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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL Trabalho de Conclusão de Curso ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA: OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO Patrícia de Oliveira Iuva Santa Maria, RS, Brasil 2007

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Trabalho de Conclusão de Curso. Monografia.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

Trabalho de Conclusão de Curso

ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA:

OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER

CINEMATOGRÁFICO

Patrícia de Oliveira Iuva

Santa Maria, RS, Brasil

2007

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA:

OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

Por

Patrícia de Oliveira Iuva*

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Comunicação Social, da Universidade Federal de Santa Maria como requisito parcial para a obtenção do Grau de Bacharel em

Comunicação Social – habilitação Publicidade e Propaganda

Orientador: Prof. Dr. Adair Caetano Peruzzolo

* Acadêmica bolsista do Grupo PET- Comunicação Social e integrante do Grupo Imagem

Santa Maria, RS, Brasil

2007

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

A Banca Examinadora, abaixo-assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso

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Elaborada por

Patrícia de Oliveira Iuva

Membros da Banca Examinadora:

________________________________________________ Prof. Dr. Adair Caetano Peruzzolo

Presidente – Orientador

__________________________________________________ Prof. Dr. Rondon Martim Souza de Casto

_________________________________________________ Prof. Dr. Rogério Ferrer Koff

Santa Maria, 02 de março de 2007

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“Há uma grande diferença entre saber o caminho e percorrer o caminho...” (Morpheus em Matrix)

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to mom and pa for now and then... and to those who are the

sunshine of my days, moonlight of my nights

and the stars in my soul.

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RESUMO

ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA:

OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

Autor: Patrícia de Oliveira Iuva

Orientador: Prof. Dr. Adair Caetano Peruzzolo

Usando uma combinação estratégica de componentes, dizemos que o trailer

cinematográfico encontra-se entre a publicidade e o cinema, isto é, utiliza

elementos cinematográficos e argumentos publicitários como recursos

persuasivos, a fim de promover a construção do olhar fílmico e estabelecer um

contrato de leitura com seu cine-espectador. Ao mesmo tempo em que o trailer

recobre de forma importante a promoção de um filme, adaptando-se à publicidade,

tem o gênero cinematográfico como ponto de partida para a construção de sua

narrativa. Assim, este estudo refere-se às questões da linguagem visual, tendo

como objeto empírico o trailer de cinema. O parâmetro teórico da pesquisa busca

referenciais na semiótica da imagem e do discurso, e nos estudos

cinematográficos, desenvolvendo seu percurso metodológico a partir da análise da

forma estratégica com que os componentes visuais se arrumam no trailer.

Palavras-chave: trailer cinematográfico; recursos persuasivos; linguagem visual;

contrato de leitura.

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ABSTRACT

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OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

Autor: Patrícia de Oliveira Iuva

Orientador: Prof. Dr. Adair Caetano Peruzzolo

Using an estrategically combination of components we say the movie trailer

exists between publicity and cinema, in other words, it uses cinematographic

elements and retorical arguments of publicity as persuasive resources in means to

promote the construction of a filmic look and to stablish a reading contract with the

movie audience.

At the same time that the trailer covers in an important way the promotion of

a film, adapting to publicity, it has the cinematographic genre as reference to begin

its narrative construction. So, this study refers to visual language issues, having as

an empirical object the movie trailer. The theorical stands seek references in the

discourse and image semiotics and in the movie studies, developing its

methodological course throughout the strategic maners that the visual components

are arranged in the final product as the trailer.

Keywords: movie trailer; persuasive resources; visual language; reading contract.

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SUMÁRIO

RESUMO vi

ABSTRACT vii

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E APLICAÇÃO 14

1.1 Cinema: elementos e linguagem 14

1.2 Publicidade: discurso e linguagem 29

1.3 Publicidade e cinema: o trailer cinematográfico e sua composição para o estabelecimento do contrato de leitura 41

CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA E ANÁLISE 49

2.1 Seleção do corpus: conhecendo Matrix 49

2.2 Passos de análise 51

2.3 Desvendando o trailer de Matrix: análise dos componentes expressivos na construção estratégica do discurso persuasivo 54

2.3.1 A dimensão narrativa em Matrix 55

2.3.2 A dimensão expressiva em Matrix 70

2.3.2.1 Cor e iluminação 70

2.3.2.2 Tempo e espaço em Matrix 74

2.3.2.3 Som (vozes, ruídos e música) 78

2.3.2.4 Montagem 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS 84

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 88

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INTRODUÇÃO

É entre a publicidade e o cinema que este trabalho constrói seu percurso

teórico e analítico, a fim de elucidar e compreender os recursos persuasivos

utilizados na produção do trailer cinematográfico

O objetivo principal da pesquisa, portanto, é estudar o trailer de cinema e

sua constituição, a qual se dá a partir de elementos cinematográficos e

argumentos publicitários. Ou seja, identifica-se no trailer a existência de um plano

expressivo e de um plano de conteúdo, os quais buscam no cinema e na

publicidade, respectivamente, recursos para sua composição. Lembrando que,

estas estratégias visam, sempre, alguém, ou melhor, se dirigem ao cine-

espectador no intuito de estabelecer com o mesmo um contrato de leitura.

Assim, inserido neste contexto, o presente trabalho se propõe a analisar o

mecanismo persuasivo do contrato de leitura firmado pelo trailer, a partir da

arrumação estratégica de seus componentes iconológicos e sonoros. Para

alcançar esta etapa, existem alguns objetivos específicos que devem ser

cumpridos anteriormente, os quais se resumem em:

1. Identificar e analisar os elementos de linguagem cinematográfica que

se fazem presentes na forma do trailer.

2. Elucidar a construção discursiva publicitária do trailer de cinema no

estabelecimento do contrato de leitura.

3. Identificar e analisar como se arranjam os elementos narrativos do

trailer em função do estabelecimento do contrato de leitura.

4. Estabelecer a relação dos elementos da publicidade e do cinema

com a construção do trailer.

Seguindo a orientação dos objetivos que buscamos cumprir, estabelecemos

2 capítulos para o trabalho: o capítulo 1, com três subtítulos, nos quais revisamos,

respectivamente, as teorias de linguagem cinematográfica, os conceitos acerca de

discurso e linguagem publicitária, e, por fim, aspectos da narrativa e do processo

de composição do contrato de leitura pelo trailer; e, o capítulo 2, de metodologia e

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análise, em que o corpus de pesquisa, o percurso analítico e a própria análise são

descritos.

Quanto à metodologia, dividimos a estrutura em dois momentos: seleção do

corpus de pesquisa e análise dos dados coletados. Primeiramente, é importante

ressaltar que o corpus escolhido é formado pelo trailer do filme Matrix, lançado no

ano de 1999, e que o trailer deste filme corresponde à estética hollywoodiana de

produção. Sua escolha se deu pelo fato do intuito comercial ser fortemente

demarcado e, também, por ser uma produção de abrangência e distribuição

mundial, o que a torna popular. As categorias de análise selecionadas são

elementos recorrentes das análises dos dispositivos cinematográfico e publicitário:

narrativa, tempo e espaço, montagem, cor, som (trilha sonora, vozes in/off,

ruídos), plano, enquadramento, e texto lingüístico (diálogos, caracteres e texto

narrado). As questões metodológicas se organizam em torno da produção de

efeitos de sentido, e os passos de análise se orientam pela existência de dois

planos discursivos: o expressivo e o de conteúdo;o que configura a análise da

narrativa e dos componentes expressivos do trailer de Matrix.

Desde seu surgimento em 1895, o cinema foi mais do que um produto para

o entretenimento das massas. Constituiu-se numa forma de expressão, num meio

de comunicar idéias e pensamentos, transformando-se numa produção cultural

artística de linguagem específica e elaborada. Fazer filmes era uma nova arte que

despertava a curiosidade de artistas e teóricos. Anos passaram e, ainda hoje,

essa curiosidade se conserva, pois analisar ou fazer cinema é mais do que

simplesmente filmar ou descrever o filmado, é um mecanismo de arrumação dos

diversos códigos e elementos numa narrativa e linguagem específicas, de forma a

fazerem sentido para o público.

O que é extremamente válido na extensão do dispositivo cinematográfico

para objeto de pesquisas, é a possibilidade de contemplarmos o processo por um

outro viés: o analítico. Desenvolvendo uma análise teórica acerca de um produto

cultural, que há anos entretém populações, conseguimos identificar a pluralidade

de códigos que o cinema agrega, e entender o funcionamento desses na esfera

comunicativa, social e técnica. Teorizar o cinema e seus derivados é

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enriquecedor, uma vez que ele une, de forma equilibrada, elementos que

compõem as mais variadas artes: pintura, literatura, fotografia, música, enfim,

trata-se de um produto complexo. Analisar uma peça audiovisual é examiná-la

tecnicamente, trabalhá-la no sentido de fazer mover suas significações e, além

disso, trabalhar o próprio analista, conduzindo o mesmo a reconsiderar suas

impressões e percepções, hipóteses e opções.

O contexto histórico e social influencia de maneira, senão determinante,

significativa, as produções culturais. Com o cinema não poderia ser diferente. Daí

que a partir dele, e mais ainda, da própria invenção do cinematógrafo, gêneros,

como a publicidade, viram seu campo e suas possibilidades ampliarem-se. Hoje,

conseguimos identificar na publicidade contribuições técnicas e estéticas do

cinema, o que nos leva a refletir como se constitui esse processo, sabendo da

distinção desses gêneros. É a partir desse paralelo entre a publicidade e o cinema

que o trailer cinematográfico surge como foco da análise iconológica. Percebe-se,

no trailer, uma arrumação estratégica de elementos que circulam pela publicidade

e pelo cinema, a fim de firmar com seu espectador um contrato de leitura, ou

melhor, um contrato de vidência.

O trailer é uma peça audiovisual que resume ou sintetiza um filme. Na sua

concepção, o trailer deve ter um sentido publicitário que chame a atenção do cine-

espectador. Ele nunca revela o final, com o intuito de incitar a venda, mas a partir

dele tem-se uma idéia sobre o que será o filme. Assim, de largada nos deparamos

com duas naturezas distintas, mas complementares, presentes e constituintes do

trailer: a natureza narrativa, concernente ao cinema; e a natureza discursiva,

correspondente à publicidade.

Assim, podemos afirmar que o trailer cinematográfico tem em sua dinâmica

produtiva uma construção do evento fílmico, podendo, portanto, ser percebido

como uma peça publicitária. Porém, ao mesmo tempo em que o trailer recobre de

forma importante a promoção de um filme, adaptando-se à publicidade, tem o

gênero cinematográfico como ponto de partida para a construção de sua narrativa

e linguagem. Usando uma combinação estratégica de componentes, dizemos que

o trailer cinematográfico encontra-se entre a publicidade e o cinema, isto é, utiliza

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elementos cinematográficos e argumentos publicitários como recursos

persuasivos.

Sob a ótica cinematográfica, percebe-se, aparentemente, o trailer apenas

como um recorte de cenas importantes do filme. Porém, quando analisado de

forma mais densa, nota-se que para a construção, ou melhor, montagem do trailer

existe todo um complexo criativo e também industrial por detrás, pois um trailer

mal feito pode significar fracasso de bilheteria. Portanto, não se pode analisar o

trailer apenas pela ótica cinematográfica, e sim, também, pela sua natureza

publicitária. Nesse aspecto, inserem-se as questões discursivas e persuasivas

inerentes a todo exercício comunicativo, pois o trailer nada mais é do que um meio

de comunicar, de propagar um filme. Sendo assim, para que o trailer alcance seus

objetivos ele deve estabelecer um contrato de leitura com o cine-espectador, ou

seja, deve-se formar um pacto de visualização do filme. Para isso, as questões

teóricas de uma comunicação persuasiva entram em jogo, a fim de que se

elaborem estratégias visuais, a partir dos elementos cinematográficos, para que o

filme venha a ser vendido, consumido. Em se tratando de comunicação, tal tarefa

não é simples, “pois uma mensagem nunca produz automaticamente um efeito.

Todo discurso desenha, ao contrário, um campo de efeitos de sentido e não um

único efeito” (VERÓN, 2004, p.216). Daí que, são as modalidades do dizer que

devem ser relevantes no processo de produção do trailer, isto é, os elementos

visuais e verbais arrumar-se-ão de forma a construírem um leitor específico e

sentido que se espera.

A abordagem desta pesquisa busca referenciais na retórica publicitária e

nos estudos da semiótica da imagem, com foco no trailer de cinema, donde se

destaca a importância da arrumação estratégica dos elementos. Como vimos, o

trailer corresponde a uma peça audiovisual bastante curiosa, uma vez que

combina elementos do cinema - sua origem-, com elementos publicitários -seu

objetivo final. Parte-se do pressuposto, portanto, de que o trailer de cinema é um

discurso persuasivo que busca uma construção do olhar fílmico, isto é, em alguns

minutos o espectador deve ter uma idéia daquilo que será o filme. Observa-se,

que assim como o cinema, a publicidade também tem sua importância para o

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entendimento do trailer, uma vez que seus fins encontram-se na promoção do

filme, na sua divulgação, na venda do desejo de assisti-lo.

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CAPÍTULO 1 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E APLICAÇÃO

1.1 Cinema: elementos e linguagem

Por muito tempo, o cinema foi considerado uma arte menor devido a sua

ligação tudo que dizia respeito às classes pobres, às massas. Porém, por tratar-se

de uma experiência cheia de mistérios e dificuldades, muitos se interessaram pela,

hoje conhecida, 7ª arte. Foi a partir do despertar curioso dos artistas e teóricos,

que o cinema ganhou personalidade, ou seja, sua linguagem passou a ser

diferenciada e elaborada. Não bastava apenas filmar fatos, pessoas, lugares,

acontecimentos, mas contá-los de forma peculiar. Tem-se assim, o nascimento

daquilo que conhecemos por cinematografia.

As discussões acerca de uma linguagem cinematográfica sempre foram

bastante conturbadas, ou melhor, produtivas, uma vez que as teorias sobre o

assunto são diversas. Não é objetivo deste texto traçar um panorama histórico

sobre essas teorias, porém é necessário elucidar o que faz do cinema uma

linguagem, e quais suas especificidades, em termos de componentes, sobre

outros gêneros, de tal forma que é a partir daí que será possível perceber e

identificar características do dispositivo cinematográfico no trailer.

A fim de provar que o cinema era de fato uma arte, com linguagem

específica e diferenciada da linguagem da literatura e do teatro, alguns estudiosos

passaram a estudar o cinema com bases nas gramáticas, definindo estruturas e

procedimentos (tal como a língua); daí que existem formulações a partir das

noções de “cinelíngua”, gramática do cinema, “cine-estilística”, retórica fílmica etc.

