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International Congress of Critical Applied Linguistics Brasília, Brasil 19-21 Outubro 2015 1213 ENSINO/APRENDIZAGEM DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA: CONTRASTE ENTRE CRENÇAS DE PROFESSORES E ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS DO DISTRITO FEDERAL Rosilene dos Anjos SANT’ANA [email protected] Instituto Federal Goiano (IFGoiano) Julyana Peres CARVALHO [email protected] Centro Interescolar de Línguas de Taguatinga (CIL-Taguatinga) RESUMO Com o passar dos anos, a sociedade mudou, e com isso se destacaram também mudanças no caminho das pesquisas dentro da Linguística Aplicada (LA). Nesse sentido, os questionamentos dos profissionais envolvidos no ensino/aprendizagem de línguas passaram a ter maior apoio no campo teórico. O ensino de língua estrangeira (doravante LE) nas escolas públicas é um exemplo da inquietação de professores e alunos. No que diz respeito às aulas de língua espanhola, que demandam pouco tempo na carga horária, a situação se torna ainda mais angustiante. Com base nessa inquietação, o presente trabalho pretende identificar, observar e contrastar as crenças sobre o ensino/aprendizagem de professores e alunos de espanhol como língua estrangeira (ELE) de escolas públicas do Distrito Federal. Adotando uma abordagem qualitativa (FLICK, 2009) de coleta e análise de dados e interpretativista (MOITA LOPES, 1994), esta pesquisa utiliza um recorte dos dados coletados em duas dissertações de mestrado desenvolvidas no Programa de Pós- graduação em Linguística Aplicada da UNB e publicadas em 2014. Este estudo de caso, caracterizado por focar em um determinado evento pedagógico (TELLES, 2002), apoia-se no conceito de crenças a partir de uma perspectiva bakhtiniana (SILVA, 2010) e as considera como diferentes modos de dar sentido ao mundo, uma vez que esses diferentes modos podem ser direcionados por interações discursivas, o que Barcelos (2006) nomeia como crenças sociais. Embora seja um assunto importante e mesmo que esteja sendo bastante pesquisado na atualidade (GIMENEZ, 1994), faz-se necessário que as pesquisas sobre crenças não se limitem à descrição, e sim devem procurar compreender a relação delas com o ensino/aprendizagem. Por assim ser, para esta pesquisa conhecer e refletir sobre crenças é importante para que se possa analisar a relação delas com o ensino/aprendizagem de espanhol. Portanto, espera-se que a discussão dos dados desta pesquisa possa encaminhar um repensar das políticas públicas que envolvem o ensino de ELE e que as representações de professores e alunos possam contribuir para que a interação e a aprendizagem em sala de aula sejam ressignificadas. Palavras-chave: Ensino/aprendizagem de espanhol; Crenças; Contraste. 1. INTRODUÇÃO

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ENSINO/APRENDIZAGEM DE ESPANHOL COMO LÍNGUA

ESTRANGEIRA: CONTRASTE ENTRE CRENÇAS DE PROFESSORES E

ALUNOS DE ESCOLAS PÚBLICAS DO DISTRITO FEDERAL

Rosilene dos Anjos SANT’ANA

[email protected]

Instituto Federal Goiano (IFGoiano)

Julyana Peres CARVALHO

[email protected]

Centro Interescolar de Línguas de Taguatinga (CIL-Taguatinga)

RESUMO

Com o passar dos anos, a sociedade mudou, e com isso se destacaram também mudanças no

caminho das pesquisas dentro da Linguística Aplicada (LA). Nesse sentido, os questionamentos

dos profissionais envolvidos no ensino/aprendizagem de línguas passaram a ter maior apoio no

campo teórico. O ensino de língua estrangeira (doravante LE) nas escolas públicas é um exemplo

da inquietação de professores e alunos. No que diz respeito às aulas de língua espanhola, que

demandam pouco tempo na carga horária, a situação se torna ainda mais angustiante. Com base

nessa inquietação, o presente trabalho pretende identificar, observar e contrastar as crenças sobre

o ensino/aprendizagem de professores e alunos de espanhol como língua estrangeira (ELE) de

escolas públicas do Distrito Federal. Adotando uma abordagem qualitativa (FLICK, 2009) de

coleta e análise de dados e interpretativista (MOITA LOPES, 1994), esta pesquisa utiliza um

recorte dos dados coletados em duas dissertações de mestrado desenvolvidas no Programa de Pós-

graduação em Linguística Aplicada da UNB e publicadas em 2014. Este estudo de caso,

caracterizado por focar em um determinado evento pedagógico (TELLES, 2002), apoia-se no

conceito de crenças a partir de uma perspectiva bakhtiniana (SILVA, 2010) e as considera como

diferentes modos de dar sentido ao mundo, uma vez que esses diferentes modos podem ser

direcionados por interações discursivas, o que Barcelos (2006) nomeia como crenças sociais.

Embora seja um assunto importante e mesmo que esteja sendo bastante pesquisado na atualidade

(GIMENEZ, 1994), faz-se necessário que as pesquisas sobre crenças não se limitem à descrição,

e sim devem procurar compreender a relação delas com o ensino/aprendizagem. Por assim ser,

para esta pesquisa conhecer e refletir sobre crenças é importante para que se possa analisar a

relação delas com o ensino/aprendizagem de espanhol. Portanto, espera-se que a discussão dos

dados desta pesquisa possa encaminhar um repensar das políticas públicas que envolvem o ensino

de ELE e que as representações de professores e alunos possam contribuir para que a interação e

a aprendizagem em sala de aula sejam ressignificadas.

Palavras-chave: Ensino/aprendizagem de espanhol; Crenças; Contraste.

