Perdere la tramontana.

F. Perdre la tramontane; Battre la

campagne.

R. A iesi din balamale.

L. Mantem amittere.

P. DE VEZ EM QUANDO.

G. De vez en cando.

E. De vez en cuando.

F. De temps en temps; De temps à

autre; Par moments.

P. ERA UMA VEZ.

G. Foi no tempo de María Castaña. E. Erase que se era.

I. C’era una volta.

R. A fost odata.

Page 131: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

130

P. DAR ÀS DE VILA-DIOGO.

E. Tomar las de Villadiego; Coger

las de Villadiego.

F. Prendre le chemin de Saint Jac-

ques.

R. A-si lua cîmpii.

5 – CONCLUSÃO:

As frases feitas, nas línguas românicas, são elementos de vital importância

para o conhecimento da história externa de cada uma delas, isoladamente, e

de todas elas, no conjunto da romanidade lingüística.

Sua análise pode entremostrar as mais diversas naturezas de fatos com os

quais esteve relacionada uma língua durante a sua história. Desde os fatos

históricos, propriamente ditos, aos que seus falantes, e mesmo com os que

dizem respeito ao meio ambiente em que ela se desenvolve ou se desenvol-

veu, em determinado período.

Analisada do ângulo da fraseologia, a unidade lingüística românica será

compreendida de um modo bastante globalizante. Talvez maior do que se o

for de qualquer outro ponto de vista.

Além disso, através de provérbios, rifões, anexins, adágios, etc., a diversi-dade subjacente nesta unidade maior poderá ser vista com grande naturali-

dade, tornando, certamente, mais simples, interessante e curioso estudo

comparativo das línguas que constituem esta família lingüística.

Analisando a convergência e a divergência da fraseologia românica, preten-

demos ter mostrado a viabilidade de um importante estudo de tal natureza.

Não o concretizamos aqui e agora porque nos faltam meios para conseguir

uma amostragem suficientemente confiável e porque não dispomos de tem-

po.

Mesmo assim, estamos convictos de termos contribuído para o desenvolvi-

mento da Lingüística e da Filologia Românica, alertando os estudiosos para

este interessante ramo dos estudos lingüísticos e filológicos. Com as limitações a que nos submetemos, já descritas na introdução, dei-

xamos ainda uma amostragem de 108 frases feitas para que os interessados

possam experimentar a nossa sugestão, antes de se embrenharem numa pes-

quisa mais demorada.

Voltamos a lembrar que a nossa bibliografia de línguas estrangeiras é insu-

ficiente. Daí o número e a qualidade de expressões nestas línguas, que pode

ser melhorado muito, com alguma pesquisa. Inclusive com maior proximi-

dade e semântica a morfossintática.

Page 132: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

131

Enfim, agradecemos a paciência e a gentileza do leitor, por ter chegado até

aqui.

Esperamos que tenha valido a pena.

Page 133: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

132

6 – BIBLIOGRAFIA:

ALMOYNA, Julio Martínez. Dicionário de espanhol-português. Porto:

Porto Editora. [1983]. 1058 p.

AMENDOLA, João. Dicionário italiano-português. São Paulo: Fulgor,

1961. 998 p.

ANDRADE, Carlos Drummond. Os dias lindos. 2ª ed. /Com dados bio-

gráficos do autor/. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. X+145 p.

______. De notícias & não notícias faz-se a crônica: histórias, diálogos, divagações. 3ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro:

J. Olympio, 1978. X+182 p.

______. Poesia e prosa. Organizada pelo autor. Com nora editorial, de

Afrânio Coutinho; As várias faces de uma poesia, de Emanuel de Mo-

raes; Fortuna crítica; Cronologia da vida e da obra; Bibliografia. Rio

de Janeiro: Aguilar, 1979. 1534 p. [Corresponde à 5ª ed. da Obra

Completa].

______. Boca de luar. [Rio de Janeiro]: Record, [1984]. 217 p.

BECKER, Idel. Grande dicionário latino-americano português-espanhol.

São Paulo: Nobel, 1983. 499 p.

BUESCU, Victor. (Coord.) . Dicionário de romeno-português. Porto: Por-

to Editora, [1977]. 475 p. CAMPOS, Aluízio Mendes. Dicionário francês-português de locuções.

Apresentação de Ângela Vaz Leão. Com assessoria de Albert Audu-

bert e Rodolfo Ilari. São Paulo: Ática, [1980]. 301 p.

CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções tradicionais Do Brasil. Recife:

Universidade Federal de Pernambuco, 1970. 327 p.

CAVERO, David Ortega. Dicionário portugués-español/español-

portugués. Revisado y puesto al día por Júlio da Conceição Fernan-

des. Barcelona: Ramon Sopena. [1975]. 1856 p.

CORRÊA, Roberto Alvim & Steinberg, Sary Hauser. Dicionário escolar

francês-português, português-francês. 6ª ed. revista e atualizada.

[Rio de janeiro]: Fename, 1980. 940 p. ______. Gramática da língua francesa. [Rio de Janeiro]: Fename, [1968].

351 p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; Assistentes: Margarida dos An-

jos et alii. Novo dicionário da língua portuguesa. [Rio de Janeiro]:

Nova Fronteira [s.d.]. X+1499 p.

LAUSBERG, Heinrich. Lingüística românica. Tradução de Marion

Ehrhardt e Maria Luísa Schemann. 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian [1981]. 458 p.

Page 134: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

133

MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa;

com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos

vocábulos estudados. 3ª ed. Lisboa: Livros Horizonte [s.d.]. 5 v.

MAGALHÃES JÚNIOR, R.[aimundo]. Dicionário de provérbios, locu-

ções, curiosidades verbais, frases feitas, etimologias pitorescas, cita-

ções. [Rio de Janeiro]: EDIOURO [s.d.]. 366 p.

MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Fortaleza: Universidade Federal

do Ceará; [Rio de Janeiro]: J. Olympio, 1982. 433 p.

RÓNAI, Paulo. Guia prático da tradução francesa. 2ª ed. revista e ampli-ada. [Rio de Janeiro]: Educom [1975]. XVI + 120 p.

______. Não perca o seu latim. /Rio de Janeiro/ Nova Fronteira, /1984/.

SILVA, José Pereira da. A estrutura das frases feita. Trabalho final apre-

sentado ao Prof. Edwaldo Cafezeiro, no curso de Estruturas Frasais,

em 1984. Tem 45 laudas.

______. A fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade:

subsídios para um dicionário básico. Trabalho final apresentado aos

Professores Mário Camarinha da Silva, no curso de Técnica da Pes-

quisa, e Belchior Cornélio da Silva, no curso de Etimologia e Lexico-

logia, em 1984. Tem 125 p.

______. A origem das frases feitas usadas por Drummond: contribuições

para sua história e etimologia. Trabalho final apresentado ao Profes-sor Belchior Cornélio da Silva, no curso Do Latim ao Português, em

1984. Tem 111 p.

SPINELLI, Vincenzo & CASANTA, Mário. Dizionário completo italiano-

portoghese (brasiliano) e portoghese (brasiliano)–italiano. Con

l’etimologia delle voci italiane e portoghesi (brasiliane), la lor esatta

traduzione, frasi e modi di dire. Milano: Editor Ulrico Hoelpi, 1957 e

1962. 2v.

TORRINHA, Francisco. Dicionário latino-português. 3ª ed. [Porto]: Ma-

ranus, 194561. 957 p.

______. Dicionário português-latino. 2ª ed. Porto: Domingos Barrera Edi-

tor & Livraria Simões Lopes [s.d.]. 1129 p. VICTORIA, Luiz A. P. Dicionário de frases, citações e aforismos latinos.

3ª ed. Rio de Janeiro: Científica, 1966. 212 p.

61 Uma nota na última página informa que o volume acabou de imprimir-se em 1959.

Page 135: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

134

A ORIGEM DAS FRASES FEITAS

USADAS POR DRUMMOND

(contribuições para sua história e etimologia) 62

Estudo conjetural sobre a

origem histórico-lingüística

de frases feitas utilizadas por

Carlos Drummond de An-

drade em suas Crônicas.

Análise comparativa de al-

gumas variantes vernáculas.

62 Trabalho final apresentado ao Professor Belchior Cornélio da Silva, no curso Do Latim ao

Português, na Faculdade de Letras da UFRJ, no segundo semestre de 1984.

Page 136: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

135

1 – INTRODUÇÃO:

Embora a Paremiologia não tenha definido ainda com perfeição os diversos

tipos de manifestações lingüísticas que constituem o objeto de suas investi-

gações, sentimos a necessidade de estabelecer o que entendemos por frase

feita, para que possamos estabelecer os limites de nossa pesquisa.

Esclarecemos, em primeiro lugar, que as frases feitas, no sentido que pre-

tendemos estudar não levam em conta o fato de serem ou não usadas na lin-

guagem corrente atual e geral, embora o sejam quase sempre. É que nosso

trabalho pretende ser filológico e não folclórico. Dando uma definição mais precisa de frases feitas do que o fizemos no tra-

balho A Fraseologia nas Crônicas de Carlos Drummond de Andrade: Sub-

sídios para um Dicionário Básico63, como começamos por observar que

elas constituem abreviações ou paráfrases do provérbios, adágios, rifões,

etc., ou meras alusões a tais expressões proverbiais. As frases feitas se ca-

racterizam por sua subordinação e adaptação à construção da frase corrente,

na qual se integram. Diferentemente dos provérbios, não constituem neces-

sariamente, unidades completas e independentes, como ensina Amadeu

Amaral.64

Os provérbios, além de constituírem unidades completas e independentes,

são construídos em forma concisa e pitoresca, revelando uma sabedoria fei-

ta de experiência.65 Voltando às frases feitas, lembramos que todas as frases “fossilizadas em

sua forma e seu sentido e usadas no discurso à maneira de uma locução”66

são objeto de estudo da Fraseologia, mesmo se usadas apenas na linguagem

literária e erudita.

Como as pesquisas em Ciências Humanas não podem ter um nível de com-

provação de suas hipóteses semelhantes ao que têm as Ciências Físicas e

Biológicas, os etimologias, e os filólogos em geral, satisfazem-se em anali-

sar a sua “mostra”, compará-la com variantes documentadas, analisar conje-

turas já formuladas por outros especialistas e estabelecer novas hipóteses.

Raramente se estabelecem verdades consideradas definitivas durante muito

tempo. É lamentável, mas não é outra coisa o que fizeram Antenor Nascentes, José

Pedro Machado, Antônio Geraldo Cunha, João Ribeiro, Luís da Câmara

Cascudo e todos os outros que se embrenharam por este caminho. Neste ca-

so, só se pode falar em prováveis exceções em relação a alguns verbetes.

Jamais para toda a obra de um autor.

63 Trabalho final apresentado na Faculdade de Letras da UFRJ. 64 Cf. AMARAL, A. (1948) p. 220. 65 Cf. AMARAL, A. (1948) p. 219-220 66 CÂMARA JR., J. M. (s.d.) s.v.

Page 137: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

136

As frases feitas estudadas aqui foram extraídas das crônicas de Carlos

Drummond de Andrade. Pretendemos esclarecer a origem de algumas des-

sas construções proverbiais e indicar pistas que possam levar a tal esclare-

cimento das restantes. Contribuiremos, assim, para compreensão do seu

verdadeiro sentido. Evitaremos repetir as abonações drummondianas e os

seus significados, visto que isto já foi feito no trabalho que citamos acima.67

Quanto aos estudos sobre este mesmo tema, registramos sua escassez e sua

infância. Embora tenham surgido trabalhos de real valor, como os de J.

Ribeiro68 e os de L. da Câmara Cascudo69, por exemplo, poucos foram os trabalhos desta natureza que tenham merecido a referência da crítica especi-

alizada. Além disso, não conseguimos registrar trabalhos merecedor de crí-

tica sobre o nosso tema anterior ao badaladíssimo Origens de Anexins, etc.,

de A. de Castro Lopes70, que ainda não comemorou seu centenário.

Indicamos na Bibliografia71, além das obras por nós consultadas, os traba-

lhos de Antônio de Castro Lopes, Lindolfo Gomes, Monsenhor Vicente

Lustosa e Tomás Antônio Pires, que são peças importantes no desenvolvi-

mento desta pesquisa, mas não puderam ser manuseadas.

Seguimos, grosso modo, a orientação metodológica de João Ribeiro, em su-

as Frases Feitas72, e Luís da Câmara Cascudo, em suas Locuções Tradicio-

nais no Brasil,73 redigindo todo o trabalho em forma de artiguetes.

Quanto à disposição dos artiguetes ou verbetes, seguimos a ordem alfabéti-ca das palavras chaves, orientando-nos por Antenor Nascentes74 e por Auré-

lio Buarque de Holanda Ferreira.75

Quanto às normas de redação e datilografia, seguimos o que ensina o nosso

Mestre, Mário Camarinha da Silva.76

Registramos todas as variantes encontradas, seja quanto à forma, seja quan-

to ao sentido, mesmo quando nada pudéssemos concluir a respeito. As va-

riantes em língua estrangeira só foram anotadas quando parecia muito pro-

vável uma filiação ou qualquer forma de parentesco próximo.

67 SILVA, J. P. (1984) p. 18-118. 68 RIBEIRO, J. (1933), (1960) e (1963) . 69 CASCUDO, L. C. (1968), (1970) e (1984) . 70 LOPES, A. C. (1886) / (1909) . 71 Talvez não seja o lugar mais adequado, por fazer crescer a Bibliografia com simples indica-

ções de obras não consultadas. 72 RIBEIRO, J. (1960) . 73 CASCUDO, L. C. (1970) . 74 NASCENTES, A. (1945) . 75 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) p. VIII, § 5. 76 SILVA, M. C. (s. n. t.)

Page 138: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

137

2 – UMA INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA E ETIMOLÓGICA DAS

FRASES FEITAS.

2.1. – Não se Dar por Achado

João Ribeiro afirma que “ACHAR é voz arábica que não tinha o sentido,

corrente hoje, de descobrir ou encontrar,”77 de onde imagina derivar as pa-

lavras achaque, enxaqueca, etc., que equivalem a doenças, mal-estar, defei-

to ou moléstia.

Enfim, “achar está por achacar e restou penas na locução proposta, tornan-do-se voz obsoleta nos demais casos. Dar-se por achado é dar-se por acha-

cado e ofendido.”78

A forma e o sentido da frase já era o mesmo no Cancioneiro Geral, já sendo

freqüente nos quinhentistas.

A explicação de João Ribeiro não satisfaz, pois é muito pequena a probabi-

lidade de ter havido o processo fonético que resultaria achar a partir do ára-

be /as-saka/ ou achaque.

Inclusive, João Ribeiro não persistiu na defesa de sua conjetura nem tentou

rebater as críticas de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, como recorda Luís da Câmara Cascudo.79

O correspondente etimológico de achar, em castelhano, é ajar e não hal-

lar, opina ainda João Ribeiro, visto que “ajar /é/ maltratar de palabra a al-

guno para humillarle”80, segundo os léxicos castelhanos.

Seria achar um derivado de achanar=achaar=achar?

Esta hipótese, sugerida por Carolina Michaëlis de Vasconcelos81, não é de

todo improvável. Afinal de contas, esta palavra é um arcaísmo que se revi-

talizou no Brasil, principalmente no Nordeste e que significa “reduzir ou

aniquilar moralmente; abater, humilhar, achatar;” e ainda “dominar, subju-

gar: Apesar de sua força o adversário terminou achanando-o”.82

Sendo assim, não se dar por achado pode ser não se dar por achanado, o que parece até mais lógico.

O que é certo é que o verbo achar, em seu significado atual em português,

nada tem a ver com a frase em questão.

2.2. Sem Dizer Água Vai

77 RIBEIRO, J. (1960) p. 201. 78 RIBEIRO, J. (1960) p. 201. 79 CASCUDO, L. C. (1970) p. 275. 80 RIBEIRO, J. (1960) p. 202, notas. 81 Apud J. Ribeiro. Frases Feitas, 1960, p. 203. 82 FERREIRA, A. B. H. (s. d.), verbete “Achanar”.

Page 139: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

138

Esta locução é antiga e sua explicação é conhecida. Ela provém dos tempos

em que ainda havia esgotos nas cidades.

Os moradores lançavam normalmente a água usada pelas janelas, usando

sempre o indispensável grito de alerta aos transeuntes: Água vai!...

É compreensível a intolerância às pessoas que costumavam lançar seus de-

jetos à rua sem o costumeiro grito.

Com o sistema de esgotos, o velho costume desapareceu, mas a expressão

sobreviveu com um significado bastante próximo do original.83

2.3. Pôr a Alma pela Boca

As idéias de alma e sopro ou corrente de ar expelida dos pulmões, desde os

tempos bíblicos, estão em estreita relação.

Foi com um sopro que Deus infundiu a vida ao primeiro homem, conforme

a versão de Gênesis 2:7.

Pôr a alma pela boca, a partir desta interpretação, passa a sugerir a idéia de

perder a vida ou parte da vida, o que normalmente acontece com o cansaço

ou sofrimento excessivo.

Raimundo Magalhães Júnior registra a variante deitar a alma pela boca, já

documentado na Feira de Anexins, de D. Francisco Manuel de Melo.84

2.4. Debaixo desse Angu tem Carne Angu é uma alimentação barata, cujo elemento básico é o fubá de milho ou

farinha de mandioca. Foi largamente utilizado na alimentação dos escravos

negros no Brasil.

Como as cozinheiras também eram escravas, freqüentemente se encontra-

vam pedaços de carne que deveriam ser reservados aos feitores escondidos

debaixo do angu de determinados escravos protegidos pela cozinheira ou

por outra pessoa, geralmente o transportador dos alimentos ou seu distribui-

dor.

Por isso, se fosse observado que determinado escravo estava muito cuidado-

so com sua porção de angu ou se houvesse preferência por uma outra, des-

confiava-se sempre dessa diferença de tratamento. E todos pensavam que debaixo daquele angu devia haver carne.

Até bem pouco tempo ainda se costumava fazer dessas trapaças com os

“companheiros” de trabalho, reservando-se uma marmita ou caldeirão espe-

cial para o dono do serviço. Este se afastava um pouco de seu grupo para

saborear sua refeição de maneira escondida dos outros. Debaixo do angu, a

cozinheira botava a carne ou torresmo, que não existia nas marmitas dos ou-

tros.

83 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 308 e CASCUDO, L. C. (1970) p. 116-117. 84 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 101.

Page 140: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

139

Leonardo Mota registra uma variante: “Debaixo desse angu tem torresmo”,

que tem o mesmo valor semântico e origem semelhante. A pequena dife-

rença está no grau ou intensidade da discriminação entre os tratamentos dis-

pensados, lembrando-se a decadência dos todo-poderosos senhores de es-

cravos e de outras elites.

A extensão do significado fez esquecer o antigo costume e aplicar a expres-

são a qualquer tipo de disfarce para transportar qualquer tipo de coisa de

maior valor que o aparente.

2.5. Arrastar a Asa.

Arrastar a asa é a forma de um galo cortejar a galinha.

É da observação deste fato que surgiu a frase feita que indica o seu corres-

pondente entre os humanos, ou seja, o cortejo do homem a uma mulher.

Como o galo é o símbolo do macho dominador, subentende-se que arrastar

asa inclui a demonstração de habilidades de macho ou mesmo de machista.

Muitas outras expressões proverbiais em trono do galo ressaltam esta sua

característica, comparando-o ao homem machista e dominador. Vejamos:

Cada galo canta no seu poleiro, e o bom no seu e no alheio; Folgai, gali-

nhas, que é morto o galo; Galo que fora de horas canta, faca na garganta;

Na casa de Gonçalo, canta a galinha e o galo; Onde canta galo não canta

galinha; Onde há galo não canta galinha; Triste é a casa onde a galinha canta e o galo cala;85 Onde o galo canta, aí janta;86 Galo, antes de cantar,

bate as asas três vezes; Galo cantando, à boca da noite, é sinal de que es-

tão furtando moça; Como canta o galo velho, assim cantará o novo; Todo

galo é valentão para galinha e capão; A pinta que o galo tem o pinto nasce

com ela; Cantiga que o pinto canta o galo já cantou; Galo no seu poleiro

briga com o mundo inteiro; Franga que canta chama galo: Galo velho; Ga-

lo de um terreiro só; O galo daqui sou eu; Cantar de galo; Quando o galo

canta fora de hora é moça roubada que vai dando o fora; Baixar a crista;

Cada galo em seu terreiro; Depressa que só trepada de galo.

2.6. Ficar Debaixo do Balaio A expressão lembra o processo caseiro, ainda usado no interior de Minas

Gerais, de fazerem que as galinhas percam o choco. O processo consiste

em prender a galinha choca sob um balaio e sobre uma poça d’água, de mo-

do que ela não possa deitar-se, na posição normal de chocar. (Galinha não

85 Este adágio é uma versão literal do italiano: “Trist’é quella casa dove la gallina canta e il

gallo tace”. Os quatro os antecedem sãos suas variantes. 86 Depara-se aqui um caso curioso, observa Amadeu Amaral, em seu livro Tradições Popula-

res, (1948), p. 262: “por influência, naturalmente, do verbo ‘cantar’, que em outros dizeres

consagrados aparece como predicado do sujeito ‘galo”, alterou-se desse modo o velho provér-

bio português, que é: ‘Abade, d’onde canta, daí janta’.”

Page 141: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

140

se deita sobre água.) Desta maneira aparentemente cruel, a galinha se es-

quece plenamente do seu instinto de chocadeira, voltando naturalmente aos

eu período de postura.

Aplicada aos namorados, ficar debaixo do balaio é uma situação idêntica,

em que eles têm de esquecer o parceiro ou a parceira desejada e procurar

outra, recomeçando, forçadamente, todo o ciclo que já iniciaram.

2.7. Plantar Bananeira

O que é característico e marca o ridículo de tal ato é aspecto visual, a partir do qual se criaram várias metáforas. Tais metáforas, sugeridas pelas natu-

rais substituições dos nomes das partes pudendas do corpo humano por no-

mes relacionados com animais, plantas ou objetos, são conseqüências dos

tabus lingüísticos que cercam, principalmente, órgãos sexuais.

Quem planta bananeira, ficando de pernas para cima e de cabeça em dire-

ção ao solo (senão posta ao solo) cria a imagem de uma bananeira, com um

cacho, com banana, com umbigo, com as folhas representadas pelas pernas,

tudo isto muito exposto e aumentado o aspecto ridículo com o fato de ser a

posição oposta à que normalmente o ser humano posa.

A idéia de ridículo deste ato, portanto, está relacionado com um aspecto

psíquico da linguagem, que se estabelece por comparação ou associação de

imagens.

2.8 Matar o bicho

Este é um processo usado pelos beberrões há mais de quatro séculos para

tomar de vez em quando o seu gole de bebida forte.

Inicialmente, e até bem pouco tempo, o pretexto medicinal rezava que um

gole de bebida alcoólica de alto teor, ingerida pela manhã em jejum, surpre-

ende o bicho que deve existir dentro do beberrão, combatendo-o.

A história de Madame La Vernade, filha de um general francês, que morreu

em 1519 e que tinha um verme atravessado no coração, resistindo a todos os

tóxicos, parece ter dado início a esta crença, que mais parece uma desculpa.

Conta-se que Madame La Vernade, falecendo subitamente, foi autopsiada, tendo-se encontrado tal verme atravessado em seu coração. Não morrendo

com aplicação de todos os tóxicos disponíveis, os médicos embeberam um

pedaço de pão em vinho forte, colocando sobre o pão umedecido o resisten-

te verme. Foi o suficiente para que ele morresse imediatamente.

A partir de então, os médicos passaram a aconselhar que se quebrasse o je-

jum com pão e vinho.

Os beberrões, no entanto, não se contentaram com o pão e o vinho. Come-

çaram a tomar bebida mais forte e, depois, aboliram o pão. Atualmente,

Page 142: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

141

mata-se o bicho a qualquer hora, e o vinho foi substituído pela cachaça, de

preferência.

A fraseologia brasileira relacionada com a cachaça é das mais ricas que te-

mos. Com o significado idêntico ao de matar o bicho temos as seguintes,

além de outra: Morder a batata; Dobrar o cotovelo; Quebrar a munheca;

Acender a lamparina; Alertar as idéias; Molhar a palavra; Molhar o bico;

Mudar a camisa; Tomar um oito; Mudar o colarinho; Salgar o galo.87

2.9. Matar o Bicho do Ouvido É tradicional a crença de que a cera do ouvido é retirada por um bicho, que

é o responsável pela audição, pois do contrário o ouvido seria entupido de

cerúmen. Como o excesso de ruído causa a surdez, acredita-se que o bicho

do ouvido morre ou adoece toda vez que houver mais ruído do que o supor-

tável, seja quanto à intensidade, seja quanto à continuidade.

Falar demais ou muito alto com alguém é uma forma de matar o bicho do

ouvido de quem for obrigado a ouvir tal falador exagerado.

2.10. Fazer Boca-de-siri

Como diversas frases feitas por nós estudadas, esta também é resultado da

observação da natureza. O siri, ao prender alguma coisa com a “boca”, que

é uma de suas garras, não a solta nem mesmo depois de morto. Ora, como fechar a boca implica ficar calado, fazer boca-de-siri passou a substituir

uma explicação muito mais extensa que pudesse indicar o ato de calar-se ou

fazer segredo rigoroso.

Há diversas outras formas de sugerir idéia de segredo através da palavra

“boca”, que se pode fechar de vários modos: Em boca fechada não entra

mosquito; Boca calada é remédio; Boca cheia não conversa; Boca que fala

não mastiga; Minha boca é um túmulo; Minha boca é um botão; A boca

pequena; De boca em boca.

O provérbio: Em bica fechada não entra mosquito, que é uma forma amea-

çadora de prevenir os delatores contra prováveis conseqüências de sua in-

discrição, tem versões em latim, espanhol, francês, italiano e inglês. Destas formas, destacam-se pela semelhança com a nossa, a francesa: En bouche

serée n’entrent des mouches e a espanhola: En boca cerrada non entra

mosca.88

2.11. Dar Bode

É evidente o significado de dar, que corresponde a resultar ou ter por resul-

tado. Mas o que vem a ser bode?

