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1 Entre a cruz e a foice Alexandre Dresch Bandeira Universidade do Vale do Rio dos Sinos Palavras-chave: Inscrição semiodiscursiva, Midiatização e religião, Interações, Poder simbólico. RESUMO EXPANDIDO Nossa proposta de artigo para participar do 1º Seminário Internacional de Pesquisa em Midiatização e Processos Sociais, tem como objetivo investigar e analisar, pelo viés da inscrição semiodiscursiva, bem como da interacional, a troca de presentes entre o Presidente da Bolívia, Evo Morales e o Papa Francisco, em visita a esse país na América Latina. Nossa visada toma como teoria a inscrição semiodiscursiva, gerada através de indivíduos e instituições, resultando para nós, na possibilidade de um estudo de caso em que o encontro entre estes dois atores, ocorre num espaço interacional de polêmica, conflito e resistência, permeado pela interface da política, mídia e religião. O momento da condecoração e ofertas de mimos é realizada sob os olhares da imprensa internacional, que registra tal “estranhamento simbólico”: a foice e o martelo comunista com o Corpo de Cristo pregado no martelo. Divulgado, se espalha pelos meios de comunicação, redes sociais e divide os internautas, conforme a manchete do site G1 1 : Crucifixo com foice e martelo dado por Evo a Papa causa “racha” na internet. A notícia foi transmitida pela televisão, internet, youtube, twiter, facebook, sites de notícias, etc., circulando e gerando comentários com a participação dos internautas, resultando numa enorme circulação intermidiática. Justificamos nosso título, parafraseando a expressão popular; estar “entre a cruz e a espada”, que define quando nos encontramos diante de um dilema. Expressão oriunda da época das Cruzadas, significava ter que optar: converter-se ao cristianismo e obter a salvação, ou do contrário, ser como um herege. O presente que o Papa Francisco recebeu do Presidente Evo Morales, ao visitar a Bolívia no dia 09/7/2015, resulta numa repercussão midiática mundial, pelos meios de comunicação, sob vários ângulos. Para nós, é pertinente analisar sob o aspecto de como as duas instituições, a política e a religiosa, se comportaram diante de um conflito 1 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/crucifixo-com-foice-e-martelo-dado-por-evo-papa-causa- racha-na-internet.html Acesso dia 26/9/2016.

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Entre a cruz e a foice Alexandre Dresch Bandeira

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Palavras-chave: Inscrição semiodiscursiva, Midiatização e religião, Interações, Poder

simbólico.

RESUMO EXPANDIDO

Nossa proposta de artigo para participar do 1º Seminário Internacional de Pesquisa em

Midiatização e Processos Sociais, tem como objetivo investigar e analisar, pelo viés da

inscrição semiodiscursiva, bem como da interacional, a troca de presentes entre o

Presidente da Bolívia, Evo Morales e o Papa Francisco, em visita a esse país na América

Latina. Nossa visada toma como teoria a inscrição semiodiscursiva, gerada através de

indivíduos e instituições, resultando para nós, na possibilidade de um estudo de caso em

que o encontro entre estes dois atores, ocorre num espaço interacional de polêmica,

conflito e resistência, permeado pela interface da política, mídia e religião.

O momento da condecoração e ofertas de mimos é realizada sob os olhares da imprensa

internacional, que registra tal “estranhamento simbólico”: a foice e o martelo comunista

com o Corpo de Cristo pregado no martelo. Divulgado, se espalha pelos meios de

comunicação, redes sociais e divide os internautas, conforme a manchete do site G11:

Crucifixo com foice e martelo dado por Evo a Papa causa “racha” na internet. A

notícia foi transmitida pela televisão, internet, youtube, twiter, facebook, sites de notícias,

etc., circulando e gerando comentários com a participação dos internautas, resultando

numa enorme circulação intermidiática.

Justificamos nosso título, parafraseando a expressão popular; estar “entre a cruz e a

espada”, que define quando nos encontramos diante de um dilema. Expressão oriunda da

época das Cruzadas, significava ter que optar: converter-se ao cristianismo e obter a

salvação, ou do contrário, ser como um herege.

O presente que o Papa Francisco recebeu do Presidente Evo Morales, ao visitar a Bolívia

no dia 09/7/2015, resulta numa repercussão midiática mundial, pelos meios de

comunicação, sob vários ângulos. Para nós, é pertinente analisar sob o aspecto de como

as duas instituições, a política e a religiosa, se comportaram diante de um conflito

1 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/crucifixo-com-foice-e-martelo-dado-por-evo-papa-causa-

racha-na-internet.html Acesso dia 26/9/2016.

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simbólico, inesperado e polêmico, que através de uma relação diplomática, mediado por

um símbolo altamente convencionado da política (foice e martelo), serve como proposta

para fundir-se a outro ainda mais institucionalizado e antigo, no caso o Jesus Crucificado,

com proposta de tirá-lo da cruz e transferi-lo para o martelo, fundindo um ao outro.

Esta intenção envolve os campos político e religioso, interseccionados pelo campo

midiático. Tal estratégia por parte de Evo, que se aproveita do “ataque surpresa” ao seu

ilustre convidado, acaba inflamando o acontecido, gerando inúmeros comentários por

parte dos simpatizantes das duas ideologias, através da circulação nas redes sociais.

Diante desta provocação, o papa visivelmente constrangido, reage com a seguinte fala:

“no está bien eso”2. Uma atitude que sai da formalidade entre autoridades, quebra-se,

expõe-se, transformando-se em comentários mundo afora. Quais os estágios desta

interação entre os líderes e quais códigos tiveram que dominar para viabilizarem uma

fachada diplomática suportável entre eles e seus liderados no outro lado dos dispositivos?

Nesta ousada proposta, o símbolo máximo dos católicos, a cruz, simbolicamente se funde

com outro símbolo do comunismo, a foice e o martelo, que pela história são antagônicos.

O comunismo por ser materialista; e o catolicismo espiritualista, porém ambos pregam

quase a mesma coisa, separadas por uma tênue linha ideológica, a intenção de alterar a

sociedade. Um fato curioso ainda, que ajuda a fomentar a discussão, é que a peça foi

criada pelo padre Espinal, natural da Espanha, e jesuíta como o pontífice.

Segundo o Portal do G1, o presente de Evo Morales garantiu a ele um salto para o quinto

lugar nos trending topics (assuntos mais comentados) do Twitter no Brasil, tanto a favor

como contra o gesto, como por exemplo: @arrudavic: "Presente totalmente absurdo e

ofensivo que Evo Morales deu ao papa. Mas não tenhamos pena do constrangimento do papa

e sim dos comunistas".

E outro a favor: @MichelArbache: "Repartir o pão - máxima comunista do primeiro grande

comunista. Por que então tanta polêmica do presente que Evo Morales ofereceu ao papa?"

Ainda no mesmo site, aparecem 512 comentários, de todos os tipos. Para nós é importante

ainda, perceber a liberdade de opinião e de participação que este tipo de mídia oferece,

independente da sua orientação política ou religiosa, ou até mesmo não religiosa, como

2 https://www.youtube.com/watch?v=uXTm9vpKe7M Acesso dia 27/9/2016

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este comentário: Qual é a diferença entre pregar o magrão numa cruz ou num martelo. SE

O PREGO É BOM NÃO TEM DIFERENÇA (Sic).

Ou este: E os escândalos de pedofilia, corrupção, época da inquisição ninguém comenta,

agora Jesus em um martelo, querem pregar o ódio contra o Evo (Sic).

Ao receber o presente, o papa repreende em espanhol, diante do embaraço, percebe-se

uma disputa simbólica entre dois símbolos midiáticos, numa tentativa de fusão, adesão e

resistência. A tensão se dá num momento político sensível e crítico na américa latina,

onde surge a pergunta: como excluir a afirmativa canônica de Marx, de que “a religião é

o ópio do povo”? Proposta esta, feita para um continente latino, com grande contingente

de fiéis católicos? Percebemos também os espaços em que se deram estas interações e

queremos saber até onde a sociedade, em vias de midiatização, absorve e lida com

assuntos que antes eram restritos aos seus campos específicos. Para nós é importante

entender como foi feita a inscrição semiodiscursiva através da midiatização e religião,

numa interface com a política, resultando em interações, numa disputa pelo poder

alegórico desses dois grandes ícones, bem como da representação simbólica de seus

líderes.

Figura 01: Imagens do Presidente Evo Morales entregando diante das câmeras, a foice e o martelo com

Jesus crucificado, como presente ao Papa Francisco.