1. INTRODUÇÃO

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Tendo em vista o poder de inclusão e de inserção do sujeito na vida social,

principalmente no que diz respeito a interação discursiva, a língua estrangeira (LE) tem

sido, cada vez mais, procurada pela sociedade. Concomitante a essa demanda surgem

também diferentes discussões por parte dos envolvidos no processo de

ensino\aprendizagem de LE, dessa forma a Linguística Aplicada (doravante LA)

possibilita o diálogo dessas discussões com outras áreas do conhecimento.

Nesse sentido, os questionamentos dos profissionais envolvidos no

ensino/aprendizagem de línguas passaram a ter maior apoio no campo teórico. O ensino

de LE nas escolas públicas é um exemplo da inquietação de professores e alunos. No que

diz respeito às aulas de língua espanhola, que demandam pouco tempo na carga horária,

a situação se torna ainda mais angustiante. Dessa forma, essa inquietação acompanha a

prática dos docentes em sala de aula.

Este trabalho surgiu das inquietações que persistem mesmo depois de termos

defendido nossa pesquisa de mestrado. Como não foi possível analisar os dados coletados

pelo viés da teoria das Crenças no ensino-aprendizagem de LE, optamos por juntar aqui

os dados de nossas dissertações de mestrado desenvolvidas no Programa de Pós-

graduação em Linguística Aplicada na UNB em 2014. Esses dados dizem respeito às

crenças de professores e alunos de ELE de diferentes escolas públicas do Distrito Federal

(DF).

Com base nessa inquietação, o presente trabalho pretendeu identificar, observar

e contrastar as crenças sobre o ensino/aprendizagem de professores e alunos de espanhol

como língua estrangeira (ELE) de escolas públicas do Distrito Federal.

Adotando uma abordagem qualitativa (FLICK, 2009) de coleta e análise de

dados, e interpretativista (MOITA LOPES, 1994). Este estudo de caso, caracterizado por

focar em um determinado evento pedagógico (TELLES, 2002), apoia-se no conceito de

crenças a partir de uma perspectiva bakhtiniana (SILVA, 2010) e as considera como

diferentes modos de dar sentido ao mundo, uma vez que esses diferentes modos podem

ser direcionados por interações discursivas, o que Barcelos (2006) nomeia como crenças

sociais. Embora seja um assunto importante e mesmo que esteja sendo bastante

pesquisado na atualidade (GIMENEZ, 1994), faz-se necessário que as pesquisas sobre

crenças não se limitem à descrição, e sim busquem compreender a relação delas com o

ensino/aprendizagem. Por assim ser, para esta pesquisa conhecer e refletir sobre crenças

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é importante para que se possa analisar a relação delas com o ensino/aprendizagem de

espanhol.

Com base nas teorias citadas, este estudo investigou que as crenças dos alunos e

professores participantes desta pesquisa foram construídas por meio das experiências

vivenciadas por eles no processo de ensino\aprendizagem, além disso, nosso estudo

mostrou que as práticas orais se forem significativas, se fizerem sentido para os alunos,

podem fazer com que eles se sintam engajados a participar das ações de linguagem oral

e podem fazer também com que si sintam sujeito da ELE.

2. CRENÇAS E O ENSINO/APRENDIZAGEM DE LE

Para iniciarmos a discussão a respeito de crenças, faz-se necessário tentar

conceituá-las, afirmamos tentar, pois existe uma dificuldade para definir o termo crenças

no âmbito do processo de ensino/aprendizagem de línguas. Entretanto é possível

selecionar algumas definições que são coerentes entre si e nos ajudam a esclarecer melhor

as questões levantadas por essa pesquisa.

De acordo com Barcelos e Kalaja (2003) as crenças (no âmbito do ensino de

línguas) são, ao mesmo tempo, dinâmicas, pois mudam através de um período de tempo;

são emergentes, uma vez que são socialmente construídas e situadas contextualmente; são

também experienciais, pois, de acordo com desenvolvimentos recentes nos estudos da

cognição todos os processos cognitivos nascem da natureza contextual; são ainda

medianas, pois podem ser vistas como instrumentos, ferramentas disponíveis as quais

podemos usar ou não dependendo da situação.

Dentre as definições de crenças citadas, o construto experiências foi o que teve

maior atenção em estudos como os de Miccoli (2010). A pesquisadora nomeia duas

categorias para as experiências, sendo elas diretas e indiretas. A autora explicita que “as

experiências diretas tem origem nos acontecimentos que acontecem em sala de aula,

subdividindo-se em grandes categorias e subcategorias menores” (MICCOLI, 2010, p.

142). Para que se compreenda melhor essa divisão, vale discutir ainda como é apresentada

essa categorização expressa no excerto abaixo.

Para os estudantes, as categorias maiores são de experiências cognitivas

(referentes à compreensão das oportunidades de aprendizagem),

experiências sociais (relação dos estudantes com professores e colegas)

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e experiências afetivas (referentes às emoções associadas aos

acontecimentos em sala de aula) (MICCOLI, 2010. p. 142).

Essas divisões apresentadas pela autora nos auxiliam a observar como as

experiências no ensino\aprendizagem de LE podem ser analisadas para que assim os

envolvidos nesse processo possam refletir sobre as crenças, traçar mudanças e

ressignificar o processo de ensino\aprendizagem de LE.