87 MOTA, L. (1982) verbete “Matar o bicho”. 88 MOTA, L. (1982) s. v.

Page 143: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

142

Lembramos que bode sempre esteve ligado às forças diabólicas, como lem-

bra Câmara Cascudo, em seu Coisas que o Povo Diz: “Qualquer velha bru-

xa de outrora, sabedora de orações e remédios fortes, informava do poder do

Bode, sinônimo diabólico, temido e respeitado na ambivalência natural.”89

Aliás, segundo a tradição judaica, o bode era o animal escolhido para carre-

gar todos os pecados de seu povo e, por isso, ser abandonado num deserto.

Representando todo o mal, o bode expiatório era ao mesmo tempo vítima e

réu.

Dar bode é resultar numa situação infernal, indesejável, confusa. Embora o bode esteja quase sempre relacionado com a atividade sexual

masculina, em diversos provérbios e expressões populares, não há probali-

dade de haver conotações desta natureza na frase feita em questão.

Relacionada com a idéia de vítima, conheço o seguinte anexim com a pala-

vra bode: Quem menos pode é quem paga o bode.

Vide também: Bode preto; Bode amarrado; Bode expiatório.

2.12. De Maus Bofes

Segundo a crença popular, os bofes, entranhas ou vísceras, são responsáveis

pelo bom ou mau humor das pessoas. Até se costuma dizer que quem sofre

do fígado está sempre de mau humor. Daí expressões com antipatia visce-

ral ou inimigo fidagal ou de bofe inchado, que é o mesmo que excessiva-mente irado.

2.13. Dar Bola

Surgiu certamente com o jogo de futebol. Neste esporte, os atletas devem

dar a bola aos companheiros de equipe em situações estratégicas mais van-

tajosas para que se atinja o objetivo, que é o gol, o mais rápido possível.

É claro que não se dá bola para quem estiver em situações menos favorá-

veis, como por exemplo, marcado por adversário muito forte.

Também existe a expressão dar pelota, que tem a mesma origem e signifi-

cado.

2.14 Dar com os Burros n’Água

Antônio José da Silva, o Judeu, tem o seguinte passo, na voz do Escudeiro:

“- Ah burro do meu coração! Bem te entendo o que queres dizer nesse zur-

ro; mas não te posso ser bom; tem paciência, que bem sei, que deixar-te,

dei com os burros na água!” 90

89 CASCUDO, L. C. (1968) p. 80. 90 Antônio José da Silva. Vida do Grande D. Quixote de la Mancha e do Gordo Sancho Pan-

ça, 2,1, Lisboa, 1733. Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 112-113

Page 144: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

143

A outra abonação antiga que possuímos é de Gregório de Matos: “– Que de

tudo o que tem vítima faz, / E dá com os burros n’Água desta vez.”91

Acreditamos que a frase provém de um conto popular vulgarizado oralmen-

te no interior do Brasil. Lembro-me de tê-lo ouvido há uns 25 ou 30 anos

em Minas Gerais.

Conta-se que dois tropeiros foram incumbidos de realizar a façanha de

transportar com suas respectivas tropas uma carga qualquer até um determi-

nado lugar, onde estaria a pessoa que pagaria com um prêmio o que primei-

ro chegasse com a sua carga. Acontece que o caminho era desconhecido, e ambos tiveram o direito de es-

colher a mercadora que desejavam para que a viagem se tornasse mais fácil.

O primeiro escolheu uma carga de algodão, porque era mais leve. O segun-

do escolheu uma carga de sal, por que era mais volumosa.

Seguindo caminhos diferentes, no entanto, ambos tiveram que passar a vau

por um rio, que surgiu inesperado.

O primeiro, ao tentar passar, umedeceu sua carga e os quase morreram afo-

gados, saindo a custo do rio, onde a carga ficou perdida, com um peso insu-

portável.

Ao tentar passar, o segundo tropeiro teve toda a sua carga de sal derretida,

chegando na outra margem apenas com a sua tropa descarregada.

Deste modo, ao dar com os burros n’água, os dois tropeiros tiveram fracas-sadas as suas empresas, não logrando o desejado prêmio.

Existem outras variantes, em que apenas um dos tropeiros dá com os burros

n’água, enquanto o outro consegue passar com a carga e receber o prêmio,

conforme relato do Prof. Edwaldo Cafezeiro, da Profa. Guaciara e outros

colegas a quem consultei sobre tal conto popular.

2.15. Bom Cabrito Não Berra

Segundo Tomé Cabral,92 cabrito é o mesmo que garoto atrevido. Sendo a

forma de diminutivo masculino de cabra, é natural que tenha herdado a ba-

se semântica da forma primitiva, que corresponde a capanga, criminoso,

pistoleiro ou membro subalterno de grupo de cangaceiros. É nesse sentido que se usa a palavra cabra nas expressões seguintes: Cabra

do Cariri mata pra ‘istruir’; Cabra e cobra...; Não há doce ruim nem cabra

bom; Cabra valente não deixa semente; Para o primeiro cabra bom falta

um; O cabra bom nasceu morto.

Embora seja também usado como gíria de marginais, esta frase feita não

deve ter-se originado entre os marginais do Rio de Janeiro, nem tão recen-

temente. Se muito recente, deve ter sido da época em que o cangaço consti-

91 Apud. CASCUDO, L. C. (1970) p. 113. 92 CABRAL, T. (1982) s. v.

Page 145: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

144

tuiu uma frente política no Nordeste, onde houve muito cabra de respeito e

até hoje se fala de cabra macho, como sendo um título com que todos os

homens simples pretendem ser distinguidos.

Raimundo Magalhães Jr. explica que “a ética dos criminosos lhes impõe a

solução dos seus problemas, mas sem delações à polícia, ficando tudo entre

eles mesmos. Berrar é sinônimo de delatar e bom cabrito é o criminoso que

adere rigorosamente àquela norma de conduta.”93

Ora a expressão em questão deve ter considerado que o bom cabrito é aque-

le garoto atrevido que se submete a uma norma de vida, embora não seja a norma da lei oficial. E esta norma consiste em não berrar ou não delatar os

companheiros.

2.16. Amarrar Cachorro com Lingüiça

É provável que esta frase venha do texto do Decameron, de Boccacio, que

descreve uma terra maravilhosa de gargantões, onde as montanhas todas de

queijo parmezão grattugiato e macheroni e pavioli faziam água na boca.

Nesta terra, Bengodi, é que se via o costume extraordinário que ainda hoje

a frase relembra, pois lá se amarravam os cães com lingüiça.94

A terra de cucanha ou reino de cucanha, de que existem referências na li-

teratura popular de todos os países do ocidente, é a origem mais remota des-

sa frase feita. Vejamos o que diz João Ribeiro a respeito:

Desta circunstância de serem na terra da Cucanha amarrados os cães com lingüiça e de haver um deles, por menos tolo, devorado os grilhões, é que

no anedotário picaresco e popular se formou a história de um edito do rei dos cães ordenando que farejassem todos os adventícios em certos lugar, a fim de verificar se tinham comido a lingüiça, a lei que não tendo sido re-vogada ainda hoje dos cães se cumpre. A anedota poderia passar por um mito verbal sugerido pelas palavras terra ou reino de Cucanha (Cu-canis)...95

Relacionado com este fato, que resulta da observação da natureza, existem

outros provérbios e dizeres tais como: Costume de cachorro é cheirar toco e

lamber o traseiro; Cachorro não cheira flor mas cheira o cu do outro.

2.17. Meter-se em Calças Pardas

Embora o significado atual desta expressão seja idêntico ao de meter-se em

camisa de onze varas, sua origem é seguramente diferente.

Certamente a forma de uma dessas expressões influenciou na outra, fazendo

o seu sentido também tornar-se idêntico.

93 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 231. 94 RIBEIRO, J. (1960) p. 84. 95 RIBEIRO, J. (1960) p. 85, notas.

Page 146: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

145

João Ribeiro acha que esta expressão se aplica principalmente “à ousadia

donjuanesca dos sedutores de mulheres”.96 Neste caso, calças conservou o

sentido arcaico de meias; e pardo é uma palavra que indica ou sugere a

idéia de que os nobres faziam questão de serem os primeiros a romper as

barreiras da virgindade de suas vassalas.

Se houvesse algum documento que comprovasse que as calças de tal cor

fossem insígnias da virgindade, facilmente se resolveria o caso. Mas isto

não passa de probalidade remota.

O registro mais antigo da expressão, lembrado por João Ribeiro, é do século XVIII, o que mostra probabilidade de haver influência quanto à forma e

quanto ao sentido de...

2.18. Meter-se em Camisa de Onze Varas

Duas explicações me parecem interessantes e prováveis. O que ensinou Jo-

ão Ribeiro97 e o que ensinou Luís da Câmara Cascudo.98 No entanto, preva-

lece a dúvida.

João Ribeiro pretende analisar a origem de camisa e varas a partir de dois

parônimos árabes: /al-kándara/ e /alkandur/. Alcândara ou alcândora era o

poleiro, o pau ou a vara em que descansava o falcão ou descansa o papagaio

moderno, ou poleiro para ave de rapina.99

A forma /al-kandur/ não se registrou em português, tendo dado “alcandora” em espanhol, que significa camisa longa e talar, a camisa de dormir.

Com as duas idéias reunidas em alcândor ou alcândora, fundiu-se a noção

de roupa longa ou camisa longa e o de vara longa. Talvez isto seja uma

boa explicação da subsistência das palavras camisa e varas na mesma frase

feita.

Quanto ao numeral onze, deve ser um número indefinido com o que aparece

em locuções como: língua de onze palmos, onze mil virgens, etc. Afinal de

contas, nunca houve uma camisa de onze varas, ou seja, de mais de doze

metros.

A relação entre a camisa de onze varas e a túnica dos enforcados foi lem-

brada por Gonçalves Viana e retomada freqüentemente, inclusive com a hi-pótese de que tais varas podem ser uma alusão ao antigo feixe de varas dos

juizes.100

A explicação de Câmara Cascudo tem como base ou argumento mais forte

os Estatutos da Confraria de Santa Maria do Castelo de Thomar, de 1388.

96 RIBEIRO, J. (1960) p. 404. 97 RIBEIRO, J. (1960) p. 76-77. 98 CASCUDO, L. C. (1970) p. 23. 99 Cf. CUNHA, A. G. (1982) s. v. e MACHADO, J. P. (s. d.) s. v. 100 Vide também CABRAL, T. (1982) s. v.

Page 147: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

146

Diz, a certa altura, este estatuto: “Se algum Confrade ferir outro Confrade

com espada ou com coytello, entre em camisa em XXX tagantes. Aquele

que a seu Confrade der punhada, ou lhe messar a barba, entre em camisa a

sinco tagantes.”

Sabendo-se que tagante é o choque do açoite, meter-se em camisas de onze

varas é o mesmo que entrar em camisa a onze tagantes.

Como lembra Cascudo, “a pena seria rápida e pouco dolorosa”, mas se tor-

nava humilhante por ser apregoada e pública. Daí ser tão temida.

As chicotadas por cima da camisa, além disso, lembravam que o sentencia-do ou condenado era um fraco, que não resistiria os açoites sobre a pele,

comparado a uma mulher torpe.101

2.19. Entrar pelo Cano

Magalhães Jr. acredita que o “o cano”, nesta expressão, é o cano do esgo-

to,102 o que parece ser a verdade. Além disso, ele nos lembra que entrar

bem é uma variante de entrar pelo cano, com o sentido de entrar profunda-

mente pelo cano, ou seja, acrescentando-lhe a idéia de intensidade, com a

elipse de cano.103

Acrescentamos mais uma variante muito comum, que é entrar mal. Entrar

mal é entrar pelo cano de uma maneira desastrosa. Mal, nesta expressão, é

advérbio de modo redundante, visto que entrar pelo cano jamais poderia ser entrar de maneira agradável.

A hipótese de origem inglesa da expressão, com adaptação em português,

não me parece ter fundamentos sólidos. Entrar pelo cano, em inglês, é To

go down the drain, que se traduz melhor como Ir por água abaixo ou Dar

em nada, segundo o Professor Oswaldo Serpa.104

Aliás, o mesmo lexicógrafo registrou Entrar pelo cano igual a come a crop-

per, fail, be an unsuccessful flop, get in hot water.105

2.20 Embarcar em Canoa Furada

Embarcar, que deveria ser o ato de entrar ou colocar alguma mercadoria

num barco ou numa barca, pode indicar tal ato em relação a qualquer meio de transporte aquático, terrestre ou aéreo.

Um outro fato muito interessante no uso e na evolução da linguagem é o de

que uma característica ou um determinante muito forte pode obscurecer o

determinado, tomando o seu lugar.

101 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 23. 102 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 122. 103 Idem ibidem. 104 SERPA, Oswaldo (1976) s. v. 105 Idem s.v.

Page 148: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

147

Foi, por exemplo, o que aconteceu com burro (asinus burrus) e com maçã

(mala matiana), além de muitos outros.

Não há nada de tão marcante em embarcar numa canoa que possa tornar a

expressão uma frase feita. Mas embarcar em canoa furada constitui prenún-

cio quase certo de uma tragédia. Portanto, é o furo, ou a característica de

estar furada essa canoa, que chama a atenção.

Daí as naturais derivações: Entrar numa fria e Entrar numa furada ou en-

trar numa fria.

É fácil perceber que o parentesco entre Entrar numa fria e Entrar ou Em-barcar em canoa furada. Se a canoa está furada, estará molhada e, obvia-

mente, fria.

Outro fato que nos leva a esta origem das expressões elípticas acima é a

concordância feminina de furada e fria.

A troca de embarcar por entrar dispensa explicações, vista a origem meta-

fórica de embarcar.

Veja que ninguém diz embarcar numa bicicleta, ou num cavalo, ou num pá-

ra-quedas, ou numa asa delta.

Embarcar é o mesmo que entrar, em se tratando de meios de transporte.

2.21. Dar as Caras

Assim como a flexão facilita a interpretação nas variantes acima, suponho ter descoberto a origem desta frase feita a partir do plural, que parece estra-

nho ao significado normal ou à associação que fazemos com a idéia de rosto

da pessoa que dá as caras.

Como as pessoas não têm mais de uma cara, a expressão deveria ser dar a

cara, se estivesse relacionada com rosto ou cara da pessoa que aparece,

dando as caras.

Só por associação vem-nos a idéia de caras, correspondentes às cartas de

baralho de maior valor em vários jogos. Dar as caras, que não é expressão

dos jogos de cartas, associa-se a dar as cartas quanto à forma morfossintá-

tica e fonética, e a mostrar o jogo quanto ao significado.

Como as caras das pessoas não podem aparecer sem que as próprias pessoas apareçam, dar as caras passou a significar “aparecer, fazer uma visita”.

O cruzamento semântico proveio da semelhança dos elementos componen-

tes das expressões dar as cartas e dar as caras.

2.22. Botar as Cartas na Mesa

A expressão tem origem no jogo de baralho.

Dar as cartas ou botar as cartas na mesa são expressões que indicam o ato

de comando que inicia o jogo.

Page 149: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

148

Quem dá as cartas ou bota as cartas na mesa é responsável pela sorte dos

demais jogadores.

No jogo-de-cartas com a pretensão de adivinhar o futuro (cartomancia), a

superioridade de quem bota ou põe as cartas na mesa não acaba com este

ato, continuando durante o desenrolar da ação que aí começa. É mesmo

provável que esteja especificamente neste tipo de jogo-de-cartas a origem

da expressão.

2.23 Casa da Mãe Joana João Ribeiro pensa que a expressão, em sua forma crua e nua, é Cu da mãe

Joana.106

E acrescenta: Esta pobre da Mãe Joana é o simples vocábulo árabe damchan que signifi-ca garrafão, e como verbo, meter uma coisa em outra: e é dedução perfei-ta porque os garrafões servem para que neles se lance alguma coisa e sem-

pre são por sua vez metidos em palhas ou gigos abertos e protetores. De damchan o espanhol fez damajuana, e o francês dame-jeanne também a tem com o mesmo sentido de vaso grande de cristal ou garrafão. Daí a expressão casa de Mãe Joana, formada por etimologia popular.107

Sem ao menos fazer alusão às conjeturas de João Ribeiro, Luís da Câmara

Cascudo vê a origem da frase em questão sob um outro ângulo, mais aceitá-

vel e menos conjetural: Joana, rainha de Nápoles e condessa de Provença (1326-1382), em sua tu-multuosa existência, refugiou-se no Avignon em 1346. No ano seguinte, regulamentando os bordéis da cidade, aprovou um estatuto que dizia em um de seus artigos: “– et que siegs une porto... dou todas las gens entra-ron.” Ou seja,... e que tenha uma porta por onde todas as pessoas possam entrar.

O prostíbulo se tornou o Paço da Mãe Joana, nome que se divulgou em Portugal.

Aliás. Teófilo Braga informa: “– Paço da Mãe Joana com que se designa a

casa que está aberta para toda a gente. Nos açores é muito usual para dizer

que uma porta está escancarada. – É como o Paço da Mãe Joana!”108 No Brasil, paço não é vocábulo popular. Tornou-se casa e, às vezes, com

nome mais repugnante e feio.109

2.24 Casa de Orates

106 RIBEIRO, J. (1960) p. 143. 107 RIBEIRO, J. (1960) p. 144. 108 Teófilo Braga. O Povo Português. Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 96. 109 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 96.

Page 150: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

149

Orate é o mesmo que louco, tendo chegado ao português através do espa-

nhol orate, que vem do catalão orat, de uma forma do latim tardio ora ou

oura.110

Segundo J. P. Machado,111 foi o romance do latim aura, “ar, vento”, que

deu a forma portuguesa orate, e não os vocábulos indicados por Magalhães

Jr.

Ligando-se diretamente ao vocábulo oura, que significa “tontura de cabeça,

vertigem”,112 casa de orates é um ambiente de tumulto, desordem, balbúr-

dia, pelo menos no Brasil. Em Portugal, por irreverência, andaram chamando os conventos, diz Maga-

lhães Jr., de casa de orate frates, num jogo de palavras facilitado pela fle-

xão do verbo orare, na expressão latina orate, frates! (orai, irmãos!) .113

2.25. Dar o Cavaco

Há três expressões com a palavra cavaco que parecem tomar tal palavra

com sentido bem diferente um do outro: Dar o cavaco (lamentar, culpando

alguém); Dar o cavaco por (gostar muito) e Catar cavaco (desequilibrar-se

para frente e tentar equilibrar-se novamente, correndo com as mãos prepa-

radas para proteger o corpo da queda iminente) .

A primeira expressão (dar o cavaco), mostra ser cavaco algo indesejável

por que o recebe. Supõe-se ter havido um cruzamento de sovaco com cava-co.

Sovaco ou sobaco são palavras de origem desconhecida, tendo chegado ao

português, provavelmente, através do espanhol. Como é mais comum a

forma sobaco, justapondo-se sob (debaixo) e aco ou aca (fedorento), de

origens latina e tupi, respectivamente, a preferência popular por esta forma

deve estar relacionada com essa falsa etimologia, pois a forma sovaco, já

antiga na língua, elimina tal correlação.

Aliás, aca, cheiro desagradável, é a terminação de alguma palavra, porque

isoladamente tem, em tupi, significado inteiramente diverso, sem nenhuma

relação olfativa. Inhaca já de há muito registrado, transformou-se em iaca,

no Maranhão e aca no Ceará.114 Cavaco ou cavaca, que são variantes de uma mesma palavra, constituem-se

de cava (buraco) e aco ou aca (fedorento; cheiro desagradável).

Certamente por coincidência, mas possivelmente de propósito, o exemplo

que colhemos em Carlos Drummond de Andrade sugere tais correlações:

110 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 68. 111 MACHADO, J. P. (s. d.) s. v. 112 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) s.v. 113 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 68. 114 Neiva, p. 246. Apud MACHADO, J. P. (s. d.) s. v.

Page 151: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

150

“Ganhar vidro de cheiro marca barbante, isso não: a mocinha dava o cava-

co.”115

A segunda expressão (dar o cavaco por ou dar o cavaquinho por) parece

ter tomado a palavra cavaco (cavaca) ou cavaquinho com o sentido de ins-

trumento musical, cuja variedade mais conhecida e popular é o cavaquinho,

já que tem sentido positivo, ou seja, de coisa desejável. Dar o cavaco (ou o

cavaquinho) por alguma coisa é demonstrar que gosta muito desta coisa.

Logo, o cavaco ou cavaquinho só pode ser algo de valor ou de estimação.

A palavra cavaco, neste sentido, é formada por metáfora a partir de cavaco, no sentido que veremos a seguir.

A terceira expressão (catar cavaco, ou sair de cata cavaco) leva em consi-

deração a posição arqueada do corpo de quem sai de cata cavaco ou catan-

do cavaco, comparando esta posição com a de quem estivesse catando ca-

vacos, ou seja, pequenas estilhas ou lascas de madeira, pelo chão.

2.26. Tirar o Cavalo da Chuva

Ainda é costume, no interior, onde o cavalo é o meio de transporte mais

comum, amarrar-se o cavalo na frente da casa. Amarrá-lo sob a varanda ou

em algum lugar protegido do sol é indício de que o visitante pretende demo-

rar, o que se considera uma indiscrição pouco desculpável. Tirar o cavalo da chuva seria amarrá-lo na varanda ou alguma outra prote-

ção, para que o visitante pudesse demorar-se calmamente.

Quando este esboça um gesto de partir, o dono da casa diz logo: – Pode ti-

rar o cavalo da chuva, ou seja, pode desistir dessa pressa de partir.

A ampliação de sentido para desistir de alguma coisa, ou simplesmente de-

sistir, é uma conseqüência do uso muito freqüente da expressão.

Amadeu Amaral afirma que não existe em português nem noutra língua um

correspondente exato deste adágio.116

2.27 Andar por Ceca e Meca

Andar de ceca-e-meca em ceca-e-meca; andar de Ceca em Meca; andar Ceca e Meca e olivais de Santarém; correr Ceca e Meca; correr Ceca e

Meca e olivais de Santarém; correr de Ceca em Meca; etc. são todas vari-

antes igualmente usadas.

Ceca é o nome da mesquita de Córdova, a mais importante do maometismo

no ocidente, nome que significa Casa da Moeda, em árabe, língua de que se

origina.

Meca é o mais importante centro da religião do oriente.

115 ANDRADE, C. D. (1979) p. 1320. 116 AMARAL, A. (1948) p. 249.

Page 152: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

151

Ir de um a outro desses centros de peregrinação religiosa era correr Ceca e

Meca.

Ora, com o tempo, a expressão perdeu seu significado específico, desapare-

cendo-se o sentido das palavras básicas: Ceca e Meca. Deste modo é que

passou a significar: andar por toda parte; andar de um lado para outro; cor-

rer mundo; andar de déu em déu; etc.

Tanto em Portugal quanto na Espanha, onde a frase se tornou popular antes

de viajar para o Brasil, existem lugares com os nomes de Ceca (Seca ou As-

seca) e Meca. Sendo assim, a origem precisa da frase continua obscura, de um certo modo, pois não sabe se a expressão surgiu em Portugal ou na Es-

panha, ou se se refere a cidades daquele país ou aos centros de cultura reli-

giosa dos mouros.

A probalidade de ser uma criação dos mouros e de se referir à casa de roma-

ria islâmica de Córdova e à cidade sagrada do Islamismo, na Arábia, é, sem

dúvida, a maior.117

Quanto à origem do vocábulo Ceca, explica Said Ali, pouco importa. Basta que sirva de rima antecipada a Meca, com o que se fica entendendo que a pessoa viaja muito, percorrendo grandes regiões e em todos os senti-dos. (...). Faz-se aqui uso de um meio de expressão em que se repete parte de um vocábulo, da sílaba acentuada em diante. Esta repetição parcial produz efeito análogo ao da repetição total. Deixa no espírito do ouvinte a im-

pressão de reforço, de um conceito levado ao grau extremo, ou de cousas contrárias ou pontos extremos, quando os termos rimantes pela natureza da frase devem denotar cousas muito diferentes.118

2.28 Chá de Casca de Vaca

Chá é uma infusão que se toma para combater alguns males, como remédio.

Casca de vaca é o couro com que se fabricam, entre outras coisas, as talas e

os chicotes, objetos de suplício de largo emprego.

O couro, ou a casca de vaca passaram se confundir com a surra ou com o objeto suplício com que a vítima é surrada, respectivamente. Chá de casca

de vaca corresponde a surra ou couro, no sentido da expressão tomar couro

ou levar couro ou dar couro.

Como o que motiva uma surra é sempre considerado um mal, aconselha-se

um chá para a cura deste mal. E o chá mais recomendado é feito de couro

de boi, ou seja, casca de vaca.

As expressões seguintes são provas de que o chá de casca de vaca é muito

recomendado como método de educação familiar: Menino e sino só com

117 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 278-283. 118 SAID ALI, M. (1971) p. 11.

Page 153: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

152

pancada; Pé de galinha não mata pinto; De pequenino se torce o pepino;

Surra grande, meizinha é; Criaste e não castigaste? Não criaste.

A frase feita Tomar chá em criança só pode ser facilmente interpretada se

chá for o chá de casca de vaca. É a prova da crença de que só tem boa

educação quem toma chá quando ainda é criança.

2.29 Fazer Chacrinha

Locução corrente no meio radiofônico, com o sentido de formar grupos para

comentar desfavoravelmente os colegas de trabalho. Embora pareça ser o diminutivo de chacra ou chácara, de proveniência quí-

chua (chajra), com o sentido de pequena propriedade rural, é mais fácil re-

lacioná-la com o indo-europeu correspondente aos sânscrito chakra, chak-

kram em malaiala.

O sentido da palavra em sânscrito, chakra = roda, está bem claro na expres-

são brasileira fazer chacrinha, ou seja, fazer uma rodinha de amigos para

fofocar ou bater um papo.

Com o sucesso dos programas televisionados do Chacrinha, Abelardo Bar-

bosa Chacrinha, pretende-se relacionar a expressão com as características

dos programas deste artista, com o sentido de promover uma reunião ao

mesmo tempo festiva e aparentemente desorganizada, bagunçada. É um uso

modernizado da expressão, que é anterior ao aparecimento do Chacrinha. Embora a palavra chacra ou chácara, de origem quíchua, seja a única forma

viva em português, ao menos no Brasil, não é visível a relação entre o seu

diminutivo (chacrinha) e a frase feita fazer chacrinha.