Fonte: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/07/crucifixo-com-foice-e-martelo-dado-por-

evo-papa-causa-racha-na-internet.html (Foto: Osservatore Romano/Reuters)

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Midiatização da religião como experiência vivida

Ana Cassia Pandolfo Flores

Universidade Federal de Santa Maria

Palavras-chave: midiatização da religião, etnografia, leigo

RESUMO EXPANDIDO

O artigo busca pensar o leigo católico como dinamizador do processo de midiatização da

religião ao inserir-se de forma ativa e autônoma na internet como produtor de conteúdo

religioso. Nesse sentido, objetiva-se pensar o conceito de midiatização como experiência

vivida, tendo como centro da análise, não a mídia ou a religião, mas a pessoa do leigo,

individuo iniciado e identificado com o catolicismo, mas que não faz parte de seu corpo

de consagrados. Para tanto, buscamos fundamentação na etnografia como teoria e

método, em sua interface com o campo da Comunicação. Sendo assim, a análise se dá a

partir da observação empírica da atuação dos responsáveis pelo blog O Catequista,

empreendimento criado e mantido por leigos católicos com uma proposta de catequese

digital que une conteúdo doutrinário e humor. Uma das perspectivas mais frequentes na

pesquisa sobre mídia e religião é a da midiatização (CAMPBELL, 2016). Esse conceito

tenta abarcar as modificações trazidas pela onipresença midiática nos processos

comunicacionais e sociais de diferentes âmbitos da sociedade. Entendendo a mídia não

apenas como o aparato tecnológico, mas como o conjunto de práticas socioculturais

realizadas a partir, sobre e para além dos meios de comunicação (VERÓN,1997, p. 12),

a midiatização chega a ser considerada como um novo modo de ser no mundo (GOMES,

2004). Na atualidade, instituições e esferas sociais tornam-se cada vez mais dependentes

da lógica da mídia, pois a mídia possui “um modus operandi próprio e características

específicas capazes de influenciar outras instituições e a cultura da sociedade em geral, à

medida em que estas se tornam dependentes dos recursos que ela controla e disponibiliza”

(HJARVARD, 2014, p.36). A lógica da mídia não quer indicar a existência de uma única

racionalidade global a reger todas as instâncias midiáticas, mas destacar que há regras

formais e informais a operar de maneira institucional, estética e tecnológica os recursos

materiais e simbólicos dos meios de comunicação. Sendo assim, a midiatização é

entendida como um processo de transformação social a longo prazo e a mídia,

compreendida como um agente de mudança social e cultural. Ao falar sobre a

midiatização da religião, Hjarvard (2014, p. 165) destaca que além de ser estrutura

fundamental para divulgação das crenças, a mídia modela a religião através de gêneros

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da cultura popular. Para o autor, tal processo é tão intenso que a religião perde relevância

para a mídia em relação a comunicação das crenças religiosas e ao papel social de

orientação moral e espiritual, além do senso de comunidade. Embora relevantes e de

grande impacto para as pesquisas da área, estudos como o de Hjarvard, que partem da

centralidade da mídia, apresentam tendências que limitam a análise. Segundo Sbardelotto

(2016, p.120-122), ao se estruturarem a partir de perspectivas que focam a

dependência/subserviência da religião frente a mídia, ou vice-versa, e/ou a

influência/prepotência de uma sobre a outra, tais pesquisas se limitam a reflexão sobre os

efeitos midiáticos na religião ou sobre os usos religiosos da mídia. Diante disso, o mais

interessante seria complexificar a análise e pensar as processualidades das

articulações/hibridações/integrações entre mídia e religião (SBARDELOTTO, 2016,

p.124), principalmente, através da ideia de espaços híbridos ou de interface, nos quais a

prática digital religiosa é pensada em seus próprios termos (HOOVER e ECHCHAIBI,

2012, p.4). Apesar desses importantes avanços no entendimento do conceito de

midiatização da religião, nos parece que tal aporte teórico privilegia a compreensão

contextual de um metaprocesso de transformação social e não chega a fornecer subsídios

mais concretos para a investigação do fenômeno midiático religioso sob a perspectiva das

experiências dos sujeitos. Se a midiatização é uma nova forma de ser no mundo, como

pensá-la enquanto uma experiência vivida? Nesse sentido, acreditamos que a interface

com a etnografia, principalmente em suas formulações em relação à pesquisa na e sobre

a internet, se apresenta como promissora. A origem da etnografia está ligada ao relato dos

viajantes que, ao passarem um determinado tempo convivendo com grupos

geograficamente e culturalmente diferentes dos seus, escreviam narrativas sobre eles

(TRAVANCAS, 2012, CAIAFA 2007). Ao ser incorporada pela tradição antropológica,

a etnografia se constitui em um tipo de investigação e um gênero de escrita que se presta

principalmente para investigações com objetivos de busca pela alteridade. Na internet, o

método etnográfico é adaptado no sentido de dar conta das especificidades do contexto

digital e em rede, principalmente em relação às técnicas. Hine (2004, 2015) ao propor

uma etnografia para a internet toma como ponto de partida a problematização da web e

seu entendimento como cultura e artefato cultural. Quer dizer, a internet através de suas

potencialidades de práticas e sociabilidades acrescenta significados e complexifica

culturalmente as esferas sociais e grupos que nela transitam. Ao mesmo tempo, a internet

não se constitui em seus usos e potencialidades inerentes, mas adquire forma nos usos e

nas percepções que se formam dela socialmente, a partir dos diferentes contextos em que

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ela é utilizada. Assim todas as posturas diante da internet são significativas e aceitáveis e

a etnografia se mostra como adequada para entender o que as pessoas fazem com a

internet e o que a internet se torna com esse uso. Mesmo que pelo emaranhado de

conexões e pela fluidez da informação não seja possível compreender a prática de todos

os usuários da internet, um etnógrafo pode compreender o que significa ser um usuário

(HINE, 2004, p. 51). No caso do estudo da midiatização da religião, mesmo que não seja

possível analisar a prática de todos os leigos na web, a etnografia possibilita entender o

que significa ser um leigo na internet. Dessa forma, a abordagem etnográfica da internet

vai além de uma análise sobre a sua apropriação ou domesticação, pois pretende “olhar

para como os membros de uma cultura específica estão, eles mesmos, lidando com esse

ambiente de comunicação transformadora, como estão se encontrando nisso e como estão

tentando moldá-lo” (MILLER e SLATER, 2000, p.1, tradução nossa). Conforme ressalta

Hine (2015), a cotidianidade da internet possibilita que suas ferramentas e plataformas

sejam cada vez menos perceptíveis enquanto infraestruturas e sua incorporação possibilita

que as pessoas forjem perspectivas individualizadas sobre a rede, a partir dos links e sites

específicos que seguem. Sendo assim, não existe apenas uma internet ou “a” internet. Ela

torna-se diferente em cada plataforma e em cada incorporação cultural. Diante disso, ao

nos propormos pensar a midiatização como uma experiência vivida na atuação de leigos

católicos na internet, entendemos ser possível falar sobre “a internet dos leigos”, quer

dizer, questões contextuais que parecem estruturar a vivência e as práticas dos leigos

católicos que se propõe a manter empreendimentos sobre catolicismo na rede. Na análise

da atuação do casal responsável pelo blog o Catequista, a abordagem etnográfica foi

construída através de observações on-line, troca de e-mails e conversa presencial. As

evidências aqui apresentadas são um recorte da pesquisa em nível de doutorado ainda em

desenvolvimento. A escolha pelo blog se justifica tanto pelo alcance do projeto, que

possui mais de 400 mil seguidores no Facebook, quanto pelo diferencial da proposta que

une a discussão de assuntos doutrinários e morais com humor e as referências à cultura

popular/midiática. Nesse contexto, a internet experimentada pelo casal de blogueiros ao

desenvolverem seu projeto de catequese é marcada por questões de expertise, autoridade

e disputas. A internet dos leigos tem como característica a expertise de linguagens e

assuntos. Ao proporem uma abordagem da fé que privilegia o jocoso e o popular, a busca

por domínio das gramáticas da rede e dos assuntos do momento, traduzidos

principalmente pelo do uso dos memes, é um dos pilares que estruturam a experiência da

religião midiatizada desses leigos. Da mesma forma, a busca por autoridade, expressa na

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necessidade de mostrar conhecimento sobre doutrina, tradição e moral católicas, através

das constantes referências a documentos oficiais da Igreja ou a fala de papas e santos,

também é uma das forças que atravessam a atuação dos blogueiros católicos. Outra

característica dessa internet vivenciada pelos leigos são as constantes disputas entre esses

fiéis e padres, entre leigos de diferentes vertentes do catolicismo e entre católicos e

pessoas de outras crenças. Assim, nos parece que pensar a midiatização da religião com

foco na atuação do leigo na internet se mostra como um viés de análise que colabora para

o entendimento de como as articulações entre mídia e religião se tornam algo vivenciado

pelas pessoas.

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Mediatização da religião: O “adeus” de Bento XVI narrado

pelo CTV, a televisão da Santa Sé

Bernardino Dias Frutuoso

Universidade Católica Portuguesa (Lisboa, Portugal)

Palavras-chave: mediatização, televisão, Papa Bento XVI, Centro Televisivo Vaticano.

RESUMO EXPANDIDO

Como procura responder a Igreja católica ao actual processo da mediatização da cultura

e da sociedade? Como transmite a Santa Sé o ministério dos papas nesta nova galáxia

mediática? Favorece a instituição a mediatização dos sumos pontífices? Estas são

algumas das perguntas que procuramos responder nesta pesquisa. Para isso, analisamos o

“texto” televisivo que narra a saída do Papa Bento XVI do Vaticano, no dia 28 de

Fevereiro de 2013, até à residência de Castel Gandolfo, pondo fim ao seu pontificado.

Dias antes, o papa alemão tinha anunciado a sua histórica renúncia ao trono de São Pedro.

O Centro Televisivo do Vaticano (CTV), a chamada “televisão do papa”, foi o

responsável pela transmissão em directo desse acontecimento extraordinário,

retransmitido por televisões e plataformas digitais de todo o mundo. Este era um evento

que, na sua essência, concernia à vida interna da Igreja Católica. No entanto, porque

envolvia a uma personagem famosa, líder de uma das instituições mais importantes da

sociedade e um acontecimento surpreendente – há 597 anos que um papa não renunciava

ao cargo –, os media, e particularmente a televisão, não podiam estar ausentes,

conferindo-lhe interesse e relevância (Dayan e Katz, 1994).