Além de caracterizar as experiências diretas para estudantes, Miccoli (2010),

também as caracteriza para professores alterando as experiências cognitivas para

experiências pedagógicas, que se referem às atividades que os professores propõem aos

estudantes, as demais subcategorias, social e afetiva, são consideradas as mesmas para

professores e alunos. Quanto as experiências indiretas, a autora não apresenta diferenças

entre as experiências de alunos e professores. Sendo assim, as indiretas são consideradas

como experiências contextuais, referentes ao contexto em que professores e alunos se

encontram, experiências anteriores, referentes as experiências pessoais de alunos e

professores, experiências conceptuais, referentes a concepções que modulam decisões e

cursos de ação em sala de aula, e, experiências futuras, referentes à questão cuja

realização se projeta em direção ao futuro.

Toda essa divisão nos orienta a como interpretar os dados coletados nesta

pesquisa, além de também nos orientar na escolha das categorias de análise, como será

melhor explicitado na discussão dos dados. Esse aspecto é importante, uma vez que o

objetivo deste trabalho é contrastar as crenças de alunos e professores de ELE, sendo

então necessário nos apoiar em teorias que consideram a relação das crenças, experiências

e ações, como assim considera Miccoli (2010).

Outra definição de crenças que nos auxilia a compreender e explicar

comportamentos de professores e alunos é a que considera as crenças como sociais e

individuais.

(...) uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras

de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas

experiências resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)

significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais),

dinâmicas, contextuais e paradoxais (BARCELOS, 2006, p.18).

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As crenças são verdadeiras para cada um que as têm, por isso é considerada

individual, mas também são construídas na vida em sociedade, por isso não se pode negar

o caráter social no processo de construção.

Sobre as crenças vale ainda citar que “por nascerem da experiência pessoal e

direta, crenças descritivas tendem a ser fortemente aderidas e difíceis de mudar”

(BOMFIM, 2011. p. 78). Em contra partida, “crenças são formadas e mudadas na e por

causa da interação social”, (BOMFIM, 2011. p.79). Assim, de acordo com o que foi

apresentado por Bomfim (2011), nem sempre a ação do professor se justifica pelas

crenças formadas anteriormente.

Ainda sobre esse aspecto, Borg (2003) reconhece que nem sempre as crenças

do professor influenciam sua prática de ensino devido a fatores contextuais. Um

professor, muitas vezes, toma algumas atitudes ou escolhe formas metodologias que não

condizem com suas crenças, mas que são mais adequadas, por exemplo, ao sistema no

qual trabalha, obedecendo assim às normas daquela instituição de ensino.

Embora seja um assunto importante e mesmo que esteja sendo bastante

pesquisado na atualidade, concordamos que as pesquisas sobre crenças não devem ser

limitadas à descrição, e sim devem procurar compreender a relação delas com a prática

de ensino e, no caso desta pesquisa, com a prática e reflexão do professor.

Neste trabalho corroboramos as perspectivas teóricas que consideram as crenças

dinâmicas, sociais e individuais, emergentes, medianas e experienciais. Dessa forma,

buscamos promover a reflexão no sentido de questionar até que ponto cada crença

contribui de forma positiva para o ensino/aprendizagem de línguas e que após a reflexão

seja possível pensar em ações que melhorem o processo de ensino\aprendizagem de ELE.

Não cabe aqui julgamento de valor sobre as crenças dos participantes, mas sim uma

reflexão sobre elas e as ações. Isso pode contribuir para a tomada de atitudes na

preparação didática do professor e até influenciar as práticas nos momentos de interação

espontâneos que ocorrem durante as aulas.

De acordo com Dufva (2003) a natureza da linguagem está expressa nos termos

de Bakhtin, em suas múltiplas vozes ou heteroglosia, isto é, há diferentes discursos em

uma mesma realidade. Dessa forma concordamos que há uma polifonia de crenças

advindas de várias fontes.

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3. METODOLOGIA

Ao considerar a subjetividade, tanto do pesquisador quanto dos sujeitos

participantes, a pesquisa qualitativa impossibilita a neutralidade (MARTINS, 2004). Por

interpretar as questões mais focadas em contextos específicos ela nega generalizações,

afinando-se a realidade. Dessa forma, a pesquisa qualitativa é relevante ao estudo das

relações sociais, como afirma Flick (2009), sendo também relevante para investigar os

problemas da prática educacional.

Por esses fatores esta pesquisa qualitativa-interpretativista utilizou o estudo de

caso como método para coleta e análise de dados. Chizzotti (2011) define com

propriedade o estudo de caso, quando afirma que este método de pesquisa visa “alcançar

um conhecimento mais amplo sobre esse objeto, dissipando as dúvidas, esclarecendo

questões pertinentes, e, sobretudo, instruindo ações posteriores” (2011, p. 135).

Esta pesquisa utilizou os dados coletados em duas pesquisas de mestrado

desenvolvidas no Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada na UNB em 2014.

Para melhor esclarecimento, denominamos pesquisa um (01)1, quando nos referirmos aos

dados coletados, às análises e observações feitas à respeito da pesquisa desenvolvida em

uma escola pública do Distrito Federal (DF), cujo objetivo era analisar o uso dos gêneros

discursivos nas aulas de Espanhol como LE no Ensino Regular. E a pesquisa dois (2)2 se

refere ao trabalho desenvolvido também em escolas públicas, porém com objetivo de

descrever como tem ocorrido a implantação da Lei 11.161/2005 em duas Regiões

Administrativas do DF: Taguatinga e Paranoá, analisar se as realidades de ensino com a

implantação da Lei 11.161/2005 nestas duas regiões são semelhantes ou se diferem e

apresentar os descompassos presentes nesta implantação, constatando as limitações e

necessidades deste ensino.