Em resumo, buscava-se entender como o cinema funcionava enquanto meio de

significação com relação às outras linguagens e sistemas expressivos. A

dificuldade residia, porém, no fato de que a formulação de leis fundamentais, que

controlassem a construção de um filme, acabaria por engessar o fazer artístico,

delimitando-o a determinadas regras imutáveis. Christian Metz foi, provavelmente,

um dos autores que mais contribuiu com os estudos relacionados à linguagem do

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cinema, de modo que este concluiu que, embora faltasse um léxico ou sintaxe a

priori para o cinema, o mesmo não era uma língua, e sim, uma linguagem (STAM,

2003: 132); pois, para Metz, denomina-se linguagem qualquer unidade definida

em termos de seu “material de expressão” (STAM, 2003:132). A linguagem

literária, por exemplo, é o conjunto de mensagens cujo material de expressão é a

escrita; já a linguagem cinematográfica é o conjunto de mensagens cujo material

de expressão compõe-se de cinco canais: a imagem fotográfica em movimento, os

sons fonéticos ou gravados, os ruídos gravados, o som musical gravado e a

escrita (créditos, intertítulos, materiais escritos no interior do plano). Assim, o

cinema se mostra plenamente uma multi-linguagem ao passo que designa um

conjunto de mensagens formuladas com base em um determinado material de

expressão, e ainda, uma poli-linguagem artística, um discurso ou uma prática

significante caracterizado por codificações e procedimentos ordenatórios

específicos. Porém, uma questão ainda permanece: o que é específico ao

cinema? Que procedimentos significantes são específicos da multi-linguagem

cinematográfica? O que define sua linguagem? Em que ela se diferencia das

outras?

Para responder essas questões, Santaella (apud GERBASE, 2003:26) parte

da existência de três matrizes da linguagem e pensamento: linguagem verbal,

linguagem visual e linguagem sonora. Para Santaella, o cinema aparece como

uma linguagem verbo-visual-sonora, em que as três matrizes se articulam para

produzir um discurso narrativo. Nesse aspecto é que reside sua especificidade.

Televisão, vídeo e a publicidade, também são linguagens verbo-visual-sonoras,

porém o que as diferem são os dispositivos. No fundo, estamos tratando de

comunicação audiovisual, processo cuja complexidade põe em jogo mensagens

verbais, mensagens sonoras e mensagens icônicas, mas que encontram em cada

um tipo de expressão, um determinado processo de construção e ordenação.

Conseguimos, portanto, compreender que a especificidade do cinema não

está no fato da imagem ser formada por sais de prata, ou melhor, sua essência

não é definida pela característica física, mas sim pelo fato de que este obedece a

um dispositivo para enunciar, contar, narrar suas histórias. Quando Casetti

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(1991:65) nos fala de linguagem como sendo um dispositivo que permite outorgar

significados a objetos ou textos, que permite expressar sentimentos ou idéias, que

permite comunicar informações, conseguimos vislumbrar o cinema como uma

linguagem, cuja essência reside nestas intenções do contar, do narrar por meio de

imagem, som e palavras.

Uma vez entendido o processo de discussão e de formulação das teorias

relativas à linguagem cinematográfica (as quais, mesmo ainda hoje, revêem

alguns aspectos), é hora de direcionar o olhar para o trailer cinematográfico.

O trailer surge inserido num contexto de promoção cinematográfica, isto é,

ele ocupa um espaço naquilo que se chama marketing de cinema. A indústria

cinematográfica atingiu uma larga escala, e para tanto desenvolveu ações e

instrumentos de promoção fílmica. Entre esses instrumentos de publicidade e

relações públicas nasce o trailer. Este, ocupa as salas de cinema comerciais no

período de lançamento do filme, e caracteriza-se por ser uma peça audiovisual

que resume ou sintetiza o longa-metragem, sugerindo o seu tema e estilo. A

duração varia entre 1 e 3 minutos, buscando chamar a atenção do espectador,

nunca revelando o final, para que o mesmo seja instigado a assistir ao filme. Sua

concepção é publicitária, porém sua construção se dá a partir de cenas do próprio

filme, donde podemos ter um dispositivo feito de inúmeros componentes

expressivos provenientes da cinematografia. Dessa forma, procura-se identificar o

que existe do cinema no trailer, isto é, quais são os elementos presentes na

construção do trailer que se referem ao dispositivo cinematográfico.

À primeira vista, pode-se pensar que toda a composição do trailer está

relacionada ao cinema, pois se trata de cenas do próprio filme, expostas,

aparentemente, de forma desordenada. No entanto, sabe-se que existe todo um

aparato de marketing por detrás, preocupado com cada detalhe de produção do

trailer, de modo que toda composição é pensada estrategicamente a fim de

capturar o olhar do cine-espectador. A partir disso, pode-se pensar então que no

trailer tudo se refere à publicidade, porém isso também não é verdade. No trailer,

o discurso é publicitário e a narrativa cinematográfica.

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O material de expressão básico do trailer encontra-se na cinematografia: o

fotograma. O que existe de cinematográfico no trailer, portanto, diz respeito aos

fotogramas, os quais abarcam inúmeras qualificações cinemáticas: planos,

enquadramentos, tempo, espaço, som, iluminação e obviamente, a narrativa.

Sabendo que alguns materiais de expressão específicos do cinema são

exclusivos da cinematografia, e que alguns são partilhados em outras artes,

mesmo que em novas configurações, Metz utiliza o termo mais amplo de código e

fala em graus de especificidade. Assim, para ele o cinema é um meio

“pluricodicial”, que combina códigos especificamente cinematográficos, e códigos

não-específicos, isto é, códigos partilhados com outras linguagens que não o

cinema.

Pode parecer um tanto ilógico, porém é mais prático, iniciar as

considerações acerca dos componentes expressivos do trailer por um elemento

fílmico não-específico, mas de extrema importância simbólica, no que diz respeito

à significação de um filme: a iluminação. Primeiramente, diz-se da iluminação

como um elemento não-especifico porque a identificamos em outras linguagens

que não a cinematográfica.

A iluminação está associada à questão da cor, dos planos, do

enquadramento, por isso que entendê-la por primeiro, constitui base para o estudo

dos outros elementos. Ela contribui, como fator decisivo, na criação da atmosfera

do filme, associa-se diretamente à produção de sentidos; uma fotografia bem

contrastada, uma iluminação amarelada, opaca, uma cor mais realista, outra

exacerbada, enfim, as opções são inúmeras, e cada uma delas remete a

diferentes significações. Efeitos dos mais diversos podem ser criados pela

utilização de fontes luminosas anormais ou excepcionais, como no filme O Senhor

dos anéis – a sociedade do anel, em que o cenário da cidade dos elfos acentua a

quantidade de luz a fim de criar um ambiente próximo do céu, um lugar pacífico e

calmo, ao contrário da escuridão das terras do inimigo Sauron. Neste caso, como

em tantos outros, a iluminação está intimamente ligada com a produção de

sentidos, aqui retratando a dicotomia entre o bem e o mal.

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Filmes de época, geralmente, utilizam uma iluminação bem específica. Ao

retratarem Londres ou Paris do século passado, por exemplo, optam por algo mais

escuro, mais fechado, uma luz próxima do cinza, buscando passar sensações de

umidade, frieza, remetendo aos castelos característicos do período histórico; a

utilização de sombras é uma marca tradicional; como no filme Do inferno, onde a

figura de Jack – o estripador sempre aparece em silhueta ou refletido pela sua

sombra; no filme Elizabeth, cuja fotografia “dialoga” com o cenário, acentuam-se a

frieza e ambientes mais escuros.

A preferência dos diretores pelas luzes violentas e as sombras profundas pode ter sua origem no fato de que se encontram assim recriadas na tela as condições e a ambientação do próprio espetáculo cinematográfico: obscuridade, fascinação da luz, universo fechado e protetor, esse clima maravilhoso e infantil que constitui o meio, essencialmente regressivo (isto é, voltado para a interioridade e a contemplação), da hipnose fílmica. (MARTIN, 2003:60).

Em geral, pode-se aplicar aos códigos de iluminação cinematográfica as

subdivisões existentes na história da arte, utilizando categorias como as do

realismo, surrealismo, expressionismo, etc.

Da mesma maneira que a iluminação provoca, desperta e mexe com os

sentidos e significados, a cor também o faz, quase que na mesma intensidade. Na

verdade, cor e iluminação caminham juntas. A cor enfrenta um problema técnico

particular: os processos de revelações do Technicolor pecam, freqüentemente, por

tonalidades falsas e berrantes. O problema da conservação das cores no

fotograma também é sério, daí que muitas películas são restauradas digitalmente,

nos dias de hoje, para que não se percam os filmes mais antigos. Porém, o

importante aqui, é compreender que a cor se refere muito mais aos efeitos

psicológicos, do que técnicos, mesmo que aqueles sejam, muitas vezes

determinados por dados tecnológicos, como por exemplo, a película Kodak-

Eastman; a qual é, na verdade, uma película californiana, e a luz californiana é

uma luz quente. “A idéia californiana de beleza e felicidade corresponde às cores

laranja, pêssego, tudo que é avermelhado, cor-de-rosa” (MARTIN, 2003:69).

Assim, o estético busca o técnico a fim de resolver problemas relativos à

significação, pois o valor simbólico ou expressivo da cor é o que tem de mais

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relevante na análise da imagem. A cor no cinema acaba sendo associada a estilos

pessoais de certos diretores ou determinada escola ou estética, como por

exemplo, a cor dos filmes O Fabuloso Destino de Amélie Poulain e Eterno Amor,

de Jean-Pierre Jeunet, as quais são exacerbadamente trabalhadas no intuito de

criar um universo único, quase que irreal, próximo do sonho, porém esteticamente

belo.

Casetti (1991:91) lembra que as cores são funcionais no que diz respeito ao

relato, pois oferecem códigos complementares aos códigos narrativos, ou seja,

cada cor se associa a um personagem, ou a um estado emotivo, propondo-se

como um signo de reconhecimento dos diferentes elementos da história; ou ainda,

quando intervêm para o reconhecimento de diferentes situações narrativas, com a

alternância do colorido para o preto e branco, no caso de sonho, ou lembranças

do passado, etc. Os exemplos de usos expressivos associados à cor são

inúmeros; o próprio filme de Matrix, e seu trailer, utilizam a cor como uma

ferramenta para operação do universo narrativo, caracterizado por um ambiente

de embate entre a realidade e o virtual, abusando das cores verde e preto.

As características correspondentes à iluminação fílmica, se fazem

igualmente presentes no trailer, uma vez que o mesmo busca passar para o cine-

espectador uma idéia daquilo que é o filme; e nada melhor do que uma fotografia

bem produzida para traduzir a atmosfera e o clima da história.

É importante entender, que a fotografia de um filme não é trabalhada

apenas com o uso de lentes, ou luzes específicas, mas também, e principalmente,

a partir de determinados enquadramentos de câmera. Porém, para que se

consiga compreender as categorias de enquadramento e plano, é necessário,

antes, elucidar questões concernentes ao espaço e tempo fílmicos.

Um filme se apresenta ao espectador como uma superfície plana (real) e

como um fragmento de espaço em três dimensões (imaginário). À porção de

espaço tridimensional percebida a cada instante na tela, e delimitada por um

quadro, Aumont (1995:25) dá o nome de campo. Assim, a forte impressão de

realidade produzida pela imagem associa-se à crença, na realidade, do campo

como um espaço dotado de profundidade e de largura, o qual prolonga-se

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indefinidamente para além dos limites do quadro, constituindo o que se chama

fora-de-campo. Assim, campo refere-se à porção de espaço contido dentro do

quadro, enquanto o fora-de-campo define-se pelo “conjunto de elementos

(personagens, cenário, etc.) que não estão incluídos no campo, mas que estão

vinculados a ele imaginariamente para o espectador” (AUMONT, 1995:25) por um

vínculo narrativo qualquer. Campo e fora-de-campo pertencem, de certa forma, ao

mesmo espaço imaginário que Aumont chama de espaço fílmico.

Apresenta-se, até aqui, a imagem como um quadro ou uma fotografia fixa,

independente do tempo. Porém não é assim que ela aparece para o cine-

espectador, para quem ela não é única, não é independente do tempo e está em

movimento (movimentos internos ao quadro, relativos aos movimentos no campo

de personagens, por exemplo; e, movimentos do quadro com relação ao campo,

relativos aos movimentos de câmera). Com isso surgem as noções de

enquadramento e plano. O enquadramento diz respeito a uma imagem que

contém determinado campo visto sob um determinado ângulo, ou seja, é o ponto

de vista da câmera sobre o evento representado. A noção de enquadramento

introduz uma nova categoria: o plano. O uso da palavra plano envolve uma série

de elementos, de modo que só se consegue definir a idéia de plano a partir de um

referencial ou de um contexto. Deste modo, partindo da cena fílmica enquanto

unidade de ação referencial, o plano pode ser considerado um substituto

aproximativo de “quadro” ou “enquadramento”, de forma que temos uma escala de

planos (ou diferentes enquadramentos), a fim de dar conta do vínculo entre

distância da câmera e o objeto filmado. Sendo assim, os diversos tamanhos de

plano, geralmente relacionados a vários enquadramentos possíveis de um

personagem, de acordo com Casetti e Di Chio (1991:87), são:

• Plano geral: visão do ambiente inteiro, ampla, de modo que os

personagens são “afogados” no cenário;

• Plano aberto: visão de um ambiente completo, porém de forma que

os personagens e a ação são claramente identificados;

• Plano médio: a ação é o centro de atenção enquanto que o

ambiente é relegado à segundo plano;

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• Plano de conjunto: captura os personagens e a ação da cena em

conjunto;

• Plano americano: enquadra o personagem dos joelhos para cima;

• Primeiro plano: enquadramento próximo do personagem, dos

ombros para cima;

• Primeiríssimo plano (close): enquadramento muito próximo do

personagem, concentrado apenas no rosto ou parte do mesmo.

Além dos tamanhos de planos, existe também uma classificação, com

relação aos movimentos de câmera, em plano fixo e plano em movimento. Aumont

e Marie (1995:201) distinguem um movimento de rotação em torno de um eixo, a

panorâmica, e um movimento de translação do eixo da câmera, o travelling –

movimentos elementares que podem variar e se combinar. E ainda existe o plano-

seqüência, que se caracteriza por ser um plano longo o suficiente e articulado

para conter o equivalente de uma seqüência. Essa classificação de plano está

associada ao referente cena fílmica, porém se tomarmos a montagem enquanto

referencial, podemos dizer que “um plano é qualquer segmento de filme

compreendido entre duas mudanças de plano” (AUMONT e MARIE, 1995:230).

Marcel Martin (2003:200) afirma que não se pode falar de um espaço do

filme, da mesma forma que se poderia fazer em relação a uma pintura, por

exemplo, onde é possível distinguir um espaço “organizado” (a superfície plana

quadrangular da tela) e um espaço “representado” (o universo em três dimensões

que o quadro mostra). “Isto porque a tela do cinema não é uma superfície, mas

uma abertura e uma profundidade” (MARTIN, 2003:200). Não se pode falar de um

espaço de filme, mas sim de um espaço no filme, ou seja, de um espaço em que a

ação, o universo dramático se desenrola. “O espaço é um quadro fixo, rígido e

objetivo, independente de nós, e nos encontramos no espaço (representado) do

filme da mesma forma que nos encontramos no espaço real” (MARTIN, 2003:201).