Como bem frisa o professor de comunicação Mark Deuze (2012), no mundo actual

vivemos nos media, que são para nós como a água é para os peixes. Disseminam-se e

tornam-se ubíquos, permeiam todos os aspectos da vida e são “extensões do ser humano”

como postulava Marshall McLuhan (1994[1964]); constituem e estruturam o modo como

percebemos e compreendemos o mundo à nossa volta. Deslocam-se para o centro do

processo social e influenciam e transformam a cultura e a sociedade, incluindo a religião,

o conteúdo simbólico das suas narrativas, a fé e as práticas religiosas (Hjarvard, 2008,

2014; Gomes, 2010; Lövheim, 2014; Sá Martino, 2015). Nesse encontro entre os media

e a religião, os meios de comunicação “não apenas cobrem ou transmitem religião ou

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ideias religiosas; na verdade, elas ajudam a dar forma à religião contemporânea” (Hoover,

2014: 51).

A Igreja católica, que nas palavras de João Paulo II está chamada a proclamar a fé sobre

os telhados “através do mundo dinâmico das comunicações”3, não está alheia a esta nova

cultura e ambiência mediática. Ao compreender a irreversibilidade do processo de

mediatização da cultura e da sociedade, aposta na fundação e manutenção dos meios de

comunicação institucionais, nomeadamente o Centro Televisivo Vaticano (CTV). Na

mensagem para a 34ª Jornada das Comunicações Sociais, no ano 2000, o Papa João Paulo

II afirmava a necessidade de a Igreja “utilizar de forma enérgica e qualificada os seus

próprios meios de comunicação”4. Pretende-se, principalmente, potencializar o anúncio

da mensagem cristã em todo o mundo. O CTV, a “televisão do papa”, foi instituída em

22 de Outubro de 1983, precisamente, com o objectivo de contribuir para dar a conhecer

universalmente o Evangelho, documentando com imagens televisivas o ministério

pastoral do Sumo Pontífice e as actividades da Sé Apostólica (Estatuto de 1 de Junho de

1998).5 Desde então, Karol Wojtyła, o Papa peregrino (Majewski, 2006) transformou-se

numa estrela dos media (Grasso, 2013; Schlott, 2008).

Recordamos que, historicamente, foi Paulo VI com a viagem ao Congresso Eucarístico

de Bombaim, na Índia, em 1964, quem inaugurou as viagens apostólicas internacionais,

sendo o primeiro papa a visitar os cinco continentes (realizou nove viagens fora da Itália).

Estas iniciativas promoveram a reforma litúrgica e a crescente telemediatização dos

eventos presididos pelo Sumo Pontífice. O aumento das deslocações papais fora da Itália

e a transmissão televisiva dessas celebrações multitudinárias, fez crescer a visibilidade

pública do papa Paulo VI, baptizado como o “papa peregrino”. Mas foi com João Paulo

II, um ícone espiritual da aldeia global (Marcyński, 2006; Baugh, 2006), que as viagens

3 João Paulo II (2001), “Anunciai-o do cimo dos telhados: o Evangelho na era da comunicação Global”,

Mensagem para o XXXV Dia das Comunicações Sociais. In http://w2.vatican.va/content/john-paul-

ii/pt/messages/communications/documents/hf_jp-ii_mes_20010124_world-communications-day.html. 4 João Paulo II (2000). Mensagem para 34ª Jornada das Comunicações Sociais. “Proclamar Cristo nos meios

de comunicação social no alvorecer do Novo Milénio”. In http://w2.vatican.va/content/john-paul-

ii/pt/messages/communications/documents/hf_jp-ii_mes_20000124_world-communications-day.html. 5 Os principais serviços prestados pelo CTV são: transmissões em directo, serviço diário de notícias,

produções, arquivo. O CTV transmite em directo uma média de 200 eventos por ano, retransmitidos ou

utilizados por canais de televisão e agências de notícias, seculares e católicas, na Europa, Médio Oriente,

África, América do Norte e do Sul. O CTV gere, igualmente, um arquivo histórico, com mais de 19 mil

documentos em vários suportes, com as gravações das imagens dos Pontificados de João Paulo II, Bento

XVI e Francisco. Cf. http://www.vatican.va/news_services/television/index_po.htm.

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papais se intensificaram, alcançando 129 países. A televisão, um medium de uso cada vez

mais generalizado no planeta, permitiu ao papa ultrapassar as fronteiras eclesiais. Num

processo de metamorfose, o pontífice romano transformou-se no sumo sacerdote de uma

religião à dimensão da aldeia global (Willaime, 1991).

O corpus empírico da nossa análise é constituído cobertura televisiva realizada pelo CTV

da saída de Bento XVI do Vaticano, depois da sua renuncia. Focalizamo-nos só nas

imagens e no áudio original (incluindo as palavras do papa ao final), ainda se utilizamos

uma transmissão de EWTN com comentários, disponibilizada na internet6. Tendo sido

este um acontecimento excepcional, foi programado em detalhe pelo CTV e utilizaram-

se muitos recursos tecnológicos: usaram-se quatro régies e 19 câmaras (uma delas a bordo

de um helicóptero). Uma transmissão em directo em que cada enquadramento foi

previamente estudado em detalhe7. A transmissão teve uma duração de 1h22.

O “texto” televisivo que analisamos categoriza-se como um media event (Dayan e Katz,

1994), que na definição dos autores são “cerimónias televisivas”, ou seja, momentos

históricos televisionados em directo (Dayan e Katz, 1994: 197). Nesta narrativa televisiva

podemos identificar, facilmente, três fases explícitas, seguindo a estrutura clássica

proposta por Aristóteles: a) início, a saída de Bento XVI, o protagonista, dos seus

aposentos e do Vaticano; b) desenvolvimento, com a viagem a Castel Gandolfo; c)

chegada e palavras de despedida do papa. O peculiar desta narrativa é que o clímax, o

momento mais comovedor, verifica-se no acto inicial. Trata-se de um episódio em três

tempos que expressa o afastamento progressivo dos lugares onde Bento XVI exerceu

como papa: a saída dos aposentos pontifícios, a partida em carro do pátio de São Dâmaso,

a saída do Vaticano quando o helicóptero despega. Apesar da resolução se verificar no

primeiro acto, o interesse mantem-se ao longo de toda a narrativa e o espectador é

estimulado a permanecer ligado à transmissão e a seguir a viagem do papa até ao

momento da chegada à residência de Castel Gandolfo e as suas últimas palavras. Alguns

dos factores que ajudam a manter o interesse são a proximidade e a importância do

personagem, a beleza da paisagem (começando pelas imagens únicas dos jardins do

Vaticano) e o inédito do acontecimento.

6 https://www.youtube.com/watch?v=NvtBYIXc7YY 7 Cf. Velasco, Irene, “Superproducciones Vaticanas”, El Mundo, 18 de Outubro 2013, p. 43; Bobbio,

Alberto, “Telecamere su San Pietro”, Fagmilia Cristiana, 20 de Outubro de 2013, p. 40.

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Este acontecimento eclesial, que telemediatizou o Papa Bento XVI, expressa, de maneira

eloquente e cabal, o processo de mediatização em que está envolvida a Santa Sé e a Igreja

Católica como instituição religiosa.

Referências bibliográficas

Dayan, Daniel e Katz, Elihu (1994). Media events: the live broadcasting of history.

Massachusetts, London: Harvard University Press.

Gomes, Pedro Gilberto (2010). Da Igreja eletrônica à sociedade em midiatização. São

Paulo: Paulinas.

Hjarvard, Stig (2008). «The mediatization of religion: A theory of the media as agents of

religious change». Northern Lights, 6, pp. 9-26.

Hjarvard, Stig (2014a). A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo: Ed.

Unisinos.

Hoover, Stewart (2006). Religion in the Media Age. Estados Unidos: Routledge.

Lövheim, Mia (2014). «Mediatization and Religion». In Knut Lundby (Ed.)

Mediatization of Communication. Berlin/Boston: Mouton de Gruyter, pp. 547-571.

Majewski, Andrzej (2006). «Un Papa pellegrino». In Mazza, Giuseppe (ed.), Karol

Wojtyła, un Pontefice in diretta. Sfida e incanto tra Giovanni Paolo II e la TV. RAI-ERI:

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Miller, Toby (2010). Television Studies. Londres: Routledge.

Sá Martino, Luís (2015). «A mediatização do campo religioso: esboço de uma síntese

possível». Comunicação & Informação, 18 (2), pp. 06-21.

Rose, Gillian (2001). Visual Methodologies. An Introduction to the Interpretation of

Visual Materials. Thousand Oaks; London; New Delhi: Sage.

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Assembleias de Deus em vias de midiatização: entre dizeres e

silêncios Catiane Rocha Passsos de Souza

Universidade Federal da Bahia/Instituto Federal da Bahia

Palavras-chave: Midiatização. Religião. Televisão. Assembleia de Deus. Política.

RESUMO EXPANDIDO

Desde a chegada da televisão ao Brasil, na década de 50, houve muita discussão,

principalmente nas igrejas pentecostais, sobre a influência maligna da “caixa do diabo”.