Como os dados destas duas pesquisas foram analisados por diferentes viés,

ainda ficaram algumas indagações a respeito da pesquisa e que não puderam ser

1 Cf. SANT’ANA, R.A. Gêneros discursivos no ensino de LE na escola pública: ações de linguagem por

meio de sequências didáticas. Brasília: Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução, Universidade

de Brasília, 2014, 212f. Dissertação 2 Cf. PERES CARVALHO, J. Contrastes e reflexões sobre o ensino de Espanhol em escolas públicas do

DF: uma visão real acerca da implantação da lei 11.161/2005. Brasília: Departamento de Línguas

Estrangeiras e Tradução, Universidade de Brasília, 2014, 249f. Dissertação de Mestrado.

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exploradas no trabalho de mestrado. Por isso, nós decidimos juntar os dados das duas

pesquisas e selecionar os que nos inquietavam e que diziam respeito às crenças de alunos

e professores.

Os dados que serão apresentados expressam, na pesquisa 01, a opinião de

alunos de duas turmas de 3º ano do Ensino Médio que foram coletados por meio de diário

de itinirância do participante (BARBIER, 2007). Na pesquisa 02, expressam as opiniões

de professores de ELE de duas escolas públicas do DF, que foram coletados por meio de

questionários.

Vale ressaltar ainda que os relatos não foram corrigidos, sendo apresentados

então da forma como os alunos e os docentes escreveram.

4. DISCUSSÃO DE DADOS

A análise de dados é o caminho mais denso do trabalho com a pesquisa, assim

como afirma Flick (2009) a interpretação de dados é a parte essencial da investigação.

Dessa forma, ao delimitar os dados que aqui são abordados não podemos deixar de lado

o caráter ético da pesquisa qualitativa. Cabe ressaltar que as pesquisas que deram origem

aos dados aqui analisados não tiveram como objetivo investigar as crenças, porém fatores

relacionados a elas emergiram durante a coleta de dados fazendo com que fosse possível

despertar uma discussão sobre crenças de alunos e professores de espanhol do DF.

Durante a seleção dos dados coletados, chamou-nos atenção algumas crenças que

se destacavam nos dados da pesquisa 1 (referentes aos alunos), e nos dados da pesquisa

2 (referentes aos professores). Dessa forma, selecionamos para esta análise as crenças em

relação ao ensino\aprendizagem de ELE que foram manifestadas nas opiniões dos

participantes ao produzir seus discursos nos relatos das duas pesquisas.

Para melhor clareza da discussão, apresentaremos a análise em dois eixos, sendo

o primeiro, a representação das crenças sobre o que pensam os alunos, em seguida, a

representação sobre o que pensam os professores de espanhol.

4. 1 O QUE PENSAM OS ALUNOS

Esta pesquisa, ao ouvir a voz dos participantes, possibilitou o diálogo profícuo

entre a análise dos pesquisadores e as representações dos sujeitos engajados na

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investigação. Esse diálogo foi possível por meio dos instrumentos de coleta de dados

abordados neste trabalho. Por meio desses instrumentos, foi possível perceber que a

dúvida tradicional: “Se aprende LE na escola pública?” Também esteve presente nos

discursos dos alunos de ELE do DF.

Abaixo é possível observar algumas das representações dos participantes a esse

respeito, que foram expressas no questionário inicial aplicado no início da pesquisa 1,

antes de ser aplicado o uso dos gêneros discursivos por meio de Sequências Didáticas

(SD) (DOLZ et al, 2011) nas práticas em sala de aula.

Durante a coleta de dados no questionário inicial os alunos ainda não haviam

escolhido seus pseudônimos, por isso as opiniões expressas abaixo não apresentam

identificação, nos demais dados coletados nos diários de itinerância do participante (DIP)

(BARBIER, 2007), os alunos já tinham escolhido seus pseudônimos.

Na sua opinião, se aprende Língua Estrangeira na escola pública?

- Não. Pois o tempo de aula é pouco. E aprender uma língua requer tempo, dedicação e esforço.

- Não, porque não tem muito tempo é bem rápido as aulas.

- Não. Infelizmente o que é passado para nós alunos não é nem o suficiente para compreender

o idioma.

- Sim, pois depende de cada aluno se esforçar, porque professores que explicam tem na Rede

pública.

- Sim. Mas falta o interesse dos alunos em aprender, não se aprende somente na escola.

- Não muito, porque são poucas aulas.

- Não. É muito pouco a quantidade de aula por semana.

- Não, pois temos pouco tempo para aprendermos a língua.

- Não, pouca aula, pouco tempo, fazendo com que tenhamos pouca interação com a língua,

pouco conhecimento.

- Sim, se o professor for bom aprendemos.

- Sim, porque até hoje tive excelentes professores capacitados e depende do interesse do

aluno.

Quadro 01- Dados coletados por meio do Questionário Inicial

Fonte: SANT’ANA, 2014, p. 97.

Nas respostas dos participantes, observamos que eles apresentaram diferentes

justificativas para suas respostas e a crença de que não se aprende língua estrangeira em

escola pública foi maior do que a afirmação positiva. Essa disparidade entre as respostas

nos leva a questionar: Por que há essa crença a respeito do Ensino Básico Regular público

no Brasil? É notável que os alunos atribuem o insucesso na aprendizagem a diferentes

fatores, tais como, a falta de interesse dos alunos, a falta de verbas do governo, a

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quantidade insuficiente de aulas, a qualidade do trabalho do professor e a falta de

interação na língua nas práticas em sala de aula.

Para interpretar essas justificativas expressas pelos alunos, é importante

retomar as teorias sobre como se constroem as crenças. Para Miccoli (2010), as crenças

são formadas, principalmente, por meio das experiências, No caso dos participantes da

pesquisa, é possível que essa crença da afirmação negativa quanto à aprendizagem de LE

tenha sido construída pelas experiências negativas nas aulas de ELE e que fizeram com

que o aluno considerasse sua aprendizagem insuficiente. Isso seria possível, pois os

alunos que participaram desta pesquisa cursavam o 3º ano do Ensino Médio e estudavam

ELE desde o 1º Ano. Em contrapartida, as crenças também são individuais e sociais

(BARCELOS, 2006), dessa forma é possível que essa crença também tenha sido

influenciada pelos discursos tradicionais de que não se aprende LE na escola pública.