Curiosamente, a dança, o teatro, a arquitetura, são artes no espaço, enquanto que

o cinema, cuja diferença é essencial, é uma arte do espaço, ou melhor, o cinema

cria um espaço estético absolutamente específico, de caráter artificial e sintético,

porém é capaz de reproduzir de forma bastante realista o espaço material real.

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“Portanto, o espaço fílmico é um espaço vivo, figurativo, tridimensional, dotado de

temporalidade como o espaço real, e que a câmera experimenta e explora tal

como o fazemos em relação a este; ao mesmo tempo, o espaço fílmico é uma

realidade estética comparável à da pintura” (MARTIN, 2003:209). Mas além disso

tudo, o cinema é o meio que nos transporta a qualquer lugar do planeta, e ao

mesmo tempo, o meio com o qual nos defrontamos com espaços dramáticos. O

cinema é uma experiência espacial e temporal.

Para a análise do trailer de Matrix, as noções de espaço fílmico são

essenciais, uma vez que ele trabalha diretamente com a criação de espaços, ou

seja, um real e outro virtual. A essência de Matrix encontra-se nos limites da

realidade e da virtualidade, de forma que a experiência espacial e temporal do

olhar fílmico sobre esse evento torna-se mais complexa. Em conjunto com outras

variáveis (plano, enquadramento, som, montagem, etc.) tempo e espaço

constituem procedimentos narrativos que buscamos entender do ponto de vista da

produção de efeitos de sentido.

A relação entre cinema e tempo configura um terreno amplo, pois a noção

temporal, associada à espacial, é percebida de 3 formas diferentes (Aumont,

1995), donde destacamos:

• O tempo como medida: o tempo da projeção do filme (a duração do filme);

• O tempo como experiência: o tempo da ação (o tempo/duração diegética da

história contada);

• O tempo como percepção: a impressão de duração sentida pelo

espectador, eminentemente arbitrária e subjetiva (por exemplo, a sensação

de tédio, resultante da impressão de duração insuportável).

“Ver um filme é ver o tempo passar” (AUMONT e MARIE, 1995:287). Essa

constatação traz à tona a noção de tempo crônico: o da projeção (de 24 imagens

por segundo). Porém, a questão mais relevante em relação ao tempo no cinema,

encontra-se na duração. A duração implica a idéia de um início e um fim, mas

entre eles existe uma sucessão de acontecimentos que, não necessariamente,

coincidem com o tempo crônico. Dessa forma, a duração fílmica pode ser

resumida, a duração da narrativa – a do filme- é de uma hora e meia, enquanto

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que a duração da história pode ser de um mês, um ano, um século etc.; pode ser

dilatada, a duração da narrativa é superior ao da história (por exemplo, uma

perseguição de carros de 5 minutos na história, na narrativa dura 10 minutos); e,

pode ser equivalente, quando o tempo da narrativa e o da história são

praticamente iguais. “O filme narrativo modela o tempo, impondo-lhe um ritmo,

transformando-o pela montagem, em geral pela utilização de uma “linguagem

cinematográfica”; o tempo do filme de ficção é a “sugestão de um tempo fictício,

que compreende fragmentos de duração real” (Laffay apud Aumont e Marie,

1995:288). O que se percebe é que o cinema é a arte de manipulação do tempo:

“a câmera pode, com efeito, tanto acelerar quanto retardar, inverter ou deter o

movimento e, conseqüentemente, o tempo” (MARTIN, 2003:214).

O entendimento dessas noções contribui para a análise das formas de

trabalhar o tempo, e além disso, proporciona fixar o olhar para os efeitos

produzidos pelos procedimentos temporais fílmicos; de modo que, a aceleração da

imagem possibilita condensar em poucos minutos longos espaços de tempo,

sendo fonte de efeitos cômicos, ou de ansiedade, ou ainda, da fuga do tempo pela

passagem de nuvens no céu. Já a câmera lenta permite a percepção de

movimentos muito rápidos, inapreensíveis a olho nu, como por exemplo, as balas

de um revólver.

Esse efeito, também chamado de slow motion, no plano dramático, produz

impressão de poder, ou, também, a dilatação de um instante crucial. Em geral, a

câmera lenta sugere a excepcional intensidade do momento, a felicidade ou

aflição.

Em Matrix, temos uma inovação tecnológica que marcou o cinema, é o

chamado efeito bullet time, o qual se caracteriza por ser um congelamento da

imagem precedida por uma desaceleração, de forma que a ação torna-se, quase

que, um personagem principal. Percebemos essas ocorrências nas cenas de luta,

nas cenas de tiros, e principalmente na cena final do trailer, na qual o personagem

Neo se desvia das balas de revólver. Enfim, não só o espaço mas,

primordialmente, o tempo são categorias fortemente demarcadas no filme e no

trailer de Matrix. Existem também, outras categorias utilizadas como efeitos

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narrativos: a inversão do tempo, a detenção do movimento e o congelamento da

imagem (não precedida de desaceleração), que indica a suspensão do desenrolar

da narrativa (muito utilizada nos finais dos filmes).

No complexo espaço-tempo que modela o universo fílmico, percebe-se o

tempo como estrutura fundamental e determinante da narrativa, sendo o espaço

apenas um quadro de referência. Por isso é que a construção do filme deve ser

analisada, primeiramente, pela forma como é tratado o tempo. Marcel Martin

(2003:221) coloca algumas possibilidades de tratamento do tempo, possíveis e

presentes nas estruturas temporais narrativas dos filmes:

• O tempo condensado: maneira habitual da utilização do tempo; coloca em

evidência uma continuidade causal única e linear da trama da realidade

corrente, suprimindo os tempos fracos da narração (desnecessários para a

evolução da narrativa);

• O tempo respeitado: a tela da ação tem duração idêntica à do filme (o

exemplo mais clássico desta utilização foi em Festim Diabólico, de Alfred

Hitchcock, uma tentativa de tempo real);

• O tempo abolido: uma síntese técnica (pela montagem) e dramática (na

narrativa) de tempos diferentes: é uma mistura, uma polivalência temporal,

onde diversos tempos da narrativa se intercalam, através da montagem,

dificultando, assim, a “leitura” do filme -por exemplo, no filme O grande

truque (2006), em que se misturam 3 tempos narrativos: um, em que a

história é contada (chamamos de presente-futuro), outro em que ela é

vivida (o presente “real”), e outro pelo qual se recorre às memórias,

lembranças (o passado)-. Trata-se de uma narrativa temporal complexa.

• Tempo revertido: é o retorno ao passado –flashback-, procedimento de

interpretação do tempo mais presente nas narrativas cinematográficas,

utilizado há anos, de forma consciente, por razões estéticas; razões

dramáticas (o flashback coloca o espectador como confidente do desfecho,

concentra o interesse nos personagens, e em toda construção dramática

anterior da história, e não no final); e, razões psicológicas (quando o filme é

focado num personagem que evoca lembranças); esse procedimento, hoje,

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é, também, muito utilizado em seriados televisivos, sendo uma das marcas

principais da série Lost, cuja produção se aproxima muito da

cinematográfica. Lost conta a história de 42 sobreviventes de um acidente

de avião, que caem numa ilha no meio do oceano pacífico; em cada

episódio da série somos levados ao passado (recurso do flashback) de 12

personagens principais, para que conheçamos como eram suas vidas antes

do acidente, que momento eles estavam vivendo, quem eram e quem são.

Podemos perceber que o cerne das questões das narrativas

cinematográficas diz respeito ao complexo espaço-tempo, sendo que os outros

elementos, como cor, fotografia, planos, enquadramentos são complementos de

apoio a esta estrutura. Um outro componente, igualmente importante para este

esquema narrativo espacial-temporal que é o cinema, é o som. Quanto à categoria

sonora, poderíamos esboçar uma linha histórica e evolutiva do cinema mudo até o

cinema falado, porém não é nosso objetivo este aspecto do pensamento. Nosso

foco recai sobre o som no que toca suas contribuições para a linguagem e

narrativa cinematográficas, e seus diferentes usos.

O som no cinema, na teoria de Casetti e Di Chio (1991:99), pode ser

diegético, quando a fonte sonora está inserida no espaço narrativo, ou não

diegético, se a origem do som não tem relação nenhuma com o espaço da

história. Mais ainda, se for diegético, pode ser on-screen (se a fonte está nos

limites do enquadramento), ou off-screen (se a fonte está fora do enquadramento);

e pode ser interior (se a fonte está no pensamento dos personagens), ou exterior

(a fonte tem uma realidade física objetiva). Para os autores, portanto, os

fenômenos sonoros implicam no mínimo 3 variantes:

• vozes (in/off/over),

• música,

• ruídos.

As vozes se referem ao falado, isto é, o que rege este código é a língua do

falante: o personagem pode falar italiano, francês, inglês, português, ect. Isso

constitui o primeiro passo para qualquer compreensão posterior do filme. As

diferentes situações das vozes podem ser: voz in (a voz procede do falante

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enquadrado), voz off (voz provém de uma fonte sonora fora do enquadramento,

por exemplo, quando a câmera se movimenta e o falante fica fora do quadro) e

voz over (fonte completamente excluída do espaço e tempo fílmicos, por exemplo,

uma voz narradora). O mais interessante, e relevante para o nosso estudo, no que

diz respeito às variações sonoras da voz, encontra-se nas funções dos diferentes

usos. Por exemplo, a voz over (uma instância narradora), pode desempenhar um

papel de união temporal entre diferentes seqüências, ou pode ainda compilar em

uma unidade, seqüências autônomas, através da aproximação de conteúdo e

tema. No filme Nossa música, de Jean-Luc Godard, temos um exemplo desse

procedimento: a narrativa é dividida em três tempos (inferno, purgatório e paraíso),

a lembrar Dante, A divina comédia, e as cenas do filme se unem pela conteúdo e

tema narrado: no inferno, cenas de morte, acidentes, desastres ambientais,

guerras; no purgatório, imagens do mar, estrelas, cidades, pessoas, paisagens; e ,

finalmente, no paraíso imagens esteticamente belas e que remetem à perfeição.

Mas, acima de tudo, a função mais importante de uma voz que narra é a de

introduzir ou situar a narração pelo fornecimento de dados indispensáveis para

sua compreensão e avanço.

Quanto aos ruídos, esses remetem a uma ordem menos precisa dos

significados, ligando-se diretamente a um mundo mais natural. Suas dimensões

possíveis são: ruídos in, procedente de uma fonte diegética enquadrada; off, fonte

diegética não enquadrada; e over, fonte procedente de um fora de campo total. A

primeira situação, ruídos in, tendem a expressar uma situação audiovisual mais

próxima da real (a buzina de um carro que está dentro do enquadramento); já o

segundo caso, ruídos off, refere-se a sons que podem atuar como nexos entre

imagens distintas, mas que dizem respeito à mesma realidade (num tiroteio,

ouvem-se gritos da multidão numa praça que não está enquadrada, por exemplo),

e a terceira opção, ruído over, trata-se de um ruído que pode assumir uma função

narrativa mais abstrata, funcionando, por exemplo, como um corte entre uma

seqüência e outra (percebe-se este uso, principalmente, pelo seu volume ocupar

toda cena). O caso, último, dos ruídos, é o que apresenta maior relação com a

produção de sentidos, e tanto isso é verdade, que seu uso é corriqueiro na

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construção estratégica e persuasiva dos trailers cinematográficos. No trailer de

Matrix, várias são as situações em que se utiliza um som completamente distante

do espaço fílmico, e seu uso justifica-se pela ilustração do universo narrativo da

história, introdução de uma nova seqüência de cenas, manutenção do ritmo,

demarcação da troca de planos; e, cabe salientar que seu volume é superior a dos

outros sons presentes. Quanto às variações sonoras no trailer de Matrix e seus

sentidos, elas serão aprofundadas no capítulo 2 na da prática da análise.

O cinema, quando estudado de forma minuciosa, a desmembrar todos seus

componentes, analisando-os um por um, se mostra, claramente, uma obra

artística manipulada, manobrada, ou melhor, uma obra de arte montada.

Eisenstein já dizia isso em seus primeiros escritos sobre a linguagem

cinematográfica: “a montagem tornou-se o axioma inquestionável sobre o qual se

construiu a cultura cinematográfica internacional” (EISENSTEIN apud STAM,

2003:54). A experiência cinematográfica adquiriu sua forma, até hoje utilizada,

com a montagem. Foi a partir dela que as noções de tempo e espaço que temos

na experiência fílmica surgiram. A montagem possibilitou contar histórias em

determinado tempo e espaço, com certo ritmo e movimento. Daí que podemos

perceber, depois de termos visto os componentes cinematográficos expressivos,

que é na montagem que o espetáculo é criado, ali ele toma sua forma final de

filme.

“A montagem é a organização dos planos de um filme em certas condições

de ordem e de duração” (MARTIN, 2003:132). Podemos identificar, a partir dos

estudos de Marcel Martin, dois tipos de montagem: montagem narrativa e

montagem expressiva. Reunir os planos de um filme numa seqüência lógica ou

cronológica, de forma a contar uma história, contribuindo para que a ação

dramática (a do filme) e psicológica (a da compreensão do drama pelo

espectador) progrida, á tarefa que consiste à montagem narrativa. Já, à montagem

expressiva, cabe justapor planos com o objetivo de produzir um sentimento ou

idéia pelo choque de duas imagens. A diferença está em que na primeira, a

montagem é um meio para alguma coisa, enquanto que na segunda ela é um fim

em si mesmo. Ainda que a montagem narrativa possa ser considerada a mais

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normal e comum, é muito difícil identificar, nitidamente, onde uma montagem é

apenas expressiva ou narrativa, de modo que há efeitos de montagem que são

narrativos, porém possuem, também, valor expressivo. A montagem, no cinema

hollywoodiano, desempenha, sim, uma função narrativa, em que a sucessão dos

planos é ditada pela necessidade de contar uma história. J-P. Chartier (apud

MARTIN, 2003:137) diz que a montagem

“corresponde à percepção usual por movimentos de atenção sucessivos. Do mesmo modo que temos a impressão de ter continuamente uma visão global do que se oferece ao nosso olhar porque a mente constrói essa visão com os dados sucessivos da retina, numa montagem bem-feita a sucessão de planos também passa despercebida por corresponder aos movimentos normais de atenção, construindo para o espectador uma representação de conjunto que lhe dá a ilusão da percepção real”.

Admitindo que a sucessão de planos de um filme está fundada no olhar ou

no pensamento, ou melhor ainda, na tensão mental, dos personagens ou do

espectador, percebemos que existe um paralelo entre a consciência do

espectador e a do personagem. Ou melhor, o que um plano mostra pode ser o que

o personagem vê, ou o que ele pensa, o que ele procura ver, ou ainda, alguma

coisa fora de sua visão, de sua consciência ou memória, mas que lhe diz

respeito;porém, como saber se isso é o do personagem ou do espectador? Em

virtude da identificação perceptiva do espectador com o personagem, fenômeno

que se diz fundamental do cinema, é que ocorre este paralelo de consciências.