2.30. A Sete Chaves.

Sete é um número indefinido, um número que indica grande quantidade e

que sempre seduziu a imaginação popular. A expressão fechado a chave ou

simplesmente a chave já significa bem fechado. Com o determinante quan-

titativo, intensifica-se indefinidamente o ato de bem fechar.

Como fato real, existiram arcas fechadas a quatro chaves, como a que se

encontra no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Cada uma das chaves ficava com um alto funcionário, com o que se garantia a to-

tal reserva na responsabilidade do segredo guardado.119

2.31 Nem Aqui nem na China

O fato de ser a China um país distante, onde vivem nossos antípodas, deve

ter contribuído para fixar a expressão e talvez até para criá-la.

119 CASCUDO, L. C. (1970) p. 294.

Page 154: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

153

Vejamos estas duas variantes usadas por Drummond: “Isto nunca foi chá,

nem aqui nem na Índia.”120 Neste caso, Índia faz associação com chá, que é

também chamado de chá-da-índia. “Isto não é bacalhau à Gomes de Sá nem

aqui nem em Macau.”121 Aqui, a rima é um dos motivos da escolha do pon-

to de referência. No entanto, a grande distância e a posição oposta cultural

e geograficamente são fatores muito importantes, visto que é comum pensar

que tudo que está em posição oposta deve estar de algum modo invertido.

A China, a Índia e a província portuguesa de Macau se encontram no hemis-

fério norte-oriental e nós no hemisfério sul-ocidental; quando lá é dia aqui é noite; quando lá é inverno aqui é verão; enquanto aqui é tudo novo e recém-

descoberto, lá é tudo velho e milenar. Assim, o que não existe ou não acon-

tece aqui, pode muito bem existir e estar acontecendo por lá.

O que não existe ou não acontece nem aqui nem na China é, realmente, uma

coisa muito rara.

Certamente esta frase deve ter surgido logo após as grandes descobertas dos

portugueses no Oriente.

2.32. Nem Chus nem Bus

A expressão já é encontrada nos mais antigos documentos da língua, assim

como a sua variante nem chus nem mus, que tem maior semelhança fonética

com a expressão sinônima não tugir nem mugir. Além da rima, que caracteriza todas essas expressões, a forma sempre nega-

tiva formando dois blocos sônicos metricamente equivalentes fá-las muito

semelhantes.

João Ribeiro afirma que buge, bus e mus e muge só podem ser derivadas de

basium e bucca.

Como se usam separadamente os elementos chus e bus: “Não dizer chus” e

“Não dizer (ou não fazer) bus”, compreendo-se que o sentido de chus é o

de mais no latim plus, palavra de que derivou. Não dizer chus é não dizer

mais, ficar calado.

Bus, no dialeto cigano, é igual a mais. Em castelhano, entretanto, significa

beijo. Como o muxoxo (do quimbundo muxoxu) é uma forma de beijo para indicar

negação, desprezo ou desdém, é possível que haja alguma relação entre bus

e mus com a palavra basium, conforme lembrou João Ribeiro.122

Tugir (falar baixinho) é palavra de origem obscura, enquanto mugir (berrar,

gritar) provém do latim mugire. Logo, a expressão nem tugir nem mugir ou

120 ANDRADE, C. D. (1979) p. 1304. 121 ANDRADE, C. D. (1979) p. 1329. 122 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 64-65.

Page 155: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

154

não tugir nem mugir se torna bastante transparente, visto que com ela se

exige silêncio absoluto.

2.33 Dizer Cobras e Lagartos.

Eugênio Pacheco e Carolina Michaëlis de Vasconcelos acreditavam que co-

bras, nesta frase feita, é uma forma antiga de coplas; donde dizer cobras

significa satirizar ou zombar através de versos de escárnio.123

A necessidade de fazer a frase redonda fez juntar-se a cobras, já com o

sentido obliterado, a palavra lagartos, criando-se uma expressão simétrica, de quatro mais quatro sílabas.

João Ribeiro acredita, no entanto, que a estrutura desta frase já estava de-

terminada na literatura bíblica, não sendo criada arbitrariamente, como su-

pôs Eugênio Pacheco. Cobras e lagartos corresponde ao texto que é do

salmo XC: “sobre o áspido e basilisco andarás”, onde áspido e basilisco

corresponde, mais ou menos a cobra e lagartos.124

Luís da Câmara Cascudo acredita que a origem da frase esteja na imagina-

ção popular, habituada à velha e feroz animosidade dos dois animais, assis-

tida ao vivo ou narrada nos contos populares. Reuni-los na imagem de

agressividade verbal seria conservar os elementos antagônicos como ex-

pressão viva de debate e guerra, de inferioridade cruel.125

De qualquer maneira, o problema da estrutura métrica existe, assim como a rima aparece noutras expressões entre as que estudamos. No mínimo, ela

facilitou a conservação da frase.

2.34– A Coisa Está Preta

A cor preta simboliza algumas das piores coisas, entre as quais se encontra

o luto.

Segundo Luís da Câmara Cascudo, no entanto, “o luto negro só tomou mai-

or popularidade em Portugal no séc. XVI. Antes o burel (branco) competia

com o dó (negro) como cores dedicadas ao luto. Nas antigas missas de sé-

timo dia quem não possuía preto ia de branco.”126

Acreditamos ter nascido daí a expressão a coisa está preta, pintadinha de branco. Supõe-se uma situação ainda pior do que aquela em que a coisa es-

tá preta, pois carrega o agravante da pobreza, que impossibilitou a compra

de um luto, ou seja, da roupa de cor preta.

Costuma-se dizer também que a coisa está ruça, equivalendo a a coisa está

preta. Ora, também o ruço supõe o preto e o branco. No mínimo, é um pre-

123 Apud RIBEIRO, J. (1960) p. 331-333. 124 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 179. 125 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 154-155. 126 CASCUDO, L. C. (1984) verbete “cores”.

Page 156: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

155

to desbotado. Tratando de roupa, a cor desbotada supõe um longo uso, e,

neste caso de luto, o prolongamento de uma situação muito desagradável.

A coisa, o estado-de-coisas ou a situação está ficando preta quando as pes-

soas enlutadas começam a se aglomerar. É uma imagem visual do indese-

jável, do que é ruim.

O preto talvez tenha predominado com o sentido de luto a partir do séc.

XVI, conforme vimos, por analogia à situação miserável da escravidão im-

posta aos africanos negros a partir daquela época na Europa e transportados,

posteriormente, para o Brasil.

2.35. Não Dizer Coisa com Coisa

A coerência quanto ao que se faz ou diz só pode ser aferida por compara-

ção. Se o que alguém disse ou fez há algum tempo e o que diz ou faz atu-

almente não se ajusta, tal pessoa não está dizendo coisa com coisa.

Ao contrário dos modismos que indicam a disparidade ou a extravagância e

contradição de objetos que acaso ou a propósito se defrontam, suas formas

primitivas são de identificação de coisas que se enumeram seguidamente e

aos pares, como coisa com coisa, que dever ser a mais primitiva.

As frases: que tem o cu com as calça? Que tem o cós com as calças? ou

que tem uma coisa com a outra? são todas variantes cujo núcleo é coisa

com coisa. Aliás, a própria palavra cós tem alguma analogia fonética com coisa127

2.36 Dar uma Colher de Chá

O chá é dado aos doentes, como remédio, mas não apenas uma colher.

Uma colher de chá seria insuficiente para curar qualquer tipo de doença.

Mas não deixa de ser uma pequena oportunidade, a partir da qual se poderá

avaliar a conveniência ou não-conveniência em prosseguir com ajuda.

Quem aproveita uma colher de chá poderá receber mais ajuda. Mas há

quem não dá colher de chá a ninguém. E, não dar uma colher de chá, qua-

se sempre é considerado um ato execrando, a menos que a primeira não te-

nha sido aproveitada.

2.37. Meter a Colher

Meter a colher; meter a colher de pau; meter a colher enferrujada; meter o

bedelho; meter o nariz; meter a catana, são variantes da mesma expressão.

Naquelas em que entra a palavra colher não há dúvidas de que a origem está

na cozinha. Certamente, isto aconteceu quando alguém, assumindo a res-

ponsabilidade da execução de um prato, não quis ceder às opiniões ou inter-

127 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 331-333.

Page 157: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

156

ferência de outra pessoa. Os determinantes de pau ou enferrujada têm a

pretensão de desprestigiar as opiniões emitidas, os palpites dados.

Bedelho é uma carta de pequeno valor nos jogos de baralho. E meter o be-

delho é intrometer-se inopinadamente em conversa ou assunto que não lhe

diz respeito. Neste caso, o que se leva em consideração é o valor ou o peso

da opinião, comparada a um bedelho, que é um trunfo menor.

Meter o nariz não significa uma interferência necessariamente ativa, poden-

do consistir em olhar de perto e atentamente, quase por mera curiosidade,

interferindo passivamente nos negócios ou assuntos alheios. Meter o nariz onde não é chamado é a forma desenvolvida de meter o nariz

Sendo a catana uma espada afiada e longa, usada no Japão no século XVI,

quando o vocábulo surgiu em Portugal, houve uma símile entre a espada

afiada e a língua ferina. Por isso é que meter a catana tem a mais o sentido

de ferir, falando contra alguém ou comentando fatos reprovativos.128

2.38 Dar Coluna do Meio

Coluna do meio, na loteria esportiva, é aquela em que se marcam os empa-

tes, ou seja, quando não houve decisão a favor de um clube nem de outro.

Generalizada, a expressão passou a indicar qualquer situação em que se es-

pera uma decisão favorável para um ou outro lado e acontece um impasse

ou indecisão. Dar coluna do meio é não haver vencedor, enquanto ser coluna do meio é

ser homossexual.

Como os resultados da loteria esportiva, durante muitos anos, foram anunci-

ados na televisão por uma zebrinha, dar zebra passou a significar um resul-

tado oposto ao esperado.

2.39. Fechar-se em Copas

Magalhães Jr. garante que a expressão teve origem no voltarete, que foi um

jogo de cartas muito popular no século passado.129

O fato de copas estar no plural é um ponto importante a favor da hipótese

de se referir a algum tipo de jogo de cartas. Só não sabemos se seria seguro afirmar é o tipo de jogo de cartas que lhe deu origem.

Existe também a variante fazer-se em copas, com o mesmo significado de

guardar um segredo. A origem é a mesma, ou seja, um jogo de cartas em

que os naipes de copa são muito importantes para o resultado final do jogo.

2.40. Elevar aos Cornos da Lua

128 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 152. 129 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 139.

Page 158: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

157

Cornos ou cúspides são as extremidades, em forma de pontas, na região

iluminada de um planeta ou satélite. Por sua semelhança visual com a for-

ma dos cornos ou chifres, que são as partes mais elevadas dos animais que

os possuem, com raras exceções.

Elevar aos cornos da Lua ou pôr nos cornos da Lua são expressões sinô-

nimas de pôr ou colocar nas nuvens, sendo menos difundidas e menos po-

pulares que estas.

Como a Lua é um lugar-comum na poesia romântica, suponho que a expres-

são tenha uma origem literária, embora desconheça a sua fonte precisa. Além do mais, tanto as nuvens quanto a Lua estão em grandes alturas em

relação aos homens. Como as alturas foram sempre os sonhos dos homens,

colocar nas alturas é uma forma de elogiar, seja em alturas indefinidas, se-

ja nas nuvens, seja ainda nos cornos da Lua, a romântica Lua dos namora-

dos, dos poetas e dos boêmios.

2.41. Tirar o Corpo Fora

No futebol, de onde deve ter vindo esta expressão, é muito freqüente a ação

de tirar o corpo fora para evitar a responsabilidade por um lance arriscado.

A diferença é que, neste caso, é o corpo mesmo que se tira fora da direção

que vem a bola.

Na situação do jogo é justificável o pleonasmo tirar fora, visto que é a emoção que domina os torcedores e os atletas durante o jogo, principalmen-

te nos momentos de perigo.

A ênfase ficaria na palavra corpo, se o grito fosse tira o corpo! Gritando-se

tira o corpo fora! a ênfase se transfere para a palavra fora, sendo que o

verbo mal seria ouvido no grito do torcedor.

Generalizando-se o seu sentido, a expressão passou a significar a fuga a

qualquer responsabilidade arriscada ou que já teve resultado não satisfató-

rio.

2.42. Ir pras Cucuias

Cucuias é o nome de algum lugar, se não real, ao menos imaginário. Pro-vavelmente, uma região maranhense entre os rios Panamá e Marapi, onde

vive um subgrupo dos índios pianocotós denominado de cucuianas.130

S e esta é a origem da expressão, corresponde estrutural e semanticamente

com ir pra caixa-prego ou ir pra cabrobó, que são nomes de lugares reais,

localizados na Bahia e em Pernambuco, respectivamente.

José Pedro Machado, no entanto, aponta origem malaiala para o termo cu-

cuia, que provém do verbo kukkuka, que significa bradar ou dar rebate. O

130 FERREIRA, A. B. H. (s. d.) s.v.

Page 159: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

158

grito de rebate, dando sinal de inimigo, ou, entre os navegantes, dando sinal

de terra, denomina-se cucuiada, que é uma palavra derivada de cucuia.131

Embora não seja fácil a explicação, nesta linha de pensamento, visto que

grito não poderia ser um lugar para onde se possa ir, imaginamos um lugar

onde haja muitos gritos, um lugar onde o medo e a dor predominam. Aí de-

vem ser as cucuias. Um lugar imaginário. Neste caso a expressão corres-

ponde a ir para os infernos ou ir para as profundezas dos infernos, etc.

2.43. De Cutiliquê A expressão original, razões de cutiliquê, simplificada em seu determinante,

perdeu o sentido primitivo de razões breves ou pequenas.132

Cutiliquê origina-se da soletração da abreviatura q, que se lia ku-til=quê,133

“...pois esta q tem tão perversa natureza além do mau nome, que se não

ajunta às lêteras vogais, se não mediante esta, que lhe é semelhável.”134

Na locução proposta, q era a abreviatura de que e podia significar o mesmo

que razões de cutiliquê ou simplesmente de cutiliquê.

Ainda no século XVI, como se pode ver em Duarte Nunes de Lião, o nome da letra q passa a ter o nome que hoje lhe damos, razão por que a locução se

tornou opaca.135

2.44. Dar uma de

Dar uma de e tirar uma de são expressões sinônimas, mas não têm a mes-

ma origem. Ambas significam fingir, imitando ou tentando passar-se por.

Por exemplo: Dar uma de doido é fingir que está doido, tentar iludir a ou-

trem de que é ou está doido.

Essas locuções se tornarão mais claras quando descobrimos quais foram as

palavras que se elidiram.

Na frase feita Dar uma de, a palavra que falta é impressão, donde se vê que a expressão original era Dar uma impressão de.

Tirar uma de proveito da gíria da juventude, onde a palavra onda tomou

significados muito abrangentes. Tirar uma onda, ou estar na crista da on-

da, vieram diretamente dos esportes aquáticos, não sendo difícil formara a

locução tirar uma onda de para substituir a sua sinônima dar uma impres-

são de.

131 MACHADO, J. P. (s. d.) s. v. 132 Vide § 2.20 – Embarcar em canoa furada, neste trabalho 133 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 51. 134 BARROS, J. (1957) P. 64. 135 Apud RIBEIRO, J. (1960) p. 51.

Page 160: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

159

Embora a expressão mais nova já fosse curta, resolveram encurtá-la ainda

mais com a elipse do substantivo dispensável, o que é um processo natural

que está na deriva da língua.

Aliás, estar na crista da onda, para o surfista, é o mesmo que atirar uma bo-

la a gol, no futebol. A posição em que o surfista é mais admirado por seus

torcedores é exatamente na crista da onda. Ora, como as praias cariocas

são pontos de lançamentos das modas mais avançadas da costura brasileira,

a relação com a moda foi natural. Estar na crista da onda significa também

estar atualizado com a moda mais avançada.

2.45. Para Dar e Vender

Observe-se que o que se tem para dar não é para ser vendido, nem deve ser

dado o que é para ser vendido. O que se tem para dar e vender, no entanto,

é o que se tem em grande quantidade.

Embora não tenha nenhum mistério, esta expressão é interessante pela sua

estrutura. São dois vocábulos que se opõem quanto ao sentido e se ligam

por uma aditiva, indicando fatos que se somam.

Há inúmeras frases feitas com esta estrutura. Por exemplo: para o que der e

vier; não feder nem cheirar; dizer cobras e lagartos; nas idas e venidas;

sem eira nem beira; por locas e bibocas; com uma mão atrás e outra adian-

te; sem pé nem cabeça; sem tirte nem guarte; sem tugir nem mugir; quem te viu e quem te vê; etc.

Em muitas dessas expressões, pode-se retirar um dos termos sem dificultar

o entendimento do sentido. Foi um simples acréscimo para arredondar a lo-

cução, como vimos ao estudar a expressão dizer cobras e lagartos, em 2.23.

2.46 Ficar Cheio de Dedos

Há dois aspectos interessantes a observar nesta frase feita: o uso da expres-

são cheio de e o significado de dedos.

Não é pequeno o número de frases feitas que começam com cheio de, onde

este adjetivo significa excesso ou abundância.

Vejamos: cheio de chove-não-molha; cheio de frescura; cheio de história; cheio de ipisilones; cheio de merda; cheio de nove horas; cheio de si; cheio

de vento; etc.

Dedos, além de instrumentos de trabalho, são os principais instrumentos de

defesa do ser humano. O medo ou o susto são capazes de nos fazer armar

psicologicamente de muito mais dedos do que os que possuímos, como um

caranguejo acuado.

Ficar cheio de dedos é uma descrição desse nosso estado de espírito que as-

sim se arma quando nos sentimos ameaçados.

Page 161: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

160

Não é por acaso que as pessoas, quando se sentem nervosas, movimentam

os dedos descontroladamente, como se estes estivessem maiores que o nor-

mal ou como se houvesse alguns dedos em excessos.

2.47. Dia de São Nunca de Tarde

A locução normal é Dia de São Nunca. O acréscimo do circunstancial de

tarde é uma tentativa de adiar ainda mais a idéia deste dia nunca chegará.

A marcação do calendário popular está sempre relacionado com o calendá-

rio litúrgico ou com a realização de alguma coisa extraordinária. É deste costume que surgiram expressões como Desde o outro carnaval ou

Até o outro carnaval; No dia que o macaco deu bom dia; No dia que a ga-

linha nascer dente e, também, Dia de São Nunca, que deveria estar no ca-

lendário litúrgico.

Como existe um Dia de Todos os Santos, dia 1º de novembro, costuma-se

dizer que este é o dia de se pagarem as dívidas que ficaram para o Dia de

São Nunca. Mas, como não existe este santo, a dívida continua sendo adia-

da.

2.48. Vá para o Diabo que o Carregue

Nesta construção houve um cruzamento de duas frases feitas preexistentes:

Vá para o diabo e O diabo que o carregue. Por sua vez, vá para o diabo deve ser uma variante de vá para o inferno, visto que diabo nunca foi lugar

para onde se possa mandar alguém. Do mesmo modo o diabo que o carre-

gue, no mínimo, é uma inversão da frase normal, que deveria ser que o dia-

bo o carregue, como é normal a construção de optativas.

Vá para o diabo que o carregue deve corresponder à idéia de que o amaldi-

çoado seja levado para o inferno pelo diabo. Ou seja vá para o inferno e

que o diabo o carregue para lá.

As variantes desta natureza são inúmeras. Vejamos: mandar para o diabo;

mandar para o diabo que o carregue; que o leve o diabo; diabos o levem; ir

para a casa do diabo; etc.

2.49 Acabou-se o que Era Doce

Como toda criança gosta de doce, essa expressão deve corresponder a uma

forma disfêmica de negar às crianças aquilo que elas pedirem. Esta deve ter

sido a origem da expressão. É menos agressivo alegar que o objeto solicita-

do não existe do que negá-lo pura e simplesmente com um não.

Variante sintética muito comum é o já era. Um pouco menos, aparece o era

uma vez, nascido dos contos populares e das histórias infantis.

Acabou-se o que era doce corresponde a acabou-se o que você queria. O

doce como sinônimo de coisa saborosa e desejada parece constantemente

Page 162: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

161

nas músicas populares, nas conversas românticas de namorados, não estan-

do muito afastado nem mesmo da fraseologia. Vejamos alguns casos: dar

os doces; dar um doce se acertar; quando serão os doces? ser um doce;

etc.

A sabedoria popular nordestina registrou a excelência indiscutível do doce

neste provérbio: não há doce ruim nem cabra bom.136

2.50 Dose para Leão

Dose para leão, dose para elefante ou dose para cavalo são algumas das variantes que circulam com o mesmo significado e atendem às preferências

individuais dos falantes.

Supõe-se que o leão, por ser valente; o elefante, por ser grande, e o cavalo,

por ser forte, necessitam de doses exageradas de remédio para que este pos-

sa produzir o efeito desejado.

Com a ampliação do sentido, dose para leão e suas variantes é o exagero

na ampliação de qualquer coisa desagradável, ou mesmo aquelas que só se

tornam desagradáveis com o exagero.

2.51 Doutor da Mula Ruça

As explicações de João Ribeiro e Magalhães Jr., embora diferentes, comple-

tam-se. João Ribeiro lembra que “em geral, os doutores e pregadores da casa real,

como convinha à decência deles, tinham mula e mula ruça.”137 Ou seja,

doutor mula ruça era um doutor da casa real portuguesa.

Magalhães Jr., no entanto, lembra que “era esse o apelido de certo curandei-

ro que existiu em Portugal durante o reinado de D. João III e que foi reco-

nhecido oficialmente.”138

É óbvio que o apelido do médico e político brasileiro Francisco de Sales

Torres Homem desde que publicou o Libelo do Povo não seria mais um

elogio, mas um epíteto ironicamente pejorativo. Doutor da mula ruça já era

sinônimo de charlatão.

O sentido pejorativo deve ter nascido com o reconhecimento de um curan-deiro como doutor de mula ruça, que era insígnia de altos funcionários da

casa real.

2.52. Dar Duro

Dar duro, ou dar um duro, ou dar o duro, são expressões que indicam o ato

de prestar ou conceder um serviço duro, árduo, penoso, cansativo.

136 MOTA, M. (1969) verbete “cabra”. 137 RIBEIRO, J. (1960) p. 275. 138 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 112.

Page 163: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

162

Este é o seu verdadeiro sentido e origem, com o verbo dar no sentido de

conceder, prestar ou executar e com a elipse do substantivo trabalho, servi-

ço ou outro equivalente.

Usando o mesmo critério da elipse, mas fazendo subentender outra palavra,

a expressão passa a ter sentido chulo.

2.53. Sem Eira nem Beira

Sem leira nem beira é uma variante pouco conhecida, mas há uma outra

mais extensa que é bastante popular: Sem eira nem beira nem ramo de fi-gueira.

Tanto eira quanto leira constituem propriedades insignificantes. Possuir

uma eira ou uma leira seria quase o mesmo que nada possuir. No entanto,

quem nem isso tem, ainda é mais pobre, mais desprovido de recursos. Talvez seja o epíteto senlheira (só, singular, solitária, solteira) : ‘Eu sen-lheira deitei’ (Canc. Vatic., 772) [pois] no castelhano ainda se usa señera, com o mesmo sentido. Não é improvável que de senlheira (sem-l’eira, sen eira) se formasse a expressão com a forma sem eira aplicável à pessoa que

não pode casar por não ter nada de seu.139

A intenção de rimar está mais evidente ainda na variante sem eira nem beira

nem ramo de figueira, podendo-se considerar que o sentido de toda a frase

já está em sua primeira parte (sem eira), tornando-se dispensável todo o res-tante.140

O que seriam essa beira e esse ramo de figueira?

Se a beira for mesmo a beira dos rios, como supõe João Ribeiro, 141 o ramo

de figueira deverá ser um símbolo de valor insignificante, por analogia com

o ramo de oliveira, que é o símbolo do valor dos atletas olímpicos desde a

antiga Grécia.

Neste e em muitos outros casos, os termos rimantes não fazem sentido

quando examinados fora do conjunto, como afirma o Prof. Said Ali:142

Quando de um indivíduo muito pobre dizemos que ele não tem eira, nem

beira, nem ramo de figueira, só o primeiro substantivo exprime cousa signi-

ficativa referente a posse. Os dous outros conceitos, considerados de per si, são difíceis de entender. Que tem beira com os bens de alguém? E desde

quando se avaliam as possibilidades do indivíduo pela possessão ou não

possessão de um ramo de figueira? Todo o valor das duas expressões está

simplesmente na rima, cujo papel reforçativo nos sugere a idéia de pobreza

extrema.

139 RIBEIRO, J. (1960) p. 415. 140 Cf. 2.45 – Para Dar e Vender, neste trabalho. 141 RIBEIRO, J. (1960) p. 415. 142 SAID ALI, M. (1971) p. 11.

Page 164: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

163

2.54 Na Embira

Na embira é o mesmo que na pindaíba, e ambas têm origens parecidas. Es-

tar na pinda-î (pindaíba) equivale a estar nas ibira-aî (embiras), que são fra-

ses de origem brasílica.

É bom lembrar que pindá (anzol) é a base de pinda-i (ib), que é vara de an-

zol. Pinda-aî é o dente, a volta recurva do anzol, cipó ou graveto. Do

mesmo modo, ibira-aî é pau não liso, com voltas, cipó, cipoal.

Como a ambas convém o sentido de cipoal, salsa de espinhos, lugar emba-raçado onde fica tolhido ou sem movimento, conclui João Ribeiro que estar

na pindaíba ou estar na embira é estar amarrado, sem saída, em dificulda-

des e apuros.

O sentido atual e moderno da expressão é conseqüência da troca de tais di-

ficuldades pela falta de dinheiro, que é de nossa civilização.143

Tomé Cabral registra a expressão estar na embira como sinônimo de ser

açoitado, para a qual cita a seguinte abonação de Manoel de Oliveira Paiva:

“Os criminosos já devem estar na embira.”144

2.55 Botar pra Escanteio

Proveniente da gíria do futebol, esta frase feita se refere ao não aproveita-

mento ou não valorização de uma oportunidade que se desperdiça. É o mesmo que botar pra córner.