Kalaja (1995) também considera que as crenças são socialmente construídas,

então essa crença aqui expressa não pode apenas ser apontada como sendo o que os alunos

pensam por si mesmos, mas o que ouvem, veem e vivem a respeito da aprendizagem de

ELE. Essa descrença quanto a aprendizagem não é evidenciada apenas no senso comum,

como lembra Paiva (2014), essa descrença aparece também nos documentos oficiais,

como os PCNs ao emocionar que

No Brasil, tomando-se como exceção o caso do espanhol, principalmente nos

contextos das fronteiras nacionais, e o de algumas línguas nos espaços das

comunidades de imigrantes (polonês, alemão, italiano etc.) e de grupos nativos,

somente uma pequena parcela da população tem a oportunidade de usar línguas

estrangeiras como instrumentos de comunicação oral, dentro e fora do país

(BRASIL, 1998, p. 20).

O que está expresso no documento acima citado deixa de incluir possibilidades

de interação social e atribui um papel elitista da LE, principalmente do inglês, uma vez

que considera o espanhol uma exceção desta falta de oportunidade de uso da língua. Esse

determinismo dos PCNs não leva em conta o constante contato que os sujeitos têm com

produções culturais, com as novas tecnologias (embora em 1998 o uso da internet era

diferente de hoje), com o turismo, com as relações comerciais, dentre outros meios nos

quais é frequente o contato com uma LE.

Ainda sobre as justificativas dos alunos, cabe reflexões a respeito da relação

entre elas e o trabalho de implementação da ELE no Brasil. Para que se cumprisse a lei

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11.161, a preocupação foi de que se oferecesse a ELE nos currículos de Ensino Médio,

porém ao oferecê-la com uma carga horária de 1h\a por semana não se pensou nos

inúmeros problemas que poderiam surgir com essa quantidade de aula. Ainda depois da

implementação da ELE nos currículos de Ensino Médio, algumas pesquisas e publicações

foram feitas a respeito do cenário da língua espanhola nas escolas. Essas pesquisas focam

alguns temas como, Algumas Incoerências no Ensino de Espanhol (FERNÁNDEZ,

2010); A Avaliação do Ensino (MATOS, 2010), A leitura, escrita e oralidade

(CASTELA, 2013), dentre outros temas objeto de estudo dentro do processo de ensino

aprendizagem de ELE.

Outro fator que apareceu nas justificativas dos participantes foi a carga horária

insuficiente das aulas de ELE. A esse respeito é importante refletir que a realidade das

escolas dificulta a resolução desse problema, isso porque ainda seria preciso resolver os

problemas com a estrutura organizacional, as turmas com grande número de alunos, a

falta de recursos, dentre outros inúmeros problemas enfrentados na escola. Além disso, a

alteração na grade curricular vai além das ações de professores e alunos, pois diz respeito

às políticas públicas, porém isso não significa que calar as opiniões seja o melhor caminho

para tentar sanar esse problema. No caso específico do Distrito Federal, existe uma parte

diversificada no currículo que seria para projetos, mas o que acontece na prática é que

professores de ELE são orientados a trabalharem outras disciplinas dentro dessa parte

diversificada, uma dessas disciplinas é a Redação.

Se há uma cobrança dos próprios alunos de que se amplie a carga horária da

língua, por que não ofertar o espaço diversificado para o espanhol? Essa é uma pergunta

que ninguém ainda respondeu. Esse descaso pode ter desencadeado os problemas que

foram citados pelos alunos, como por exemplo, professores desmotivados, pois assumem

uma carga horária elevada com maior número de diários e turmas, não tendo condições

de preparar suas aulas como gostariam, o que, por sua vez, pode refletir nos alunos que

além dos problemas que já têm de aprendizagem e falta de estímulo para estudar se sentem

ainda mais desestimulados a aprender uma LE.

O resultado desse ciclo é que a descrença quanto ao aprendizado de LE nas

escolas públicas não contribui para o desenvolvimento do aprendiz, e, além disso, como

considera BOMFIM (2011) as crenças são difíceis de serem mudadas, e como as crenças

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são verdades para quem as têm, os alunos podem não se engajar no aprendizado de LE

por não acreditarem nele.

Abordamos agora o que os participantes manifestaram não gostar nas

aulas de ELE. Chamou nossa atenção o fato de os alunos apontarem não gostar da

oralidade nas aulas, ou seja, eles não se sentiam a vontade ao ter que participar de

atividades que envolviam a prática oral da língua. Isso foi apresentado no quadro abaixo

que também é resultado de relatos expressos no questionário inicial.

- Não gosto muito dos trabalhos em forma de peça de teatro e das poucas quantidades de aulas

semanais.

- Apesar de ser bom para prática a nossa fala não gosto de ler em público pois sou muito tímido.

- Falar em espanhol.

- Não gosto de apresentar em espanhol porque não sei falar em espanhol.

Quadro 02 :Dados coletados por meio do Questionário Inicial

Fonte: SANT’ANA, 2014, p. 93.