Assim, diz-se que a ligação proporcionada pela montagem está fundada tanto no

dinamismo mental (paralelo personagem-espectador) quanto no visual

(movimento). A dinâmica do montar baseia-se no fato de que cada plano deve

“preparar, suscitar, condicionar o seguinte, contendo um elemento que pede uma

resposta ou uma realização que o plano seguinte irá satisfazer” (Martin,

2003:139). Cria-se uma tensão psicológica no espectador, a qual deve ser

satisfeita pela seqüência de planos. Assim surge a narrativa fílmica, onde

“sínteses parciais se encadeiam numa perpétua superação dialética” (MARTIN,

2003:139).

No que se refere ao trailer de cinema, dizemos que este se constitui num

árduo exercício de montagem, pois as seqüências e cenas que irão integrar o

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trailer são escolhidas e montadas com objetivo de construir um sentido para filme,

buscando seduzir, sugerir, suscitar, despertar, criar idéias, imagens, ações, enfim,

trabalha-se a montagem no nível da persuasão.

Para a construção de um filme, existe uma série de regras fundamentais de

montagem que devem ser levadas em conta, mas que não são, necessariamente,

válidas para a montagem do trailer, uma vez que a dinâmica e os objetivos

distinguem-se de uma peça para outra. Porém, alguns quesitos são essenciais

para ambos: por exemplo, é indispensável que cada cena ou seqüência inicie

numa atividade já em andamento e termine numa atividade que prossegue, de

modo a sugerir que e ação continua, mesmo quando a câmera a abandona (para

que a impressão de realidade seja a maior possível). Outra lei da montagem diz

respeito ao início de seqüências ou de filmes, que deveriam ser marcados por

planos gerais, no entanto, é grande o número de exceções, de modo que os

planos iniciais estão sendo caracterizados por serem primeiros ou médios planos,

com o intuito de fazer o espectador mergulhar diretamente no universo ou drama

do personagem. É notório esse uso no trailer de Matrix, o qual começa com um

plano médio de uma ação em curso (uma mulher, a personagem Trinity,

correndo), corta para dois planos mais próximos da mesma ação, e enfim termina

a seqüência no primeiríssimo plano do personagem de Keanu Reeves (Neo) com

uma cara de espanto, exclamando UOH!; isto insere o espectador, diretamente, no

universo de Neo, que está surpreso, assim como o espectador, com o que acabou

de ver. O que se percebe é que o destaque não é dado ao ambiente (função dos

planos gerais), mas sim ao drama do personagem, de maneira que o fator

identificação superpõe-se ao fator ambientação.

Num filme, a regra básica que deve ser respeitada na sucessão de dois

planos é a seguinte: “diante de cada novo plano, a fim de que o enredo fique

perfeitamente claro, o espectador deve perceber de imediato o que se passa, e,

eventualmente, onde e quando (em relação ao que precede)” (MARTIN,

2003:142). Contudo, na montagem do trailer, mesmo que o espectador deva

compreender o que acontece, não necessariamente, cada novo plano tenha que

revelar de forma transparente o conteúdo fílmico e suas explicações. O trailer,

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assim como o cinema, é escolha e ordenação, ou melhor, uma escolha de

elementos visuais e significativos cuja continuidade irá constituir a história. Com

certeza, a montagem é um dos elementos principais no que concerne à produção

do trailer, e em particular o trailer de Matrix, que será analisado de forma mais

densa no próximo capítulo.

Observamos que o cinema constitui uma linguagem cujas categorias

integrantes, sejam elas especificamente cinematográficas ou não, configuram um

plano expressivo, o qual se põe em serviço de um plano narrativo. Há que se ter

em mente, no estudo de imagem em movimento, que não se podem separar os

componentes expressivos e narrativos uns dos outros, de forma estanque, pois

todos estão interligados; e, os sentidos são produzidos quando da composição do

todo, isto é, separadamente conhecemos o funcionamento de cada categoria,

porém no exercício da análise, o imbricamento das mesmas, diz respeito ao

conjunto das relações significantes dos elementos constitutivos da peça

audiovisual.

Mas, antes de avançarmos para a prática analítica, é necessário revisar

alguns conceitos e idéias acerca da publicidade e sua retórica, uma vez que, é

através de sua natureza persuasiva que o trailer, em conjunto com o material

expressivo cinematográfico, contrata seu cine-espectador para assistir ao filme.

2.2 Publicidade: discurso e linguagem

A palavra publicidade vem do latim “publicus”, que significa o ato de

divulgar, de tornar público. No século XIX, a publicidade era definida como

qualquer forma de divulgação de produtos e serviços, por meio de anúncios pagos

e veiculados por um anunciante identificado, com fins comerciais. No final do

século XIX e começo do século XX, no entanto, com toda a expansão industrial e

crescimento dos meios de comunicação de massa, a publicidade deixou de ser

meramente informativa, passando a constituir uma linguagem persuasiva. De

modo que, hoje, trata-se de uma atividade técnica e artística, cujo objetivo recai na

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criação de anúncios que venham a exercer ações comunicativas e, também,

psicológicas sobre o público-alvo.

De acordo com Dominique Quessada (1985:25), as sociedades

contemporâneas sofreram um deslocamento do âmbito político para o econômico.

Em outras palavras, o liberalismo de Adam Smith avançou sobre todos os

terrenos, instaurando-se como diretriz da nova ordem mundial. Isto é, vivemos um

período em que a economia é quem dita regras, valores, caminhos. Partindo

dessa perspectiva, dizemos que o sistema publicitário se situa entre as esferas da

produção e do consumo (ROCHA, 1985:62). Dito de outra maneira, a publicidade

encontra-se mediatizando a interação existente entre o domínio da produção e o

domínio do consumo, recriando a imagem de cada produto. Assim, as mensagens

publicitárias visam omitir os processos objetivos de produção e a história social do

produto; isto é, ela cria uma instância lúdica no imaginário humano, para quem o

aspecto econômico e social inexiste. Dessa forma, “o produto calado em sua

história social se transforma num objeto imerso em fábulas e imagens” (ROCHA,

1985:67). Daí, que é no domínio do consumo que homens e objetos são postos

em contato, adquirindo sentido, produzindo significações e distinções sociais

(comprar um carro usado implica outros significados que não àqueles referentes à

compra do carro do ano, por exemplo).

São nas relações de consumo, que o texto publicitário se concretiza, ou

seja, os valores, sentidos, usos são dados a conhecer o mundo humano, passa-se

da esfera das linguagens para a esfera das práticas e das relações humanas. O

que se pode constatar, é que a publicidade “trabalha todos os corpos: tanto os

corpos individuais quanto o corpo coletivo que é a sociedade” (QUESSADA,

2003:13). No entanto, a publicidade não se reduz tão simplesmente à promoção,

compra e venda de produtos, ela integra uma esfera de produção de sentidos e

significados tão complexos quanto a cinematográfica integra a esfera discursiva.

A publicidade, à luz da semiologia dos discursos, suscita inúmeras

reflexões, as quais vão ao encontro dos estudos da imagem propostos neste

trabalho. Peruzzolo (2002:135) diz que a unidade de comunicação não é o signo,

a palavra ou o traço, mas sim a organização dos mesmos numa matéria

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significante, como uma unidade comunicativa de conjunto coerente, a que se

chama texto. Dessa forma, a publicidade, então, opera enquanto um texto, um

objeto de comunicação entre sujeitos;

“há um sujeito que organiza um textum –uma tessitura com sentido- no qual há um outro sujeito implicado, não qualquer transeunte que a leia, mas o transeunte que, em tese, procura um alojamento –o enunciatário (o destinatário ideal)-, que de certa forma fica construído na oferta discursiva. (PERUZZOLO, 2002:134).

É discurso, portanto, porque põe em movimento intersubjetividades; como diz

Verón (apud PERUZZOLO, 2002:135) “um discurso é sempre uma mensagem

situada, produzida por alguém e endereçada a alguém”. Conseguimos identificar

assim, a natureza discursiva da publicidade.

A mensagem publicitária sustenta uma argumentação icônico-lingüística.

Trata-se de uma estrutura que opera com os códigos verbais, icônicos e sonoros,

isto é, em termos de materiais expressivos, publicidade e cinema comungam dos

códigos lingüísticos.

Humberto Eco (apud GERBASE, 2003:30) considera que na “análise da

comunicação audiovisual estamos diante de um fenômeno comunicacional

complexo, que põe em jogo mensagens verbais, mensagens sonoras e

mensagens icônicas”.

Santaella (apud GERBASE, 2003:43), nos fala que subjacente aos

elementos fundamentais da linguagem audiovisual, há uma discursividade que

sustenta o argumento daquilo que aparece em forma de som e imagem. É nesta

instância que se percebe o discurso publicitário, o qual impõe valores, mitos,

ideais e outras elaborações simbólicas, através da utilização dos recursos próprios

da língua, da imagem e do som.

Neste trabalho, as reflexões das mensagens publicitárias referir-se-ão

àquelas veiculadas na televisão ou cinema, isto é, serão mensagens publicitárias

audiovisuais, mais conhecidas por spot publicitário, em que os códigos

expressivos se identificam, também, no cinema. Sendo assim, os spots

publicitários são, em geral, muito curtos (de 15’’ a no máximo 1’30’’), e buscam

explorar ao máximo as matérias de expressão (do cinema e do vídeo): os sons

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(palavras, ruídos, músicas), as imagens (fixas, animadas, fotográficas ou gráficas),

escrita (legendas ou quaisquer menções escritas). A mensagem base que será

formulada pode ser exemplificada por “Comprem o produto X”, porém, para atingir

esse objetivo nem todos os spots recorrem à mesma estratégia. Vanoye e Goliot-

Lété (1994:108) distinguem 3 tipos de estratégias narrativas, que podem

combinar-se entre si:

1. Argumentação direta: sustenta-se na descrição (do produto, de seus

efeitos) e na explicação (como o produto opera); na maioria das vezes a

argumentação é formal, cujo suporte se dá nos signos visuais (gráficos,

números, quadros etc.) e nos signos retóricos (“porque...já que”, raciocínios

lógicos etc.), são spots essencialmente discursivos;

2. Narração: a estrutura narrativa desperta o interesse, e o produto que se

vende torna-se um elemento de influência. O spot narrativo entrega

fragmentos daquilo que poderia se constituir uma história, mas que pelo

tempo curto acaba não se desenvolvendo, Vanoye (1994:110) diz que é

como se fosse o trailer de um filme que não existe. Nas publicidades

narrativas o espectador se identifica como um sujeito desejante, de forma

que o produto ocupa o lugar de objeto do desejo ou de auxiliar (de auxílio à

satisfação da necessidade). Um exemplo muito claro disso são as

propagandas da Coca-Cola, nas quais se apresentam flashes narrativos

que mostram o produto em função de auxiliar (à amizade, ao amor, à

curtição da vida, etc.).

3. Sedução-fascínio: são os spots que não dizem quase nada, e tampouco

narram. Muitas vezes as relações entre o produto e as imagens e sons da

propaganda são mínimas, outras vezes usam-se imagens com certas

características que denotam ou conotam qualidades que pertencem ao

produto. Trata-se de spots esteticamente bem resolvidos, porém em termos

comunicacionais, pouco informativos. A sedução-fascinação é a do sonho

bom, então são usados recursos persuasivos que invadem o imaginário,

são aquelas questões da ordem da força, da esperança, das lições de vida,

da alegria de viver, do frescor, enfim, aspectos um tanto mais abstratos. Os

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recursos mais utilizados são: câmera lenta (slow motion), filtros para obter

cores diferenciadas, citações (diretas ou indiretas), elipse, as fusões,

músicas-ambiente estereotipadas, montagem rápida de imagens

constrastantes, enfim, o produto assume um caráter de doador de prazer

audiovisual, ou seja, o espetáculo de imagens e sons que o espectador

está desfrutando é proporcionado por determinada marca ou produto.

Assim, a sedução torna-se um forte argumento indireto.

Vimos que todo discurso é uma mensagem endereçada a alguém, em

outras palavras, um enunciador organiza o “dito” em uma narrativa, que “traça ou

simula acontecimentos da história do homem na busca de sentido (valores)”

(PERUZZOLO, 2002:140), e, o põe em movimento através de um discurso que

busca entrar em comunicação com alguém, para que o mesmo venha a saber,

crer, agir, pensar, sentir, enfim, trata-se de um objeto (o discurso) que é operado

como um todo de sentido e como um objeto de comunicação, que se coloca entre

um destinador e um destinatário, movimentando as suas subjetividades. Esse

processo comunicativo implica sempre um destinador e um destinatário, de modo

que com a publicidade, o publicitário constrói o discurso, operando narrativas que

visam um público-alvo, porém, pelo fato de não se dirigir a ninguém em especial, a

publicidade dá a cada um a ilusão de que se dirige a ele individualmente, ou seja,

a forma narrativa induz a identificação do espectador com um lugar/personagem.

“Qualquer narrativa conta os problemas de um sujeito desejante com obstáculos à realização de seus desejos. A narrativa baseia-se num estado de carência, no impulso de um sujeito em direção a um objeto, nos conflitos entre o Desejo e a Lei. O espectador identifica (inconscientemente) uma estrutura que ele conhece e identifica-se (não necessariamente de maneira estável) com um dos atores da história (VANOYE e GOLIOTT-LÉTÉ, 1994:110)”.

Tais reflexões teóricas, nos níveis da semiologia, nos possibilitam perceber a

publicidade enquanto uma esfera da ordem dos sentidos, de onde o trailer retira

seus referenciais discursivos, isto é, as marcas do discurso publicitário são

identificadas na mensagem persuasiva do trailer de cinema.

Quanto a mensagem publicitária, podemos distinguir 3 planos narrativos

(CARVALHO, 1996:14): o plano identificador (aquele que identifica o gênero

Page 35: ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA: OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

35

publicitário, ou seja, aquele que demarca o lugar “isto é uma publicidade”), o plano

denotativo (nele se inclui o conjunto de informações inscritas no texto e na

imagem) e o plano conotativo (referente ao segundo grau dos significados, aos

sentidos, à subjetividade). Esse esquema é igualmente presente na organização

da estrutura do trailer cinematográfico, pois para o espectador fica claro que: se

trata de um trailer (devido à sua duração, estrutura, lugar de exibição); ele

consegue perceber uma mensagem objetiva, do tipo “de que se trata o filme”,

“qual o gênero, ação ou aventura...”, “o título, o diretor, o elenco”, e, obviamente,

ele percebe o plano conotativo, aquele que movimenta toda a imaginação acerca

da história, daquilo que vai ou pode acontecer, de o que se quis dizer, da

expectativa para assistir ao filme, enfim, instaura-se um jogo comunicativo em que

o cine-espectador, mergulhado no clima do cinema (sala escura, som e imagem

de qualidade), é chamado a “consumir” o filme.

Para Vetergaard e Schroder (apud GONZÁLES, 2003:14), o texto

publicitário é uma forma de comunicação de massa, cujos objetivos são transmitir

informação e incitar as pessoas a certos comportamentos, e, por assim ser,

existem algumas características que o define:

• Trata-se de uma unidade estruturada por signos verbais (lingüísticos) e

não-verbais (imagens);

• É uma forma de comunicação pública, isto é, se dirige em sua grande

maioria, ao público anônimo, não conhecido particularmente pelo

anunciante;

• É uma comunicação de um só sentido, pois o fabricante e o anunciante se

dirigem a um público que não pode responder à comunicação emitida;

nesse sentido o discurso publicitário é autoritário;

• Constitui uma comunicação de caráter informativo e persuasivo, destinada

a divulgar idéias, vender serviços ou produtos.