Em instituições mais conservadoras, testemunhos de pessoas, inclusive atestando que

tiveram sua saúde perturbada pela televisão, alimentavam uma ideia negativa quanto ao

uso dessa mídia. Em geral, o advento da televisão gerou discussões sem consenso cujos

sentidos não se apagaram facilmente da memória social, principalmente quando se trata

de educação das crianças, formação de opinião pública, mais atualmente em debates sobre

corrupção, homossexualismo, liberalização de maconha, aborto, dentre outros assuntos,

muitas vezes, nem tão polêmicos como os citados. Os efeitos de sentido dessas discussões

se conservam, sobretudo, nos dizeres dos evangélicos das Igrejas Pentecostais

Assembleias de Deus (ADs), denominação que até final da década de 90 se posicionava

contrária ao uso da TV por seus seguidores. Quais os motivos que tornaram essa mídia

(in)aceitável? Em que medida o acesso “autorizado” à televisão, embora tardiamente,

afetou esse grupo de religiosos? Para observar esse processo, recorremos aos fragmentos

históricos que trazem indícios de transformações, tanto na dimensão institucional quanto

socioindividual relacionadas ao uso da televisão pelos crentes (como são chamados esses

religiosos no Brasil). O modo como dizeres foram silenciados para que outros surgissem

foi guiando nossa observação no que diz respeito à (re)significação dos assembleianos na

sociedade midiatizada. Embora o processo de midiatização tenha se germinando nas

primeiras décadas de implantação das ADs no país, as análises indicam que tenha sido

mais acelerado e dinâmico a partir da década de 80 com a produção/reconhecimento no

universo televisivo. Atualmente, os assembleianos estão inseridos no universo das mídias

em geral, mas a TV continua principal mídia no tempo de audiência, na importância que

se dá às transmissões, pela facilidade, comodidade e praticidade do acesso. Vale destacar

que, desde a chegada dos suecos fundadores das ADs em Belém do Pará (1910) até hoje,

a imprensa é a mídia mais aceita e indicada pelos líderes assembleianos, principalmente

pela possibilidade de maior controle quanto ao acesso dos fieis às produções extra-

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assembleianas. A criação e manutenção de um único jornal de circulação nacional, o

“Mensageiro de Paz” (MP), foi o principal motivo da fundação e aperfeiçoamento do

órgão-aparelho de institucionalização burocrática das ADs: a Convenção Geral das

Assembleias de Deus do Brasil (CGADB). O MP, diferente dos jornais anteriores das

ADs de distribuição gratuita, já instalou, desde o primeiro número (1930), o sistema de

assinaturas e vendas. A fase anterior ao MP, de 1917 a 1929, denominamos de “boa

semente” do processo de midiatização das ADs, pois a produção de jornais e materiais de

distribuição era voltada mais ao público externo às igrejas, portanto, mais evangelística

do que doutrinária, mais apologética do que político-institucional. Até 1950, temos a fase

de racionalização burocrática de uma religiosidade de poder carismático, quando a

produção midiática era autoritária e servia como registro das regras e decisões,

aperfeiçoou um caráter documental de validade formal da CGADB. Nessa fase, a

preocupação com o acesso à imprensa extra-assembleiana era reduzida, sobretudo, pelos

altos índices de analfabetismo dos integrantes das ADs, que acompanhavam os índices da

nação no que se referia às populações menos favorecidas. A política de silenciamento

(ORLANDI, 2007) de outras vozes nas ADs foi estabelecida na imprensa, mas teve que

se render nos “anos de fogo” do Rádio (anos 60), pois o cenário mudou diante de alguns

eventos da década de 50 como o movimento das tendas milagrosas e a chegada da

televisão no país. Os crentes nos anos 50 não ouviam rádio e não assistiam TV,

principalmente, porque não tinham condição financeira de adquirir aparelhos, mas foram

impactados por essas mídias, sobretudo nas grandes cidades, porque frequentavam as

praças para realização de cultos ao ar livre. O evangelismo nas praças começou a se

transformar desde a instalação das estações de rádio e com o advento da TV nada seria

como antes. O rádio é a primeira mídia a causar tensões entre os crentes, provocando

contradições e silêncios abismais. A partir de 1962, seu uso foi aceito e incentivado nas

ADs, se foi proibido ouvir e possuir rádio disso não se tratou mais oficialmente, a ponto

do rádio não ser citado nas regras gerais das ADs sobre os Usos e costumes oficializadas

em 1975, ao contrário da televisão proibida e polemizada desde os anos 50. As mesmas

preocupações quanto ao uso do rádio pelos fieis se repetiram nos debates sobre a TV,

pois, embora sejam mídias formidáveis ao proselitismo, aproximam o religioso dos

discursos “mundanos” e dos de outras correntes religiosas. Abrir mão do uso dessas

mídias significava correr risco de frear o crescimento diante da proliferação de igrejas

(neo)pentecostais a partir da década de 70, abrir mão de controlar o acesso ao rádio e TV

seria alterar o código moral da identidade ascética assembleiana, enfim, preferiu-se

14

conviver com as contradições e, muitas vezes, com silêncios. Alencar (2010), pesquisador

das ADs no Brasil, sinaliza que o declínio no crescimento das Assembleias de Deus a

partir da década de 50 e as cisões no seio da própria instituição não foram frutos de

questões teológicas, nem mesmo administrativas, mas de questões midiáticas, diz respeito

ao modo como as demais igrejas passaram a midiatizar as curas, os exorcismos e outras

práticas. A presença de televangelistas americanos na televisão brasileira, frequentadores

dos púlpitos das ADs, reascendeu o debate em torno das proibições em possuir o aparelho

de TV, assistir e/ou produzir na TV. Os debates institucionais contrários à TV se

estenderam ao longo da segunda metade do século XX e somente no ano 2000 foi

publicada “uma autorização”, tardia e sem efeito, pois os crentes já produziam e

consumiam TV desde a década de 80. O ano de 1985 foi um marco de uma nova etapa do

processo de midiatização das ADs, quando duas importantes mudanças de

posicionamento dos crentes na sociedade brasileira são registradas: (1) a produção oficial

na televisão que nasce concomitantemente relacionada ao (2) envolvimento na política

do país, lançando e elegendo assembleianos para mandados políticos. Não se trata de

coincidência temporal, mas do processo maior de interpenetração entre os sistemas

sociais na sociedade midiatizada (VERÓN, 2013), pois, mais explicitamente, a partir dos

anos 80 no Brasil, mídia, religião e política introduziram-se reciprocamente suas

complexidades, constituindo-se cada vez mais uns nos outros. Enfim, o processo de

midiatização das ADs indica que o propósito evangelístico deixou de ser o alvo principal

desde a década de 30, quando a luta por poder interno redimensionou a instituição

subestimando o “carisma” a uma direção burocrática. A partir da década de 80, outras

características são acionadas, como o acirramento de um mercado cultural gospel:

disputas de mercado expressas em números de seguidores em cada Ministério e de

participante em eventos diversos se traduzem em cifras que resultam da comercialização

de produtos e serviços especializados no público crente. As disputas de poder ultrapassam

os limites da instituição, alcançam outros espaços de disputas onde os discursos religiosos

se reorganizam, como nas bancadas evangélicas, em sua maioria, bancadas pentecostais.

A partir do exposto, nosso objetivo principal é discutir como os fragmentos de memórias

do processo de midiatização das igrejas Assembleias de Deus no Brasil operam na

constituição das condições em que se estabelecem as gramáticas de

produção/reconhecimento desses religiosos. São operações, portanto, constitutivas do

processo da circulação discursiva que materializa as lógicas de interpenetração de

sistemas sociais midiatizados dentro dos sistemas psíquicos (socioindividuais) dos fieis,

15

considerando as defasagens desse processo. Nosso percurso analítico considera como

fundamentação teórica os postulados de Eliseo Verón e de Fausto Neto quanto aos estudos

dos fenômenos midiáticos. O corpus de análise se constitui de atas, documentos,

publicações diversas que registram memórias do desenvolvimento das Igrejas

Assembleias de Deus no Brasil.

16

As Configurações e Reconfigurações da Evangelização na

Contemporaneidade: O Desafio da Diversidade, das (In)

Tolerâncias e dos Direitos Humanos.

Celso Gabatz e Tatiane Milani Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Universidade Federal de Santa Maria

RESUMO EXPANDIDO

Resumo:

O cenário da religiosidade contemporânea é consolidado pela autonomia dos sujeitos e a

aceleração das mudanças sociais e culturais, onde as instituições religiosas não conseguem mais

oferecer um código unificado de sentido, nem tão pouco reivindicar alguma autoridade unívoca

em torno de determinadas prerrogativas dogmáticas. As identidades e sociabilidades religiosas

manifestam formas mais fluidas. Neste sentido, desafiam parâmetros e conceitos consolidados no

decorrer da história. As religiões, ao mesmo tempo em que devem ser respeitadas, precisam

exercer o respeito às diferenças e às diversidades, promovendo a igualdade, a justiça, a

solidariedade, a liberdade de expressão, convicção ou crença, a superação dos preconceitos,

discriminações e os direitos humanos. A proposta desta comunicação é, portanto, compreender a

evangelização na atualidade, ao tematizar algumas questões acerca da diversidade nos seus

desdobramentos com as (in) tolerâncias e, os fundamentalismos numa perspectiva de equidade,

justiça social e direitos humanos.

Palavras-Chave: Religião; Diversidade; (In) Tolerâncias; Direitos Humanos.

1. Introdução

A sociedade contemporânea vem se caracterizando pela coexistência de diversos

estilos de vida, visões de mundo, crenças e valores que cada ser humano pode

compartilhar, sem estar, contudo, condicionado pelos seus parâmetros. É possível

identificar uma religiosidade alicerçada pelos múltiplos parâmetros da secularização nas

diferentes esferas sociais. Com o acentuado processo de racionalização ocorreu uma

quebra do monopólio institucional da religião. Esta, como outras esferas sociais acaba

sendo forçada a demonstrar sua legitimidade.

2. Metodologia

Será utilizada documentação indireta, com consulta em bibliografia de fontes

primárias e secundárias, tais como: publicações em revistas especializadas na área da

pesquisa, livros, periódicos e documentos. As referidas fontes servirão, tanto para a

fundamentação do trabalho, como para a diversificação da abordagem, possibilitando a

concretização dos objetivos propostos. Esta abordagem hermenêutica consiste em

17

esclarecer sentidos e significados de modo a elucidar questões essenciais acerca da

diversidade, das (in) tolerâncias e dos direitos humanos.