O que foi expresso nos relatos acima descrevem opiniões contrárias ao uso da

oralidade nas aulas de ELE, isso nos faz pensar, que o pouco contato com a oralidade faz

com que os alunos acreditem ser essa uma prática ruim, pois os desestabilizavam. Esse

incômodo sentido pelos alunos ao estudar uma LE é o mesmo que se colocar numa

situação de não saber tudo, é voltar a fase de bebê quando ainda não se sabe falar

(REVUZ, 1998). Nesse sentido, os alunos ainda não se sentem parte da língua, ou seja,

o pouco tempo destinado à oralidade nas aulas de LE não estimulam os alunos a se

engajarem em ações de linguagem oral causando estranhamento e recusa nas ações de

linguagem oral.

Essa característica de recusa da oralidade também foi mencionada ao pedir que os

alunos opinassem sobre o que precisaria mudar nas aulas de ELE.

Pirate 3º A: menos atividade oral.

Jeanzito 3º A: aulas cada vez mais interativas.

Alfa 3º A: mais atividades orais.

Son3º A: que continue do mesmo jeito.

Kelly Kel 3ºA: exercitar a fala em espanhol.

Derson 3º A: mais trabalhos práticos, como por exemplo, interpretar um filme.

Dete 3º A: mais aulas.

Yokohama 3º A: mais aulas práticas, fazer mais exercício junto com a professora

Quadro 03: Dados coletados por meio do Questionário Inicial

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Fonte: SANT’ANA, 2014, p. 93.

O quadro acima apresenta opiniões que mesclam diferentes pontos de vista.

Alguns participantes opinaram que para melhorar a aula é preciso praticar mais a

oralidade, já outros não querem praticar a oralidade. Essa divergência caracteriza a crença

de alguns alunos de que é necessário falar a língua que se estuda. Não se pode esperar

que todos os alunos saiam fluentes das aulas de ELE na escola pública, mas sim que eles

tenham oportunidade de ter contato com a oralidade para que possam se sentir motivados

a continuarem estudando. É possível notar também nas opiniões dos alunos a crença de

que não se aprende a falar o idioma na escola pública, então para eles não há a necessidade

de ter contato prático com a oralidade nas aulas.

Assim como considera Miccoli (2014), a proposta de ensino de LE pela metade

tem que ser superada, pois “o ensino de línguas com foco na comunicação, no uso da

língua em sala de aula na interação entre professor e alunos no desenvolvimento das

quatro habilidades, embora desafiador, passa a ser propósito das ações de professores...”

(MICCOLI, 2014. p. 180). Como chegar a esse propósito talvez seja o grande desafio, no

entanto, ainda que a realidade da Escola Básica não seja a ideal, é bom lembrar que as

OCEMs (2006) recomendam o desenvolvimento das quatro habilidades. No entanto, não

podemos deixar de reconhecer a dificuldade que é trabalhar a oralidade na sala de aula, e

por isso, corroborando Bruno (2010), apoiamos a concepção de que é preciso estabelecer

uma relação entre o oral e o escrito para que o oral não seja trabalhado de maneira isolada

fazendo com que as crenças que já existem perdurem e estimulem o desinteresse em

engajar-se nas ações de linguagem oral.

No quadro 03, foi mencionada também a necessidade de fazer mais exercício

junto com a professora, esse aspecto explicita a dificuldade dos alunos em ter apenas um

encontro semanal com o professor, o que acaba resultando em práticas isoladas, pois

muitas vezes, as atividades propostas são concluídas pelos alunos em casa para otimizar

o tempo da aula. Com isso, o aluno perde a oportunidade de junto com seu professor

analisar e discutir suas dúvidas. É fato que o aluno deve ser sujeito de seu aprendizado,

mas para que ele possa caminhar sozinho na tarefa de buscar novos caminhos para

aprender, ele precisa de suporte e orientação, e com turmas cheias e pouco tempo de aula

não é possível acompanhar cada aluno para que ele possa ter a oportunidade de sanar suas

dúvidas.

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Contrapondo as crenças até aqui apresentadas, discutiremos agora o que

relataram os participantes a respeito das atividades desenvolvidas nas SDs aplicadas nas

turmas.

Observemos os relatos a seguir.

Alfa 3º A: A produção do vídeo clipe foi a mais legal e divertida, acredito que não fizemos apenas

pra ganhar nota e sim porque a ideia de produzir um clipe foi sensacional, cantando em espanhol que

para mim seria quase impossível.

Make up 3º B: Eu nunca pensei que poderia cantar uma música em espanhol, pra mim foi uma alegria

cantar com minhas amigas eu me diverti muito nas aulas de espanhol.

Quadro 04: dados coletados por meio dos DIPs

Fonte: SANT’ANA, 2014, p. 137.

A participante Alfa relatou que percebeu uma diferença nos colegas ao

desenvolver a atividade proposta, ela considerou que a atividade não foi feita apenas por

nota, o que nos faz pensar que houve um envolvimento maior dos alunos. Para a

participante Make up a alegria de se sentir capaz a estimulou nessa prática da oralidade.

Observando essas considerações, notamos que elas vão de encontro ao que foi

apresentado nas justificativas dos alunos nos quadros 01, 02 e 03. Percebemos que a

experiência de vivenciar ações positivas nas aulas de espanhol deram características

diferentes aos discursos dos alunos no que diz respeito a suas crenças na aprendizagem

de ELE. Assim como aponta Miccoli (2010), crenças explicam ações e podem reforçar

ou transformar crenças, nesse caso, observamos que houve diferenças nas crenças

apresentadas, pois a experiência de vivenciar a língua na prática pode ter levado a

construção de outras crenças, ou pode ter transformado e ressignificado as antigas crenças

a respeito da oralidade na ELE.