Quanto mais dissecamos o conteúdo, a forma e a essência do discurso

publicitário, mais se observa o quão forte é sua natureza persuasiva e o quão

intensa ela se mostra nos trailers de cinema, de modo que as funções de um

Page 36: ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA: OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

36

trailer alinham-se diretamente, passo a passo, com o processo de constituição de

uma mensagem persuasiva, como veremos no item 2.3.

Depois de revisarmos as questões concernentes à mensagem e linguagem

publicitárias, é muito importante que estudemos como determinados elementos

fílmicos, também presentes na publicidade, são nela trabalhados. Portanto, agora

iremos entender como a montagem e os intertítulos (mensagens escritas) se

organizam de forma persuasiva no discurso da publicitário.

Sabe-se que a montagem, tanto no cinema quanto na publicidade, é um

princípio determinante da produção de sentido, pois é uma atividade técnica que

aparece no final de uma série de operações necessárias para a construção

expressiva e discursiva de um filme: argumento, guião técnico, filmagem, e

seleção de cenas a usar na montagem. Assim, para Joly, a montagem fílmica

obedece a alguns princípios básicos, os quais são idênticos na atividade

publicitária:

• Princípio de seleção entre os elementos úteis e inúteis (cenas filmadas

não utilizadas)

• Princípio de junção dos elementos selecionados

• Determinação da duração de cada segmento

• Escolha do modo de junção (perceptível e imperceptível)

A montagem tem por objeto os segmentos visuais e sonoros e por formas

de ação a ordenação e a duração; portanto, o “significado global de uma

publicidade ou filme não se constrói plano a plano, mas por conjuntos de planos”

(JOLY, 2002:218), que caracterizam as unidades ou complexos narrativos.

A técnica da montagem existe para servir a um projeto de comunicação, de

acordo com Joly, ou seja, “se serve para ligar e organizar complexos de planos (e

de sons) é com o objetivo de dizer qualquer coisa o mais eficazmente possível:

contar uma história, enaltecer as qualidades de um produto, informar sobre um

acontecimento ou empreendimento, sensibilizar para um problema, formar, etc.”

(JOLY, 2002:219). A publicidade na construção de suas mensagens opta por

curtas montagens narrativas, porém utiliza, da mesma forma, a montagem

expressiva, também conhecida por montagem “produtiva”. Isto é, montagens

Page 37: ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA: OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

37

destinadas a produzir um conceito associado a um produto, mais do que à

narração, de uma história demonstrativa. É o caso de grande número de

publicidades, como, por exemplo, os anúncios da Adidas, Lacoste, Chivas, e

muitas outras marcas de peso no mercado econômico, cujos sentidos são

construídos de forma a mostrarem algo além do produto, e, sim, um estilo de vida,

uma forma de pensamento, atitude, os quais ficam associados diretamente ao

consumo da marca.

Semprini, no seu livro El marketing de la marca (1995), ajuda a explicar

essa questão quando nos fala dos valores de consumo de um acerca de

determinado produto ou marca. Ele distingue dois tipos de valores: valores de uso

e valores de base. O que nos interessa neste caso, são os valores de base, os

quais estão associados a valores que inspiram e dão sentido ao sujeito do relato,

são, normalmente, valores profundos e universais que servem para justificar as

ações do sujeito e dar continuidade à narração: valores como liberdade, amor,

glória, honra, justiça, beleza, enfim, a marca (ou produto) é fonte de prazer e

permite uma visão otimista e despreocupada do mundo.

Trabalha-se diretamente no campo das emoções, da sedução, de forma

que a montagem justapõe elementos altamente significativos, abusa dos efeitos

de cor, elipses, fusões, caracteriza-se por ser altamente persuasiva, procurando

influenciar o comportamento dos espectadores. Montar um discurso (um filme,

uma publicidade, um trailer, qualquer que seja a peça audiovisual), significa

construir, também, um espectador, que pode vir a ser ativo, comprador,

consumidor, cinéfilo, ou não; o ser humano é influenciado pela mensagem e

construído pela montagem. Para Joly (2002:223), em ambos os casos, uma

escrita mais expressiva do que narrativa busca convencer o espectador, e

provocar uma resposta comportamental. Nessa perspectiva, o discurso

audiovisual pode influenciar e modificar as opções comportamentais do

espectador, e, esses efeitos resultam do poder expressivo da imagem/som

alcançado na montagem. “Queira-se ou não, as aproximações texto-imagem, as

justaposições imagem-imagem, interagem umas sobre as outras, produzindo um

Page 38: ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA: OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

38

sentido que não aparece em nenhum dos elementos tomados separadamente”

(JOLY, 2002:226).

Um elemento, também, bastante usado na publicidade (e, no cinema) diz

respeito aos códigos gráficos, ou melhor, aos componentes visuais da escrita. De

acordo com Casetti e Di Chio (1991:96), aparecem, geralmente, como

didascálicos1, títulos, legendas e textos em gerais.

Os didascálicos são aqueles indícios gráficos que servem para situar tudo

que as imagens apresentam, isto é, são as referências para determinadas

histórias, do tipo “dez anos depois”, “Inglaterra, ano de 1854”; usados para

ambientar o desenrolar da narrativa. É mais freqüente seu uso no cinema, mas

pode ser percebido nas mensagens publicitárias narrativas, para identificar um

personagem, ou alguma celebridade, enfim, se é necessário orientar o espectador

na história contada, busca-se o recurso gráfico da dadiscalia.

Já as legendas são mais percebidas nos filmes cuja língua difere da de

origem, servindo portanto para traduzir os diálogos dos personagens. No entanto,

na publicidade aparece pouco, e quando usada está associada ao reforço da

mensagem ou ao teor criativo da peça.

Os títulos correspondem aos famosos “créditos”, mais uma vez recorrentes

no cinema, aparecendo, na maioria das vezes, no início e nos finais das películas

no intuito de identificar artistas, nomes de músicas, contêm informações acerca da

produção. No caso da publicidade, podemos dizer que seu uso corresponde à

assinatura da marca ou produto, mas não se identifica o criador da mensagem (no

caso de produções publicitárias audiovisuais).

E, por fim, os textos, indícios gráficos que pertencem à realidade e que o

audiovisual reproduz filmando. Eles podem ser diegéticos, quando pertencem ao

plano da história (por exemplo, o nome de um livro ou revista nas mãos de um

personagem), ou não diegéticos, quando integram o mundo fora do narrado, ou

melhor, integram o mundo de quem narra a história (por exemplo, nos filmes que

remetem a determinado período histórico; para que o espectador saiba a que

1 Termo em espanhol, sem tradução para o português.

Page 39: ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA: OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

39

época está-se referindo, utiliza-se um texto produzido pela instância narradora não

diegética para contextualizar a história).

Com certeza a utilização dos códigos gráficos era muito maior, e, de certa

forma, mais importante, no cinema mudo. Porém, hoje, sua recorrência está

relacionada, diretamente, com a produção de sentido de nível não apenas

narrativo, mas também estético. Isto é, não basta apenas escrever algo com

imagem ou na imagem, mas sim criar uma atmosfera para a escritura, de modo

que esta corresponda ao universo narrativo da história a ser contada. No trailer de

Matrix, por exemplo, não basta aparecer os textos, simplesmente, mas, sim,

mostrá-los de forma inserida no contexto fílmico; tanto que as letras são

esverdeadas e suas formas remetem ao tecnológico, ao virtual. Texto e imagem

dialogam, estão integrados, e fazem parte do mesmo mundo.

Os recursos gráficos são tão importantes quanto os efeitos sonoros,

iluminação, fotografia, montagem, pois cada um deles significa quando em

conjunto. Todos integram os elementos expressivos do discurso fílmico ou

publicitário, e estão à disposição do enunciador, servem à construção retórica e

sedutora da mensagem persuasiva.

Além de buscarmos compreender noções básicas do discurso, e alguns

elementos do plano expressivo, é muito importante que saibamos identificar e

diferenciar as noções de manipulação, argumentação e sedução nas mensagens

publicitárias e cinematográficas. Buscamos em Martine Joly (2002:228) alguns

referenciais para essa reflexão. Para começar, recorreremos à retórica. Entre os

Antigos e entre os Modernos, a finalidade declarada da retórica consiste no

domínio das técnicas de persuasão, para as quais as idéias de argumento e

auditório são fundamentais. Quer dizer, o discurso retórico deve levar à adesão.

Considera-se, portanto, que a argumentação está incluída na retórica, sendo parte

constitutiva de sua operação. Sendo a retórica o campo onde um discurso torna-

se persuasivo, dizemos que, no que se refere às mensagens televisivas (como a

publicidade), a argumentação se dá:

• No fato de se dirigir a um “auditório” (os espectadores);

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40

• Ao exprimir-se em língua natural (combinada à imagens no caso do

audiovisual);

• No fato de suas premissas corresponderem a tudo aquilo em que se

presume confiança (verossímel, ou tudo aquilo passível de ser

verdadeiro);

• Na sua progressão, que não, necessariamente, precisa ter lógica;

• Ao não possuir conclusões constrangedoras, ou seja, o espectador

continua livre a aceitar ou não a mensagem.

O poder argumentativo é, assim, construído visual e verbalmente nas

publicidades e filmes, onde os recursos sonoros e de montagem vêm ao encontro

de uma construção retórica persuasiva. Mas, qual é a instância dessa produção:

manipuladora ou sedutora? Joly (2002:230) explica que o problema central da

manipulação, a qual é vista sempre de forma pejorativa, está relacionado à não

confessabilidade do ato manipulativo. Em outras palavras, a manipulação é

uma intenção de comunicação encoberta, e por isso o desprezo por ela, pois ela

só poderia ser explicada, ou justificada se sua intenção fosse situada. Daí que, ao

invés de ela se mostrar estabelecendo o contrato argumentativo, ela constrói um

“querer obrigar a um fazer dirigido”. Para que se consiga escapar à manipulação é

necessário, portanto, transparência e reciprocidade, o que se diz inexistente nos

discursos publicitários. Para melhor compreender: a publicidade (e para nós o

cinema também) tem missão de informar, instruir e distrair; configuram-se assim,

dois tipos de discurso, o argumentativo, para informar e instruir, e o narrativo, para

distrair. O que acontece, é que tanto o discurso publicitário quanto o

cinematográfico tornam-se lugares de argumentação e narração, o que provoca

uma confusão mental no espectador, que acaba sendo atraído pelo poder ficcional

e lúdico da mensagem, associados ao dispositivo da narração, cuja

responsabilidade concerne a toda construção simbólica de uma visão de mundo.

No entanto, o que se deve levar em consideração, é que, com efeito, qualquer

espectador sabe que numa propaganda o anunciante pretende levá-lo a comprar

seu produto, mas nem por isso pode-se dizer que existe manipulação. Aqui, Joly

diz que “existe, de fato, algo incofessado, mas este não confessado é bem

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41

conhecido de todos” (JOLY, 2002:237), de maneira que nem toda retórica é

manipuladora. Parret (apud JOLY, 2002:237), por sua vez, mostra que este tipo de

segredo, inconfessado, mas não inconfessável, não constitui um argumento

manipulador, mas sim, um argumento sedutor.

“No sedutor, o segredo não é inconfessável (como no manipulador) mas inconfessado, pois é simultaneamente escondido e revelado sem vontade intencional. Não existe um sujeito que atue como na manipulação. Na realidade, ninguém atua, pois a sedução dessubjetiviza, ao contrário da manipulação ou da mentira. Assim, o sedutor não é um mentiroso, nem um manipulador, nem uma infelicidade” (JOLY, 2002:237).

Assim, a sedução é devastadora porque arrasta à adesão no plano

emocional e não apenas no racional. Acaba que a publicidade (e na nossa

perspectiva o trailer também) obedece mais a uma lógica da sedução do que da

razão ou da manipulação.

González Requena e Ortiz de Zárate (apud PUCHE, 2005:68) teorizam a

respeito de spots persuasivos e spots sedutores. Afirmam que os spots

persuasivos se definem pela tentativa de atuar sobre a conduta do espectador

através de uma argumentação, ou melhor, o discurso (seja o relato ou a seleção

de imagens), tem a intenção de convencer através da performance; já, os spots

sedutores trabalham no nível do desejo. Não se relata, nem se argumenta,

apresenta-se um espetáculo puramente visual e prazeroso, que desperta os

desejos por certas experiências.

Parafraseando Joly (2002:238), o discurso televisivo (adotamos isso para o

publicitário e cinematográfico), sempre argumentativo, e, também, na maioria das

vezes, narrativo, parece provir mais de um plano mítico do que de um plano

lógico, e, dessa forma responde mais a uma lógica de sedução instigada pelo

mercado. Herman Parret (apud JOLY, 2002:238) afirma que a televisão não é

mentirosa, nem manipuladora, mas simplesmente devastadora porque sedutora.

O que se pretende elucidar é que o discurso publicitário não pode ser

definido de forma exata e fixa como persuasivo ou manipulador ou sedutor, mas,

sim, que ele agrega, em diferentes níveis, características relativas a cada uma

dessas tipologias discursivas, de maneira que isso se reflete, diretamente, na

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42

construção estratégica do trailer de cinema. É, pois, então, que passaremos,

agora, ao estudo específico do trailer, sua linguagem e composição; enfim,

propõe-se uma reflexão teórica acerca de seus mecanismos, para que, depois,

possamos analisar o trailer do filme Matrix e suas premissas metodológicas, no

capítulo 2.

2.3 Publicidade e Cinema: o trailer cinematográfico e sua composição para o

estabelecimento do contrato de leitura

As salas de cinema, hoje em dia, podem ser consideradas um meio

publicitário tanto quanto a televisão, o rádio, as revistas e a Internet. Ainda por

cima, é um meio que se caracteriza por seu grande impacto, sua qualidade e

eficácia, pois não existem distrações frente à “telona cinematográfica”. É através

desse meio que os trailers têm sua exibição exclusiva garantida.

O trailer integra uma rede de comunicação no que diz respeito à promoção

e divulgação de um filme, que deve informar, persuadir, gerar impacto, chamar

atenção, tornar o filme reconhecível e criar uma atitude favorável dos

espectadores para com o mesmo. Existe todo um processo industrial, sendo que o

principal refere-se à produção hollywoodiana. É em Hollywood que se encontram

os maiores estúdios e empresas produtoras e distribuidoras de cinema, as quais

centram suas ações no departamento de marketing e comunicação, de forma que

as funções principais deste, de acordo com Cabezón e Gómez- Urda (apud

PUCHE, 2005:55) são:

• Informar sobre a produção do filme, antes, durante e depois das filmagens;

• Analisar o impacto e a aceitação do filme entre o público e definir o perfil do

público-alvo;

• Estudar a intenção de consumo dos possíveis espectadores;

• Fomentar a propaganda boca-a-boca;

• Assessorar e elaborar conteúdos e frases promocionais a partir da leitura

do roteiro e das primeiras imagens filmadas;

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43

• Organizar entrevistas coletivas com a imprensa, festa de pré-estréia, etc.