3. Análise e Discussão

Danièle Hervieu-Léger (2008) se vale da teoria weberiana para explicar o novo

papel da religião. Para a pesquisadora, as crenças teriam afinidades eletivas em relação

ao ethos econômico e social. O que acontece na contemporaneidade seria uma aceitação

de afinidades eletivas entre a individualidade religiosa e a individualidade da vida

moderna. Hervieu-Léger parte do reconhecimento da dificuldade em delimitar com

clareza o conceito de religião, tendo em vista o dado de uma fragilização das separações

entre sagrado e profano nas sociedades modernas.

Na mesma direção delineada por Hervieu-Léger, um dos precursores da ideia da

construção social da realidade, Thomas Luckmann (2014), refere que a religião se torna

invisível na contemporaneidade e se dissemina de forma difusa, fazendo com que suas

manifestações extrapolem os limites restritos dos espaços convencionais, deslocando-se

para outras áreas da vida humana em sociedade como a política e a mídia. Neste sentido,

múltiplas são as possibilidades de expressão sem seguir os contornos demarcados pelas

instituições. Forja-se um horizonte de vastas possibilidades onde, de acordo com Paulo

Barreira Rivera (2003):

Nas sociedades contemporâneas não há mais campo religioso estável, e os

compromissos de longa duração deixaram de ser norma. Diversos tipos de

opções religiosas e múltiplos produtos religiosos são oferecidos dia a dia nos

templos e nos meios de comunicação. Religião exclusiva é coisa do passado.

O sagrado apresenta-se multiforme, pouco hegemônico e, sobretudo, em

constante movimento (RIVERA, 2003, p. 438).

O aparecimento de reivindicações com base na diferença traz à tona uma reflexão

e uma disputa, muitas vezes veemente, sobre o lugar, os direitos, as representações, a vez

e a voz das minorias. A diferença não pode ser compreendida apenas como conceito

filosófico ou semântico (SEMPRINI, 1999, p.11). A diferença é antes de tudo uma

realidade concreta, um processo humano e social que insere os indivíduos em suas

práticas cotidianas a partir de um processo histórico. É necessário pensar, entender,

refletir a partir da diferença assumindo uma nova postura.

O indivíduo ou o grupo não são sujeitos quando pairam sobranceiros acima das

condutas práticas. O sujeito é mais forte e mais consciente de si mesmo quando

se defende contra ataques que ameaçam sua autonomia e sua capacidade de

18

perceber-se para reconhecer-se e ser reconhecido como tal [...]. O sujeito não

é apenas aquele que diz eu, mas aquele que tem a consciência de seu direito de

dizer eu. É por isso que a história social é dominada pela reivindicação de

direitos: direitos cívicos, direitos sociais, direitos culturais, cujo

reconhecimento é exigido hoje de maneira tão premente que constituem campo

mais delicado no mundo em que vivemos (TOURAINE, 2006, p. 112-113).

A consolidação de parâmetros para uma convivência que motive a pensar na

perspectiva da inclusão remete para o exercício da compreensão e do respeito mútuo. Se

a convivência se encontra centrada na dominação cultural de um grupo ou de uma

corrente ideológica, será preciso perceber caminhos para reconhecer a alteridade e o

direito à diferença dos grupos que se sentem excluídos do processo social. Ao se defender

a existência de uma verdade imposta a toda coletividade mesmo sabendo que existem

direitos absolutos, princípios jurídicos muito relevantes são desconsiderados

(EMMERICK, 2013, 278-279). Os direitos somente podem ser garantidos com a

proibição de imposições de moralidades religiosas hegemônicas.

O grande desafio é o de pensar a religião no contexto dos conflitos da

contemporaneidade. Boff (2006) ressalta que é preciso compreender que a cultura e as

identidades acabam se articulando de forma estratégica com a democracia, a diversidade

e os direitos. A religião acaba sendo parte da emergência de uma cultura e condicionada

pelos embates e conflitos decorrentes do pluralismo, da intolerância e da consolidação de

políticas democráticas.

A questão não é mais, pelo menos num futuro próximo, se ‘a religião’ deve

estar presente na esfera das instituições públicas, mas como dar sentido a esta

presença, como perceber suas diferentes modalidades, impactos e fontes e

como avaliar as distintas implicações das relações entre esses atores (e mesmo

projetos) religiosos e seus interlocutores e adversários não religiosos

(BURITY, 2008, p. 93).

É preciso sublinhar que a reconfiguração da democracia no Brasil, ainda que de

forma incipiente, produziu avanços e gerou modificações importantes nas estruturas

políticas. Houve mobilização e abertura para que surgissem novos agentes. Neste

contexto, foram sendo demarcados fluxos, instaurados intercâmbios e ampliados

domínios. Foram surgindo novas vozes que estenderam a repercussão de temas

concernentes à diversidade de gênero, sexual, cultural, étnica e, também, souberam

repercutir as demandas pela garantia de políticas de convivência e alteridade,

consolidação de direitos e tolerância (SORJ, 2001).

19

4. Conclusões

Nos dias atuais vive-se um momento de redefinição e reformulação da agenda de

direitos humanos, em que são incorporados temas como os direitos econômicos, sociais

e culturais, ao lado dos tradicionais direitos civis e políticos. Neste cenário, é primordial

agregar os direitos humanos, com base nos parâmetros internacionais e constitucionais.

Há que se deixar de lado extremismos religiosos em detrimento da tolerância, do diálogo

e do mútuo aprendizado entre os diversos protagonistas que articulam o debate.

As reflexões acerca da (in) tolerância e diversidade à luz dos direitos humanos são

permeadas pela complexidade que envolve a construção de um ambiente onde os

paradigmas religiosos servem como instrumentos de influência política por meio de

hierarquias organizadas e com poder de barganha junto aos legisladores ou como forma

de instrução capaz de disciplinar a opinião pública.

Por fim, o efetivo exercício dos direitos sob a perspectiva dos direitos humanos,

demanda ações políticas, jurídicas, emancipatórias, criativas e transformadoras para

assegurar aos indivíduos o exercício de sua plena autonomia e dignidade. A

transformação das mentalidades é um processo essencial à vivência de direitos. Estes, por

sua vez, trazem consigo a prerrogativa de construção de um novo imaginário social sobre

os temas dos quais eles tratam.

REFERÊNCIAS

BOFF, Leonardo. Virtudes para um outro mundo possível. Convivência, respeito e

tolerância. Petrópolis, Vozes, 2006.

BURITY, Joanildo A. Religião, Política e Cultura. Tempo Social (Revista de Sociologia

da USP), v. 20, n. 2. p. 83-113. 2008.

EMMERICK, Rulian. Religião e Direitos Reprodutivos. O Aborto como Campo de

Disputa Política e Religiosa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

HERVIEU-LÉGER, Daniele. O peregrino e o convertido – a religião em movimento.

Petrópolis: Vozes, 2008.

LUCKMANN, Thomas. A Religião Invisível. São Paulo: Olho d’água/Loyola, 2014.

RIVERA, Dario Paulo Barrera. Fragmentação do sagrado e crise das tradições na pós-

modernidade. In: TRASFERETTI, José (Org.). Teologia na Pós-modernidade. São

Paulo, Paulinas, 2003. p. 437-464.

20

SEMPRINI, Andréa. Multiculturalismo. Bauru: EDUSC, 1999

SORJ, Bernardo. A Nova Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

TOURAINE, Alain. Um novo paradigma: para compreender o mundo de hoje.

Petrópolis: Vozes, 2006.

21

Processo de trânsito interacional: a circulação do pastoreio

midiatizado

Dinis Ferreira Cortes

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Palavras-chave: circulação; trânsito interacional; pastoreio midiatizado.

RESUMO EXPANDIDO

A presente exposição da pesquisa está condicionada ao estágio preliminar

desenvolvido no âmbito de construção de uma dissertação de mestrado. Os dados e

estruturas da investigação aqui citados estão ligados a um processo de investigação em

andamento.

A proposta do estudo é a de discutir uma possível mudança de paradigma da

midiatização da religião. Os processos midiáticos estiveram presentes nas agendas das

instituições religiosas nos dois últimos séculos, com o crescente expansionismo do acesso

aos dispositivos midiáticos e meios midiáticos, as instituições passaram a ter uma nova

posição nos processos comunicacionais.

A proposição ensaiada de pastoreio midiatizado é uma analogia com a pedagogia

cristã de atrair fiéis. No caso proposto, surge como uma nomenclatura para estampar a

significação da transformação do campo religioso, com o advento da midiatização da

instituição religiosa, como espaço de apoderamento de linguagens para si e para os seus

devotos.

A Igreja ao se apropriar dos meios como dispositivo, fez emergir novas perspectivas

para a forma como essa se institucionaliza, constituindo a partir dos vínculos traçados

pela circulação das mensagens, uma nova caracterização dos rituais religiosos. Com as

instituições experimentando novas formas do que é ritualizar, as relações

comunicacionais entre os líderes e os devotos são reestruturadas, como consequência,

complexas relações midiáticas são traçadas entre eles.

Desse modo, os processos de circulação modificam a dinâmica de como levar a

mensagem da Igreja adiante, alterando significativamente a forma como a mesma se

coloca para evangelizar, transformando o uso de dispositivos midiáticos em uma

midiatização propulsora do seu pastoreio.

22

A presente pesquisa busca investigar as perspectivas que esse pastoreio midiatizado

pode trazer para a Igreja e o devoto. Nesse sentido, almeja elencar e estudar como a

instituição se coloca na posição de uso da circulação da mensagem do devoto, como

vantagem para o processo de evangelização, traçando, portanto, estratégias

comunicacionais.

A investigação possui como base uma pesquisa bibliográfica partindo para

pressupostos de análise. O estudo busca cruzar vertentes teóricas atuais de interatividade

e midiatização da religião, construindo uma visão sobre o passado, o presente e o que

podemos esperar do futuro acerca da circulação provenientes do acesso e uso a

dispositivos midiáticos.