Dessa forma, ressaltamos a importância de se oferecer aos aprendizes de LE

contatos com experiências em aprendizagens significativas para que eles possam ver

sentido no que estudam. Apontamos ainda que, no caso da pesquisa 1, o uso dos gêneros

discursivos contribuiu para que as ações de linguagem fossem significativas, uma vez que

possibilitou o contato com ações da vida cotidiana dos alunos. Esse aspecto reafirma a

teoria baktiniana de que os gêneros moldam nossos discursos. Além disso, revozeamos

Bruno (2010), com a importância de se refletir como trabalhar a oralidade nas aulas de

ELE, para que os aluno se sintam capazes de agir nos discursos orais. E como aponta

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Miccoli (2010, p.152) “é preferível estar num ambiente dessa possibilidade em que a

oportunidade de aprender LE seja real, que numa sala que oferece apenas a metade”.

Observamos ainda nesses relatos do quadro 04 a presença do que Miccoli (2010)

chama de experiência cognitiva, como foi apresentado no tópico teórico, pois ela diz

respeito às oportunidades que o estudante tem de aprendizagem e as oportunidades de

aprendizagem podem ter sido as responsáveis pelas ressignificação das crenças dos

alunos.

Passaremos agora a abordar as crenças apresentadas por professores que

participaram da pesquisa 2.

4.2 O QUE OS PROFESSORES PENSAM?

Os professores participantes da pesquisa 2 em seus depoimentos a respeito do

ensino\aprendizagem da ELE deixaram expressas considerações a respeito de sua prática

e do que a envolve. Dentre essas considerações, foi possível destacar alguns traços de

crenças que consideramos ser importantes explicitar neste trabalho para que suscite um

repensar das práticas no processo de ensino\aprendizagem de ELE e das políticas

públicas.

Abordaremos primeiramente as considerações dos professores participantes a

respeito do que eles pensam sobre aprender ELE na escola pública de Ensino Básico. Para

isso, evidenciaremos o pensamento de alguns professores que participaram da pesquisa

2.

Professora 1: (...) o nosso tempo é muito corrido, é pouco tempo pra muita coisa, então assim, eles

acabam assimilando pouco, né (...), quando a gente percebe que um aluno fala assim: “ah professora,

eu faço Espanhol há tantos anos no CILT e depois disso eu quero fazer Espanhol na UnB”, então

é uma das poucas satisfações (...).

Professora 2: A minha maior satisfação é saber que, por exemplo, um aluno, ele se interessou para

aprender a língua espanhola não só aqui na escola, porque a gente sabe que, por causa, pelo tempo,

não dá tempo dele aprender muita coisa (...).

Quadro 05: Dados coletados por meio de entrevista

Fonte: PERES CARVALHO, 2014, p. 139.

Pelas falas das docentes acima, vê-se a crença de que pelo pouco tempo de aula

não se pode aprender Espanhol na escola, sendo necessário um aprendizado posterior e

extracurricular, pois, em função da pouca carga horária, “eles assimilam pouco”, não dá

tempo do aluno “aprender muita coisa”.

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A crença de que não é possível aprender LEM em escolas públicas surge mais

uma vez, crença já constatada e confirmada em diversos estudos (COELHO, 2005;

MIRANDA, 2005; VESZ, 2012). Todavia, como afirmou Rinaldi (2014, p. 12): “é

necessário que se desmitifique a ideia de que a aprendizagem de idiomas na escola é

ineficaz. Ela é possível, sim, desde que as condições sejam favoráveis (...)”. As condições

das escolas públicas, já mencionadas nesta pesquisa, muitas vezes impedem um melhor

desenvolvimento das aulas, não se pode fugir da realidade. Entretanto também não se

pode desperdiçar o pouco tempo que é disponibilizado a ELE nas escolas, dessa forma,

enquanto as Políticas Públicas não mudam a respeito dessa situação o melhor caminho

não seria cruzar os braços, mas pensar em estratégias, metodologias que funcionassem

para que o interesse do aluno fosse despertado e a motivação do professor não se fadasse

ao fracasso.

Note que os professores expressaram aqui em suas considerações a insatisfação

de ver que os alunos não aprendem o que deveriam, dessa forma a experiência desses

professores influenciam na construção dessa crença de que não se aprende ELE na escola,

ademais essa crença é reforçada pelo discurso social que existe em grande escala de que

para aprender uma língua é preciso morar fora ou estudar em cursos livres. Esse tipo de

crença nos remete ao que Miccoli (2010) considera ser um tipo de crença de experiências

diretas denominada experiências pedagógicas, pois essa crença é formada a partir do que

propõe o professor e vivencia na prática em suas aulas.

Diante da descrença quanto ao aprendizado de LE, cabe ressaltar neste espaço

que algumas pesquisas desenvolvidas na área da LA têm apresentado resultados que

contribuem para a melhoria desse quadro de ensino-aprendizagem e podem ajudar a

desconstruir ou amenizar essa crença negativa. Essas pesquisas apresentam práticas de

sala de aula que têm dado resultados favoráveis que dribla parte das dificuldades

enfrentadas por professores e alunos de LE. Esses trabalhos, tais como, Buzato (2001),

Leffa (2006), Menezes (2010), Coscarelli (2009), Dias (2012, 2014) e Sousa (2013)

valorizam o uso das novas tecnologias de comunicação como forma de interação dentro

e fora da sala de aula. Isso ocorre, principalmente porque se baseia em novas práticas de

linguagem, e como afirma Gregoli (2013) essas novas práticas não são novas roupagens,

mas sim trata-se de questionar como trabalhar, por exemplo, as novas tecnologias

incorporadas às práticas significativas.

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Outra crença apresentada pelos participantes é quanto a implementação da ELE

nas escolas de Ensino Médio. Notemos na fala a seguir como os professores consideram

que se deu a implementação do espanhol.