Dentro de todo este contexto de promoção comunicacional, o trailer surge

como uma peça importante na fase de pós-produção do filme, ou seja, período em

que o filme está pronto e tem que alcançar seu público para ser vendido,

consumido, enfim, assistido. Portanto durante o lançamento da película, o trailer

constitui o elemento central para a difusão do filme, e sua mensagem assume,

assim, um caráter informativo e persuasivo.

A palavra trailer é um termo anglo-saxão, que significa “aquilo que arrasta,

ou aquilo que segue a pista, rastreador”. De acordo com Puche (2005:64), a

tradução nos dá uma idéia muito clara do duplo sentido desta peça audiovisual

que é projetada nas salas de cinema e que dura entre 1 e 3 minutos:

1. resume o argumento de um filme, sem revelar o final; ou, mostra

alguns dos melhores momentos do filme. É uma antecipação da

película, uma mostra sobre o tema, o clima e conteúdo. (Natureza

narrativa)

2. utiliza o discurso publicitário para dirigir-se, fundamentalmente, aos

espectadores, com a intenção de que os mesmos se animem a

assistir ao filme, por meio de uma mensagem atrativa e sugestiva.

(Natureza persuasiva).

Identifica-se a dupla natureza da mensagem audiovisual do trailer: natureza

narrativa e natureza persuasiva. Essa definição conceitual do trailer nos permite

dizer que o mesmo surge da combinação do cinema e da publicidade, ou melhor,

que o trailer é narrativo no que diz respeito à sua construção, proveniente do

cinema, e persuasivo na produção de um discurso publicitário.

O trailer se adapta ao tipo de filme, ao seu gênero e também à campanha

promocional. Podemos, portanto, destacar 3 objetivos principais que devem ser

alcançados pelo trailer:

1. Informar sobre a existência do filme e sua data de estréia.

2. Criar expectativas que atraiam o maior número de espectadores potenciais.

3. Comunicar o estilo do filme através de seu conteúdo e estética.

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44

Mar Díaz (apud PUCHE, 2005:65) acredita que “informar es lo de menos. Lo

importante es vender la película y lograr que la gente sienta curiosidad y vaya al

cine a verla. Esto es promoción pura y dura”.

A partir dos objetivos do trailer, percebemos que esse deve capturar o

espectador, e, para tanto, a composição do discurso visa estratégias que venham

estabelecer um contrato de leitura, o qual chamamos também de contrato de

vidência, isto é, deve-se firmar um acordo com o espectador de forma que o

mesmo vá ao cinema assistir ao filme promovido pelo trailer. Em outras palavras,

“o enunciador, ao operar a construção de sua fala, institui –e também arquiteta- um sujeito para o qual a destina. De um lado, o sujeito que assume o papel de destinador e que exerce o fazer persuasivo e, de outro, o sujeito que assume o papel de destinatário e a quem cabe a função interpretativa e a decisão do que fazer com a obra que acolheu. (PERUZZOLO, 2004:172)

No nosso caso, o enunciador (o editor, a produtora ou a distribuidora)

fabrica o trailer que, nos termos em que é posto, estrutura e organiza um modo de

leitura. De acordo com Peruzzolo (2004:173), espalha marcas e dispõe de traços

que devem ser notados, seguidos e interpretados pelo destinatário. Daí é que se

diz que “há uma espécie de contrato estipulado: o destinador diz

algo...verdadeiro...e o leitor deve admitir como estabelecido o que se estipula nos

termos do discurso” (PERUZZOLO, 2004:173).

A categoria contrato é usada porque sua dimensão nos possibilita afirmar

que os participantes do processo comunicativo devem aceitar um “certo conjunto

de princípios e regras para que a troca intertextual se torne possível”

(MAINGUENAU apud PERUZZOLO, 2004:173). Além disso, o termo contrato

implica que cada um dos sujeitos participantes tenha conhecimento dos seus

papéis um do outro na relação, ou melhor, destinador e destinatário reconhecem

seus lugares como o de “produtor” e de “espectador“ (no nosso caso),

respectivamente, e vice-versa. Por isso, dizemos que o trailer, sendo narrativo e

discursivo, é construído estrategicamente de forma a convencer seus

espectadores de que o filme deve ser assistido. Portanto, sua produção segue

uma certa estrutura, que não visa delimitar as opções criativas, mas, sim, construir

uma forma de “ler” (assistir) “o texto” (ao trailer).

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45

Distinguimos, assim, 3 momentos constitutivos do trailer:

1. Geralmente, em primeiro lugar, aparecem os logotipos ou marcas da

distribuidora e da produtora do filme. É o selo de identificação ou marca de

fábrica do filme. (início)

2. No segundo momento, articulam-se os fragmentos do filme, as cenas, os

diálogos, as imagens, palavras (textos, frases de efeito), as narrações,

músicas, enfim, todo o conjunto daquilo que sustenta o trailer. (meio)

3. E, por último, o encerramento com textos que fazem referência ao título do

filme, aos artistas, diretor, fechando com a estréia (pode ser algo genérico,

do tipo “em breve nos cinemas”, ou mais concreto como “dia 5 de maio nos

cinemas”). (fim)

Tem-se assim um percurso de leitura definido, porém, ainda é necessário

decidir o que vai ser mostrado e como vai ser mostrado. Isto é, narrativa e

discurso, inseridos nesta estrutura, operam o vínculo entre o suporte (trailer de

cinema) e seu leitor (cine-espectador).

“As relações narrativas dizem respeito às modalidades de organização do

que se diz, do que se conta no texto; e as relações discursivas organizam os

recursos de persuasão, as estratégias de projeção da enunciação e os

tratamentos figurativos dos conteúdos” (PERUZZOLO, 2004:140). Em outras

palavras, existe um plano de conteúdo do trailer, que se refere às questões

narrativas, e um plano de expressão, relacionado às questões discursivas. No que

diz respeito ao conteúdo da mensagem do trailer, este vai estar de acordo com o

filme, ou seja, irá adequar-se à história, mostrando aquilo a que o roteiro se refere.

Enquanto isso, as modalidades discursivas também não deixam de se adaptar ao

roteiro do filme, quer dizer, conteúdo e expressão são interdependentes,

funcionam em conjunto. Não existe uma lei em que um obedece ao outro;

simplesmente, na construção da mensagem do trailer, forma e conteúdo se

moldam como que num processo dialético. Devido a isso, nossa análise não irá

separar narrativa e discurso, pois partimos do princípio de que eles só existem na

sua combinação.

Page 46: ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA: OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

46

Uma maneira de contar define uma narrativa, e uma determinada narrativa, institui

uma forma de expressão; assim, em Matrix, os temas e o conteúdo do filme

(realidade e virtual, ficção científica, heroísmo, amor, etc.), moldam uma forma

expressiva de construção, do mesmo modo que os princípios da montagem, dos

efeitos sonoros musicais, das interferências textuais, moldam a narrativa não

linear do trailer. O conteúdo está em função da expressão, e vice-versa.

Em todo esse processo, ao qual Peruzzolo (2004:177) chama de jogo

contratual, um sujeito opera a linguagem e outro a interpreta, avaliando o que se

disse e como se disse, de acordo com seus conhecimentos, e decide se aceita, se

acredita, se ignora, etc., os valores daquele discurso. É nesse agenciamento que

os sentidos se constroem, e são postos a circular. A idéia de Mouillaud (apud

PERUZZOLO, 2004:178) de que os discursos não estão soltos no ar, nem os

sentidos, muito pelo contrário, estão envoltos em matérias significantes que são

organizadas segundo certas regras (gramática de produção), e lidas, também,

dentro de outras regras e convenções (gramática de recepção), se encaixa

perfeitamente no nosso esquema. A idéia do contrato de leitura, cunhada por

Eliseo Véron (1983), portanto, vem com o “intuito de constituir e estreitar os laços

entre enunciador e enunciatário pela organização e oferta de matéria significante,

enquanto faz indicações, anuncia valores, amarra temas e constrói interesses,

tudo em termos de capturar o leitor” (PERUZZOLO, 2004:179).

Segundo Pablo Montero (apud PUCHE, 2005:66), o tom do trailer deve ser

o mais persuasivo possível para atrair o público, e daí a importância da seleção

dos planos e a composição do conjunto audiovisual. Montero ainda nos fala da

existência de filmes que são vendidos por terem grandes artistas no elenco, ou

porque o diretor é conhecido, é o caso, então, dos usos de elementos auto-

referenciais nos trailers (alusão aos nomes, aos trabalhos prévios, comparações

com outros filmes de qualidade), que por si mesmos são persuasivos. Em outros

casos, a persuasão se encontra no poder visual das imagens ou de sua história.

Daí basta mostrar os melhores fragmentos do filme. E, ainda, há casos em que os

filmes não são em absoluto atrativos, sendo necessário persuadir por outras

formas à margem do filme: através de narrações humoradas, tensas ou ternas; as

Page 47: ENTRE A PUBLICIDADE E O CINEMA: OS RECURSOS PERSUASIVOS DO TRAILER CINEMATOGRÁFICO

47

imagens podem ser montadas de forma a constituir uma narrativa, ou adequarem-

se ao ritmo de uma trilha sonora, enfim, o poder de sugestão e atração pela

montagem de cenas chaves seria o suficiente para conquistar o espectador.

O que se percebe é que há muitas possibilidades de construção dos

trailers, de modo que Pablo Montero (apud PUCHE, 2005:67) nos sugere uma

classificação tipológica, de modo algum taxativa ou rígida, do contrário, bastante

flexível e suscetível a múltiplas combinações:

• Trailer narrativo linear: o mais freqüente. Estrutura o esquema clássico de

apresentação-conflito-solução, porém sem revelar o final. Introduz a história

do filme e cria expectativas para que o espectador queira descobrir o final

do filme.

• Trailer narrativo não-linear: não importa tanto a história do filme, mas sim

mostrar os melhores momentos: os mais engraçados, ou os mais

assustadores, os mais emotivos, os de mais ação, etc. muito freqüente o

uso de cenas com diálogos.

• Trailer não narrativo ou experimental: a narração é mais visual do que

textual. Geralmente uma sucessão de imagens montadas com uma trilha

sonora e sem aparecerem diálogos. É a sugestão sobre a narração. Os

efeitos sobre a lógica.

• Trailer auto-referencial: não importa a narração, nem os valores visuais ou

sonoros, mas sim a própria existência do filme. O filme se destaca pela

presença de atores, atrizes, diretor, e outros elementos precedentes, do

tipo “vencedor do Oscar”, “seleção oficial de Cannes”, etc.

Podemos estabelecer um vínculo entre persuasão/ sedução e a tipologia de

trailers proposta por Montero. Dessa forma, identificamos nos trailers narrativos

lineares e não-lineares a essência persuasiva, de modo que o trailer busca

convencer o espectador através da argumentação, são filmes em que a história e

os personagens são relevantes e fontes argumentativas; geralmente é o exemplo

dos gêneros de drama, comédia, thrillers. Já os trailers não narrativos ou

experimentais vinculam-se à categoria da sedução, em que as experiências

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48

mostradas na tela se tornam objetos de desejo, o espetáculo é fonte de prazer

visual e estético; é o caso de filmes com efeitos especiais abundantes, mais

próprios de ficções ou filmes de ação. É importante, porém, destacar que isso não

é regra, trata-se de uma classificação que serve de orientação para observarmos

certos elementos e recorrências, lembrando que as combinações narrativas,

experimentais, persuasivas e sedutoras ocorrem em grande número, na verdade,

é essa combinação que funciona na lógica promocional do trailer.

Iniciamos este item afirmando que as salas de cinema são um meio

publicitário, o que, de fato, é verdade. Um meio, porém, convertido em suporte

para a mediação de experiências. As imagens projetadas na tela (seja dos trailers,

dos filmes ou spots) são representações, simulações, que comportam significados

e sentidos, os quais serão decodificados pelo espectador, e, posteriormente,

vivenciados na coletividade social. É, também, nesse aspecto que o contrato de

leitura se concretiza. Quando o espectador assiste a um trailer, ele é consciente

de que está diante de uma projeção simulada da realidade, pois existem

elementos no discurso que delimitam esta representação: é uma peça audiovisual

com certos códigos e estruturas, mostra-se o logotipo da produtora e distribuidora,

os fragmentos são montados de forma a construírem um certo sentido, existe uma

trilha sonora, enfim, todos esses componentes são marcas discursivas que

orientam o lugar do espectador, para quem o trailer dá instruções de consumo,

isto é, o público terá que assistir ao filme quando o mesmo estrear para completar

e vivenciar em plenitude as experiências e momentos apenas sugeridos no trailer.

Conseguimos elucidar reflexões teóricas fundamentais acerca do trailer

cinematográfico, dos elementos expressivos e narrativos que o constituem, da

essência discursiva publicitária que o sustenta, questões que são base para o

desenvolvimento do capítulo 2, onde explicamos a metodologia do nosso trabalho,

contextualizamos o corpus de pesquisa, e por fim, realizamos a prática da análise.

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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA E ANÁLISE

2.1 Seleção do corpus: conhecendo Matrix

O corpus de pesquisa foi selecionado por conveniência, levando em

consideração a presença dos componentes expressivos e discursivos estudados

no capítulo 1. O trailer escolhido para análise foi o do filme Matrix, lançado no ano

de 1999 pela Warner Bros. – Time Company e Village Roadshow Pictures.

O filme conta com a direção dos irmãos Larry e Andy Wachowski, diretores

que na época eram novatos. No elenco,

Keanu Reeves, Laurence Fishburne,

Carrie-Anne Moss e Hugo Weaving nos

papéis principais do enredo.

A história de Matrix é bastante

complexa, prova disso foi a declaração de

Keanu Reeves para a imprensa quando

questionado a respeito do enredo de

Matrix: “Dizem que você é o único que

entendeu o enredo?”, para cuja pergunta

ele respondeu “Jura? Eu achava que a

Carrie-Anne é que era a única que tinha

entendido o filme!” (REVISTA SET,

1999:33). No entanto, mesmo complexo,

o filme foi sucesso de bilheteria no mundo

todo, tendo sido classificado como a

ficção científica mais espetacular daquele

ano. Apenas 20 dias em cartaz, e o filme havia rendido, nos Estados Unidos, 100

milhões de dólares, cobrindo, assim, o gasto de 60 milhões de dólares. Foi uma

surpresa para a equipe e também para a Warner, que considerava ter se arriscado

muito, por se tratar de um projeto de alto custo e que estava nas mãos de

diretores ainda inexperientes.

Figura 1- pôster do filme Matrix, de 1999.

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56

Em Matrix os acontecimentos estão relacionados a um conjunto de

personagens, porém, consegue-se identificar um personagem principal, cuja figura

de indivíduo é muito próxima a de uma pessoa qualquer. É com isso que Matrix

conta para realizar o primeiro contato com seu espectador, tendo na primeira

cena, após a apresentação das marcas da Warner Bros. e da Village Roadshow

Pictures, um fade out (a tela escurece), e logo um fade in (volta imagem) com a

câmera acompanhando de longe uma pessoa correndo (a personagem de Trinity);

a tela escurece novamente; e, em seguida, reaparece a pessoa correndo, agora

num plano mais próximo; e na seqüência, a câmera acompanha o salto da

personagem do telhado de um prédio para outro. O espectador fica atônito,

surpreso com o que acaba de ver; não só ele, mas também o personagem

principal, de Keanu Reeves, mostrado em primeiro plano exclamando “UOOH”

(ver figura 3).