2.56. Passar uma Esponja

Proveniente da sala de aula, onde o quadro é apagado com a esponja ou

apagador, a símile se estabelece entre o ato de apagar o que está escrito no

quadro e o que está fixo na memória. Passar um esponja é esquecer tudo,

como se nada tivesse acontecido sobre o assunto em questão, começando

tudo de novo.

2.57 Perder as Estribeiras

Perder os estribos, que já não é uma expressão usual, é perturbar-se como o cavaleiro que os perde e não tem onde firmar montaria.

Câmara Cascudo lembra que ...nas antigas corridas de Argolinhas e nas Manilhas, nos séculos XV-XVIII, [perder as estribeiras] desclassificava o cavaleiro do páreo. Nas

velhas corridas-de-cavalos sertanejas, quem perdesse as estribeiras, per-desse os estribos, bambeando, atrapalhando, temendo queda, pagava multa de bebida aos companhia, em pleno alarido zombeteiro.145

143 RIBEIRO, J. (1933) p. 50-51. 144 CABRAL, T. (1982) s.v. 145 CASCUDO, L. C. (1970) . p. 144.

Page 165: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

164

Do sentido primitivo, relacionado com os estribos ou as estribeiras, passou a

significar perder o controle, a direção; desnortear-se em palavras e atos; ex-

ceder-se na resposta incortês e violenta ou até desatinar-se momentanea-

mente.

2.58 Com a Faca e o Queijo na Mão

A faca e o queijo, nesta expressão, significam o poder absoluto. A faca é o

poder emanado da tecnologia e o queijo é o poder emanado do capital ou do poder econômico.

Na mão, à sua disposição, sob seu controle, deveria estar no plural, se quei-

jo e faca fossem seres que costumeiramente assim se denominam. Ninguém

segura a faca e o queijo numa só mão, a menos que não deseje parti-lo.

Uma variante comum é ter a faca e o queijo na mão, que corresponde ao

mesmo significado de estar por cima da carne seca ou ser o dono da situa-

ção.

2.59– Não Feder nem Cheirar

A união de termos que se opõem quanto ao sentido, excluindo-os a ambos

simultaneamente, resulta numa idéia de neutralidade absoluta.

Ao contrário da expressão anterior, que apenas une elementos que comple-tam a idéia de poder, esta só os aproxima para negá-los em conjunto.

Compare esta frase feita com as que citamos em 2.45 – para dar e vender,

neste trabalho.

2.60 – O Fim da Picada

Picada é uma faixa limpa de terra, entre o roçado e o mato não roçado, para

evitar que o fogo ateado no roçado não passem além dele. Neste caso, o fim

da picada é um lugar perigoso para quem estiver botando fogo no roçado,

pois o fogo poderá colocá-lo em risco de vida.

Picada é também uma trilha feita por quem ingressa numa mata, geralmen-

te a facão, para facilitar a passagem e para marcar o caminho de regressa. Desaparecida uma pessoa que assim entrou na mata, é relativamente fácil

procurá-lo, seguindo a picada. No entanto, se chegarem ao fim da picada

sem encontrá-lo, está-se correndo dum grande risco, pois quem atacou o in-

divíduo, está-se correndo um grande risco, pois quem atacou o indivíduo

procurado fê-lo naquele local. Do contrário, a picada deveria continuar. E

quem está no mesmo lugar onde acontecer tal ataque está correndo risco

semelhante.

O fim da picada é o pior que pode existir numa aventura.

Page 166: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

165

2.61– Não Ser Flor que se Cheire

Há flores, como o cravo-de-defunto, cuja beleza se opõe fortemente ao ser

mau odor. Metaforicamente, as pessoas que têm aspecto agradável nem

sempre merecem uma aproximação maior que as outras. Como há flor de

mau odor, há pessoas de mau caráter, que devem ser evitadas, embora te-

nham uma aparência de lindas flores, de almas cativantes.

Não ser flor que se cheire é ser pessoa que deve ser evitada.

2.62 – Vá Pregar em Outra Freguesia Freguesia, sob o aspecto eclesiástico, é uma povoação, e corresponde, gros-

so modo, a paróquia.

Na frase é melhor da paróquia, paróquia é o lugar, a região. Neste sentido é

que corresponde a freguesia.

Como, originalmente, freguesia está relacionada com o pregador, que é seu

líder espiritual, e como não admite um líder espiritual, ir pregar em outra

freguesia é sair daquele lugar, pois o pároco só pode ficar onde pode pregar.

As variantes cantar em outra freguesia e bater em outra freguesia corres-

pondem a uma confusão do sentido de pregar

Assim como cantar está relacionado com pregar pelo uso da palavra como

matéria de trabalho, também bater está relacionado com pregar pelo uso do

prego e das pancadas que sobre ele devem ser dadas.

2.63 E Lá Vai Fumaça

A locução é de difícil explicação, assim como a sua sinônima e tarará, que

dão idéia de quantidade indeterminada e não pequena.

Talvez fumaça esteja relacionada com a poeira que se levanta como fuma-

ça quando se transporta grande quantidade de gado pelas estradas de terra,

formando uma verdadeira nuvem.

Tarará é palavra onomatopeica que indica o som da trombeta, que é muito

forte. Talvez tenha havido aí também uma metáfora da idéia de intensidade

e quantidade.

De qualquer modo, não nos parece clara a origem destas expressões. É pre-ciso um pequeno esforço extra de raciocínio.

2.64 Quebrar o Galho

Na gíria, galho é uma dificuldade ou complicação. Quebrar ou destruir o

galho é remover definitivamente uma dificuldade.

Considerando que a expressão é mais usada nos setores burocráticos da ad-

ministração pública, é possível que se tenha estabelecido uma símile com o

galho de uma estrada ou de um rio.

Page 167: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

166

Quebrar um galho de estrada seria passar por um atalho, evitando uma ca-

minhada mias longa pela estrada principal.

No caso do rio, galho é um pequeno afluente. Quebrar este galho seria fazê-

lo desembocar mais rapidamente no rio principal, abrindo-lhe um caminho

artificial.

Deste modo quebrar o galho é facilitar o andamento de um serviço ou ne-

gócio através de meios não autorizados, como, por exemplo, as influências

pessoais ou o dinheiro.

2.65 Ouvir Cantar o Galo, Mas Não Sabe Onde

Entre os camponeses, é o galo que informa com o seu canto o nascimento

do novo dia, logo em suas primeiras horas.

Quando o galo canta fora deste esquema que lhe é natural é que algo de es-

tranho está acontecendo à sua volta. Pode ser a Lua que saiu muito clara e o

acordou, um ladrão de galinha ou qualquer outra coisa. Neste caso, ele não

é acompanhado pelos demais galos da vizinhança.

Ouvir o galo cantar é sempre uma informação para quem entende a sua lin-

guagem, mas é necessário saber onde ele cantou para que se possa tomara

alguma providência.

Se o galo cantou fora de seu lugar habitual, certamente está sendo roubado.

Pois todos os galos cantam quando acordam, à noite. Ora, o ladrão de galinha costuma transferir suas presas para um lugar mais

distante e seguro, usando um pedaço de madeira. Encostando o pedaço de

madeira nos pés das galinhas, no poleiro, estas passam para ele e são, deste

modo, transportadas, sem perceber que já não estão em seu poleiro.

Distantes dos ouvidos do dono ou de algum cachorro vigilante, o ladrão po-

de prendê-las como melhor lhe aprouver.

Drummond usou a frase com uma inversão, que é a forma registrada por

Leonardo Mota, 146 mas Mauro Mota147 registra a rigorosa ordem direta: ou-

viu o galo cantar e não sabe onde, como acontece no espanhol: ois gallo

cantar, y no sabeis en que muladar.

2.66 Comer Gambá Errado

Parece que é uma variante de comer gato por lebre.

Como a carne de gato, embora apetitosa, não goze da preferência dos brasi-

leiros, vender ou passar gato por lebre é enganar alguém e comer gato por

lebre é ser enganado.

Não sabemos de onde vem a preferência pela lebre e a repugnância pelo ga-

to, que de fato existem, quanto à repugnância pelo gato, que de fato exis-

146 MOTA, L. (1982) s. v. 147 MOTA, M. (1969) verbete “galo”.

Page 168: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

167

tem. Quanto à repugnância pelo gambá, o seu mau-cheiro explica suficien-

temente.

Como o seu mau-cheiro pode ser totalmente eliminado, é fácil enganar al-

guém que gostaria de comer carne de lebre, passando-lhe gambá por lebre.

A palavra errado funciona como predicativo do sujeito, como sinônimo de

enganado, com nas expressões tomar um caminho errado, tomar um bonde

errado, etc.

Sendo assim, comer gambá errado é comê-lo enganado com quem come

gato por lebre, é ser levado a fazer algo por engano.

2.67 Não Poder com uma Gata pelo Rabo

O feminino, neste caso, tem o objetivo de humilhar o impotente ou fraco a

que se dirige a referência. Supõe-se que a gata é mais fraca, menos veloz e

menos feroz em sua própria defesa do que o gato.

Na realidade, não é fácil segurar uma gata pelo rabo, e não deveria ser tão

humilhante a expressão como realmente é.

2.68 Fazer de Gato-Sapato

João Ribeiro ensina que fazer de gato sapato indica o erro de leitura ou de

escrita no tempo em que as abreviaturas eram muito freqüentes e podiam

induzir a engano. Antigamente sapato era escrito com ç e a palavra gato podia ser lida como çapato na abreviatura çato. É até possível. Mas o mes-

tre continua:

É digno de nota que o sentido da frase indica menos um erro de leitura que

uma depreciação e motejo, o que indica já uma metáfora.148

A. Faria149 argumenta que a frase provém de um jogo infantil. E Câmara

Cascudo acrescenta que tal jogo era uma modalidade da cabra cega ou cobra

cega, em que “Uma criança, sempre de olhos vendados, é batida pelos

companheiros que empunham sapatos, chinelas, varinhas, até que consiga

agarrar a um deles, seu substituto.”150

Gato-sapato seria esta criança “entregue ao arbítrio alheio, humilhada, abú-

lica, ínfima e sofredora.”151 Embora ambas as explicações pareçam corretas, creio que a origem mesma

da expressão é a que propôs João Ribeiro. O jogo infantil aproveitou a ex-

pressão já existente e aplicou-a com sentido semelhante ao ser humano, fa-

zendo-a sobreviver.

148 RIBEIRO, J. (1960) p. 127. 149 Apud. RIBEIRO, J. (1960) p. 127. 150 CASCUDO, L. C. (1970) . p. 106. 151 Idem ibidem.

Page 169: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

168

2.69 Não Estar no Gibi

O gibi corresponde, na literatura em quadrinhos, ao folheto da literatura de

cordel.

Segundos seus respectivos apreciadores, todo fato importante está registra-

do no gibi ou no cordel. O que não está no gibi é uma extravagância que

não merece fé ou ainda não é um fato que deva ser amplamente divulgado.

No Nordeste, onde a literatura de cordel é mais divulgada, existe a frase

correspondente: não está no folheto.152

2.70 Dar Grilo

Grilo, nesta locução, corresponde a confusão, complicação, trapalhada.

Analisando o que acontece a quem ouve o cri-cri de um grilo dentro de casa

ou no campo, é fácil perceber que o grilo realmente confunde a audição, não

sendo fácil localizá-lo com precisão, de tão penetrante que é o seu ruído.

O significado de grilo igual a confusão é conseguido por metonímia, como

deve ser o caso de dar bode e outras.

2.71 Cheio de Nove Horas

Nove horas era a hora clássica do século XIX, regulando o final das visitas

e ditando o momento das despedidas.

A figura do cheio de nove horas surgiu nessa época, como a criatura infalí-vel em citar regras de conduta para os outros e em restringir as alegrias dos

outros, complicando as coisas mais simples.153

A variante registrada por Tomé Cabral parece deixar mais claro este aspecto

do cheio de nove horas, que é a intenção de pôr tudo à prova. Em lugar de

nove horas, emprega-se noves-fora.

A abonação que ele registra é de José Lins do Rego: “Nunca vi mulher mais

cheia de noves-fora.”154

2.72 Inês É Morta

Inês é morta ou morreu Inês são frases que facilmente se explicam, dada a

notoriedade do fato histórico que lhe deu origem: a morte de Inês de Castro, cantada por Camões, por Antônio Ferreira, por João de Barros e muitíssi-

mos outros.

Por ter sido tão amplamente divulgada essa notícia, depois de algum tempo

passou a ser corriqueira trivialidade a notícia de que morreu Inês ou de que

Inês é morta.

152 Informações do Prof. Pedro Lira, em conferência realizada no Congresso Brasileiro de Lín-

gua e Literatura, na UERJ. 153 CASCUDO, L. C. (1970) . p. 41-43. 154 José Lins do Rêgo. Pedra Bonita. P. 268. Apud. CABRAL, T. (1982) s.v.

Page 170: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

169

Embora genuinamente portuguesa, Tomé Cabral afirma que a frase Inês é

morta é muito mais usada entre nós do que entre os criadores. Seu signifi-

cado atual corresponde a agora é tarde.155

Por desconhecer o fato da morte súbita de João Pereira de Araújo Neves

(1814-1885), governador do Rio Grande do Norte, com noticiário derrama-

do e contínuo na imprensa do Rio de Janeiro e debates na Câmara dos De-

putados, 156 João Ribeiro relaciona a frase morreu o Neves ou aí morreu o

Neves com aquela que se refere a Inês de Castro, que acabamos de ver.157

2.73 Onde Judas Perdeu as Botas

Diz-se de um lugar longínquo, remoto e de difícil acesso. Corresponde a

para lá de caixa-pregos; no fim do mundo; no calcanhar de Judas ou nos

calcanhares de Judas; onde o diabo perdeu as botas; onde o diabo perdeu

a espora; no cu do Judas; nos cafundós do Judas ou nos cafundós de Judas.

Pode-se explicar esta frase a partir da Bíblia. Em Mateus 27:5, lemos que

“Judas, não podendo expiar sua culpa, mas tocado de arrependimento, reti-

rou-se e foi pendurar-se num laço”158

Ora, sendo Judas um personagem malquisto, não se pode imaginar que te-

nha escolhido, em seu mais profundo desespero, um lugar bonito e agradá-

vel para se enforcar. Onde Judas perdeu as botas, com a decomposição de

seu cadáver dependurado no laço, só pode ser um lugar em tudo desagradá-vel, feio e de difícil acesso.159

2.74 Não Há Mais Juizes em Berlim

Raimundo Magalhães Jr. explica a origem desta frase resumindo o conto

em verso de François-Guillaume-Jean-Stansislas-Andrieux, O Moleiro de

Sans-Souci: Aí se narra que, quando o rei da Prússia resolveu mandar construir o famo-so castelo de Sans-Souci, o seu intendente tudo fez para afastar da vizi-nhança um modesto moleiro, cujo moinho daria uma nota prosaica a tão belo sítio. O moleiro, porém, não aceitou nenhuma proposta para sair do local e permitir a demolição de seu moinho. Ameaçado com a expulsão violenta, ainda assim não se deu por vencido e gritou, decidido a ir lutar

com o rei na justiça: ‘Il y a des juges à Berlin’ (Há juizes em Berlim) .160

155 CABRAL, T. (1982) s. v. 156 CASCUDO, L. C. (1970) . p. 136. 157 RIBEIRO, J. (1960) p. 307-309. 158 Existem centenas de traduções da Bíblia, mas em todas elas a idéia original prevalece, em-

bora varie a forma. 159 Os Atos dos Apóstolos registra que “tendo ele se pendurado, rebentou pelo meio, e todas as

suas entranhas se derramaram”. Ou seja, ele permaneceu pendurado até seu corpo se desfazer

pela putrefação. (Atos, 1:18) 160 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 18-19.

Page 171: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

170

Quando a justiça dá um mau passo, dobrando-se ao poder, usa-se a expres-

são: não há mais juizes em Berlim, acusando a falta de juizes imparciais.

Tanto esta forma negativa quanto a forma original, positiva, são vivas na

linguagem popular.161

2.75 Levar a Lata

Explicando a origem da frase amarrar a lata (que nunca ouvimos), João

Ribeiro lembra-se a possibilidade de derivação desta frase a partir de outra,

de lata ao rabo, que provém da brincadeira maldosa que consiste em amar-rar latas ao rabo dos cachorros vadios, que foi comum entre os estudantes de

Coimbra.162

Como o sentido de amarrar a lata é o de recusa ou falta ao cumprimento de

uma promessa, equivalente a dar tábua em pedidos de casamento, é prová-

vel que tal significado tenha vindo da fusão do latim medieval glatire, que

deu latir (bater), hoje obsoleto, e lata (folha de ferro batido), com outra

forma latina lattere (por latere), que significava esconder-se.

Em amarrar a lata ambas as formas originais se confundem e se influem

porque é certo que lata aqui envolve o sentido de falta, recusa ou negativa.

Enquanto amarrar a lata e deitar a lata têm sentido ativo, levar a lata tem

o sentido passivo correspondente a levar uma surra, levar bomba, etc.

Levar a lata, portanto, é receber uma recusa.

2.76 Perder o seu Latim

Até o século XVIII o latim era a língua da comunicação letrada, o idioma

das exposições, dos debates e das composições científicas. E perder o seu

latim seria a derrota na tentativa de uma conquista verbal.

O acréscimo do complemento tempo só se deu no século passado, já que era

dispensável, pois é inadmissível o exercício dialético sem a sua duração. A

frase perder seu latim é arredondada com quatro mais quatro sílabas (con-

tando-se até a última tônica), o que é normal na fraseologia:163 perder seu

tempo e seu latim.

A elipse é tão natural que não prejudica o sentido da frase completa, neste caso.

Citando Mantaigne, Câmara Cascudo documenta a frase também em língua

francesa: “Qu’avant qu’il soit venu à la certitude de ce point où doibt join-

dre la perfection de son experience, le sens humain y per son latin.”164

161 Cf. MOTA, L. (1982) s. v. 162 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 247. 163 Vide Cobras e Lagartos, neste trabalho. 164 Montaigen, II, XXXVIII, Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 262.

Page 172: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

171

Magalhães Jr. acha ter descoberto a origem desta frase na versão de um

conto popular francês, que ele resume: Augusto, vitorioso numa guerra, regressara a Roma. Em seu palácio, apa-receu um homem com um papagaio ensinado. O louro dizia: ‘Salve, César invicto!” Encantado, o imperador o comprou por alto preço. Logo apare-ceu outro homem, com uma pega, que igualmente falava: “Salve, Augus-

to, vencedor glorioso.” Também a pega foi adquirida por uma bela soma. Um sapateiro quis ensinar coisa parecida a um corvo. Mas encontrava di-ficuldades e, a toda hora, se queixava: “Não adianta! Estou perdendo o meu tempo e o meu latim!” Tanto perseverou, no entanto, que por fim o corvo aprendeu as palavras lisonjeiras. E foi, então, levado ao palácio. Mas Augusto se limitou a dizer: “Chega de tanta adulação! Não compro mais ave alguma!” Recordando, subitamente, as palavras desanimadas do sapateiro durante o seu aprendizado, o corvo gritou: “Não adianta! Estou

perdendo o meu tempo e o meu latim!” Augusto começou a rir e comprou o corvo amestrado por preço muito superior ao das outras aves.165

Se a origem foi esta, ao contrário de que pensa Câmara Cascudo, a frase

completa foi anterior à frase elíptica.

No entanto, é bom deixar claro que a expressão proverbial no texto traduzi-

do não corresponde, literalmente, à expressão portuguesa, enquanto a ex-pressão elíptica já estava registrada por Montagne, naquela mesma língua.

A frase do conto era: “Hélas! J’ai perdu mon temps et ma peine!”

Perdre son latin é frase tradicional francesa e significa perder seu tempo.166

2.77 Sem Lenço nem Documento

O lenço e os documentos são elementos indispensável para quem se despe-

de de sua família ou de sua comunidade para melhorar de vida.

O lenço se liga aos valores afetivos e os documentos aos valores morais,

que não os mínimos que se podem exigir de alguém.

Quem sair de casa sem o lenço para acenar de longe ou enxugar as possí-

veis lágrimas de saudade e sem os documentos para se identificar por onde passar em suas aventuras, naturalmente será discriminado e tido por suspei-

to, já que lhe faltam os valores básicos: o amor e a gratidão à família e uma

história que comprove os seus costumes e habilidades.

Um só desses elementos (sem lenço ou sem documento) já é suficiente mo-

tivo de discriminação, mas a rima e a métrica facilitaram a união dos dois

elementos simbólicos.

2.78 Tirar de Letra

165 MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 265-266. 166 CORRÊA, R. A. & STEINBERG, S. H. (1980) verbete “latin”.

Page 173: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

172

O verbo tirar parece estar empregado aqui no sentido de realizar alguma

coisa. Tirar de letra pode estar relacionado com a música, quando, a partir

da letra conhecida ou do texto marcado se torna mais fácil, por exemplo, ti-

rar um samba.167

Tirar um samba de letra seria tirá-lo com facilidade.

No sentido de conseguir, obter ou receber, o verbo tirar pode estar relacio-

nado à compra a crédito, que se faz através de letra (promissória) . Afinal,

a compra a crédito não deixa de ser uma maneira mais fácil de obter as coi-

sas. Tirar de letra, neste caso, é resolver o problema da compra através de letra.

2.79 Por Locas e Bibocas

Locas, possivelmente do tupi roca, são buracos ou abrigos entre pedras,

dentro ou fora d’água.

Biboca, segundo José Pedro Machado, é um substantivo proveniente do tupi

“ybi-boc”, alterado para “bi-boc”, que significa terra, chão, fendido ou ras-

gado. Emprega-se também no sentido de casinha de palha, casebre barre-

ado, neste caso, porém, o vacábulo biboca ou yby-b-oca, se traduzirá como

casa de terra ou de barro.

Andar por locas e bibocas significa andar por lugares muito pobres, muito

primitivos, totalmente afastados da tecnologia e do desenvolvimento mo-dernos.

2.80 Na Última Lona

Lona é o nome do tecido que, por sua vez, provém do nome da cidade fran-

cesa onde ele era fabricado: Olonne.

Como tal tecido é utilizado na fabricação de tendas de circos itinerantes,

passou a significar a própria tenda, por um processo metonímico normal.

Ora, estar na lona, ou seja, estar morando numa tenda de lona, já é uma si-

tuação de grande desconforto.

É de se supor que as pessoas que habitam a última lona de um circo não são

os grandes artistas circenses, mas os mais humildes funcionários, encarre-gados da limpeza e da segurança do grupo.

Sem dificuldades se pode imaginar o que é estar na última lona: estar em

extrema pobreza.

Como os jogos são muito comuns neste ambiente, a ligação entre a idéia de

extremo desconforto e pobreza com o valor zero foi automática. Por isso,

estar na lona e estar a zero significam a mesma coisa. E lona, nos jogos

de porrinha, dominó e muitos outros, é o mesmo que zero.

167 FERREIRA, A. B. H. (s. d.), verbete “tirar”.

Page 174: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

173

2.81 Passar Manta

A manta é uma proteção de tecido grosso ou encorpado que se coloca entre

o arreio e o pelo da cavalgadura. Além de evitar pisaduras, é uma peça de

adorno para a montaria.

Como o burro ou o cavalo são os que levam manta para servir de montaria,

dar manta ou passar manta em alguém, além de ser um logro numa transa-

ção, é um modo de demonstrar que quem leva manta é burro, pois do con-

trário veria que aquele negócio seria uma manta para ele.

Aliás, a pessoa que dá manta, por gentileza, jamais diz que deu manta na-quele fulano, a menos que ele nem pessoas de sua intimidade estejam por

perto. Isto seria uma agressão.

A preposição em favorece esta nossa hipótese, visto que passar manta em

alguém ou dar manta em alguém não poderia ser uma boa regência, se esta

fosse a manta do Demo, a que se refere Câmara Cascudo168 ou um simples

invólucro ou embrulho, como observa João Ribeiro.169

2.82 Botar a Mão no Fogo

Embora João Ribeiro170 e Magalhães Jr.171 nos forneçam importantes infor-

mações sobre esta frase feita, transcreveremos apenas um fragmento do

Câmara Cascudo, pois ele nos parece suficiente para esclarecer a sua histó-

ria. Ele nos faz recordar que: ...uma das justificações nos ordálios da Idade Média era a prova do ferro

caldo. Quem alegava inocência submetia-se a pegar numa barra de ferro aquecida ao rubro e caminhar com ela na mão por alguns metros. Envol-via-se a mão em estopa, selada com cera, e três dias depois abria-se atadu-ra. Se a mão estivesse ilesa, sem sinal de queimadura, era evidente e pro-vada a inocência. Se estivesse queimada, provada estava a culpabilidade e era imediata a punição pela forca.172

Botar a mão no fogo por alguém, portanto, é jurar pela sua inocência.

Existem inúmeras variantes, como: pôr a mão no fogo; meter a mão no fo-

go; colocar a mão no fogo; assim como as suas negativas.

Ao contrário dos numerosos adágios traduzidos pelos paremiógrafos portu-

gueses, este, que é tradução “J’en mettrais la main au feu”, não só introdu-

zido no uso vulgar, mas vive na torrente oral e está inteiramente nacionali-

zado.173

168 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 317. 169 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 212. 170 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 233. 171 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 206. 172 CASCUDO, L. C. (1968), p.137. 173 Cf. AMARAL, A. (1948) p. 238, 251 e 267.

Page 175: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

174

2.83 Dar as Mãos à Palmatória

Não faz muitos anos ainda havia palmatórias em algumas escolas do interi-

or.

Era tão natural que os alunos que errassem fossem punidos pelos que acer-

tassem as perguntas do professor que as mãos estendiam automaticamente,

humildes e reconhecidas.

Dar a mão à palmatória é reconhecer o próprio erro, mesmo hoje, quando

já não existe tal objeto de suplício.

Dar o braço a torcer e Dar a mão a bolos têm o mesmo sentido, sendo a origem também relacionada com o castigo. Não conhecemos referência a

este castigo de torção do braço na história da escola tradicional. Pode estar

relacionado com os castigos aplicados nas escolas de artes marciais ou des-

portos.

Quanto aos bolos, que ainda se dão nos jogos infantis, lembram o aspecto

da mão de quem é castigado com a palmatória. Fica inchada e com as mar-

cas dos furos da palmatória em alto-relevo, como se fosse um bolo confei-

tado.