O estudo é baseado na configuração de elementos teóricos para estruturar conceitos

metodológicos. A construção da metodologia é resultante, é início, é meio e é fim, pois

segue como foco o objeto, sendo usado mais de um método, modelando a metodologia

em torno do objeto. Como base seguiremos a proposta da linha de pesquisa Midiatização

e Processos Sociais do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da

Unisinos.

A linha possui um método específico para desenvolver estudos de midiatização, onde

este conduz estímulos do encontro do objeto com analogias, homologias e aforismos.

Seguindo como base estudos de abdução e traçando um painel que conduzimos as

materialidades encontradas através de processos aforísticos, os indícios levantados pelo

material e as inferências em torno do mesmo.

A proposta parte de dois campos de observação interligados: Programa Novena dos

Filhos do Pai Eterno e Programa Pai Eterno, da Rede Viva de Televisão. Os programas

televisivos da AFIPE vão ao ar, em sequência de horários, de segunda à sexta-feira a

partir das 7h45 e 10h.

Os programas são mantidos pela AFIPE, Associação dos Filhos do Pai Eterno, criada

em 2004 pelo Padre Robson de Oliveira com intuito de levantar fundos financeiros para

a evangelização através dos meios de comunicação, além de ajudar na construção de um

novo santuário religioso.

O programa Novenas dos Filhos do Pai Eterno é apresentado desde 2009 pelo Padre

Robson. O programa visa representar durante períodos de nove em nove dias, o ritual das

23

novenas proferidas ao Divino Pai Eterno. O programa traz a representação de orações e

mensagens de reflexão do Padre acerca das passagens ritualísticas religiosas e do

evangelho. O apresentador busca em testemunhos de devotos, mostrar as graças já

alcançadas em torno da devoção e da ajuda do Divino Pai Eterno, além da importância da

Novena na vida dos devotos.

O outro programa selecionado para a investigação é o Programa Pai Eterno que é

apresentado pela jornalista e cantora gospel Talitta Di Martino e traz matérias sobre os

eventos promovidos pela AFIPE e informações sobre a construção da obra do novo

Santuário Basílica. O espaço televisivo conta também com ensinamentos e curiosidades

sobre a devoção ao Divino Pai Eterno, participação e testemunhos de devotos presentes

em missas e em interações nas redes sociais, além de mostrar o dia a dia do Padre Robson.

A nossa proposição sobre este programa está relacionada a diversas inferências

pontuais. Essas inferências nos permitem sugerir que os programas têm como estratégia

o uso e apropriações de lógicas midiáticas já constituídas, agora transformadas em

estratégias individuais (o Pe. Robson) que visam se constituir imagem da instituição a

qual se vincula.

O período do material empírico selecionado corresponde de coletas de dados de junho

de 2015 a fevereiro de 2016. Após o destaque de quadros televisivos de dezessete edições

do Programa Pai Eterno e três edições do programa Novena dos Filhos do Pai Eterno,

serão elencados elementos para a coleta de dados que façam parte dos parâmetros do

estudo, no caso, que transponham práticas do pastoreio midiatizado em processos de

circulação.

Nosso campo de observação considera o conjunto de fluxo de mensagens de

participação do devoto, considerando os processos midiáticos dos conteúdos produzidos

e colocados no circuito através do Programa Pai Eterno e do programa Novena dos

Filhos do Pai Eterno. O ponto de vista da observação, parte do olhar sobre as

estruturações e relações dos meios e os dispositivos midiáticos tencionados na construção

das mensagens. Como esta é engendrada como ação estratégica midiática pelos ambos

programas e mídias geridas pela AFIPE. A associação estende o alcance da midiatização

em diferentes meios que serão analisados, são eles: Rede Vida de Televisão, site oficial,

redes sociais Facebook e Instragram, serviço de streaming Youtube, aplicativo mobile e

carta enviada pelo Padre aos devotos associados.

24

A distribuição das narrativas pelos meios, resulta de uma organização que coloca de

um lado o programa Novena dos Filhos do Pai Eterno e do outro o Programa Pai Eterno,

mostrando a sua arquitetura, os discursos e processos, onde as mensagens utilizadas no

programa e no seu ambiente surgem e por onde ela pode transitar. Foram consideradas

diferentes perspectivas analíticas para cada objeto específico a ser estudo, levando em

consideração as suas distinções técnicas e operacionais.

Neste processo, em um primeiro contato com as estruturas do empírico, identificamos

quais quadros televisivos de cada um dos programas, efetuam o uso do devoto, como

personagem necessário nas narrativas gerenciadas pela AFIPE, em seus programas

televisivos e em seus espaços de midiatização consequentemente evocados. A partir da

identificação se faz necessária uma reflexão em torno das dinâmicas dos complexos

movimentos e circuitos que o programa televisivo estimula e busca gerenciar.

A circulação midiática traz rastros de uma nova concepção estrutural para o

funcionamento comunicacional das esferas dos campos sociais. O fragmentar provocado

pelos meios e ferramentas provenientes da internet, como a rede social Facebook e

Youtube, potencializam as formas de interações da comunicação midiática, antes restritas

aos contratos seletivos e fechados dos processos massivos do rádio e da televisão.

A mensagem do testemunho não fica estática onde o devoto publicou, mas circula

pela própria rede Facebook internamente, é apropriada sendo exibida no programa

televisivo, publicada no Youtube e retorna em forma de vídeo compartilhado para o

Facebook. Dentro de cada processo, são geradas novas interações, que podem culminar

em novas circulações de testemunhos, funcionando assim, como círculos de ações

interacionais de sustentabilidade da propagação do testemunho, em alguns casos, e de

pedidos de contribuições financeiras pela associação, em outros.

Delimitando as ações midiáticas da AFIPE, os processos de midiatização

institucionais e seus altos e baixos índices de interações, são colocados a prova no jogo

do trânsito interacional. A circulação se dá nos deslocamentos das áreas de controles

comunicacionais da instituição, fortalecendo estrategicamente o fluxo midiático, no caso

a indução do pastoreio midiatizado.

A estratégia discursiva utilizada é a sedução do testemunho. As lógicas de produção

são constituídas a partir dos usos e apropriações dos discursos dos devotos, que transitam

25

de uma postagem no Facebook para a exibição visual na TV, da TV para a publicação do

programa no Youtube, do Youtube de volta para o Facebook.

O uso do meio televisão tem como papel agendar os outros meios para o debate em

torno das ações realizadas pela instituição. Cada deslocamento de um meio para o outro,

gera um novo paradigma de contratos, códigos e sentidos diferenciados para as interações

em curso.

26

A circulação discursiva de Macedo e Santiago nas redes

sociais Twitter e Facebook

Francieli Jordão Fantoni

Centro Universitário Franciscano (Unifra)

Palavras-chave: Midiatização; Religião; Circulação; Interação; Teoria dos Sistemas

RESUMO EXPANDIDO

A circulação oferta um espaço/lugar de produção, operacionalização e regulações

dos sentidos. Também chamada “terceiro polo” (FAUSTO NETO, 2010a, p.3), ela passa

a ser um espaço gerador de potencialidades com efeitos indeterminados, já que sua

atuação se dá nas interfaces da produção e recepção, por meio de negociações e

apropriações de sentido. Desta forma, esta investigação se propõe a analisar a circulação

de distintas estratégias discursivas dos líderes religiosos Edir Macedo e Valdemiro

Santiago, nas redes sociais Twitter e Facebook. Este trabalho pretende demonstrar como

o discurso circula nas redes, pois é através deste processo que “[...]se realiza trabalho de

negociação e de apropriação de sentidos, regidos por divergências e, não por linearidades”

(FAUSTO NETO, 2010b, p. 63).

A circulação é o espaço em que se desenvolve a atividade enunciativa, no qual

nem receptores nem enunciadores têm controle do sentido gerado a partir do momento

em que o discurso é posto para circular. Inaugura-se uma nova dinâmica interacional, em

que enunciadores e receptores estão cercados de novas formas de contato.

Além desta relação entre produtor e receptor, a maneira como o discurso é posto

para circular e o que o receptor faz com o que recebe é o que veremos nesta investigação.

Quando o assunto é valor simbólico e produção e recepção de sentidos, o fluxo adiante

também deve ser considerado: “Isso decorre não apenas da presença de novos meios, mas

também de que os produtos circulantes da “mídia de massa” são retomados em outros

ambientes, que ultrapassam a situação de recepção (o espectador diante da tela)”

(BRAGA, 2012, p.39) [grifo do autor].

Os discursos advindos dos atores sociais, neste caso dos líderes religiosos,

estimulam esse fluxo adiante, ao pedir para que os usuários das redes sociais participem

comentando, compartilhando e realizando outras ações que produzem um processo

circulatório. Para a religião, as redes sociais tornam-se protagonistas no processo de

interação e circulação do campo religioso (BORELLI, 2010).

27

As redes sociais estipulam o modo como o discurso irá funcionar e gerar sentidos.

A oferta das ‘zonas de interpenetração’, entendidas aqui como os espaços para

comentários e interação, estimulam a conversação tornando os usuários potenciais

prosumers – produtores e consumidores. A midiatização, neste sentido, favorece este

ambiente de convergências e produções e ainda expõe o trabalho da circulação: “[...]

muda os ambientes, as temporalidades, as práticas sociais e discursividades, o status dos

sujeitos (produtores e receptores), as lógicas de contato entre eles e os modos de envio e

reenvio de discurso entre eles” (FAUSTO NETO, 2010a, p. 13). Ou seja, há um

enfraquecimento das fronteiras entre produção e recepção e um fortalecimento dessas

novas ‘zonas de contato’ e de indeterminações.