A utilização do primeiro plano

aproxima o espectador do personagem, de

modo que aquele fica subordinado ao olhar e

ações deste. Além disso, ao cortar para a

próxima cena, a câmera faz o movimento em

direção à Neo (ver figura 4), como se

estivesse entrando no mesmo, o que

significa dizer que a partir de agora tudo será

visto pelos olhos dele, os mesmos olhos do

espectador. Logo de começo Neo e

espectador “tornam-se um”, fator primordial para aceitação e inserção do público

no universo fílmico de Matrix.

Toda a fala do trailer é dirigida a

Neo, cuja figura é tão próxima do

espectador que o mesmo sente a fala

dirigida pra si. Este é o recurso persuasivo

de Matrix mais marcante. Primeiramente

Figura 3- personagem principal, Neo, surpreso com o que acaba de ver.

Figura 4- câmera em direção, “entrando”, em Neo.

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58

-“Have you ever had a dream Neo, that you was so sure it was real?”

(Você tá teve algum sonho Neo, que você tinha certeza ser real?)

-“What if were unable to awake from that dream, how would you now the

diffrence between the dreamworld, and the real world?

(E se você não fosse capaz de acordar desse sonho, como você saberia a

diferença do mundo dos sonhos e do mundo real?)

Imagens com acontecimentos, aparentemente irreais, surgem paralelas a essas

indagações, visando estabelecer relação com o diálogo. Assim, entende-se que no

mundo de sonhos as cenas mostradas são possíveis de acontecer (ver figuras 5 e

6).

O “irreal” se apresenta a Neo em forma de acontecimentos inexplicáveis,

como, por exemplo, quando ele toca no espelho e esse se dissolve, integrando

seu corpo (ver figura 7 e 8). Na cena seguinte, vemos o espelho em forma líquida

lhe “possuindo”. Frente a tudo isso, Neo se manifesta: -“What is happening to

me?” (O que está acontecendo comigo?)

Nesta altura do trailer, o espectador, já inserido no universo diegético,

incapaz de um olhar crítico e tampouco analítico, caminha os passos do

Figura 5- Neo no mundo dos sonhos. Figura 6- Neo no mundo dos sonhos.

Figura 7- o espelho se dissolve. Figura 8- o espelho líquido integra o corpo de Neo.

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não muito diferente do nosso, porém são enfatizados os traços mais frios de nossa

existência contemporânea, das megacorporações sem sentimento humano,

passando pela vida noturna nas boates, chegando nas multidões (ver figuras 9,

10, 11 e 12).

Quando Morpheus termina sua fala de que a Matriz é um mundo de ilusão,

criado para esconder uma verdade, nos são mostradas imagens que buscam,

então, elucidar o mundo real (a verdade), cujo visual contrasta com o mundo

virtual, aquele não tão diferente do nosso (ver figuras 13 e 14).

Figura 9 – A Matriz, mundo contemporâneo das corporações.

Figura 10- A Matriz, um mundo não muito diferente do nosso.

Figura 12- Neo na Matrix, mais um na multidão.

Figura 11- a vida noturna das boates, mundo não tão diferente do nosso.

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O filme sugere que nosso mundo não passa de uma imensa realidade

virtual criado por um supercomputador – a “matrix” do título- para aprisionar a

população do planeta enquanto se alimenta de sua energia. “O conceito do filme

mistura religião, filosofia, mitologia e uma boa dose de artes marciais” (REVISTA

SET, 1999:28). O papel principal vivido por Keanu Reeves é do personagem Neo

– um hacker dos computadores-, que pode ser o “escolhido” para libertar os

humanos da tirania das máquinas. Laurence Fishburne é Morpheus, o mentor, o

guia, que acredita que Neo é “o escolhido” (em inglês the one). A personagem de

Trinity, que ajuda Neo na sua jornada virtual, fazendo com o mesmo o par

amoroso, ficou com Carrie-Anne Moss. E

como toda história de ficção e ação tem um

vilão, esse coube à Hugo Weaving, que

interpreta o misterioso Agente Smith, um

programa da Matrix criado para descobrir e

destruir o “escolhido”.

Em um universo de tantos filmes de ficção

científica visualmente espetaculares e

embalados em histórias sem conteúdo,

Matrix supera todos, pois combina muita

ação com consistência no roteiro. “As

cenas de luta, que misturam kung-fu e

efeitos especiais, parecem filmes chineses

que tomaram ácido, com tiroteios para lá de

exagerados, pessoas correndo pelas

paredes e antagonistas que brigam em

pleno ar. Acredite: você nunca viu coisa

igual” (REVISTA SET, 1999:30).

Todo esse universo acima relatado, deve ser mostrado no trailer do filme,

de forma a atrair o espectador e do mesmo modo, fazer-se entender do que se

trata o filme. Tarefa difícil no que diz respeito a Matrix, cuja definição não se

consegue em uma frase. Keanu Reeves define, Matrix é “sobre amor, evolução,

Figura 2- versão alternativa do pôster de Matrix, de 1999.

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fé, animação japonesa, os quadrinhos de Frank Miller, estruturas míticas

clássicas, perguntas, questionamentos, conhecimento, autoridade, sistemas,

ordem” (REVISTA SET, 1999:30).

Matrix traz uma fórmula muito simples, porém recheada de conteúdo

filosófico e mitológico. Na verdade, de forma sintética, conta a história de um

personagem, o herói, que tem que salvar o mundo dos humanos que está

dominado pelas máquinas (representadas pelo Agente Smith), as vilãs. No

entanto, Matrix é uma obra artística concebida como um espetáculo visual de

efeitos especiais inovadores (é o caso do Efeito bullet time, que utiliza a técnica

digital Flow-mon).

O argumento de Matrix se desenrola num sinistro mundo real dominado

pelas máquinas, e num mundo virtual (irreal) gerado pela Matrix para iludir os

seres humanos, que pensam estar vivendo a realidade. O visual estético é uma

marca forte da obra dos irmãos Wachowski (ver figura 1 e 2), que entraram, com

certeza, para a história da indústria cinematográfica.

Parafraseando Morpheus ao final do trailer de Matrix: infelizmente, é

impossível contar a alguém o que é a Matrix. É preciso vê-la você mesmo.

Na seqüência, elucidaremos os passos metodológicos seguidos na análise

do Trailer de Matrix, cujo teor reflete o universo fílmico acima explicitado.

2.2 Passos de análise

No primeiro capítulo passamos pelas questões referentes às teorias do

estudo da imagem e nossa perspectiva para este trabalho. Assim, observamos e

localizamos o trailer como uma peça que está entre a publicidade e o cinema,

sendo construído a partir da narrativa cinematográfica, com argumentos

publicitários. Desse modo, o processo metodológico alinha publicidade e cinema,

no intuito de identificar os elementos que reforçam essa condição híbrida do

trailer.

Como vimos, o trailer cinematográfico tem em sua dinâmica produtiva uma

construção do olhar fílmico, podendo, entretanto, ser percebido como uma peça

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publicitária. Porém, ao mesmo tempo em que o trailer recobre de forma importante

a promoção de um filme, adaptando-se à publicidade, tem o gênero

cinematográfico como ponto de partida para a construção de sua narrativa e

linguagem. Usando uma combinação estratégica de componentes, o trailer

cinematográfico utiliza elementos cinematográficos e argumentos publicitários

como recursos persuasivos. O trailer permite que os espectadores experimentem

amostras do filme, e nisso deve desempenhar 4 funções primordiais:

• criar consciência do filme (fazer-saber da sua existência);

• dar uma impressão global do filme a seus espectadores em potencial

(posicionar o filme na mente dos espectadores informando-os sobre o tipo

de filme que podem esperar);

• garantir que os espectadores tomem conhecimento do diretor do filme ou

de suas estrelas principais (fator que ajuda na aceitação do filme)

• criar o interesse, o desejo, a vontade de assistir ao filme.

Para que o trailer desempenhe essas funções, os componentes visuais e

sonoros são trabalhados de forma estratégica, e, geralmente, segue um

determinado fluxograma processual de persuasão, comum às mensagens

publicitárias:

• primeiramente, deve chamar a atenção;

• depois, deve manter a atenção (deve buscar estabelecer elos de ligação

com o público);

• a terceira etapa a ser seguida é a do ensaio, o público deve compreender o

que está sendo apresentado e inserir-se nele;

• na fase da aceitação ou adesão o espectador deve reconhecer o valor

proposto como algo que ele deseja;

• e, por último, a decisão, fase em que se deve tomar uma atitude.

As 4 funções primordiais do trailer cinematográfico relacionam-se

diretamente com as etapas do processo persuasivo de qualquer mensagem

publicitária, de forma que percebemos o trailer de cinema como um texto

persuasivo, cujo intuito é estipular um pacto de visualização de um outro texto: o

filme. Porém, a questão que permanece, e que orienta o percurso metodológico

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analítico deste trabalho, é a de que elementos o trailer se serve e como ele os

usa, a fim de desempenhar suas funções persuasivamente.

É a partir dessa questão base que consideramos nossas categorias de

análise, as quais são:

1. Cor/ iluminação

2. Montagem / planos / enquadramentos

3. Som (vozes, música, ruídos)

4. Tempo e espaço

O trailer do filme Matrix, que constitui nosso objeto de análise, tem a

duração de 2 minutos e 27 segundos; por se tratar de uma peça longa, para

facilitar a análise optamos por dividi-lo em 5 momentos; assim, temos:

1. Momento 1: selo de identificação do filme – Warner Bros. e Village

Roadshow Pictures. (00:00:00 até 00:00:05)

2. Momento 2: percurso narrativo que apresenta o universo fílmico

(apresentação). (00:00:05 até 00:01:15)

3. Momento 3: cenas que mostram o conflito, a ação. (00:01:15 até 00:01:38)

4. Momento 4: momento de narração visual e sonora, imagens que

acompanham a trilha musical e textos que fazem referência aos artistas do

filme. (00:01:38 até 00:02:14)

5. Momento 5: encerramento do trailer com frase de efeito e com texto

anunciando a estréia do filme. (00:02:14 até 00:02:27)

A análise não será dividida de acordo com os blocos (momentos) do trailer,

mas sim de acordo com as categorias analíticas. Os momentos narrativos existem

para que possamos delimitar um lugar para os acontecimentos, de forma que ao

mencionarmos a presença de alguns usos expressivos específicos seja possível

localizá-los no trailer de Matrix.

O quadro da página seguinte ilustra a perspectiva metodológica do trabalho:

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Montagem/planos/enquadramentosSom (vozes, música, ruídos)

Tempo e espaçoCor/iluminaçãoNarrativização de valores

universo + ator/personagem + ação + resultados suspensos

Conteúdo Expressão

Construção estratégica

Trailer=Publicidade

+Cinema

É seguindo essas orientações que o trailer de Matrix será analisado dando

conta do plano de expressão e do plano de conteúdo, lembrando que, ambos,

atuam de forma dialética, ou melhor, um complementa e obedece ao outro e vice-

versa.

2.3 Desvendando o trailer de Matrix: análise dos componentes expressivos

na construção estratégica do discurso persuasivo

No capítulo 1 cuidamos de revisar os conceitos mais relevantes para o

nosso trabalho relacionados à imagem e seus componentes expressivos no trailer

cinematográfico. Além disso, pudemos compreender o processo de

estabelecimento do contrato de vidência do trailer com seu cine-espectador. No

entanto, agora veremos como isso funciona no corpus selecionado: o trailer de

Matrix.

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Seguindo nossa metodologia iremos analisar, primeiro, o percurso narrativo

de Matrix, e na seqüência, os elementos expressivos constituintes do trailer, que

são: cor/iluminação, tempo e espaço, som (vozes, ruídos e música),

montagem/planos/enquadramentos.

2.3.1 A dimensão narrativa de Matrix

De acordo com Aumont e Marie (1995:209), os trabalhos de narratologia

fílmica definem um certo número de características:

1. uma narrativa é fechada: forma um todo – tem um começo, meio e fim.

2. uma narrativa conta uma história, tendo assim um tempo narrativo.

3. uma narrativa é produzida por alguém (ou uma instância semi-abstrata, no

caso dos filmes), por conseguinte, ela se oferece não com uma realidade, e

sim como uma mediação da realidade, que tem traços de não –realidade.

4. a unidade de narrativa é o acontecimento.

Portanto, o cinema coloca-se num lugar naturalmente narrativo, uma vez

que se apresenta como um dispositivo contador de histórias. Para Casetti e Di

Chio (1991:172), a narração é uma concatenação de situações, que têm um lugar

dos acontecimentos e personagens, situados em ambientes específicos que

operam ou não transformações. Assim, distinguem-se 3 elementos essenciais

relativos à narração: acontecimentos, personagens e transformações.

As tramas narrradas, para Casetti, são sempre “de alguém”, ou referem-se

a alguém, os acontecimentos e ações estão, geralmente, relacionadas a um

personagem. Analisar um personagem como pessoa, significa assumi-lo como um

indivíduo dotado de um perfil emocional, intelectual, racional e também um

indivíduo com atitudes. Esses aspectos aproximam assim personagem e

espectador, pois o que os diferencia é o plano ficcional de um, e o real de outro.

Daí é que a impressão de realidade do cinema se destaca e funciona, operando

sentidos e valores que movimentam as atitudes dos cine-espectadores.

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vemos em Neo uma pessoa qualquer, um hacker de computador tão comum

quanto as pessoas de nosso cotidiano. O fato de que Neo está tão confuso quanto

nós, é o elo de ligação entre espectador e Matrix. Depois de firmado esse vínculo,

os recursos utilizados para manter a atenção do público atuam no nível ficcional,

onde se movimentam os desejos e valores. Isto é, o personagem de Neo ao longo

da narrativa vai adquirindo competências, as quais o espectador não

necessariamente possua, mas as deseja adquirir, viver. O segundo momento do

trailer é caracterizado pelos questionamentos feitos a Neo sobre o seu mundo,

sonho e realidade, o qual põe-se numa posição passiva, como a mercê dos

acontecimentos. É então, que no terceiro momento, ele se torna um personagem

autônomo, ativo, pois inseriu-se no universo da Matrix, compreendeu o que

acontece e toma as rédeas da ação. Seu destaque e importância na história do

filme percebe-se desde o início do trailer, tornando-se ainda mais enfática quando

Cypher diz: -“So you are here to save the world?”(Então você está aqui para salvar

o mundo?). Ou seja, o foco da narrativa recai sobre Neo, pois é dele o papel do

suposto “salvador do mundo”. Sua influência e confiança, a partir do terceiro

momento do trailer, aparece em vários planos: quando Trinity o questiona

demonstrando insegurança quanto a sua ação: -“No one has ever done anything

like this.”(Ninguém nunca fez nada parecido); para o que Neo responde: -“That’s

why it’s going to work.”(É por isso que vai funcionar). A figura do herói, que sabe o

que faz e acredita naquilo que faz, é evidente neste diálogo, o qual se mostra

estratégico na fase de decisão do espectador, pois o personagem ganhou

credibilidade frente ao olhar do público.