Hoje, nos referidos jogos infantis, dá-se bolo ou se ganha bolo com a pró-

pria mão. Dar bolo é castigar e ganhar bolo é ser castigado.

2.84 Meter a Mão em Cumbuca Esta frase feita é a redução de um provérbio muito conhecido: macaco velho

não mete a mão em cumbuca.

Embora Couto de Magalhães assevere ser este um anexim tupi, do qual diz

ter encontrado a seguinte versão rimada: macáca tuiué inti omundéo i pó

cuiambuca opé,174 sua origem é mais remota, como veremos adiante.

Literalmente, esta versão tupi corresponde à portuguesa: macaco velho não

mete a mão em cumbuca.

Como a palavra cumbuca é um brasileirismo, a variante portuguesa é meter

a mão no cabaço, como nos informa Afrânio Peixoto.175

A história que deu origem a este provérbio é muito divulgada, mas não pa-

rece estar embasada em fatos verídicos e sim em fatos literários. Tanto João Ribeiro quanto Câmara Cascudo estão de acordo neste particular. E ambos

citam lendas bastante remotas que justificam suas opiniões.

Eis a história, segundo a versão de João Ribeiro:176 Para caçar o macaco, introduz-se uma espiga de milho em um cumbuca, ele mete a mão, segura a espiga, e por não ter o instinto de largá-la, apesar de sua decantada astúcia, fica preso pela mão, que estando cheia não pode

174 Apud CASCUDO, L. C. (1968), p.21. 175 Afrânio Peixoto. Miçangas. Rio de Janeiro, 1981. Apud. CASCUDO, L. C. (1968), p.21 176 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 232-233.

Page 176: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

175

sair por onde entrara vazia. Como o cabaço está preso por uma corda a um objeto fixo, torna-se impossível a fuga. O macaco velho, porém, tendo visto assim logrados muitos de seus com-

panheiros, não se deixa cair na armadilha.

Além do mais, não seria o macaco o símbolo da esperteza entre os nossos

índios, mas o jacaré ou a raposa. O macaco é símbolo de astúcia entre os

africanos. No entanto, Oscar Ribas afirma que o provérbio não existe em Angola.177

Segundo Câmara Cascudo,178 o anexim divulgado em nheengatu por Couto

Magalhães é uma composição de fundo cultural que se tornou popular, já ci-

tada em Roma há quase vinte séculos e vulgarizada na China, na Índia e no

mundo árabe.

João Ribeiro estuda esta frase em A Língua Nacional, p. 107-111 e 232-233

e nas Frases Feitas, p. 404. Luís da Câmara Cascudo a estuda em Coisas

que o Povo Diz, p. 21-24 e em Locuções Tradicionais no Brasil, p. 262-

263. Raimundo Magalhães Júnior fá-lo em seu Dicionário de Provérbios,

p. 206.

2.85 Estar no Mato Sem Cachorro Originária das histórias de caçadas, estar ou ficar no mato sem cachorro é

estar metido em grande enrascada.

No mato indica o lugar em que se encontra a pessoa abandonada ou perdida,

em seu lugar perigoso, entre as feras.

Além de amigos e companheiro fiel, o cachorro é um bom caçador. Quando

até este faltou, o desespero é flagrante. É o fim da picada.

Deixar (alguém) no mato sem cachorro é abandonar ou colocar alguém

numa situação da qual dificilmente se desembaraçará, seja porque a situação

é difícil em si, seja porque lhe faltam os meios.

Como a várzea, no Nordeste, é o lugar de maior densidade da vegetação, a

variante mais difundida ali é Ficar na várzea sem cachorro.

2.86 Cair nos Braços de Morfeu

Morfeu, filho de Hypnos, era o criador dos sonhos e, como seu pai, um dos

deuses do sono.

Cair nos braços de Morfeu ou recolher-se aos braços de Morfeu são formas

que se correspondem. Estar nos braços de Morfeu é estar dormindo.

Tais expressões foram muito usadas pelos poetas românticos, quando o so-

no era pintado com asas de borboleta.

177 Apud Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 24. 178 Cf. CASCUDO, L. C. (1970), p.191-192.

Page 177: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

176

2.87 Não Entender Patavina

Há uma explicação de natureza histórica e uma de natureza lingüística, ou

melhor, histórico-lingüística.

A explicação tradicional, de natureza histórica, é que Tito Lívio, nascido em

Patavium, Pádova, Pádua, usara latinidade incorreta, peculiar a sua terra,

constituindo o Patavinismo, erros reprovados pelos gramáticos.

Ora, contra-argumenta Luís da Câmara Cascudo, não seriam os reparos

gramaticais a um historiador as fontes criadoras de uma frase ainda hoje tão

viva em Portugal e no Brasil. Se assim fosse, certamente ficaria reduzida às áreas letradas.

Provavelmente esta imagem verbal tenha sido formada em Portugal, entre

os patavinos (de Pádua, antiga Patavium), e divulgada pelos mercadores e

pelos franciscanos, entre os quais se encontrava Santo Antônio de Pádua.

João Ribeiro acredita, no entanto, que se trata “apenas de mera ampliação

popular do tema de reforço negativo existente em outras línguas romanas,

pas (passus) como no francês.”179

E ainda acrescenta quase uma dezena de formas negativas em estruturas lo-

cucionais, muitas das quais nada têm a ver com este caso.

Logo a seguir, entretanto, esclarece: “Deste tema negativo pá foi possível

formar derivações populares como saber pataca ou não saber patavina e

não ter nada.”180 Entre as variantes mais comuns atualmente, citemos: não entender níquel,

não entender pataca, não entender vírgula, não entender bulhufas.

Considerando a natureza do objeto que representam as palavra pataca e ní-

quel, moedas de pequeno valor, seu parentesco se torna evidente e seu signi-

ficado, explicável.

Do valor de moeda insignificante de pataca nasceu a expressão meia pataca,

que significa quantia insignificante, nonada, ninharia.

Embora a pataca fosse cunhada em prata, foi o seu substituto, o níquel, que

representou o valor de insignificância na fraseologia. Hoje, que as moedas

já não são de prata, é assim que se costuma chamar qualquer moeda cunha-

da em metal, esquecendo-se a sua verdadeira etimologia provençal, em que plata é lâmina de metal.

Rafael Bluteau e Antônio Tomás Pires explicam a expressão como uma de-

rivação do nome de A breve, em hebraico, que é pathach. Assim, não sa-

ber pataca equivale a não saber o A, sequer.181

179 RIBEIRO, J. (1960) p. 242. 180 Idem, ibidem. 181 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 216 e RIBEIRO, J. (1960) p. 242.

Page 178: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

177

De qualquer modo, sendo verdadeira esta etimologia de pataca, na frase

não saber vírgula ou não entender vírgula, a palavra vírgula também re-

presenta um sinal da escrita e o seu parentesco se estabelece com facilidade.

Foi considerando a locução sob este ângulo que Drummond apresenta uma

outra variante com o ponto-e-vírgula: não entender ponto-e-vírgula – “A fi-

la chegou ao guichê, e papo acabou, e eu não entendi ponto-e-vírgula do

que os dois disseram.”182

Bulhufas deve provir de bolhas, que vem do latim bulla, ou seja, qualquer

corpo esférico. Como a bolha é um glóbulo de ar, coisa inaproveitável, é fácil derivar daí o sentido da expressão não entender bulhufas, assim como

a sua variante sintética, não entender lhufas.

Todas essas variantes equivalem a não entender nada.

Quanto à estrutura, todas têm uma negação seguida de um verbo, que é se-

guido de um reforço da negação anterior.

De um certo modo, isto confirma as teorias de João Ribeiro sobre tais estru-

turas negativas.183

O verbo pode ser outro, como dizer, fazer, ouvir, etc.; as formas de reforço

variam, conforme vimos, mas a estrutura da frase permanece: negação +

verbo + reforço de negação.

2.88 Custar os Olhos da Cara Esta frase só pode ser interpretada como uma alusão ao suplício bárbaro de

arrancar os olhos aos prisioneiros de guerra perigosos à estabilidade do rei-

no, tonando-os inofensivos.

Aliás, desde os tempos homéricos o valor incomparável da visão é decanta-

do como a mais preciosa das jóias, a imagem mais viva na simbologia amo-

rosa; tão valorizado que surge na Lei de Talião como a imagem de terror na

locução: olho por olho, dente por dente, a maior ameaça que se poderia fa-

zer aos malfeitores.184

Custar os olhos da cara é custar muito caro; é custar a jóia mais cara que se

possui.

João Ribeiro pretende ver no adjetivo caro, cara, no sentido de de alto pre-ço, a partir da frase fita custar os olhos da cara, por meio da elipse de os

olhos. Caro, como advérbio, seria uma evolução posterior, partindo do ad-

jetivo na forma masculina ou neutra.185

2.89 Não ter Papas na Língua

182 ANDRADE, C. D. (1979) p. 1320. 183 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 241-244. 184 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 110-111. 185 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 153.

Page 179: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

178

João Ribeiro supõe que a nossa frase é uma adaptação da frase castelhana

“No tiene pepitas en la lengua”, com a evolução de pepitas para papitas,

que é o diminutivo de papas.186

Pepitas, em castelhano, corresponde a pevides, que são películas que reves-

tem a língua de algumas aves, ou, no singular, uma espécie de disartria na

qual o paciente tem dificuldade ou até impossibilidade de pronunciar o /r/.

De qualquer modo, pode ter havido até uma confluência sêmica, facilitando

o entendimento da frase.

Não ter dificuldade de articulação e não ter daquelas películas, próprias das galinhas, pegadas à língua é poder falar o que quiser, pois o papagaio pode

articular bem o /r/, mas não fala o que quiser, porque é uma ave e não uma

pessoa.

Pode falar o que quiser somente quem não tem papas na língua, mesmo que

papas sejam batatas inglesas (como dizem os gaúchos) ou qualquer tipo de

mingau (como se ouve no Nordeste) . Quem não tem papas na língua está

com a boca desimpedida para falar.187

Aliás, achamos que a expressão deve ter sido não ter papas na boca (se pa-

pas forem as batatas ou os mingaus) . Língua deve ter surgido como uma

analogia com idioma; uma espécie de assimilação semântica.

2.90 Não Dar Pé Origina-se da arte ou técnica da natação. Dar pé significa poder ficar de pé

ao fundo da piscina, lagoa, rio, etc. e ficar com a cabeça fora d’água. Ou

seja, dar para ficar de pé ao fundo, naturalmente, sem se afogar.

Não dar pé é o contrário, não ser possível tal ato.

Com a ampliação do sentido, não dar pé significa ser impossível. Aqui, a

palavra pé já não significa nada, fora do contexto.

2.91 Fazer Pé de Alferes

É possível que fazer pé de alferes esteja relacionado com a locução francesa

pied d’affaires, por simples associação fonética, como são muitas das etimo-

logias populares.188 Mas, como o alferes é um militar em meio de carreira na hierarquia do

Exército Colonial Brasileiro, sua posição firme e inabalável é justificada por

ter igual número de patentes ultrapassadas e por ultrapassar. Se não fosse

firme não teria chegado até ali, mas se deixar de ser firme não atingirá o fim

da carreira.

186 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 139. 187 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 218. 188 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 238 e 405-406.

Page 180: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

179

Na linguagem dos namorados, fazer pé de alferes é fazer pé firme como se

fosse um alferes, não se abalando com a vizinhança da mulher amada nem

com um rival que talvez a corteje também. É namorar com serenidade, sem

medo e sem disparatadas emoções.

2.92 É da Pontinha!

O gesto e a frase são muito populares em Portugal, de onde provêm.

Segundo Luís da Câmara Cascudo:

Aplicava-se especialmente aos vinhos e isto se verificava porque havia e há em Portugal a frase vinho de orelha quando alguém quer referir-se a um

bom vinho. E não querendo citar o de orelha, alusivo ao vinho, bastará fa-

zer o gesto de tocar na orelha. É daqui... e todo bom bebedor entende per-

feitamente. Pertencente à gíria dos provadores passou ao patrimônio co-

mum da linguagem popular nas regiões da vindima.189

A frase portuguesa, da qual nos veio a que ora estudamos, provém do fran-

cês, onde “vin d’une oreille” é o bom vinho, cujo sabor se aprova com a in-

clinação da cabeça apenas para um lado.

O “vin des deux oreilles” é o mau vinho, cujo sabor desagradável faz que se

movimente várias vezes a cabeça, e, conseqüentemente, de uma orelha a ou-

tra, conforme a Larousse.190

2.93 Pôr em Pratos Limpos

Pratos é a forma correspondente ao plural neutro prata ou plata, cujo sin-

gular era platum, em latim.

Assim, não há diferença entre as locuções en plata (do castelhano) e em

pratos (do português).

A frase original, segundo João Ribeiro, deve ter sido em prata limpa ou em

prata límpida, equivalendo a em seus verdadeiros termos. Neste caso,

concluímos que “o sentido da metáfora consiste em equiparar qualquer coi-

sa embaraçada ou abstrusa, ao seu valor, preço e metal.”191

2.94 São Outros Quinhentos! Frei Domingos Vieira, em seu Tesouro da Língua Portuguesa, edição de

1874, esclarece que “Isto são outros quinhentos! quer dizer que alguém

pronunciou novo disparate afora os que havia soltado.”192

189 Cf. CASCUDO, L. C. (1968) p. 154. 190 Apud CASCUDO, L. C. (1968) p. 153. 191 RIBEIRO, J. (1960) p. 249. 192 Apud CASCUDO, L. C. (1968) p. 39.

Page 181: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

180

Magalhães Jr. tenta relacioná-la a frase inglesa that is another story e com

a francesa c’est un autre paire de manches, ao que nos parece, sem resulta-

do satisfatório.193

Um registro de Câmara Cascudo parece esclarecer melhor a história desses

outros quinhentos: A partir do séc. XIII os fidalgos de linhagem na Península Ibérica podiam requerer satisfação de qualquer injúria, sendo condenado o agressor em 500 soldos. Quem não pertencesse a essa hierarquia alcançava apenas 300. Compreende-se que outra qualquer vilta, vitupério sem razão, poste-rior à multa cobrada, não seria incluída na primeira. Matéria para novo julgamento. Outra culpa. Outro dever. Seriam, evidentemente, outros

quinhentos soldos.194

A frase é antiga em português e encontrada com freqüência desde Camões.

Em castelhano, desde Cervantes até os nossos dias tem uso freqüente tam-bém.

2.95 Tirar Sardinha com Mão de Gato

Popularizada a frase tirar castanhas com mão de gato através da fábula de

La Fontaine O Macaco e o Gato, traduzida do francês “faire comme le sin-

ge, tirer les marrons du feu avec la patte du chat”,195 não seria difícil o su-

cesso de sua variante portuguesa difundida literariamente a partir de A Arte

de Furtar.

A frase é descritiva e, o que interessa mesmo é como se tira algo, isto e,

com mão de gato, veloz e disfarçadamente como sugere a fábula.

2.96 Da Silva Quando se pretende exprimir o rigor da exatidão e precisão com que se qua-

lifica qualquer coisa, é comum dar forma de diminutivo ao adjetivo e de-

terminá-lo com a expressão da silva.

Acreditamos que a associação do antropônimo Silva à idéia de intensidade e

é da mesma natureza da associação do adjetivo católico à idéia de autêntico

e verdadeiro. Como a maioria esmagadora dos brasileiros até alguns anos

atrás era católica, o que não fosse católico não era verdadeiro. Assim, dizia-

se que uma roupa não estava muito católica quando não apresentava bom

aspecto.

Ora, como da Silva é o nome de família mais difundido entre nós, ser da

silva é ser reconhecido, autêntico, verdadeiro. Assim a sardinha vivinha da silva era vivinha de verdade. Além de intensificar o adjetivo, por ser uma

193 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 307. 194 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 30. 195 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 338.

Page 182: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

181

espécie de pleonasmo ou redundância, o da silva dá uma idéia de familiari-

dade, como se já fosse coisa conhecida.

João Ribeiro relaciona a expressão com o pregão dos vendedores de peixe,

que vendiam as sardinhas com o grito habitual: Vivinha da costa! Ainda vi-

va!

Como Costa é nome de pessoa, originaram-se variantes: vivinha da Costa e

vivinha da Silva.

Costa e Silva são apelidos que se opõem quanto ao sentido, o que facilitaria

a criação da variante.196 Mas ainda existe uma noutra conjetura, de autoria de Sílvio de Almeida:

Silva, em latim, era selva, floresta, e Juvenal usou da palavra em sentido figurado quanto escreveu: silva comæ, uma floresta de cabelos. Seme-

lhantemente: chamamos silva a malha de pêlos da cara dos cavalos, em referência aos quais branco da silva tem uma significação tão clara como, por exemplo, calçado das mãos. Compreende-se, pois, o encarecimento da locução branco da silva, aplica-da primeiro aos animais. Depois ela se generalizou, e a idéia de branco sugeriu a de fresco; como a de fresco, a de viçoso ou cheio de vida, e as-sim por diante.197

2.97 Levar Tábua A locução é corrompida de tábula, pedra do jogo de gamão. Seria possi-velmente tomada da expressão proverbial ser tábula que não se joga que se encontra nos antigos escritores e que significa não ter valor algum e es-

tar fora do jogo.198

No jogo que se constitui o namoro, quem recebe um não fica com a inútil

tábula. Na mesma acepção, costuma-se dizer que a moça que já é noiva é

carta fora do baralho, o que vem a ser outra espécie de tábula que não jo-ga.

Levar, carregar ou tomar tábua são frases de sentido passivo, correspon-

dendo a receber um não em pedido de casamento. Dar ou passar tábua,

dar a tábua ou passar a tábua são frases de sentido ativo, correspondente a

negar-se a um pedido de casamento. Aliás, tanto estas expressões, como as

que substituem tábua por lata ou por peru, todas são empregadas nas recu-

sas a algum pedido, seja para dançar (levar peru) ou de casamento, como as

demais.

2.98 Sem Tirte nem Guarte

196 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 150-151. 197 Sílvio de Almeida. Palestras Filológicas. Diário Popular de 11-09-1907. Apud RIBEIRO,

J. (1960) p. 134 198 RIBEIRO, J. (1960) p. 190.

Page 183: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

182

Tirte ou tir-te é forma apocopada do imperativo tira-te, que significa retira-

te ou arreda-te. Guarte ou guar-te é forma apocopada de guarda-te, que

significa defende-te, protege-te.

A redução da frase, tornando-a mais opaca, elimina também o verbo dicendi

que deveria estar presente na frase original: sem (dizer: re) tir (a-) te nem

guar (da-) te.

Com o significado idêntico ao de sem dizer água vai, fica mais fácil, deste

modo, o seu entendimento.

2.99 Perder a Tramontana

Em seu livro de Curiosidade Verbais, João Ribeiro nos oferece a seguinte

explicação desta frase feita: O Norte para a antigüidade era uma noção de pequena importância, mais do céu estrelado que da terra, por isso que a civilização antiga, quase toda debruçada sobre o Mediterrâneo, se estendia no sentido dos paralelos,

sendo o Norte, mais ainda que o Sul, a região desconhecida, inabitável e impérvia dos bárbaros. Essa região da morte e dos gelos tinha em seu fir-mamento um ponto luminoso, a estrela polar, espécie de farol para os na-vegantes mediterrâneos. Como ficava para além dos montes, chamou-se em certo tempo a tramontana, na língua dos pilotos genoveses e venezia-nos, os primeiros que regularizaram as grandes navegações do Levante e Poente, no mundo medieval. A estrela polar ficava para além dos Alpes (transmontes).

Daí a frase perder a tramontana, perder o norte, o rumo certo.199

De origem italiana, esta frase foi amplamente difundida e se encontra nas li-

teraturas de quase tosas as línguas européias. Exemplos em outras línguas podem ser vistos no Dicionário de Provérbios,

de Raimundo Magalhães Jr.200

2.100 Dar às de Vila-Diogo

É uma da expressões mais estudadas em português e, certamente, em espa-

nhol e no galego. Nem por isso foi esclarecida sua verdadeira e incontestá-

vel origem.

Usada literariamente desde D. Francisco Manuel de Melo, nos Relógios

Falantes, de 1645, em português, e desde Fernando de Rojas, em La Celes-

tina, em 1499, em castelhano, ainda hoje é um mistério para os investigado-

res, folcloristas, filólogos ou historiadores. Nem mesmo se sabe ao certo se

a frase se refere ao lugar situada na província de Burgos, na Espanha, ou a uma pessoa de nome Villadiego, que conseguiu fugir do cárcere ou de al-

gum outro perigo.

199 RIBEIRO, J. (1960) p. 62-63. 200 Cf. MAGALHÃES JR., R. (s. d.) p. 265.

Page 184: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

183

Gabriel Maria Vergara Martin, no Refranero Geográfico Español, afirma

que a frase Tomar las de Villadiego é uma alusão alforges, pelos quais Vil-

ladiego é muito conhecida.201

Mas acrescenta: “outros crêem que se refere esta locução a um Villadiego

que escapou do cárcere...”202 No entanto, a maioria entende que a frase

equivale a “tomar o caminho de Santiago de Galícia”, ou a direção ou rumo

do lugar Villadiego.

José Ramón Y Fernández Oxea, debatendo todas as sugestões da pesquisa

de D. José Maria Iribarren, tomar las de Villadiego, só não apresentou re-cusa formal à que evoca Fernando III (1199-1252) protegendo os judeus

perseguidos como feras, dando-lhes Villadiego como refúgio inviolável.

Deveriam os israelita dessa localidade usar trajes distintivos, marcando a

distinção. Assaltados ou ameaçados noutras paragens, os judeus fugiam pa-

ra Villadiego, tomando as insígnias salvadoras.203

Quanto à alusão às calças, este fragmento de Iribarren é bastante esclarece-

dor: E, como por decreto real, os judeus usassem traje distinto dos demais ci-dadãos, quando se viam em perigo, abandonavam suas próprias roupas e fugiam para tomar as de Villadiego e aceitar os privilégios e regalias de quantos habitavam essa villa.204

No Brasil, entre outros, estudaram a origem desta frase feita e sua interpre-

tação: Antônio de Castro Lopes, Luís da Câmara Cascudo, Oskar Nobiling,

João Ribeiro, Raimundo Magalhães Júnior e Sílvio de Almeida.205

A explicação de Castro Lopes não tem sentido, visto que o fato que ele su-

põe dar origem à locução teria ocorrido em 1808, quando a frase já era cor-

rente há mais de 300 anos.

A partir dos estudos de Sílvio de Almeida no Diário Popular, em 1905, Os-

kar Nobiling conclui que Vila Diogo poderia ser Vila Diabo, já que Diogo é

um dos nomes do Demônio, ou Casa do Diabo, como na frase: vá para a

casa do Diabo ou vá para as profundezas dos Infernos. Supomos que neste caso houve engano, visto que Vila Diogo é lugar de sal-

vação, para onde se vai e não de perdição, para onde se mandam os desafe-

tos.206

João Ribeiro, relacionando calças com calçado, observou que deixar ou es-

ticar as botas é morrer e que o contrário de morrer, ou seja, escapar ou sal-

201 Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 91. 202 Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 91. 203 Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 93-94. 204 Apud CASCUDO, L. C. (1970) p. 94. 205 O roteiro deste sub-capítulo é o texto de CASCUDO, L. C. (1970) p. 90-95. 206 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 92.

Page 185: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

184

var-se, ou mesmo fugir, seria tomar as botas ou tomar as calças, ou ainda,

levar as calças.207

Interpretando a Lex Salica, ele ainda argumenta que tirar as calças corres-

pondia a uma das cláusulas de uma cessão dos bens (e a morte e uma cessão

forçada) e queria dizer o cedente teria de sair, abandonando tudo.208

Com razão, contra-argumenta Câmara Cascudo que a frase sugere vestir as

calças e não tirá-las. Ou seja Levar as de Vila-Diogo, Tomar as de Vila-

Diogo, Dar às de Vila-Diogo, Colher as de Vila-Diogo.209

Isto, entretanto, pode ser entendido como tirar as próprias calças para tomar as de Villa-Diogo.

3 – CONCLUSÃO

Pudemos observar, com o estudo destas 100 frases feitas usadas por Carlos

Drummond de Andrade em suas crônicas, que o uso atual de uma frase feita

envolve a sua história durante toda a sua existência no passado.

Atrás de uma frase feita, embora deva haver exceções, há uma torrente de

expressões paralelas ou variantes, há uma história ou um fato literário mar-

cante e há a participação ativa do povo que a divulgou através da língua oral.

As variantes de uma frase feita podem levar o pesquisador, através da com-

paração, a descobrir a sua origem e o seu sentido etimológico. Principal-

mente se considerarmos também as variantes já abandonadas, e que devem

ter estado mais próximas da sua origem.

Podemos considerar também que as variantes podem ter formas muito se-

melhantes e sentidos bem diferentes, assim como podem ter sentidos seme-

lhantes e formas muito diferentes.

Como a frase feita sempre se refere a um fato real ou literário, aí está o nó

da questão: descobrir o fato real ou fictício a que se liga a frase feita estuda-

da. Nem sempre é possível. Nunca será fácil. E são raríssimas as vezes que não se possa contestar uma hipótese levantada.

Uma locução só é uma frase feita se for uma estrutura petrificada na língua.

Ora, só pode ser petrificada uma locução consagrada pelo uso, ativo ou pas-

sivo, do povo ou por uma pequena parcela do povo que tenha força de tradi-

ção. A frase feita, se não for um lugar-comum, deve tê-lo sido em alguma

época e em algum lugar do país.

207 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 58. 208 Cf. RIBEIRO, J. (1960) p. 58. 209 Cf. CASCUDO, L. C. (1970) p. 93.

Page 186: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

185

Notamos a predominância, por exemplo, de frases feitas que se relacionam

com a vida do campo e com diversões ou jogos. Mais de 30% das frases

feitas estudadas se relacionam com a vida campestre e uns 10% se relacio-

nam com os jogos.

Outra predominância diz respeito ao comportamento humano. A maioria

absoluta delas se relaciona com um comportamento humano específico ou

com a sua conseqüência.

Quanto aos fatos semânticos e estruturais, ressaltam-se as elipses (que cos-

tumam dificultar a interpretação etimológica); o ritmo e a rima interna; a ampliação ou restrição do sentido original; as freqüentes metáforas e as me-

tonímias.