Jairo Ferreira (2013, p.140) também faz considerações sobre a circulação, a

conceituando como uma processualidade que ocorre de forma intra (no âmago do

dispositivo) e intermidiáticas (entre dispositivos). Para o autor (2013), no Facebook é

onde esses dois processos ocorrem de forma articulada e simultânea. A interação também

faz parte da circulação e é entendida como um processo endógeno ou exógeno. Para

Ferreira (2013) o endógeno diz respeito às interações entre interlocutores, por meio de

comentários, compartilhamentos ou curtições, podendo estar em um mesmo circuito ou

com suas intersecções com outros circuitos do dispositivo. Já a exógena, refere-se ao

fluxo de um dispositivo com outros, como no caso das interações entre o Facebook e o

Twitter, em que os processos são simultâneos.

A circulação, trata-se assim de interpenetrações (LUHMANN, 2010), no qual há

o encontro dos sistemas midiático, pelo trabalho dos dispositivos, do religioso, pela

atuação dos líderes religiosos e dos usuários, que são a sociedade. A partir disso,

demonstra-se como o sistema religioso funde-se com o sistema midiático. O acoplamento

estrutural é demarcado pelo “x”, que configura-se em ‘zonas de contato’ e de

‘interpenetrações’ que se concretizam por meio de interações (figura 01):

28

Figura 01: O acoplamento estrutural resultante da junção dos sistemas religioso, midiático e dos

usuários

Reduzir a complexidade é o principal papel dos sistemas. Como os sistemas são

operacionalmente fechados, ou seja, o ambiente externo não contribui para as operações

de reprodução do sistema, nem ele pode operar no seu ambiente, ocorrem os chamados

acoplamentos estruturais (LUHMANN, 2010), no qual há interpenetrações entre os

sistemas – representado pelo “x” (figura 30). São por meio dessas interpenetrações que

ocorrem as irritações do sistema, que provocam mudanças estruturais. Relembra-se que

essa zona de interação (x) é representada por formas de contato dos usuários com o

sistema midiático e religioso, demonstrados no primeiro capítulo do funcionamento dos

sistemas, que são manifestados pelas redes sociais.

O sistema é uma diferenciação entre sistema/ambiente, ou seja, o sistema se

conserva e se desenvolve através dessa diferenciação com o entorno (ambiente) tendo em

vista os seus próprios limites (LUHMANN, 2010). Há sistemas que são autorreferenciais,

os quais provocam e estabelecem relações consigo mesmos e assim conseguem fazer a

diferenciação com o entorno. Os sistemas complexos necessitam estabelecer processos

autorreferenciais, tanto por uma questão de adaptação quanto à própria complexidade.

De forma a visualizar esta interpenetração em movimento, observa-se na figura

02, como as relações entre produção e recepção se dissolvem diante dos processos de

circulação. Neste esquema se ilustra como ocorre o processo de interação e circulação

entre usuários, ou seja: fiéis-fiéis, fiéis-líderes, líderes-líderes, fiéis-não fiéis e líderes-

não fiéis. Também como ocorrem as relações entre Facebook e Twitter com outros

sistemas midiáticos das Igrejas (rádio, TV, impresso), além do fluxo que escapa a este

universo. O campo religioso é representado pelo círculo pontilhado que abarca os

sistemas e relações ali estabelecidas.

29

Figura 02: Circulação e interação nas redes sociais

Na flecha 1 ocorrem as relações (mediadas pelas assessorias) dos líderes religiosos

Macedo e Santiago com os demais sistemas, encerrando as operações nele mesmo. Na

flecha 2, os fiéis interagem entre eles, a partir de conversações em rede. No 3, mostra-se

a relação entre fiel e não-fiel. A flecha 4, mostra como ocorrem as relações entre o

sistema, por meio do líder e o não-fiel. No 5, a relação se dá ao contrário da 4, ou seja, o

líder busca a interação com o fiel, numa relação endógena, por meio do sistema. No caso

das flechas 6, trata-se de uma interação exógena, ou seja, de sistema para sistema. O caso

7 também é uma relação exógena específica do Facebook. No 8, temos uma relação que,

tanto pode ser explícita ou implícita, por isso, a flecha com curvas e distorções. A última

flecha representa esse fluxo de conteúdo, que sai do campo religioso e vai em direção a

web (flecha 9).

Conclui-se, neste ponto, que a circulação se estabelece para além da interação,

para além de suas bordas (FAUSTO NETO, 2010b). A circulação passa a ser modificada

de acordo com o assunto que é posto a circular pelos líderes e usuários. O conteúdo dos

enunciados e a forma de abordagem, tanto de Macedo quanto de Santiago, fazem com

que o assunto circule de forma desigual, havendo completudes como incompletudes no

processo. A complexidade se dá por meio da interação, do contato e dos discursos.

REFERÊNCIAS:

BORELLI, Viviane. Mídia e religião: Entre o mundo da fé e o do fiel. Rio de Janeiro: E-

Papers, 2010.

BRAGA, José Luiz. Circuitos versus campos sociais. In: MATTOS, Maria Ângela;

JANOTTI JÚNIOR, Jeder; JACKS, Nilda (orgs.). Mediações e midiatização (Compós).

Bahia: EDUFBA, 2012.

FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. In: Mediatización, Sociedad y

Sentido – Diálogos entre Brasil y Argentina. Rosário: UNR, 2010a.

30

________. As bordas da circulação...! Revista ALCEU, v.10, n. 20., jan/jun 2010b.

FERREIRA, Jairo. Como a circulação direciona os dispositivos, indivíduos e

instituições?. In: BRAGA, José Luiz; et. al. 10 perguntas para a produção de

conhecimento em comunicação. 1ed.São Leopoldo: Unisinos, 2013, v. I, p. 140-155.

LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

31

O que faz o Diabo na IURD: estudo de exorcismos realizados

pelos bispos Macedo, Correa e Guaracy, entre 2010 e 2014,

disponíveis no YouTube

Ivana Soares Paim

Pontifícia Universidade Católica, PUC, São Paulo

Palavras-chave: Diabo; IURD; YouTube; Acontecimento Provocado.

RESUMO EXPANDIDO

O artigo baseou-se no registro e análise de 112 vídeos disponibilizados no YouTube por

membros da Igreja Universal do Reino de Deus, em sua maioria, entre 2010 e 2014, em

que apareciam cenas de exorcismos realizados pelos bispos Edir Macedo, Sérgio Correa

e Guaracy Santos. Esses vídeos foram estudados sob a perspectiva do “acontecimento

provocado” de Charaudeau, que associa esse conceito à produção do discurso midiático,

seja ele verbal ou multimodal. Para Charaudeau, o “acontecimento provocado” é esperado

e segue até mesmo um padrão de sequência narrativa, chamado por ele de “encenação”

(CHARAUDEAU, 2012, p. 190-191). O “acontecimento provocado” é proveniente de

um dizer que não é apenas um recurso para compreender o mundo, mas uma construção

com fins de revelação de uma determinada verdade sobre o mundo. Essa construção é

então exibida na imprensa, no rádio, na tevê ou no YouTube, e para tanto, é objeto de um

esquema a ser seguido, cujo objetivo é ganhar audiência. Assim, o “acontecimento

provocado” faz da informação um objeto de espetáculo, ou seja, ele elimina a finalidade

informativa em favor da captação da atenção do telespectador, ouvinte ou internauta.

Durante o culto da Igreja Universal, chamado geralmente de “Corrente da Libertação”,

destinado à purificação das almas e corpos dos fiéis, o bispo regente incita os presentes a

permitir que o suposto mal encontrado neles se manifeste para ser exorcizado por ele e

pelos obreiros, seus ajudantes. Não demora muito para que alguns fiéis comecem a se

apresentar como se fossem Diabos encarnados. Nesse momento, a câmera já está ligada

e remete ao telão do templo a imagem do bispo regente exorcizando um fiel. Assim, a

imagem do endemoninhado e a do bispo é vista e sua conversa ouvida por todos os

presentes. Algumas dessas imagens provenientes desses cultos são mostradas na IURD

TV online e aberta, exibida pela Rede 21, e em seguida, armazenadas e divulgadas

também no YouTube. Com essa breve descrição é possível notar que os exorcismos da

Igreja Universal, assim como o Diabo em que neles surge são “acontecimentos

provocados”: primeiro pela atmosfera criada durante aqueles cultos de purificação;

32

segundo porque naquele mesmo instante em que os exorcismos acontecem, as câmeras já

os registram e os remetem aos telões presentes dentro do templo, já tratando-se de recortes

da realidade feitos pelos câmeras; e terceiro porque, tempos depois, aqueles exorcismos

eram ainda editados e colocados em programas da IURD TV e no YouTube, ou seja, já

nasciam como espetáculos televisivos, seguindo um esquema de narrativa cuja finalidade

maior é impressionar os ouvintes e telespectadores, e assim, ampliar a visibilidade da

Igreja Universal na mídia. Essas construções de cenas de exorcismos e o Diabo que surge

delas pretendem revelar aos seus espectadores, telespectadores ou mesmo internautas,

uma verdade sobre o mundo, a de que a IURD pode protegê-los do mal que está à solta e

pode apoderar-se de seus corpos ou controlar suas vidas. Sendo assim, a função principal

dos exorcismos divulgados por membros da IURD em sua maioria, é manter a Igreja

Universal sempre na berlinda a fim de propagandear seu suposto poder de proteção contra

o Diabo e conseguir mais adeptos. Porém, o Diabo na IURD possui outras finalidades

como as de amedrontar para conquistar um fiel em potencial; responsabilizar-se pelas

dificuldades em que se encontra a pessoa; fazê-la permanecer ou regressar à IURD; e

motivá-la a deixar as religiões de cunho afro-brasileiro; presentes com diferente ênfase

nos exorcismos dos bispos Macedo, Guaracy e Correa. Além de apresentar o roteiro dos

exorcismos e do comportamento do Diabo, que sempre aterroriza para angariar fiéis,

Macedo deixa claras as finalidades desse Diabo, exploradas por outros bispos desta Igreja.