Questionados sobre o motivo da implantação do Espanhol no Brasil, muitos

professores afirmaram que o motivo foi a criação do MERCOSUL e a tentativa de

fortalecimento do Brasil com países cuja língua oficial é o Espanhol.

Professor 2: Eu acho porque o Espanhol tem tido uma importância a mais pro Brasil, devido ao

MERCOSUL, devido às empresas multinacionais, ao setor de turismo, de hotelaria (...).

Professor 3: Pela proximidade (fronteira) com os países da língua espanhola e a implantação do

MERCOSUL.

Professor 5: (...) pelo acordo, penso eu, do Brasil com o MERCOSUL.

Professor 6: Eu acho que tem a ver com o MERCOSUL, né?

Quadro 06: Dados coletados por meio das entrevistas

Fonte: PERES CARVALHO, 2014, p. 132.

De acordo com Amaral e Mazzaro (2007, p. 1) “a principal causa para essa

mudança repentina no status da língua espanhola costuma ser atribuída à criação do

Mercosul”. De fato, o MERCOSUL foi um grande elemento para a integração dos países

latino-americanos, contribuindo não somente para o estreitamento dos laços, mas também

para a valorização do Espanhol no Brasil (IBIDEM). Entretanto, como elucidou Jaeger

(2009, p. 31), “a resposta cristalizada pelo senso comum não hesita atribuir à participação

do Brasil no Mercosul a razão para esta novidade no sistema educativo”. Assim, tal visão

corresponde a um senso comum enraizado, uma vez que muitas outras motivações de

distintas naturezas – principalmente econômicas e políticas – contribuíram para a

implantação do Espanhol ao Sistema de Ensino Brasileiro, pois, ao nos depararmos com

a implantação da Lei 11.161/2005, percebemos que estamos “diante de um gesto político

claro e, sobretudo, de um gesto de política linguística...” (BRASIL, 2006, p.128, grifo

nosso). Assim, cabe o questionamento levantado por Maciel e Oliveira (2011, p. 3): “A

sanção da lei foi mais um ato político que educacional?”.

Ao levantar esse questionamento, refletimos também a crença de que a

implementação se deu apenas com base na relação do Mercosul, sem considerar as

relações sociais de interação, principalmente por meio das redes sociais e da globalização

da comunicação advinda por meio do avanço das novas tecnologias o que também tem

possibilitado a inserção social do aprendiz de ELE.

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Abrindo espaço para a última crença observada nas considerações

apresentadas pelos professores, abordaremos o fato de a ELE ser considerada uma língua

que “dá pra levar”.

Segundo Ribeiro da Silva (2011), a concepção do Inglês como língua dominante

na escola contribuiu para a existência de uma “política implícita” para a língua inglesa.

O núcleo dessa política seria o status (social, profissional e acadêmico) que a sociedade

atribui a esse idioma, uma vez que grande parte da comunidade escolar acredita que o

Inglês é obrigatório no ensino brasileiro. Em contrapartida, o Espanhol é visto como uma

língua “muito fácil”, na qual existe uma “facilidade maior” para compreender e se

comunicar, como é possível ver nos relatos das docentes abaixo:

Professor 7: Então, por exemplo, quando eu viajo, eu falo Inglês, mas quando eu não entendo eu

falo assim: “hablas Español?” e eles “hablan”, e aí eu me viro!

Professor 8: Acredito que seja pelo fato (...) da necessidade que as pessoas tenham mesmo, né, de

irem pra outros países e o Espanhol você sabe se virar... Né, de qualquer forma, que seria mais assim,

entre aspas, considerado mais fácil, digamos assim, que o Inglês.

Quadro 07: Dados coletados por meio

Fonte: PERES CARVALHO, 2014, p. 136.

Dessa maneira, pelos fragmentos acima, é possível perceber que os professores

participantes possuem a crença de que o brasileiro “sabe se virar” ao tentar falar Espanhol

em função da proximidade entre as línguas. De fato, tal proximidade cria um estereótipo

e expectativa de facilidade na aprendizagem de Espanhol por um brasileiro

(GONZÁLEZ, 2010). Contudo, é preciso cuidado, uma vez que é possível o falante

brasileiro “iludir-se” com um bilinguismo inexistente, dando espaço ao que Selinker

(1972) denominou “interlíngua”.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: BREVES REFLEXÕES SOBRE OS

RESULTADOS DO ESTUDO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O

ENSINO\APRENDIZAGEM DE ELE

De maneira sucinta, podemos concluir que as crenças apresentadas por

professores e alunos que participaram das duas pesquisas que originaram este estudo

foram construídas por suas experiências no processo de ensino\aprendizagem de ELE.

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Dessa forma, fica evidenciada a urgência em trabalhos que investiguem práticas

pedagógicas que desmistifiquem as crenças que estão inteiramente ligadas a prática oral.

Nosso estudo mostrou que as práticas orais se forem significativas, se fizerem

sentido para os alunos podem fazer com que eles se sintam engajados a participar das

ações de linguagem oral e podem fazer também com que si sintam sujeitos da ELE.

Fica também evidenciado em nossa pesquisa, que é preciso repensar as políticas

públicas de maneira a favorecer o ensino-aprendizagem possibilitando maior interação

entre professores e alunos, com turmas reduzidas e maior carga horária para a ELE, que

seja no mínimo igualada a carga horária da língua inglesa.

Finalmente, advogamos a importância da formação continuada para dar suporte

aos professores de ELE para que eles reflitam sobre a importância de trabalhar as quatro

habilidades e não apenas a metade delas. E que além de refletir, que eles tenham a

orientação de investigar diferentes maneiras para integrar o escrever, o ler, o falar e o

ouvir, para que assim a ação de linguagem oral não seja esquecida.

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