Há frases feitas que dificilmente poderão ser definitivamente esclarecidas,

pois fazem alusão a fatos ou seres que não foram registrados pela história

nem pela tradição. Foram certamente fatos marcantes de curta duração, não

levados em consideração pelos que fazem a história dos homens.

Não sendo possível conseguir provas concretas da verdadeira origem das

frases feitas aqui estudadas, contentamo-nos com os breves esclarecimentos

apresentados e com levantamento de algumas hipóteses que poderão ser me-

lhor examinadas e desenvolvidas mais tarde.

4 – BIBLIOGRAFIA:

AMARAL, Amadeu. Paremiologia. In – Tradições populares. São Paulo:

Instituto Progresso Editorial [1948]. p. 213-273.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Os dias lindos. 2ª ed. [Com dados bi-

ográficos do autor]. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978. X+145 p.

______. De notícias & não notícias faz-se crônica: histórias, diálogos, di-

vagações. 3ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro:

J. Olympio, 1978. X+182 p.

______. Poesia e prosa. Organizada pelo autor. Com nota editorial, de Afrânio Coutinho; As várias faces de uma poesia, de Emanuel de Mo-

raes; Fortuna crítica; Cronologia da vida e da obra; Bibliografia. Rio

de Janeiro: Aguilar, 1979. 1534 p. [Corresponde à 5ª ed. da Obra

Completa].

______. Boca de luar. [Rio de Janeiro]: Record [1984]. 217 p.

BARROS, João de. Gramática da língua portuguesa. 3ª ed. Organizada

por José Pedro Machado [s.n.e.], 1957. XV + 67p.

BATALHA, Ladislau. História geral dos adágios portugueses. Lisboa:

[s.e.], 1924.

Page 187: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

186

CABRAL, Tomé. Novo dicionário de termos e expressões populares. For-

taleza: UFC, 1982. 786 p.

CASANOVAS, Carlos Francisco de Freitas. Provérbios e frases proverbi-

ais do século XVI. Rio de Janeiro: [s.e.] 1973.

CASCUDO, Luís da Câmara. Coisas que o povo diz. [Rio de Janeiro]:

Bloch [1968]. 206 p.

______. Locuções tradicionais ao Brasil. Recife: Universidade Federal de

Pernambuco, 1970. 326 p.

______. Dicionário do folclore brasileiro. 5ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia [1984]. XVIV + 811p.

CORRÊA, Roberto Alvim & Steinberg, Sary Hauser. Dicionário escolar

francês-português, português-francês. 6ª ed. revista e atualizada.

[Rio de Janeiro]: Fename, 1980. 940 p.

CUNHA, Antônio Geraldo; Assistente: MELO SOBRINHO, Cláudio et alii.

Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. [Rio de

Janeiro]: Nova Fronteira, 1982. XXIII+839 p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; Assistentes: ANJOS, Margarida

dos et alii. Novo dicionário da língua portuguesa. [Rio de Janeiro]:

Nova Fronteira [s.d.]. X+1499 p.

GOMES, Lindolfo. À margem de provérbios e frases populares. Revista fi-

lológica. Rio de Janeiro, 9:24-26, ago. 1941; 10: 74-79, set. 1941; 11: 56-59, out. 1941; 12:23-28, nov. 1941; 13: 28-33, dez. 1941; 14:

116-123, jan. 1942; 15: 212-218, fev. 1942; 16: 295-299, mar. 1942.

LOPES, Antônio de Castro. Origens de anexins, prolóquios, locuções po-

pulares, siglas, etc. (1ª e 2ª séries) . Rio de Janeiro: Tip. e Lit. Mo-

reira Maximino & Cia., 1886. 307 p. /2ª ed. em 1909/.

LUSTOSA, Monsenhor Vicente. Frases e locuções da literatura: sua ori-

gem e aplicação. Rio de Janeiro: [s.e.], 1902.

MACHADO, José Pedro. Dicionário etimológico da língua portuguesa;

com a mais antiga documentação escrita e conhecida de muitos dos

vocábulos estudados. 3ª ed. Lisboa: Livros Horizonte [s.d.]. 5 v.

MAGALHÃES JÚNIOR, R.[aimundo]. Dicionário de provérbios, locu-ções, curiosidades verbais, frases feitas, etimologias pitorescas, cita-

ções. [Rio de Janeiro]: EDIOURO [s.d.]. 366 p.

MOTA, Leonardo. Adagiário brasileiro. Fortaleza: Universidade Federal

do Ceará; [Rio de Janeiro]: J. Olympio, 1982. 433 p.

MOTA, Mauro. Os bichos na fala da gente. Recife: Instituto Joaquim Na-

buco de Pesquisas Sociais/MEC, 1969.235 p.

PIRES, Tomás Antônio. Origens de várias locuções, adágios, anexins, etc.

Elvas: [s.e.], 1928.

Page 188: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

187

PUGLIESI, Márcio. Dicionário de expressões idiomáticas: locuções usuais

da língua portuguesa. [São Paulo]: Parma [s.d.], 390 p.

RIBEIRO, João. A língua nacional: notas aproveitáveis. 2ª ed. São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 1933. 263 p.

______. Frases feitas: estudo conjetural de locuções, ditados e provérbios.

Com introdução de Joaquim Ribeiro. 2ª ed. corrigida pelo autor, tra-

zendo numerosos acréscimos e comentários da crítica. Rio de Janeiro:

F. Alves, 1960. 432 p.

______. Curiosidade verbais: estudos aplicáveis à língua nacional. 2ª ed. Rio de Janeiro: S. José, 1963. 244 p.

SABINO, Fernando. Lugares-comuns. 3ª ed. [Rio de Janeiro]: Record

[1984]. 171 p. [Com ilustrações de Jaguar].

SAID ALI, M.[anuel] Meio de expressão e alterações semânticas. 3ª ed.

revista. Rio de Janeiro: F. G. Vargas, 1971. XVI + 160 p.

SERPA, Oswaldo. Dicionário de expressões idiomática: inglês-

português/português-inglês. 2ª ed. revista e atualizada. [Rio de Ja-

neiro]: FENAME, 1976. 305p.

SILVA, Mário Camarinha da. Usos e normas técnicas para tradutores e au-

tores. In – et alii. A tradução técnica e seus problemas. São Paulo:

ABRAT, A984, p. 175-220.

SILVA, José Pereira da. A fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond de Andrade: subsídios para um dicionário básico. Trabalho final do

curso de Etimologia e Lexicografia (Mestrado em Letras) na UFRJ em

1984. 125 laudas.

Page 189: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

188

A ESTRUTURA DAS FRASES FEITAS210

Estudo elementar da estrutu-

ra sintática e morfológica de

93 frases feitas, na forma em

que aparecem nas crônicas

de Carlos Drummond de

Andrade. Classificação mor-

fossintática dessas frases fei-

tas em suas formas endo e

exossêmicas.

210 Este texto resulta do trabalho final do Curso de Estruturas Frasais, apresentado ao Prof. Dr.

Edwaldo Machado Cafezeiro, na Faculdade de Letras da UFRJ, no segundo semestre de 1984.

Page 190: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

189

ABREVIATURAS USADAS NESTE CAPÍTULO

a Advérbio

A Adjetivo

Adn Adjunto adnominal

Adv Adjunto adverbial

Ap Aposto c Conjunção

Cc Complemento circunstancial

Cn Complemento nominal

I. Índice de indeterminação do

sujeito

N Núcleo ou Numeral

Oadj Oração subordinada adjetiva

Oadv Oração subordinada ad-

verbial

Oc Oração coordenada

Od Objeto direto

Oi Objeto indireto Op Oração principal

Os Oração subordinada substan-

tiva

P Período simples ou Pronome

Pa Partícula apassivadora

PC Período composto por coor-

denação

Pn Predicado nominal

Po Predicativo do objeto

Ps Predicativo do sujeito

PS Período composto por su-

bordinação

Pv Predicado verbal

Pvn Predicado verbo-nominal S Sujeito ou Substantivo

Sp Sujeito paciente

V Verbo ou verbo principal de

uma locução verbal

v Verbo auxiliar

/ Artigo

+ Conectivo coordenante

_ Conectivo subordinante

() Inclusão da descrição do

termo a que se pospõe

^ Indeterminação do termo a

que se pospõe * Inexistência do termo a que

se pospõe

~ Negação do termo a que se

pospõe

– Preposição ou conectivo vo-

cabular

´ Subentendimento do termo a

que se pospõe

Page 191: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

190

1 –INTRODUÇÃO

Este trabalho consiste em analisar sintática e morfologicamente a estrutura

das frases feitas, ou seja, das locuções petrificadas na língua ou tornadas lu-

gares-comuns, as abreviações ou paráfrases de provérbios, adágios, anexins,

etc., ou meras alusões a estas expressões proverbiais, subordinadas sempre à

construção da frase corrente.

Nestas expressões, consideradas na forma em que aparecem nas crônicas de

Carlos Drummond de Andrade, observaremos e analisaremos elementar-mente a sua estrutura morfossintática, de acordo com os padrões e nomen-

clatura tradicionais.

Como o nosso objetivo é observar e apresentar a estrutura básica da frase

feita, tanto internamente com em suas relações com o contexto em que se

encontra inserida, só faremos esparsos comentários quando os casos consi-

derados nos parecerem ambíguos, admitindo maus de uma análise. Com is-

so, pretendemos ainda dar-lhes uma classificação, de acordo com a sua fun-

ção morfossintática, considerando ao mesmo tempo o seu valor interno (ou

endossêmico) e seu valor externo (ou exossêmico).

Nosso corpus será limitado a 93 frases feitas, todas colhidas nas crônicas de

Carlos Drummond de Andrade, nos seguintes livros: Os Caminhos de João

Brandão,211 De Notícias & Não Notícias Faz-se a Crônica,212 Os Dias Lin-dos213 e Boca de Luar214.

Não Conhecemos nenhuma referência a trabalho que trate especificamente

do tema que pretendemos desenvolver, embora sejam numerosos os que es-

tudam a estrutura morfológica e sintática das línguas ou de alguns tipos de

frases e também não é pequena a bibliografia sobre as formas petrificadas

da linguagem, entre as quais se encontram as frases feitas.

O que torna peculiar o nosso critério de análise da estrutura frasal neste tra-

balho é, basicamente, o uso de abreviações. Com isto pretendemos fazer

economia de espaço e facilitar uma visão de conjunto das análises de cada

frase feita, com o que se facilita também uma abordagem comparativa.

No geral, esta forma abreviada de análise consiste em substituir a nomencla-tura gramatical por abreviações por nós convencionadas. Na análise morfo-

lógica, constituída apenas da indicação da classe de palavra de cada vocábu-

lo formal, alinhamos simplesmente as abreviações convencionadas, na or-

dem em que aparecem no texto eleito como corpus. Na análise sintática, no

entanto, tivemos de estabelecer uma hierarquia das funções, o que foi feito

211 In ANDRADE, C. D. Poesia e Prosa, p. 1295-1353. 212 In ANDRADE, C. D. Poesia e Prosa, p. 1395-1470. 213 ANDRADE, C. D. Os Dias Lindos, 1978. 214 ANDRADE, C. D. Boca de Luar, 1984.

Page 192: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

191

através de parênteses, com que inscrevemos a descrição detalhada do termo

a que se segue a abertura dos referidos parênteses.

Exemplo: “Isto é dose para leão.”

Análise sintática | DOSE PARA LEÃO | Análise morfológica

Ps (NAdn (-N)) | | S-S

Na análise sintática temos:

Predicativo do sujeito: Dose para leão;

Núcleo do predicativo do sujeito: Dose;

Adjunto adnominal do predicativo do sujeito: Para leão; Preposição do adjunto adnominal: Para;

Núcleo do adjunto adnominal: Leão.

Na análise morfológica temos:

Substantivo: Dose; Preposição: Para; Substantivo: Leão.

A relação estabelecida entre a frase feita em questão e o contexto em que se

insere está indicada pela primeira abreviação colocada na análise sintática,

que, no caso acima, é Ps, ou seja, Predicativo do sujeito, que é uma função

substantiva.

Em todos os casos, a análise sintática fica à esquerda e análise morfológica

fica à direita, ambas na linha seguinte à em que transcrevemos em maiúscu-

las a frase em estudo.

Como todas as abonações são de Drummond, sua indicação bibliográfica, que remete sempre à bibliografia, constitui-se do nome do livro, seguido da

indicação da página.

Na esperança de poder produzir algo melhor, aguardo ansioso, os comentá-

rios valiosos do exímio leitor.

2 – ANÁLISE SINTÁTICA E MORFOLÓGICA DAS FRASES FEITAS

Na ordem em que aparecem no texto, são analisadas as frases destacadas nos fragmentos citados, primeiro, sintaticamente, e depois, morfologica-

mente.

E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em

outra freguesia. (Poesia e Prosa, 1318).

LEVAVAM TÁBUA

Oadv (S^Pv (VOd)) VS

TIRAR O CAVALO DA CHUVA

Os (S^pV (VOd (AdnN) Adv (-AdnN))) V/S-/S

IR PREGAR EM OUTRA FREGUESIA

Page 193: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

192

Os (S^Pv (vVAdv (-AdnN))) vV-PS

As pessoas, quando corriam, antigamente, era para tirar o pai da forca, e

não caíam de cavalo magro. (Poesia e Prosa, 1318).

TIRAR O PAI DA FORCA

Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN)) V/S-/S

NÃO CAÍAM DE CAVALO MAGRO

Pv (V~Cc (-NAdn)) aV-SA

Algumas jogavam verdes para colher maduro, e sabiam com quantos paus

se faz uma canoa. (Poesia e Prosa, 1318). JOGAVAM VERDE PARA COLHER MADURO

Pv (Vod (N^Adn) Oadv (-S^Pv (VOd (N^Adn))) VA-VA

Ou

PvN (VodPo) Oadv (-S´Pv (VOd^Po)).

Obs.: Além das duas análises sintáticas diferentes apresentadas, ainda há um

problema a ser considerado nessa frase:

Os dois verbos, embora pareçam ter o mesmo sujeito (algumas), aparece na

forma impessoal no segundo, quando deveria concordar com o seu sujeito.

Considerando isto, fizemos uma terceira análise, desta vez considerando

que este verbo está na voz passiva sintética, com elipse da partícula apassi-

vadora. Neste caso, o sujeito do segundo verbo seria maduro, ou seja:

Pvn (VOd^Po) Oadv (_Pa´PvSp (N^Adn)).

COM QUANTOS PAUS SE FAZ IMA CANOA

Os (Pv (Adv (-AdnN) PaV) Sp (AdnN)) -PSPV/S

Ou

Os (Pv (Adv (-AdnN) IVOd (AdnN))). -PSPV/S

Obs.: Esta segunda análise leva em conta o fato de que a partícula apassiva-

dora e o sujeito paciente não são percebidos naturalmente como tais, crian-

do-se um a espécie de análise artificial, onde os termos não correspondem à

realidade percebida.

É óbvio, para mim, que não há intenção de se dizer, com esta frase, que uma

canoa é feita. Que alguém faz uma canoa, num sentido ativo, é o que pare-ce ser o sentido da construção se faz uma canoa.

O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em

canoa furada. (Poesia e Prosa, 1319).

EMBARCASSE NUMA CANOA FURADA

Pv (VCc (-Nadn)) V-SA

Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila-

Diogo. (Poesia e Prosa, 1318).

LHES PASSAVA A MANTA

Pv (OiVOd) PVS

Page 194: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

193

DANDO ÀS DE VILA-DIOGO

Oadv (S´Pv (VCc (-AdnN^Adn (-N)))) V-/-S

Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em

camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com

os burros n’água. (Poesia e Prosa, 1319).

SE METIAM EM CAMISAS DE ONZE VARAS

Pv (OdVCc (-NAdn (-AdnN))) PV-S-NS

(SE METIAM) EM CALÇAS PARDAS

Pv (Od´V´Cc (-NAdn))) P’V’-SA DESSEM COM OS BURROS N’ÁGUA

Pv (VCc (-AdnN) Cc (-N)) V-/S-S

Havia os que tomaram chá em criança, e, ao visitarem família de maior

consideração, sabiam cuspir dentro da escarradeira. (Poesia e Prosa, 1319).

TOMARAM CHÁ EM CRIANÇA

Pv (VOdAdv (-N)) VS-S

Embora sem saber da missa a metade, os presunçosos queriam ensinar pa-

dre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão em cumbuca. (Poesia e

Prosa, 1319).

SEM SABER DA MISSA A METADE

Oadv (_~SPv (VCn (-AdnN) Od (Adn))) -V-/S/S

ENSINAR PADRE-NOSSO AO VIGÁRIO Os (SPv (VOdOd (-AdnN))) VS-/S

PUNHAM A MÃO EM CUMBUCA

Pv (VOd (AdnN) Adv (-N)) V/S-S

Era natural que com eles se perdesse a tramontana. (Poesia e Prosa, 1319).

SE PERDESSE A TRAMONTANA

Pv (IVOd (AdnN)) ou Os (...PaVSp (AdnN)) 215 PV/S

Antigamente, certos tipos faziam negócios e ficavam a ver navios; outros

eram pegados com a boca na botija, contavam tudo tintim por tintim e iam

comer o pão que o diabo amassou, lá onde Judas perdeu as botas. (Poesia e

Prosa, 1319).

A VER NAVIOS Oadv (S´Pv (_VOd) -VS

COM A BOCA NA BOTIJA

Adv (-AdnNÂdnAdv (-AdnN)) -S/-S

TINTIM POR TINTIM

Adv (N-N) S-S

IAM COMER O PÃO QUE O DIABO AMASSOU

Oc (S’Pv (V (vV) Od (AdnNAdn (Oadj (OdS (AdnN) V))))) vV/SP/SV

ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS

215 Vide observação sobre a análise de “com quantos paus se faz uma canoa”.

Page 195: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

194

Oadj (AdvSPv (Vod (AdnN))) PSV/S

Obs.: O antecedente da oração adjetiva acima é o advérbio de lugar lá, o

que parece estranho, visto que o adjetivo é uma classe de palavra que funci-

ona sempre com determinante de um substantivo. Tal estranheza desapare-

ce ao analisarmos o significado deste advérbio, que nos dá, em qualquer

contexto que o encontrarmos, “naquele lugar”. Este, como outros advér-

bios, é pronome adverbial, subentendendo sempre um demonstrativo e o

substantivo “lugar”, que é o termo determinado.

Uns raros amarravam cachorro com lingüiça. (Poesia e Prosa, 1319). AMARRAVAM CACHORRO COM LINGÜIÇA

Pv (VOdAdv (-N)) VS-S

E alguns ouviam cantar o galo, mas não sabiam onde. (Poesia e Prosa,

1319).

OUVIAM CANTAR O GALO, MAS NÃO SABIAM ONDE

Pv (VOd (Os (PvS (AdnN)))) +S’V~OdOs) VV/ScaVP

O pronome relativo e conectivo subordinante da última oração da frase feita

analisada constitui o que se costuma chamar de vestígio. Ele representa to-

da a oração de que é o vestígio. Eliminando-se esta zeugma, além de ficar

redundante, a frase resultante perderia toda a sua graça. Ficaria: Ouviam

cantar o galo, mas não sabiam onde o galo cantava.

Acolhiam com satisfação a visita do cometa, que, andando por Ceca e Me-ca, trazia novidades de baixo, ou seja, da Corte do Rio de Janeiro. (Poesia e

Prosa, 1319).

ANDANDO POR CECA E MECA

Oadv (S’Pv (VAdv (-N+N))) V-ScS

Antigamente os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se es-

quecia de arear os dentes antes de cair aos braços de Morfeu, era capaz de

entrar no couro. (Poesia e Prosa, 1320).

DOBRAVAM A LÍNGUA

Pv (VOd (AdnN)) V/S

CAIR NOS BRAÇOS DE MORFEU

Pv (VCc (-AdnNAdn (-N))) V-/S-S ENTRAR NO COURO

Os (S’Pv (VCc (-AdnN))) V-/S

Não deviam também, se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir.

(Poesia e Prosa, 1320).

SEM TUGIR NEM MUGIR

Oadv (_~S^Pv) +~Oadv (S^Pv) -VcV

Não ficava mangando na rua nem escapulia do mestre, mesmo que não en-

tendesse patavina da instrução moral e cívica. (Poesia e Prosa, 1320).

NÃO ENTEDESSE PATAVINA

Page 196: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

195

Oadv (S^Pv (V~Od) aVS

Os bilontras é que eram um precipício, jogando com pau de dois bicos, pelo

que carecia muita cautela e caldo de galinha. (Poesia e Prosa, 1320).

JOGANDO COM PAU DE DOIS BICOS

Oadv (S’Pv (VCc (-NAdn (-AdnN)))) V-S-NS

MUITA CAUTELA E CALDO DE GALINHA

Od (AdnN+Nadn (-N)) PScS-S

O melhor era pôr as barbas de molho diante de um treteiro de topete; depois

de fintar e engambelar os coiós, e antes de que se pusesse tudo em pratos limpos, ele abria o arco. (Poesia e Prosa, 1320).

PÔR AS BARBAS DE MOLHO

Os (S^Pvn (VOd (AdnN) Po (-N))) V/S-S

PUSESSE TUDO EM PRATOS LIMPOS

Oadv (IPv (VOdAdv (-NAdn))) VP-SA

Ou

Oadv (Pv (PaVAdv (-NAdn)) Sp) 216 VP-SA

ABRIA O ARCO

Pv (Vod (AdnN)) V/S

O diacho eram os filhos da Candinha: quem somava a candongas acabava

na rua da amargura, lá encontrando, encafifada, muita gente na embira,

que não tinha nem para matar o bicho; por exemplo, o mão-de-defunto. (Poesia e Prosa, 1320).

OS FILHOS DA CANDINHA

S (AdnNAdn (-AdnN) /S-/S

NA RUA DA AMARGURA

Cc (-AdnNAdn (-AdnN)) -/S-S

NA EMBIRA

Adv (-Adn) -/S

MATAR O BICHO

Oadv (S’Pv (VOd (AdnN))) V/S

Bom era ter costas quentes, dar as cartas com a faca e o queijo na mão;

melhor ainda ter uma caixinha de pós de perlimpimpim, pois isso evitava de levar lata, ficar na pindaíba ou espichar a canela antes que fosse servido.

(Poesia e Prosa, 1320).

TER COSTAS QUENTES

Os (S^Pv (VOd (NAdn))) VSA

DAR AS CARTAS

Os (S^Pv (VOd (AdnN))) V/S

COM A FACA E O QUEIJO NA MÃO

Adv (-AdnN+AdnNAdv (-AdnN)) -/Sc/S-/S

216 Idem.

Page 197: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

196

LEVAR LATA

Os (S^Pv (VOd)) VS

FICAR NA PINDAÍBA

Os (S^Pv (VCc (-AdnN))) V-/S

ESPICHAR A CANELA

Os (S^Pv (VOd (AdnN))) V/S

Qualquer um acabava enjerizado se lhe chegavam a urtiga ao nariz, ou se o

faziam de gato-sapato. (Poesia e Prosa, 1320).

O FAZIAM DE GATO-SAPATO Oadv (S^Pvn (OdVPo (-N))) PV-S

Ganhar vidro de cheiro marca barbante, isso não: a mocinha dava o cavaco.

(Poesia e Prosa, 1320).

DAVA O CAVACO

Pv (VOd (AdnN) V/S

Às vezes, sem tirte nem guarte, aparecia um doutor pomada, todo cheio de

nove horas; ia-se ver, debaixo de tanta farofa era um doutor de mula ruça,

um pé rapado, que espiga! (Poesia e Prosa, 1320).

SEM TIRTE NEM GUARTE

Adv (-~N+~N) -ScS

UM DOUTOR POMADA

S (AdnNAdn) /SS TODO CHEIO DE NOVE HORAS

Ps (AdvNCn (-AdnN)) aA-NS

DEBAIXO DE TANTA FAROFA

Adv (– (N-) AdnN) a-PS

UM DOUTOR DE MULA RUÇA

Ps (AdnNAdnN (-Nadn) /S-SA

UM PÉ RAPADO

Ps (AdnNAdn) /SA

E a moçoila, que começava a nutrir xodó por ele, que estava mesmo de ra-

bicho, caía das nuvens. (Poesia e Prosa, 1320).

NUTRIR XODÓ Pv (Vod) VS

DE RABICHO

Ps (-N) -S

CAÍA DAS NUVENS

Pv (VAdv (-AdnN)) V-/S

Daí se perder as estribeiras por uma tutaméia, um alcaide que o caixeiro

nos impingia, dando de pinga um cascão de goiabada. (Poesia e Prosa,

1320).

SE PERDER AS ESTRIBEIRAS

Page 198: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

197

IPv (VOd (AdnN)) PV/S

DE PINGA

Po (-N) -S

Os tipos que havia: o pau-para-toda-obra, o vira-casaca (este cuspia no pra-

to em que comera), o testa-de-ferro, o sabe-com-quem-está-falando, o san-

gue-de-barata, o Dr. Fiado que morreu ontem, o zé-povinho, o biltre, o pe-

ralvilho, o salta-pocinhas, o alferes, a polaca, o passador de nota falsa, o

mequetrefe, o safardana, e maria-vai-com-as-outras... (Poesia e Prosa,

1320). CUSPIA NO PRATO EM QUE COMERA

Pc (VCc (-AdnN) Oadv (-AdvS’Pv)) V-/S-PV

Obs.: Este período é importante exemplo de como as frases feitas se asse-

melham às palavras compostas. É possível que as frases feitas sejam uma

espécie de transição entre a frase corrente e a palavra composta. Um fato

semelhante à transição existente entre uma gíria, de uso restrito a certas

classes sociais ou grupos regionais, e o vocabulário comum.

Por que “o maria-vai-com-as-outras” é tão diferente da frase “Maria vai

com as outras colegas à praia”?

Onde está a diferença estrutural entre “os filhos da Candinha” e “o testa-de-

ferro” ou “o sangue-de-barata”? Não é apenas um problema de ortografia?

Imaginamos que a frase feita é uma unidade semântica estruturada com tan-ta coerência quanto a palavra composta por justaposição, e como tal pode

ser considerada. Tanto assim é que os lexicógrafos não conseguem unificar

sua ortografia, ora escrevendo-os com hífens, ora sem hífens.

Se existe uma distinção clara, por que não divulgá-la, estabelecendo um cri-

tério ortográfico? É simplesmente porque não existe.