São elas: ligar-se à IURD para supostamente livrar-se de dificuldades financeiras, de

problemas de saúde e por vezes, da condição estigmatizada de ser homossexual, e afastar-

se de outras religiões, principalmente daquelas afro-brasileiras. O Diabo oriundo dos

exorcismos de Guaracy, exibido com grande frequência no programa “Duelo dos

Deuses”, tem por objetivo mais evidente afastar as pessoas das religiões afro-brasileiras;

e o de Correa tem a função de incentivar o fiel a permanecer na IURD ou de retornar a

ela, evidente no programa “Obreiros em foco”. Assim, a imagem do Diabo é usada para

atribuir ao líder religioso mais confiabilidade e brilho, e toda a cena torna-se experiência

testemunhada pelos espectadores ali presentes, ao assisti-la na tevê ou ao acessá-la no

YouTube. Assim, embora as postagens analisadas de exorcismos na IURD disponíveis

no YouTube sejam de 2010 a 2014, deixam claro que a imagem do Diabo nessa igreja o

coloca como coadjuvante e endossa os ensinamentos da Igreja ao auxiliar os pastores e

bispos a construir todo um discurso doutrinador pautado nos efeitos do poder protetor da

IURD.

33

Referências

BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o

contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010.

CANNITO, Newton. A televisão na era digital: interatividade, convergência e novos

modelos de negócio. São Paulo: Summus, 2010.

CARVALHO, Carlos; LAGE, Leandro R. “Sobre contribuições epistemológicas de Paul

Ricoeur para os estudos em Comunicação: ação, narrativa e acontecimento”. In:

FRANÇA, Vera et al. Teorias da Comunicação no Brasil: reflexões contemporâneas.

Salvador/Brasília: COMPÓS, 2014, p.149-169.

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2012.

KLEIN, Alberto Carlos Augusto. Culto e Mídia, os códigos do espetáculo religioso: um

estudo de caso da Igreja Renascer em Cristo. 1999. 140f. Dissertação (Mestrado em

Comunicação e Semiótica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

LEWIS, Ioan M. Êxtase religioso. São Paulo: Perspectiva, 1977.

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo: SENAC, 2014.

_________________. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus, 2011.

MORIN, Edgar. “Le retour de l'événement”. In: Communications, 18, 1972. pp. 6-20.

Disponível em: http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/comm_0588-

8018_1972_num_18_1_1254. Acesso em 19/04/2015.

SILVA, Sivaldo Pereira; MUNDIM, Pedro Santos. “Mediações no YouTube e o caso

‘Ocupação do Complexo do Alemão’: características e dinâmica de uso”. Revista

Brasileira de Ciência da Comunicação INTERCOM. São Paulo. Ministério da

Educação, v.38, n. I, p. 231 – 253, jan/jun. 2015.

34

O Papa Francisco e a recepção de seus posicionamentos pela

mídia

Tatiane Milani Universidade Federal de Santa Maria e Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Palavras-Chave: Papa Francisco; Igreja Católica; Mídia; O Estado de São Paulo.

RESUMO EXPANDIDO

Desde março de 2013, ao assumir a liderança da Igreja Católica, o Papa Francisco vem

demonstrando uma postura aberta e dialogal, deixando clara sua intenção pastoral de

evangelização. O que marca o pontificado de Francisco não são os espetáculos, e sim

gestos simples, populares e acolhedores. Deste modo, pretende-se olhar para essas

atitudes refletidas na mídia, tendo como escopo os principais posicionamentos do Papa

Francisco elencados pelo jornal O Estado de São Paulo, em sua versão digital.

1. Introdução

Tem sido importante a maneira com que o Papa Francisco vem conduzindo seu

pontificado, suas atitudes, palavras, preocupações, e ênfase pastoral. O pontífice vem

mostrando que o poder é sempre uma máscara e um teatro, mesmo em se tratando de um

poder, pretensamente, de origem divina. Por sua trajetória, ao que parece, representa uma

Igreja alinhada com os mais pobres. Igreja que pretende estar alicerçada na simplicidade,

que consiga comunicar-se com o povo e com o mundo, por meio de uma linguagem capaz

de abarcar gestos e palavras inspiradas em Francisco de Assis.

2. Metodologia

Será utilizada bibliografia de fontes especializadas na área da pesquisa, como

livros, periódicos, publicações em revistas e documentos. Tais fontes serão necessárias

de modo que fundamentem o trabalho, sobretudo com a intenção de concretizar os

objetivos propostos. O objeto primordial da análise consiste em uma publicação do jornal

O Estado de São Paulo em sua versão digital, intitulada ‘Os 10 posicionamentos do Papa

Francisco que vêm mudando a Igreja Católica’.

35

3. Análise e Discussão

Passada a surpresa da eleição do cardeal argentino Jorge Mário Bergóglio para o

mais alto cargo da hierarquia católico romana, começam a aparecer os grandes desafios

do seu pontificado. Desde a sua primeira aparição na basílica de São Pedro, o Papa

Francisco dá a impressão de ser um bom sacerdote: simples, comunicativo, disciplinado,

discreto, sensível.

Nesta direção, o Papa Francisco vem despertando a atenção das mídias pelo seu

modo de tratar as pessoas. É possível perceber que o verdadeiro poder de convencimento

das pessoas talvez não aconteça nas prédicas ou homilias, mas nas práticas cotidianas. Os

exemplos atraem, edificam e motivam para as ações. De acordo com Paulo Suess (2013),

em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, a teologia pregada por Francisco é

fundada em ações.

A teologia do Papa Francisco é missionária, pastoral e espiritual, orientada para

a proximidade com os pobres nas diferentes periferias do mundo, periferias

geográficas, sociais, culturais e existenciais. Nessa proximidade está enraizada

a sua teologia (SUESS, 2013, p. 12).

Sbardelotto (2015, p. 3) aborda Francisco, como o papa que “reorienta a Igreja,

afastando-a dos trejeitos reais, imperiais e majestáticos da Europa tradicional”. O autor

afirma que o pontífice reaproxima o continente das “culturas populares, marginais,

periféricas” (p. 3).

Outro aspecto importante de Francisco é a sua aproximação às pessoas,

enfatizando sempre a “cultura do encontro”. Essas atitudes de humildade e de abertura

com as temáticas ligadas a Igreja e com as pessoas, faz surgir um mundo de gestos e

palavras peculiar. João Batista Libânio (2013, p. 25), ao comparar as atitudes dos últimos

dois papas, se atém em Francisco ao dizer que ele fez outra opção, preferindo o “discurso

direto, próximo das pessoas a tocá-las pela transparência da presença e por teologia

simples, acessível com toque pessoal e afetivo”.

Ao abordar a visita do Papa Francisco no Brasil, por conta da Jornada Mundial da

Juventude em 2013, Coutinho (2013), enfatiza a maneira como deixou sua mensagem aos

bispos.

Já para os Bispos do Brasil e do CElAM, ele desenvolve um verdadeiro

programa pastoral tendo como “chave de leitura” não o magistério dos Papas

anteriores e dos Padres da Igreja, mas o magistério dos bispos da América

latina e Caribe explicitado no documento de Aparecida. Para os bispos da

CNBB lança quatro desafios: prioridade da formação para todos sujeitos

eclesiais (bispos, padres, religiosos e leigos), colegialidade e solidariedade

episcopal, estado permanente de missão e conversão pastoral, e, finalmente, a

Amazônia. Mas para enfrentar estes desafios, como disse aos bispos do Comitê

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de Coordenação do CElAM, é necessário a “Conversão Pastoral” e, neste

ponto, o papa Francisco avalia que “ainda estamos um pouco atrasados”

(COUTINHO, 2013, p. 21).

O modo com que o Papa Francisco tem conduzido o seu pontificado, remete a um

reiterado apelo ao entendimento, abertura dialogal, simplicidade e acolhimento mútuo. A

partir de discursos e atitudes do pontífice, é possível que atitudes sejam repensadas na

Cúria romana, e no clero de forma geral. É possível que ele marque um início para a Igreja

Católica no sentido de buscar uma prática mais aberta, compreensiva e misericordiosa,

para moldar a abordagem pastoral sobre questões morais.

Referências

LIBÂNIO, J. B. Uma Igreja mais pastoral e menos administrativa. Entrevista especial

com João batista Libânio. Cadernos de Teologia Pública (UNISINOS), v. VII, p. 25-30,

2013.

SBARDELOTTO, Moisés. Francisco, um papa popular que desnorteia e reorienta.

Disponível em:

<https://www.academia.edu/10303571/Francisco_um_papa_popular_que_desnorteia_e_

reori enta. 2015>. Acesso em 2016.

SBARDELOTTO, M. A Jornada que eu vi e vivi. Cadernos Teologia Pública

(UNISINOS), v. VII, p. 54-66, 2013.

SUESS, Paulo. “Voltar para as fontes, e caminhar devagar no ritmo do povo”. Entrevista

especial com Paulo Suess. Cadernos de Teologia Pública (UNISINOS), v. VII, p. 11-

18, 2013.

COUTINHO, Sérgio. Uma Igreja missionária: a reforma de Papa Francisco. Entrevista

especial com Sérgio Coutinho. Cadernos de Teologia Pública (UNISINOS), v. VII, p.

19-24, 2013.