Depois de mil peripécias, assim ou assado, todo mundo acabava mesmo ba-

tendo com o rabo na cerca, ou simplesmente a bota, sem saber com descal-

ça-la. (Poesia e Prosa, 1320).

ASSIM OU ASSADO

Adv (N+N) aca

BATENDO COM O RABO NA CERCA Oadv (S^ Pv (V Od (-Adn N) Cc (-Adn N))) V-/S-/S

Ele não se deu por achado: Ora, minha tia, então não vê que é de meu pa-

drinho Sr. São José? (Poesia e Prosa, 1179).

NÃO SE DEU POR ACHADO

Pvn (OdV~Ps (-N)) aPV-A

Com o aperto do laço, o infeliz punha a alma pela boca. (Poesia e Prosa,

1118).

PUNHA A ALMA PELA BOCA

Pv (VOd (AdnN) Cc (-AdnN) V/S-/S

Page 199: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

198

– Bem que este merecia um chá de casca de vaca! (Poesia e Prosa, 1334).

UM CHÁ DE CASCA DE VACA

Od (AdnNAdn (-NAdn (-N))) /S-S-S

Minha sogra acha que debaixo desse angu tem carne, e que o senhor pre-

tende exprimir em símbolos uma realidade sutil.

(Os Dias Lindos, 13).

DEBAIXO DESSE ANGU TEM CARNE

Os (S’Pv (Adv (– (N-) AdnN) VOd)) a-PSVS

Não vem que não tem! (Os Dias Lindos, 64). NÃO VEM QUE NÃO TEM

PS (Op (S’Pv (V~)) Oadv (_S’Pv (V~Od^))) aVcaV

Isso aqui não é a casa da mãe Joana! (Os Dias Lindos, 64).

A CASA DA MÃE JOANA

Ps (AdnNAdn (-AdnNAdn)) S-/SS

Bons olhos o vejam! (Os Dias Lindos, 64).

BONS OLHOS O VEJAM

P (S (AdnN) Pv (OdV)) ASPV

Parar é regra de ouro (se não me falha a memória).

SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA

Oadv (_Pv (OiV~) Sp (AdnN)) caPV/S

O problema é que se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. (Os Dias Lindos, 68).

SE CORRER O BICHO PEGA, SE FICAR O BICHO COME

Oadv(_S^Pv)Op(S(AdnN)Pv)Oadv(_S^Pv)Op(S(AdnN)Pv) Cv/SVcV/SV

Não tem papas na língua. (Os Dias Lindos, 68).

NÃO TEM PAPAS NA LÍNGUA

P (S^Pv (VOdOi (-AdnN))) aVS-/S

Não pode com uma gata pelo rabo. (Os Dias Lindos, 68).

NÃO PODE COM UMA GATA PELO RABO

P (S^Pv (V~Oi (-AdnN) Adv (-AdnN))) aV-/S-/S

Não estou aqui para botar azeitona na empada de ninguém. (Os Dias Lin-

dos, 68). BOTAR AZEITONA NA EMPADA DE NINGUÉM

Oadv (S’Pv (VOdAdv (-AdnNAdn (-N~)))) VS-/S-P

Não fede nem cheira. (Os Dias Lindos, 68).

NÃO FEDE NEM CHEIRA

PC (S^Pv (V~) +S^Pv (V~)) aVcV

Porque se dizem cobras e lagartos, e não se dizem rouxinóis e açucenas?

(Os Dias Lindos, 70).

SE DIZEM COBRAS E LAGARTOS

Oc (Pv (PaV) Sp (N+N)) PVScS

Page 200: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

199

Também cabe referir aquelas coisas manifestadas com a ressalva: ‘Diga de

passagem’.

DIGA-SE DE PASSAGEM

Ap (S^PvIAdv (-N)) VP-S

A menos que o convicto (ou teimoso) diga: ‘Digo e repito’. (Os Dias Lin-

dos, 69).

DIGO E REPITO

Os (S’Pv) +Os (S’Pv) VcV

E na variação, fica o dito por não dito. (Os Dias Lindos, 69). FICA O DITO POR NÃO DITO

P (Pvn (...VPs (-N~Adn)) S (AdnN~Adn)) V/A-aA

Tentei convencer (sem muita convicção) à recalcitrante que o fim era nobre,

uma vez que se trata de prevenir o enfarte, ou infarto, dos sócios do clube,

por uma terapêutica artístico-literária em que ela constituiria elemento es-

sencial; que seu concurso seria verdadeira mão-na-roda; que tivesse paciên-

cia e desse uma mãozinha, mesmo de mão-beijada, pois o clube não falara

em pagamento; enfim, que agüentasse a mão, mesmo que isso fosse uma

tremenda mão-de-obra, para que os velhinhos convidadores não ficassem de

mão abanando, ou com uma mão atrás e outra adiante, ou ainda, para falar

mais claramente, na mão. (Os Dias Lindos, 139).

DESSE UMA MÃOZINHA Os (S’Pv (VOd (AdnN))) V/S

DE MÃO-BEIJADA

Adv (-NAdn) -SA

AGÜENTASSE A MÃO

Os (S’Pv (VOd (AdnN))) V/S

NÃO FICASSE DE MÃO ABANANDO

Pn (V~Ps (-NAdn (Oadj))) aV-SV~

COM UMA MÃO ATRÁS E OUTRA ADIANTE

Ps (-AdnNAdv+AdnN’Adv) -SacPa

NA MÃO

Ps (-AdnN) -/S A tudo ela respondeu com obstinada indiferença, que nem à mão de Deus

Padre cederia. (Os Dias Lindos, 139).

NEM À MÃO DE DEUS PADRE

Od (_~-AdnNAdn (-N)) c-/S-SS

Alegou que para esse tipo de coisas tinha mão-de-pilão; além disso, não de-

sejava meter a mão em cumbuca, e exortou-me a botar a mão na consciên-

cia: não estaria eu querendo tirar sardinha com mão de gato? (Os Dias

Lindos, 139).

METER A MÃO EM CUMBUCA

Page 201: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

200

Os (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-N))) V/S-S

Ou

Os (S’Pv (VOd (AdnN) Cc (-N))) V/S-S

Obs.: Nem sempre é muito fácil distinguir o objeto indireto do complemen-

to circunstancial. Talvez fosse por isso que a comissão organizadora da

Nomenclatura Gramatical Brasileira tenha englobado ambos sob a rubrica

de objeto indireto, em alguns casos, ou ambos sob o nome de adjunto ad-

verbial, quando a confusão estabelecida estivesse entre estes dois últimos:

complemento circunstancial e adjunto adverbial. BOTAR A MÃO NA CONSCIÊNCIA

Os (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN))) V/S-/S

Ou

Os (S’Pv (VOd (AdnN) Cc (-AdnN))) V/S-/S

Obs.: Vide observação acima.

TIRAR SARDINHA COM MÃO DE GATO

Os (S’Pv (VOdAdv (-NAdn (-N)))) VS-S-S

Dei as mãos à palmatória. (Os Dias Lindos, 139).

DEI AS MÃOS À PALMATÓRIA

P (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN))) V/S-/S

Mas para não dar o braço a torcer, nem me declarar vencido pela competi-

ção das cervejas, concluí: Leovigil, traga a de sempre. (De Notícias & Não Notícias Faz-se Crônica, 138).

NÃO DAR O BRAÇO A TORCER

Oadv (S’Pv (V~Od (AdnN) Adv (Oadv (_Sp´Pv)))) aV/S-V

Eu sei, eu percebo. Faz bem em fechar-se em copas. (De Notícias & Não

Notícias Faz-se a Crônica, 12).

FECHAR-SE EM COPAS

Oadv (S’Pv (VOdCc (-N))) VP-S

– Tou contratada. Vamos, não me negue uma colher de chá. (Boca de Luar,

43).

UMA COLHER DE CHÁ

Od (AdnNAdn (-N)) /S-S

3 – CLASSIFICAÇÃO DAS FRASES FEITAS

Fizemos a classificação morfossintática das 93 frases feitas estudadas le-

vando em consideração o que ensina o Professor Aloizio Manna no seguinte

fragmento de seu livro: Padrões Estruturais da Língua Portuguesa:

Page 202: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

201

Cada fragmento de um conjugado semântico qualquer, a par de seu valor in-

trínseco – mais ou menos vago, considerado em si mesmo – irradia simulta-

neamente, no processo associativo, um valor semântico externo, fundamen-

tal na estruturação da língua. Ao mesmo tempo, o seu valor externo reflui

sobre si mesmo, para delimitar, ou melhor, precisar o seu próprio valor in-

terno.

Como se pode perceber, este duplo aspecto – endossêmico e exossêmico –

se apresenta intimamente vinculado, e só se dissocia para efeito metodoló-

gico.217 De acordo com a sua estrutura e função morfossintática, as frases feitas fo-

ram classificadas endossêmica e exossemicamente em cinco classes de pa-

lavras, a saber: verbos, substantivos, adjetivos, advérbios e interjeições.

Seu valor endossêmico é avaliado pela classe da palavra pela qual poderia

ser substituída. Mas o seu valor exossêmico é determinado pela função sin-

tática que desempenha no contexto frasal de que é extraída.

Reagrupadas, aqui, de acordo com este critério, cada frase feita estudada é

destacada do texto e repetida, juntamente com a sua análise sintática e mor-

fológica, para que se possa fazer mais facilmente um confronto.

Centralizada, em maiúsculas, vem a frase feita; abaixo e à esquerda, vem a

análise sintática; e à direita, nesta mesma linha, vem a análise morfológica,

sempre abreviadas.

3.1 – Frases Feitas Classificadas como Verbos

Considerando apenas a estrutura e o valor semântico interno, 64 das 93 fra-

ses feitas estudadas se constituem de verbos. Ou seja, 69% do total.

Desse número, 34 frases feitas, ou 37% do total, são classificada como ver-

bos endossêmica e exossemicamente; 18, ou seja, 20% do total, são classifi-

cadas como verbos endossemicamente e como substantivos exossemica-

mente; e 12 frases feitas, que constituem 12% do total, classificam-se exos-

semicamente como advérbios.

3.1.1. – Frases Feitas Classificadas Endossêmica e Exossemica-mente como verbos.

TIRAR O PAI DA FORCA

Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN)) V/S-/S

NÃO CAÍAM DE CAVALO MAGRO

Pv (V~Cc (-NAdn)) aV-SA

IAM COMER O PÃO QUE O DIABO AMASSOU

Oc (S’Pv (vVOd (AdnNAdn (Oadj (OdS (AdnN) V))))) vV/SP/SV

TOMARAM CHÁ EM CRIANÇA

217 MANNA, A. Padrões Estruturais da língua Portuguesa, p. 34.

Page 203: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

202

Pv (VOdAdv (-N)) VS-S

SE METIAM EM CAMISAS DE ONZE VARAS

Pv (OdVCc (-NAdn (-AdnN))) PV-S-NS

(SE METIAM) EM CALÇAS PARDAS

Pv (ÓdV’Cc (-NAdn))) P’V’-SA

DESSEM COM OS BURROS N’ÁGUA

Pv (VCc (-AdnN) Cc (-N)) V-/S-S

LHES PASSAVA A MANTA

Pv (OiVod) PVS EMBARCASSE NUMA CANOA FURADA

Pv (VCc (-NAdn)) V-SA

AMARRAVAM CACHORRO COM LINGÜIÇA

Pv (VOdAdv (-N)) VS-S

OUVIAM CANTAR O GALO, MAS NÃO SABIAM ONDE

Pv (VOd (Os (PvS (AdnN)))) +S’V~OdOs) VV/ScaVP

DOBRAVAM A LÍNGUA

Pv (VOd (AdnN)) V/S

CAIR NOS BRAÇOS DE MORFEU

Pv (VCc (-AdnNAdn (-N))) V-/S-S

JOGAVAM VERDE PARA COLHER MADURO

Pv (VOd (N’adn) Oadv (_S’Pv (VOd (Nadn))) VA-VA DAVA O CAVACO

Pv (VOd (AdnN) V/S

NUTRIR XODÓ

Pv (VOd) VS

CAÍA DAS NUVENS

Pv (VAdv (-AdnN)) V-/S

SE PERDER AS ESTRIBEIRAS

IPv (VOd (AdnN)) PV/S

CUSPIA NO PRATO EM QUE COMERA

Pc (VCc (-AdnN) Oadv (-AdvS’V)) V-/S-PV

PUNHAM A MÃO EM CUMBUCA Pv (VOd (AdnN) Adv (-N)) V/S-S

SE PERDER A TRAMONTANA

Pv (IVOd (AdnN)) PV/S

PUSESSE TUDO EM PRATOS LIMPOS

Pv (VOdAdv (-NAdn)) VP-SA

ABRIA O ARCO

Pv (Vod (AdnN)) V/S

NÃO FICASSEM DE MÃOS ABANANDO

Pn (V~Ps (-NAdn (Oadj))) aV-SV

Page 204: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

203

DEI AS MÃOS À PALMATÓRIA

P (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN))) V/S-/S

FICA O DITO POR NÃO DITO

P (...VS (AdnN´Adn) Ps (-N´Adn’)) V/A-aA

SE CORRER O BICHO PEGA, SE FICAR O BICHO COME

Oadv(_S^Pv)Op(S(AdnN)Pv)Oadv(_S^Pv)Op(S(AdbN)Pv) Cv/SVcV/SV

NÃO SE DEU POR ACHADO

Pvn (OdV~Ps (-N)) aPV-A

PUNHA A ALMA PELA BOCA Pv (VOd (AdnN) Cc (-AdnN) V/S-/S

SE DIZEM COBRAS E LAGARTOS

Oc (Pv (PaV) Sp (N+N)) PVScS

NÃO FEDE NEM CHEIRA

PC (Oc (S^Pv (V~) +Oc (S^Pv (V~))) aVcV

NÃO PODE COM UMA GATA PELO RABO

P (S^Pv (VOi (-AdnN) Adv (-AdnN))) aV-/S-/S

NÃO TEM PAPAS NA LÍNGUA

P (S^Pv (VOdOi (-AdnN))) aVS-/S

NÃO DAR O BRAÇO A TORCER

Oadv (S’Pv (V~Od (AdnN) Adv (Oadv (_Sp’Pv)))) aV/S-V

3.1.2 Frases Feitas Classificadas Endossemicamente como Verbos

e Exossemicamente como Substantivos.

TER COSTAS QUENTES

Os (S^Pv (VOd (NAdn))) VSA

DAR AS CARTAS

Os (S^Pv (VOd (AdnN))) V/S

LEVAR LATA

Os (S^Pv (VOd)) VS

FICAR NA PINDAÍBA

Os (S^Pv (VCc (-AdnN))) V-/S

FICAR NA PINDAÍBA Os (SPv (VCc (-AdnN))) V-/S

TIRAR O CAVALO DA CHUVA

Os (SpV (VOd (AdnN) Adv (-Adn))) V/S-/S

IR PREGAR EM OUTRA FREGUESIA

Os (SPv (vVAdv (-AdnN))) vV-PS

ENTRAR NO COURO

Os (S’Pv (VCc (-AdnN))) V-/S

ENSINAR PADRE-NOSSO AO VIGÁRIO

Os (SPv (VOdOd (-AdnN))) VS-/S

Page 205: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

204

PÔR AS BARBAS DE MOLHO

Os (SPvn (Vod (AdnN) Po (-N))) V/S-S

DESSE UMA MÃOZINHA

Os (S’Pv (VOd (AdnN))) V/S

AGÜENTASSE A MÃO

Os (S’Pv (VOd (AdnN))) V/S

METER A MÃO EM CUMBUCA Os (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-N))) V/S-S

BOTAR A MÃO NA CONSCIÊNCIA

Os (S’Pv (VOd (AdnN) Oi (-AdnN))) V/S-/S

TIRAR SARDINHA COM MÃO DE GATO

Os (S’Pv (VOdAdv (-NAdn (-N)))) VS-S-S

DIGO E REPITO

Os (S’Pv) +Os (S’Pv) VcV

DIGA-SE DE PASSAGEM

Ap (SPvIAdv (-N)) VP-S

DEBAIXO DESSE ANGU TEM CARNE Os (S’Pv (Adv (– (N-) AdnN))) a-PSVS

3.1.3. Frases Feitas Classificadas Endossemicamente como Verbos e Exos-

semicamente como Advérbios

DANDO ÀS DE VILA-DIOGO

Oadv (SPv (VCc (-AdnN’Adn (-N)))) V-/-S

MATAR O BICHO

Oadv (S’Pv (VOd (NAdnN))) V/S

LEVAVAM TÁBUA

Oadv (SPv (VOd)) VS

JOGANDO COM PAU DE DOIS BICOS

Oadv (S’Pv (VCc (-NAdn (-AdnN)))) V-S-NS

NÃO ENTEDESSE PATAVINA

Oadv (SPv (Vod) aVS

ANDANDO POR CECA E MECA

Oadv (S’Pv (VAdv (-N+N))) V-ScS

O FAZIAM DE GATO-SAPATO

Oadv (SPvn (OdVPo (-N))) PV-S

BATENDO COMO RABO NA CERCA

Oadv (SPv (VOD (-AdnN) Cc (-AdnN))) V-/S-/S

SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA

Oadv (_Pv (OiV) Sp (AdnN)) caPV/S

BOTAR AZEITONA NA EMPADA DE NINGUÉM

Page 206: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

205

Oadv (S’Pv (VOdAdv (-AdnNAdn (-N)))) VS-/S-P

FECHAR-SE EM COPAS

Oadv (S’Pv (VOdCc (-N))) VP-S

SEM TUGIR NEM MUGIR

Oadv (_SPv) +Oadv (SPv) -VcV

3.2– Frases Feitas Classificadas como Advérbios

As frases feitas que têm valor de advérbio, considerando-se apenas a sua es-

trutura interna, são 12. O que corresponde a 13% do total de 93 estudadas

neste trabalho. Dessas 12, 11 se classificam endossêmica e exossemica-

mente com advérbio (12% do total) e apenas 1 se classifica endossemica-

mente com advérbio e exossemicamente como substantivo (1% do total de

93) . Ei-las:

3.2.1. – Frases Feitas Classificadas Endossêmica e Exos-

semicamente com Advérbios

SEM TUGIR NEM MUGIR

Oadv (_SPv) +Oadv (SPv) -VcV

COM A BOCA NA BOTIJA

Adv (-AdnNÂdnAdv (-AdnN)) -S/-S

NA RUA DA AMARGURA

Cc (-AdnNAdn (-AdnN)) -/S-S

NA EMBIRA

Adv (-AdnN) -/S

COM A FACA E O QUEIJO NA MÃO

Adv (-AdnN+AdnNAdv (-AdnN)) -/Sc/S-/S

DEBAIXO DE TANTA FAROFA Adv (– (N-) AdnN) a-PS

SEM SABER DA MISSA A METADE

Oadv (_SPv (VCn (-AdnN) Od (Adn))) -V-/S/S

ASSIM OU ASSADO

Adv (N+N) aca

DE MÃO-BEIJADA

Adv (-NAdn) -SA

3.2.2. Frase Feita Classificada Endossemicamente com Advérbio e Exos-

semicamente como Substantivo

NEM À MÃO DE DEUS PADRE

Od (_~-AdnNAdn (-N)) c-/S-SS

3.3. Frases Feitas Classificadas como Adjetivos

Page 207: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

206

As 6 frases feitas classificadas como adjetivos são-no endossêmica e exos-

semicamente, constituindo 7% do total das frases feitas estudadas neste tra-

balho.

ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS

Oadj (AdvSPv (VOd (AdnN))) PSV/S

TODO CHEIO DE NOVE HORAS

Ps (AdvNCn (-AdnN)) aA-NS

DE RABICHO

Ps (-N) -S DE PINGA

Po (-N) -S

COM UMA MÃO ATRÁS E OUTRA ADIANTE

Ps (-AdnNAdv+AdnN’Adv) -PSacPa

NA MÃO

Ps (-AdnN) -/S

3.4. Frases Feitas Classificadas como Substantivos

Das 9 frases feitas que se classificam como substantivos, constituindo 10%

do total das frases feitas analisadas, 7 são endossêmicas e exossemicamente

substantivos (8% do total) e 2 são endossemicamente substantivos e exos-

semicamente adjetivos, ou 2% do total.

3.4.1. Frases Feitas Classificadas Endossêmica e Exossemicamente como

Substantivos.

MUITA CAUTELA E CALDO DE GALINHA

Od (AdnN+NAdn (-N)) PScS-S

COM QUANTOS PAUS SE FAZ IMA CANOA

Os (Adv (-AdnN) IVOd (AdnN)) -PSPV/S

OS FILHOS DA CANDINHA

S (AdnNAdn (-AdnN) /S-/S

UM DOUTOR POMADA

S (AdnNAdn) /SS A CASA DA MÃE JOANA

Ps (AdnNAdn (-AdnNAdn)) S-/SS

UM CHÁ DE CASCA DE VACA

Od (AdnNAdn (-NAdn (-N))) /S-S-S

UMA COLHER DE CHÁ

Od (AdnNAdn (-N)) /S-S

3.4.2 – Frases Feitas Classificadas Endossemicamente como Substantivos e

Exossemicamente como Adjetivos.

Page 208: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

207

UM DOUTOR DE MULA RUÇA

Ps (AdnNAdnN (-NAdn) /S-SA

UM PÉ RAPADO

Ps (AdnNAdn) /SA

3.5. Frases Feitas Classificadas como Interjeições

Só 2 frases feitas entre as 93 analisadas (2% do total) foram classificadas

como interjeições.

BONS OLHOS O VEJAM P (S (AdnN) Pv (OdV)) ASPV

NÃO VEM QUE NÃO TEM

PS (Op (S^PV (V~)) Oadv (_S^Pv (V~))) aVcaV

4 – CONCLUSÕES:

Sem grandes exercícios mentais, através da análise dos dados numéricos

mostrados no desenvolvimento do trabalho, podemos concluir que a maior

parte das frases feitas gira em torno do verbo.

Quanto à estrutura morfossintática dessas expressões, e considerando tam-

bém o seu valor endossêmico, 69% delas se constitui de estruturas com va-

lor de verbo, 13% com valor de advérbio, 10% com valor de substantivo, 7% com valor de adjetivo e 2% com valor de interjeição.218

Quanto à estrutura morfológica, 45 das frases 93 frases feitas estudadas co-

meçam com verbos, 14 começam com advérbios, 14 com preposições, 9

com pronomes, 6 com artigos, 3 com conjunções, 1 com substantivo e 1

com adjetivo.

Observando ainda a freqüência dessas construções, notamos que apenas 39

delas se repetem em sua estrutura morfológica rigorosa e que 54 não se re-

petem, Das 39 que se repetem, 29 são estruturas frasais mais freqüentes em

todo o corpus trabalhado.

As estruturas mais freqüentes são V/S, como “dobrar a língua” ou “agüentar

a mão”, com 9 casos; V/S-/S, como “tirar o pai da forca” ou “dar as mãos à palmatória”, com 5 casos; VS, como “levar tábua”, V-/S, “cair das nuvens”

e V/S-S, como “pôr a mão em cumbuca”, com 3 casos cada. As outras es-

truturas, que tiveram 2 casos cada, foram: VS-S, V-/S-S, VP/S, PV/S, a-PS,

–/S-/S, –/S e –S.

Ainda quanto ao aspecto da valorização do verbo, em 61 casos constatados

de sujeito no interior das frases feitas, 52 não são expressos, ficando ora su-

bentendidos, ora indeterminados. Há até um caso de oração sem sujeito, na

218 O arredondamento das percentagens, nos cálculos, criou um acréscimo de 1% na soma dos

valores (69%+13%+10%+7%+2%=101%) .

Page 209: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

208

frase: “Debaixo desse angu tem carne”, em que o verbo ter equivale ao ha-

ver impessoal.

Quanto ao número de palavras em cada estrutura, considerando o desmem-

bramento das combinações e contrações de preposições com outras pala-

vras, tivemos: 5 estruturas de 2 palavras, 20 estruturas de 3 palavras, 18 es-

truturas de 4 palavras, 20 estruturas de 5 palavras, 17 estruturas de 6 pala-

vras, 8 estruturas de 7 palavras, 3 estruturas de 8 palavras, 1 estrutura de 9 e

1 de 10 palavras.

Das 93 frases feitas analisadas, 75 são redigidas com um número de pala-vras que varia entre 3 e 6 palavras.

Embora a nossa “mostra” seja insuficiente para formularmos hipóteses se-

guras sobre o assunto, pretendemos ter concluído que há uma decidida pre-

ferência pelas formas constituídas com um verbo em sua base e que a exten-

são da frase oscila, normalmente, entre 3 e 7 palavras. Assim como são

poucas as frases feitas com apenas 2 palavras, menor ainda é o número das

que ultrapassam o número de 7.

5– BIBLIOGRAFIA;

AMARAL, Amadeu. Paremiologia. In – Tradições populares. São Paulo:

Instituto Progresso Editorial [1948]. p. 213-273. ANDRADE, Carlos Drummond de. Boca de luar. [Rio de Janeiro]: Record

[1984]. 217 p.

______. De notícias & não notícias faz-se crônica: histórias, diálogos, di-

vagações. 3ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de Janeiro:

J. Olympio, 1978. X+182 p.

______. Os dias lindos. 2ª ed. [Com dados biográficos do autor]. Rio de

Janeiro: J. Olympio, 1978. X+145 p.

______. Poesia e prosa. Organizada pelo autor. Com nota editorial, de

Afrânio Coutinho; As várias faces de uma poesia, de Emanuel de Mo-

raes; Fortuna crítica; Cronologia da vida e da obra; Bibliografia. Rio

de Janeiro: Aguilar, 1979. 1534 p. [Corresponde à 5ª ed. da Obra Completa].

MANNA, Aloizio. Padrões estruturais da língua portuguesa. (Prefácio de

Gladstone Chaves de Melo) . Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; [Nite-

rói]: Universidade Federal Fluminense, 1984. 205 p.

SILVA, José Pereira da. A fraseologia nas crônicas de Carlos Drummond

de Andrade: subsídios para um dicionário básico. 118 + VIII folhas

datilografadas.

______. A origem das frases feitas e provérbios brasileiros: contribuições

para sua história e etimologia. 105 folhas datilografadas.

Page 210: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

209

EXPRESSÕES ESTUDADAS NESTES ENSAIOS

1. À altura do pescoço.

2. A césar o que é de césar.

3. A coisa está ficando preta.

4. A coisa está preta.

5. A coisa está ruça.

6. A dois passos.

7. A duras penas

8. A essa altura.

9. A grifa parideira!

10. À luz da razão.

11. À luz do dia.

12. À medida que.

13. A memória.

14. A meu ver.

15. A morte da bezerra.

16. À noite todos os gatos são pardos.

17. A ocasião é calva.

18. A preço de banana.

19. A sete chaves.

20. A toque de caixa.

21. A ver navios.

22. Abanar as orelhas.

23. Abotoar o paletó.

24. Abrir mão de.

25. Abrir o arco.

26. Acabou-se o que era doce.

27. Acertar os ponteiros.

28. Acerto de contas.

29. Acontece nas melhores famílias.

30. Adiantado da hora.

31. Afinal de contas.

32. Agüentar a barra.

Page 211: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

210

33. Agüentar a mão.

34. Aí é que a vaca foi pro brejo.

35. Aí morreu o neves!

36. Ainda por cima.

37. Ajustar contas com.

38. Alça de mira.

39. alcaide e o sol por onde quer entram.

40. Além do mais.

41. Alhos e bugalhos.

42. Ali na esquina.

43. Alma de cântaro.

44. Almoçar um boi e jantar outro.

45. Alqueires de razão.

46. Alto lá.

47. Amarrar cachorro com lingüiça.

48. Amigo é pras ocasiões.

49. Amigos, amigos, negócios à parte.

50. Andar na ponta dos pés.

51. Andar por ceca e meca.

52. Antes de mais nada.

53. Ao fim e ao cabo.

54. Ao pé do ouvido.

55. Aos olhos de (alguém) .

56. Aos olhos de hoje.

57. Apertar o cinto.

58. Aprender para o resto da vida.

59. Apurar o sexo dos anjos.

60. Aqui entre nós.

61. Aqui há caveira de burro.

62. Ar de cegonha tímida.

63. Ar de quem comeu e não gostou.

64. Arrastar a asa.

65. As sete partidas do mundo.

66. Assim assim.

Page 212: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

211

67. Assim como assado.

68. Até cair no chão.

69. Até dizer chega.

70. Até nosso senhor me fechar os olhos.

71. Até o sabugo da alma.

72. Até outra vez.

73. Até prova em contrário.

74. Atirar a primeira pedra.

75. Avançar em pomar alheio.

76. Avançar o sinal.

77. Ave por ave, o carneiro se voasse.

78. Bater à porta errada.

79. Bater com o rabo na cerca.

80. Bater em retirada.

81. Bater papo.

82. Bater um papo.

83. Bem feito!

84. Besta de carga.

85. Bode expiatório.

86. Bom cabrito não berra.

87. Bons olhos o vejam.

88. Botar a boca no mundo.

89. Botar a mão na consciência.

90. Botar a mão no fogo (por alguém).

91. Botar as barbas de molho.

92. Botar as cartas na mesa.

93. Botar as manguinhas de fora.

94. Botar as mãos na cabeça.

95. Botar azeitona na empada de (alguém) .

96. Botar banca.

97. Botar na cabeça.

98. Botar na rua.

99. Botar no olho da rua.

100. Botar o pé na estrada.

Page 213: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

212

101. Botar pra escanteio.

102. Botar pra jambrar.

103. Burro velhote não acerta o trote.

104. Cada casa favas lavam.

105. Cada coisa em seu tempo.

106. Cada coisa no seu tempo e lugar.

107. Cada um na sua.

108. Cada vez mais.

109. Caído do céu.

110. Cair a noite.

111. Cair das nuvens

112. Cair das nuvens.

113. Cair de cavalo magro.

114. Cair de pau em.

115. Cair duro.

116. Cair em cima de.

117. Cair em si.

118. Cair fora.

119. Cair nas costas de.

120. Cair nos braços de morfeu.

121. Cala-a-boca já morreu, quem matou fui eu.

122. Cala-a-boca já morreu, quem te manda sou eu.

123. Caldo requentado.

124. Camisa de onze varas.

125. Casa da mãe joana.

126. Casa de orates.

127. Cavalo dado não se olha a idade.

128. Céu pedrento, chuva ou vento.

129. Chá de casca de vaca.

130. Cheio de alfinete e navalhas.

131. Cheio de nove horas.

132. Cheio de salamaleques.

133. Chover a potes.

134. Claro como água

Page 214: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

213

135. Coçar a orelha.

136. Colher de chá.

137. Com a cabeça mal atarraxada.

138. Com a cara e a coragem.

139. Com a faca e o queijo na mão.

140. Com a graça de deus.

141. Com a ponta do pé.

142. Com água no barco

143. Com ar de procissão de enterro.

144. Com fogo não se brinca.

145. Com o papo cheio de vento.

146. Com o rabo entre as pernas.

147. Com quantos paus se faz uma canoa

148. Com teu amo não jogues as pêras.

149. Com todos os ff e rr.

150. Com uma mão atrás e outra adiante.

151. Comadres e vizinhas, a revezes hão farinha.

152. Comer gambá errado.

153. Comer o pão que o diabo amassou.

154. Comigo não, serapião.

155. Comigo não, violão!

156. Como diria o outro.

157. Como diz o outro.

158. Como dizia minha vó.

159. Como eva é servida.

160. Como nenhum outro.

161. Completar primaveras.

162. Conhecer de cor e salteado.

163. Conta de mentiroso.

164. Contar tintim por tintim.

165. Conversa vai, sorvete vem.

166. Conversando é que a gente se entende.

167. Cré com cré, lé com lé.

168. Cresça e apareça.

Page 215: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

214

169. Cruz credo!

170. Cruzar os braços.

171. Cu da mãe joana.

172. Cuidar da vida que a morte é certa.

173. Curvar a espinha.

174. Cuspir no prato em que comera.

175. Custar os olhos da cara.

176. Da pontinha (da orelha) .

177. Da silva.

178. Dançar conforme a música.

179. Daqui não saio, daqui ninguém me tira.

180. Dar (ou vender) a camisa do corpo.

181. Dar a camisa do corpo.

182. Dar a entender.

183. Dar a palavra (a alguém) .

184. Dar a volta por cima.

185. Dar acordo de si.

186. Dar as caras.

187. Dar as cartas.

188. Dar às de vila-diogo.

189. Dar as mãos à palmatória.

190. Dar bode.

191. Dar bola.

192. Dar bolacha.

193. Dar cabo de.

194. Dar coluna do meio.

195. Dar com os burros n’água.

196. Dar conta do recado.

197. Dar de cara com.

198. Dar de pinga.

199. Dar dor de cabeça.

200. Dar duro.

201. Dar fé de si.

202. Dar grilo.

Page 216: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

215

203. Dar nó até em pingo d’água.

204. Dar no pé.

205. Dar no pezinho.

206. Dar o cavaco.

207. Dar o dito por não dito.

208. Dar o fora.

209. Dar pelota.

210. Dar pira.

211. Dar por paus e por pedras.

212. Dar seu recado.

213. Dar sinal de vida.

214. Dar um jeitinho.

215. Dar uma de.

216. Dar uma mãozinha.

217. Dar uma volta.

218. Dar-se bem.

219. Dar-se conta de.

220. Dar-se mal.

221. Dar-se um jeito.

222. De alma embandeirada.

223. De boa sombra.

224. De bom aviso.

225. De cara aberta.

226. De cor

227. De corpo e alma.

228. De cutiliquê.

229. De hora em hora deus melhora.

230. De mão-beijada.

231. De maus bofes.

232. De nada.

233. De pé atrás.

234. De ponta a ponta.

235. De ponta cabeça.

236. De quando em quando.

Page 217: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

216

237. De raro em raro.

238. De uma vez por todas.

239. De vez em quando.

240. Debaixo desse angu tem carne.

241. Defender o leite das crianças.

242. Deixar de partes.

243. Desde o carnaval do ano passado.

244. Desde que me entendo por gente.

245. Desfiar padre-nossos.

246. Despedir-se para o caju.

247. Deu o que tinha de dar

248. Deus me livre.

249. Dia de são nunca de tarde.

250. Dia de são nunca de tarde.

251. Diabo que o carregue.

252. Diante do nariz.

253. Diga-se de passagem.

254. Digo e repito.

255. Dizer bem com.

256. Dizer cobras e lagartos.

257. Dizer coisa com coisa.

258. Dizer com os seus botões.

259. Dizer duas palavras.

260. Dizer poucas e boas.

261. Dize-tu direi-eu.

262. Diz-que em bububu no bobobó, mas ninguém balançou.

263. Do balacobaco.

264. Do jeito que vão as coisas.

265. Dobrar a língua.

266. Doer como canivete na carne.

267. Dólar furado.

268. Dona prudencia murió de vieja.

269. Dos meus pecados.

270. Dose para leão.

Page 218: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

217

271. Doutor de mula ruça.

272. Duro de coração

273. E a vida continua.

274. E agora, josé?

275. É dos carecas que elas gostam mais.

276. É isso aí.

277. E lá vai fumaça.

278. É maior o arruído que as nozes.

279. É melhor coisa ter um amigo na corte que um vintém na bolsa.

280. E tal e coisa.

281. Elevar aos cornos da lua.

282. Em duas palavras.

283. Em festa de jacaré, inhambu não entra.

284. Em ponto de bala.

285. Em poucas palavras.

286. Em ritmo de tartaruga.

287. Em todo caso.

288. Em último caso.

289. Embarcar em canoa furada.

290. Empurrar o carro (de alguém) .

291. Encaramujado em si mesmo.

292. Enquanto o diabo esfrega um olho.

293. Ensinar padre-nosso ao vigário.

294. Entrar na jogada.

295. Entrar no couro.

296. Entrar nos eixos.

297. Entrar numa fria.

298. Entrar pelo cano.

299. Entrar pelos olhos da cara.

300. Entre a bigorna e o martelo.

301. Entre a quarta e a meia partida.

302. Entregar os pontos

303. Entrou bispo.

304. Era só o que faltava.

Page 219: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

218

305. Era uma vez.

306. Esconder o leite.

307. Espere e verá.

308. Espiar maré.

309. Espichar a canela.

310. Essa é boa.

311. Estar a zero.

312. Estar de acordo.

313. Estar de rabicho.

314. Estar em todas.

315. Estar frito.

316. Estar na cara.

317. Estar na pindaíba.

318. Estar no mato sem cachorro.

319. Estragar o dia (alguém) .

320. Estranhar a dança.

321. Eu bem que avisei.

322. Eu é que sei?

323. Eu não disse?

324. Exalar o último suspiro.

325. Falar com seus botões.

326. Fazer a conta no lápis.

327. Fazer alguém de gato-sapato.

328. Fazer boca-de-siri.

329. Fazer cara feia.

330. Fazer cena.

331. Fazer chacrinha.

332. Fazer das tripas coração.

333. Fazer de conta.

334. Fazer de gato sapato.

335. Fazer feio.

336. Fazer figa.

337. Fazer onda.

338. Fazer página virada.

Page 220: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

219

339. Fazer papel pança.

340. Fechar-se em copas.

341. Fica com deus também!

342. Ficar a ver navios.

343. Ficar cheio de dedos.

344. Ficar de mãos abanando.

345. Ficar de olho.

346. Ficar debaixo do balaio.

347. Ficar em patati-patatá.

348. Ficar na mão.

349. Ficar na pindaíba.

350. Ficar nesse pé.

351. Ficar o dito por não dito.

352. Ficar por conta.

353. Fiquemos por aqui.

354. Foi no tempo de maría castaña.

355. Fora de série.

356. Forçar a barra

357. Fulano dos anzóis carapuça.

358. Fumar o cachimbo da paz.

359. Fundir a cuca.

360. Futuro a deus pertence.

361. Gato comeu.

362. Gerações e gerações.

363. Graças a deus!

364. Gregos e goianos.

365. Guardar na cabeça.

366. Guerra é guerra.

367. Há criança e criança.

368. hábito não faz o monge.

369. Haver por bem.

370. Hoje em dia.

371. Horas e horas.

372. Idas e venidas.

Page 221: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

220

373. Ir na conversa.

374. Ir na onda.

375. Ir para o inferno.

376. Ir pras cucuias.

377. Ir pregar em outra freguesia.

378. Isso não vem ao caso.

379. Já não se... Como antigamente.

380. Já que a montanha não vai até maomé, maomé vai à montanha.

381. Jogar na cara.

382. Jogar verde para colher maduro.

383. Juntar os trapinhos.

384. Lá de vez em quando.

385. La dracu cu; du-te la naiba!

386. Lá isso é.

387. Lá isto é verdade.

388. Lá isto é.

389. Lá um belo dia.

390. Lá um dia.

391. Lá vão as leis para onde querem os reis.

392. Lelé da cuca.

393. Levantar âncora.

394. Levar a lata.

395. Levar a mal

396. Levar a sério.

397. Levar bomba.

398. Levar na conversa.

399. Levar pau.

400. Levar tábua.

401. Levar tempo.

402. Levar um papo.

403. Macacos me mordam.

404. Mais dia menos dia.

405. Mais ou menos.

406. Mais vale amigo na praça que dinheiro na arca.

Page 222: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

221

407. Mais vale um asno vivo que um doutor morto.

408. Mandar brasa.

409. Mandar e não pedir.

410. Mandar praquela parte.

411. Marinheiro de primeira viagem.

412. Mas o menos.

413. Matar a aula.

414. Matar na cabeça.

415. Matar o bicho do ouvido

416. Matar o bicho.

417. Matar o tempo.

418. Mateus, primeiro os teus.

419. Melhor ama quem mais sente.

420. Meter a colher.

421. Meter a mão em cumbuca

422. Meter o nariz em.

423. Meter o nariz no que não é da conta (de alguém) .

424. Meter os peitos.

425. Meter os pés pelas mãos.

426. Meter-se em calças pardas

427. Meter-se em camisa de onze varas

428. Morar no deus-me-livre.

429. Mulher (ou moça) bonita não paga mas também não leva.

430. Mulher feia não bebe mas paga

431. Na alça de mira.

432. Na embira.

433. Na hora de acertar os ponteiros.

434. Na ponta da língua.

435. Na rua da amargura.

436. Na última lona.

437. Nada de novo na frente ocidental.

438. Nada ter a declarar.

439. Não abrir o bico

440. Não arredar pé.

Page 223: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

222

441. Não atar nem desatar.

442. Não aumentar a aflição do aflito.

443. Não brincar em serviço.

444. Não compreender níquel.

445. Não dar o braço a torcer.

446. Não dar outra coisa.

447. Não dar para entender.

448. Não dar pé.

449. Não dar ponto sem nó

450. Não deixar a sopa esfriar.

451. Não dizer coisa com coisa.

452. Não é por me gabar.

453. Não é pra me gabar.

454. Não entender bulhufas

455. Não entender patavina (bulhufas, vírgula, etc.).

456. Não entender ponto-e-vírgula.

457. Não entender vírgula.

458. Não estar com os parafusos ajustados.

459. Não estar no gibi.

460. Não estar para brincadeira.

461. Não falar vírgula.

462. Não faltava mais nada.

463. Não fazer outra coisa.

464. Não fazer por menos.

465. Não feder nem cheirar.

466. Não ficar bem

467. Não ficar mal

468. Não ficar pedra sobre pedra.

469. Não guasqueies sem precisão nem grites sem ocasião.

470. Não há mal que sempre dure.

471. Não há nada como um dia depois do outro.

472. Não haver mais juízes em berlim.

473. Não haver nada a tirar nem pôr.

474. Não ir com a cara de.

Page 224: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

223

475. Não levar desaforo pra casa.

476. Não me diga.

477. Não me toques.

478. Não meter a mão em cumbuca.

479. Não meter prego em estopa.

480. Não mover uma palha.

481. Não pagar nem visita.

482. Não passe além das chinelas.

483. Não perder por esperar.

484. Não poder com uma gata pelo rabo

485. Não pregar olho.

486. Não saber da missa a metade.

487. Não saber o que dizer.

488. Não saber patavina.

489. Não se dar por achado.

490. Não se esqueça aqui do titio.

491. Não se fazer de rogado.

492. Não se fazer num dia.

493. Não sei o quê.

494. Não sei onde estou que não.

495. Não seja por isso.

496. Não ser bem isso.

497. Não ser de nada.

498. Não ser do feitio (de alguém) .

499. Não ser flor que se cheire.

500. Não ser lá que digamos.

501. Não ser mais lá essas coisas.

502. Não ser mole.

503. Não ser o que está pensando.

504. Não ser para qualquer um.

505. Não ter de quê.

506. Não ter nada a dizer.

507. Não ter nada a ver.

508. Não ter nada com o peixe.

Page 225: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

224

509. Não ter nada que ver.

510. Não ter outro remédio.

511. Não ter papas na língua.

512. Não tugir nem mugir.

513. Não vá com tanta sede ao pote.

514. Não vale a pena chupar a jabuticaba dos outros.

515. Não vem que não tem.

516. Nas idas e venidas.

517. Nascer de novo.

518. Negócio de mãe.

519. Nem aqui nem na china.

520. Nem carne nem peixe.

521. Nem carne nem peixe.

522. Nem chus nem bus.

523. Nem contra nem a favor, muito antes pelo contrário.

524. Nem me diga.

525. Nem te ligo.

526. Ninguém morre na véspera.

527. No açougue, quem mal fala, mal ouve.

528. No meio está a virtude.

529. Nos pinhais da azambuja.

530. Nos quintos dos infernos.

531. Num átimo

532. Nunca mais bodas ao céu!

533. Nutrir xodó (por alguém).

534. Olhar com o rabo do olho.

535. Olhar com outros olhos.

536. Olho vivo!

537. Onde judas perdeu as botas.

538. Ora cebo!

539. Ora essa.

540. Os filhos da candinha.

541. Os tempos mudaram.

542. Ou tudo ou nada.

Page 226: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

225

543. Ou vai ou racha.

544. Ouvir cantar o galo, mas não saber onde.

545. Ouvir grilo.

546. Pagar e não bufar.

547. Palavra de honra.

548. Pano de fundo.

549. Pão-pão queijo-queijo.

550. Papai aqui.

551. Papo fino.

552. Para começo de conversa.

553. Para dar e vender.

554. Para o que der e vier.

555. Partir para outra.

556. Passar em branca nuvem.

557. Passar manta.

558. Passar para trás.

559. Passar pela cabeça

560. Passar uma conversa em.

561. Passar uma esponja.

562. Pé ante pé.

563. Pé rapado.

564. Pedir a palavra.

565. Pegar com a boca na botija.

566. Pegar mal.

567. Pegar pelo pé.

568. Pelejam as comadres, descobrem-se as verdades.

569. Pelo sim pelo não.

570. Perceber alguma coisa no ar.

571. Perder a cabeça.

572. Perder a tramontana.

573. Perder as estribeiras.

574. Perder de vista.

575. Perder o seu latim.

576. Perder-se a tramontana.

Page 227: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

226

577. Pisar a caçamba de altas cavalarias.

578. Pisar nos calos.

579. Plantar bananeira.

580. Pó de perlimpimpim.

581. Pobre como jó.

582. Pobre diabo.

583. Ponto de vista.

584. Ponto facultativo.

585. Pôr a alma pela boca.

586. Pôr a mão em cumbuca.

587. Por acaso.

588. Pôr alguém nas nuvens.

589. Pôr as barbas de molho.

590. Por assim dizer.

591. Por bem ou por mal

592. Pôr em pratos limpos..

593. Por essas e outras.

594. Por favor.

595. Por isso que eu digo.

596. Por locas e bibocas.

597. Por mal de pecados.

598. Por nada.

599. Pôr nas nuvens.

600. Por obra e graça de.

601. Pôr os pingos nos is.

602. Pôr ponto final em.

603. Por que cargas d’água?

604. Por que não dizer?

605. Por que não?

606. Por tudo quanto é sagrado.

607. Por um triz.

608. Por uma tutaméia.

609. Pouco se me dá.

610. Pra burro.

Page 228: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

227

611. Pra ninguém botar defeito.

612. Prazer é todo meu.

613. Pregar peças.

614. Pregar peta.

615. Pregar rabo em nambu.

616. Puxar conversa.

617. Quando deus é servido.

618. Quando menos se espera.

619. Que bem me importa.

620. Que deus tenha.

621. Que é mesmo que eu estava dizendo?

622. Que é que eu levo nisso?

623. Que é que os outros vão dizer?

624. Que maganão!

625. Que meus olhos já viram.

626. Que negócio é esse?

627. Que sabe das coisas.

628. Que se há de fazer?

629. Que tal?

630. Que vem na boca.

631. Que vou te contar.

632. Quebrar a cara (de alguém) .

633. Quebrar o galho.

634. Quem canta más fadas espanta.

635. Quem canta, seus males espanta.

636. Quem comeu a carne que roa os ossos.

637. Quem cura é a fé e não o pau da barca.

638. Quem diria?

639. Quem disse que?

640. Quem não arrisca não petisca.

641. Quem não tem cobaia caça com preá.

642. Quem o alheio veste, na praça o despe.

643. Quem planta colhe.

644. Quem quer que seja.

Page 229: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

228

645. Quem sabe?

646. Quem sou eu.

647. Quem te viu e quem te vê!

648. Quem tem abelha, ovelhas e moinho, entrará com el-rei em desafio.

649. Quero ver, mas quero ver.

650. Questão de ordem.

651. Rapa do tacho.

652. Revelar uma página de

653. Rolaram os tempos.

654. Sabe com quem está falando?

655. Sabe como é?

656. Sabe de uma coisa?

657. Saber cuspir dentro da escarradeira.

658. Saber das coisas.

659. Saber de experiência feito.

660. Saber na ponta da língua.

661. Sacar partido de.

662. Salvar a pele.

663. Santa bárbara!

664. São os ossos do barão.

665. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come

666. Se deus quiser.

667. Se eu fosse você.

668. Se eu me chamasse raimundo.

669. Se inês é morta.

670. Se me permite a expressão.

671. Se não me engano.

672. Se não me falha a memória.

673. Se o negócio é esse.

674. Se queres a paz, prepara a guerra.

675. Se queres que teu filho cresça, lava-lhe os pés, raspa-lhe a cabeça.

676. Se um não quer dois não brigam.

677. Seguro morreu de velho.

678. Sei lá.

Page 230: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

229

679. Seja tudo pelo amor de.

680. Sem chus nem bus

681. Sem dizer água vai.

682. Sem eira nem beira.

683. Sem essa.

684. Sem lenço e sem documento.

685. Sem pé nem cabeça.

686. Sem quê nem praquê.

687. Sem tempo a perder.

688. Sem tirte nem guarte.

689. Sentir na carne.

690. Sentir-se peru de natal.

691. Separar os trapinhos.

692. Ser apelido.

693. Ser bananeira que já deu cacho.

694. Ser carrapato nas costas.

695. Ser conselheiro acácio.

696. Ser da vida.

697. Ser de lascar.

698. Ser de se esperar.

699. Ser do contra.

700. Ser doido por.

701. Ser duro de ouvido.

702. Ser e acontecer.

703. Ser e não ser.

704. Ser excelente.

705. Ser o fim da picada.

706. Ser ou não ser.

707. Ser outra coisa.

708. Ser outros quinhentos.

709. Ser palmatória do mundo.

710. Ser para valer.

711. Ser tiro e queda.

712. Ser um soco na cara.

Page 231: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

230

713. Ser uma bomba

714. Ser uma mão-de-obra.

715. Ser uma mão-na-roda.

716. Ser uma parada.

717. Ser uma zorra global.

718. Ser uma zorra total.

719. Sim e não.

720. Soar a hora da verdade.

721. Sob sete chaves e sete selos.

722. Sondar a barra

723. Sujar as mãos em alguém.

724. Sumir do mapa.

725. Tal qual.

726. Tamanho família.

727. Tenho para mim que.

728. Ter a bondade de.

729. Ter cabeça fria

730. Ter cara de.

731. Ter coisa.

732. Ter costas quentes.

733. Ter em conta de

734. Ter em conta.

735. Ter lá suas nuvens.

736. Ter mais que fazer.

737. Ter mão-de-pilão.

738. Ter sempre algum na bolsa.

739. Ter seu lugar ao sol.

740. Ter uma tintura rala de.

741. Tintim por tintim.

742. Tirar de letra.

743. Tirar minhocas da cabeça.

744. Tirar o cavalo da chuva

745. Tirar o corpo fora.

746. Tirar o pai da forca.

Page 232: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

231

747. Tirar o pão da boca de alguém.

748. Tirar partido de.

749. Tirar sardinha(s) com (a) mão de gato.

750. Tirar uma fumaça

751. Tirar uma linha.

752. Tirar uma pestana.

753. Tocar pra frente.

754. Todo liró ao copo d’água.

755. Todos vêem o argueiro no olho do vizinho e ninguém vê a trave no seu.

756. Tomar a barca de caronte.

757. Tomar chá em criança.

758. Tornar-se um bicho do mato

759. Trabalhar de bandido.

760. Tudo a eu tempo.

761. Tudo como dantes, no quartel de abrantes.

762. Tudo virá a seu tempo.

763. Um bololô dos diabos.

764. Um dia a casa cai.

765. Um dia é da caça e outro é do caçador.

766. Um por todos, todos por um.

767. Uma andorinha só não faz verão.

768. Uma coisa louca.

769. Uma nota firme.

770. Uma pá de.

771. Umas e outras.

772. Usar e abusar.

773. Vá bugiar!

774. Vá com deus!

775. Vá lá.

776. Vá para o diabo que o carregue!

777. Vá para o diabo.

778. Vá para o inferno.

779. Vale a pena.

780. Vamos e venhamos.

Page 233: Ensaios de Fraseologia · A língua é uma religião que se fortalece pela explicação de seus mistérios. ... Silva e Mário Camarinha da Silva, como monografia final de duas discipli-

232

781. Vender o peixe.

782. Ver passarinho voar.

783. Vinte e quatro horas por dia.

784. Virar fumaça.

785. Virar o mundo abaixo.

786. Virar onça.

787. Virar pó.

788. Vivendo e aprendendo.

789. Você não se enxerga?

790. Voltar à tona.

791. Voltar à vaca-fria.

792. Voltar as costas a alguém.

793. X.P.T.O. London.

ISBN 85-86837-11-3