No trailer de Matrix os acontecimentos estabelecem o ritmo da trama e

marcam sua evolução. No momento 2 do trailer, ainda temos Neo passivo e

confuso, de forma que os acontecimentos aparecem como função narrativa, isto é,

existem para explicar, ou melhor, apresentar o contexto, o mundo de Matrix.

Assim, temos amostras de cenas que visam elucidar o espaço dos

acontecimentos, os personagens, a história, enfim, é o momento explicativo,

ilustrativo do trailer. Imagem e texto se complementam, como por exemplo,

quando Morpheus pergunta para Neo:

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personagem principal, Neo, não se dando por conta que as falas, retiradas de uma

cena específica do filme que dura, digamos, 5 minutos, é o que sustenta todo

trailer, cuja duração é de 2 minutos e 27 segundos. Isto é, esses diálogos

específicos do trailer, que resumem a essência explicativa de Matrix, funcionam

como um recurso, pode-se dizer, pedagógico, pois todos os questionamentos são

ilustrados por cenas de outras partes do filme, que quando aproximadas no trailer,

constroem o sentido daquilo que ser quer passar: do que é a matrix.

O segundo momento do trailer, responsável pela apresentação da Matrix,

sua explicação, sua construção visual, é de fundamental importância no que diz

respeito ao estabelecimento do vínculo com o espectador, a acima de tudo, a

construção do entendimento da história e da proposta do filme. Está relacionado a

etapa do ensaio do processo persuasivo das mensagens publicitárias, fase em

que o público deve compreender o que está sendo apresentado, pois, caso

contrário, não “comprará” a idéia do filme. Isso se mostra de forma muito clara nas

falas abaixo, que constituem o momento 2:

Neo:

What is happening to me?

(O que está acontecendo comigo?)

Trinity:

The answer is out there neo.

Its the question that drives us.

(A resposta está por aí Neo. É a dúvida que nos guia.)

Neo:

What is the matrix?

(O que é a Matrix?)

Morpheus:

The matrix is the world that has been puld off your eyes to blind you from the truth.

(A Matriz é o mundo que foi colocado aos seus olhos para lhe esconder a

verdade.)

Para a explicação de Morpheus sobre a Matrix, aparecem imagens que visam

ilustrar sua fala. Percebemos, assim, que a Matriz, o mundo virtual, é um mundo

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Percebemos em Matrix um antagonismo, pois o preto e verde, e os outros

elementos estéticos correspondentes ao mundo virtual, constituem, na verdade, a

aparência do mundo real; enquanto que o azul do céu, a iluminação mais colorida,

natural (características do mundo como o conhecemos), integram o mundo

simulado pela Matriz, “habitada” pelos humanos, cujos corpos, na realidade, são

cultivados em casulos e programados para tal vivência. Tais representações de

Matrix são essencialmente simbólicas, pois buscam nesse universo entre

virtualidade e realidade chamar a atenção do espectador para o mundo

contemporâneo de hoje e os caminhos peos quais ele pode levar o homem a

trilhar e suas conseqüências. Poderíamos, num momento radical, dizer que Matrix

é uma amostra daquilo que os seres humanos vêm fazendo consigo mesmos.

Muitos filmes já exploraram essas idéias existentes em Matrix de que o

mundo das aparências é apenas uma ilusão elaborada, porém Matrix desenvolve

sua narrativa trazendo significados temáticos de outros gêneros fílmicos, como o

romance, por exemplo, e não apenas a ficção científica. Esse entrelaçamento

genérico é forte em Matrix, que busca, também, do faroeste marcas temáticas,

como é o caso da luta entre o bem e o mal, mas que neste é, obviamente,

ancorada e bem equipada nos inúmeros efeitos especiais, fator de enriquecimento

narrativo.

Porém, talvez o elemento mais importante de Matriz seja a familiaridade da

platéia com heróis genéricos – tradição que vai do faroeste até a ficção científica-

e que Keanu Reeves virtualmente aperfeiçoou no filme. Seu personagem é

retratado desde o início do trailer como um inocente confuso, e também como uma

pessoa engajada na busca pela descoberta do significado da sua existência. Isso

Figura 13- o deserto escuro do mundo real. Figura 14- os seres humanos são cultivados em casulos.

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se torna nosso ponto primário de identificação; e assim, nós – como Neo- somos

iniciados e guiados por Morpheus na verdade da Matriz.

A fala subseqüente de Neo (ver abaixo) opera o aparecimento de

componentes novos na narrativa: a introdução dos vilões, explicitando, assim, a

eterna dicotomia entre o bem e o mal, relatada acima. Nesta etapa ficamos

conhecendo “Eles”, os anti-heróis. Quando Trinity fala “eles estão o vigiando Neo”,

a imagem mostra em primeiro plano a figura de um dos agentes (ver figura 15), e

na seqüência mostra outro deles (reconhecível pelo seu figurino de traje social)

perseguindo Neo (ver figura 16).

Neo:

What truth?

(Que verdade?)

Trinity:

They are watching you Neo.

(Eles estão lhe vigiando Neo)

Essa seqüência narrativa apenas nos introduz à figura de um inimigo, mas é na

seqüência posterior que passamos a compreender o que eles representam e qual

seu papel no filme. É na fala de um dos personagens dos vilões, que

reconhecemos neles o papel de agentes que visam manter a ordem virtual da

Matriz, ou seja, não são seres humanos, são máquinas dispostas a eliminar

nossos heróis, que querem salvar o mundo, representando, portanto, uma ameaça

à matriz (ver texto abaixo e figuras 17, 18 e 19).

Figura 15- o vilão é mostrado pela primeira vez.

Figura 16- outro vilão perseguindo Neo.

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Agente smith (vilão):

Human beings are a disease, you are a cancer of this planet, and we are the cure.

(Os seres humanos são uma doença, vocês são o câncer deste planeta, e nós

somos a cura).

Assim, a disputa entre o bem e o mal coloca Neo, Trinity e Morpheus e sua

tripulação em combate contra a Matriz e seus agentes. Na seqüência, Neo

aparece correndo e gritando “Get me the hell out of here” (me tire logo daqui), logo

corta para a próxima cena em que ele está acordando, saindo da matriz e

recebido por Trinity e Morpheus que diz: “Welcome to the real world” (bem-vindo

ao mundo real) (ver figuras 20, 21 e 22).

Figura 17- agente Smith declarando seu nojo pelos seres humanos.

Figura 18- os vilões são máquinas dentro da Matriz.

Figura 19- os agentes programados para eliminar ameaças à matriz.

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Já no terceiro momento do trailer, Neo acorda para o mundo real e torna-se

um personagem ativo, os acontecimentos, portanto, se encontram situados como

atos, ou ações, operados por um personagem. A idéia estabelecida para o

espectador é de que o mundo está em perigo e seu protagonista deve lutar para

salvar a sociedade ameaçada, à qual ele, inicialmente, não sabia pertencer. Para

que essas ações aconteçam são necessárias condições, nosso herói tem de

descobrir habilidades para agir pelo bem social se quiser defender o mundo das

forças do mal. Neo adquire, assim, competência para tais atitudes. O estímulo

para o desempenho de sua performance é percebido na frase que o coloca como

única esperança para os seres humanos (citada anteriormente): -“So you are here

to save the world?”(Então você está aqui para salvar o mundo? Finalmente suas

ações têm assim, uma confirmação, um propósito, fator que qualifica a narrativa

para o público.

Figura 20- “Get me the hell out of here”. Figura 21- Neo acorda e é recebido por Trinty e Morpheus.

Figura 22- “Welcome to the real world.

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A figura de autoridade que Neo representa neste terceiro momento, é enfatizada

quando lhe perguntam: -“So what do you need?”(Então, do que você precisa?) e

ele responde: “Guns, lots of guns”. Isto é, ele manda, ele decide, e tem autonomia

para isso. Além de elucidar Neo como alguém que representa a salvação, esta

cena tematiza ação, aventura, ou seja, diz para o espectador que a partir de agora

as coisas vão esquentar (ver figura 23 e 24). Isso ainda se torna mais evidente

quando o personagem de Cypher fala: “Buckle your seet belt dorothy, cause

kansas is going bye bye” (aperte o cinto dorothy, porque Kansas vai ir para os

ares). Em outras palavras, “segure-se, porque o bicho vai pegar”. E assim, temos

a introdução do momento quatro do trailer.

O plano narrativo dos acontecimentos do momento 4 do trailer mostra uma

etapa em que as imagens são acompanhadas por uma trilha sonora instrumental,

a qual busca passar a leveza que as cenas não contêm. São cenas que tematizam

violência, ação, morte, luta, aventura, adrenalina, tecnologia; narrativizam valores

como amor, amizade, atitude, autoridade, enfim, identifica-se este momento como

o recurso estratégico narrativo de sedução-fascínio, fundamentado por Vanoye e

Goliot-Lété. Trata-se de um espetáculo visual, esteticamente bem resolvido, com

usos de slow motion, fusões, cortes secos, montagem rápida, trilha sonora,

elementos cuja expressividade articulam os sentidos de Matrix.

É no percurso dessas seqüências que vemos Neo dotado de capacidade

para agir, vislumbramos lances de sua performance. Os planos que o mostram

Figura 23- Neo se prepara para a ação. Figura 24- Neo e Trinity em ação.

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são, em grande maioria, planos próximos, os quais enfatizam o personagem como

aquele que executa a ação (ver figuras 25, 26 e 27).

A evolução do personagem de Neo durante o trailer é notável, e com ele,

também, o espectador insere-se cada vez mais na história. O público acompanha

Neo do início do trailer até o final, investindo nele confiança e credibilidade. Assim,

aquilo que Casetti (1991:172) nos expõe de que todas as tramas “são de alguém”,

confirma-se no decorrer da narrativa, de modo que tudo está ligado ao

personagem principal: Neo.

Ainda no quarto momento narrativo do trailer, existe o uso referencial aos

artistas principais do filme, fator que busca destacar a película pela presença de

dos astros. No nosso caso, os nomes em destaque são os de Keanu Reeves e

Laurence Fishburne (ver figuras 28 e 29).

Figura 25- Neo em primeiro plano, em ação. Figura 26- Neo equipado para salvar o mundo.

Figura 27- Neo salvando Morpheus, inverteram-se os papéis.

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Todo percurso narrativo tem um fechamento, o qual, usualmente, culmina

com uma transformação, seguida da sanção ou retribuição ao personagem pela

sua performance. Porém, quando se trata de trailer cinematográfico, esta é uma

etapa não cumprida, pois, a fim de que o espectador retorne à sala de cinema

para ver o filme e descobrir o final, o mesmo não deve ser mostrado. O que

captura o público no anseio pela descoberta do final é a suspensão das

transformações.

Em Matrix, a cena mais significativa para o estabelecimento final do

contrato de leitura, é a última, cuja fala incumbe o espectador da tarefa de

conhecer ou não a Matriz: “Unfortunaly, no one can be told what the matrix is. You

have to see it for yourself”. (Infelizmente, não pode dizer a ninguém o que é a

matriz. Você tem de vê-la por si mesmo). Tão significativa quanto a fala, é a ação

da cena, que exibe o efeito primoroso e inovador no cinema do bullet time. Trata-

se da técnica Flow-Mo, recurso temporal que diminui a velocidade da cena, que

possibilita ao personagem desviar-se de balas de um revólver. Ou seja, a fala de

Morpheus que se dirige ao público explicita o fato de que Matrix é algo que se

pode falar sobre, mas não adianta, pois você tem que ver com seus próprios

olhos; como é o caso da cena que está sendo mostrada: o espectador a está

vislumbrando, mas não adianta, porque ele não verá tudo, é necessário assistir ao

filme (ver quadro abaixo).

Figura 28- referência à Keanu Reeves. Figura 29- referência à Laurence Fishburne.

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Quadro 1- a cena final do trailer de Matrix, o efeito bullet time.

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Após a demonstração do efeito bullet time no trailer, que visa qualificar o

gênero da ficção científica em termos de inovações tecnológicas, o trailer caminha

para o encerramento ao exibir o título do filme, e na seqüência corta para a data

de estréia do filme e o endereço do site na Internet www.whatisthematrix.com (em

português seria - www.oqueéamatrix.com), que na época foi um dos principais

meios de divulgação da película (ver figuras 30 e 31).

O trailer de Matrix segue um percurso narrativo que combina linearidade,

pois nos apresenta um início, meio e fim, mesmo que o final não seja revelado;

não-linearidade, para contar a história no trailer são utilizadas algumas das

melhores cenas do filme; experimentalismo, o momento 4 do trailer apresenta uma

sucessão de imagens montadas com uma trilha sonora; e auto-referencialidade,

ao destacar os nomes dos dois atores principais. Assim, temos uma peça

audiovisual persuasiva e sedutora, o que enriquece o processo estratégico da

mensagem que busca o estabelecimento de um contrato de vidência com seu

cine-espectador.

A narrativa é um aspecto importante da comunicação da idéia central da

história, e essa narrativa do trailer de Matrix, prolongada, comunica significados

mais detalhados de evento, produzindo, provavelmente, uma resposta mais

emocional de seu espectador. Nosso herói é descoberto, passa por um processo

de iniciação, finalmente começa a desenvolver competências e a confiar em suas

habilidades e poderes, vai em direção ao confronto com o mal que ameaça os

seres humanos e assim é suspensa a narrativa; é aí que o desejo de completar o

Figura 30- título do filme, The Matrix. Figura 31- data de estréia e endereço do site na Internet, mais as marcas das produtoras do filme.

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ciclo da experiência se contrata, isto é, o espectador fica contratado, chamado a

voltar ao cinema para assistir ao filme de Matrix quando o mesmo estrear. Os

textos verbais, nas formas de caracteres e diálogos, as imagens elucidativas do

universo e espaço fílmicos, a trilha sonora e os ruídos em conformidade com a

montagem, enfim, constituem um quadro expressivo que põe em evidência o

conteúdo narrativo do filme, de modo que o público compartilha com Neo as

sensações, emoções da experiência de Matrix e fica ansioso para ver o final de

tudo.

2.3.2 A dimensão expressiva em Matrix

2.3.2.1 Cor e iluminação

O começo do trailer de Matrix conta com o selo de identificação da Warner

Bros. e da Village Roadshow Pictures, as produtoras do filme. Porém, essas

marcas não são mostradas de forma tradicional, ou seja, não aparecem na sua

forma padrão, do contrário, sofrem distorções. A marca da Warner aparece por

primeiro, e logo sofre uma interferência proposital na imagem. Sua cor é

modificada, e na seqüência, por meio de uma fusão2, surge a marca da Village

Roadshow Pictures, também com sua cor alterada. Esse início é bastante simples

no que diz respeito às técnicas implicadas, porém é de extrema importância

simbólica.

Quanto aos efeitos de sentido produzidos, dizemos que a alteração das

cores mostra a apropriação das marcas pela Matrix. Em outras palavras, o

universo fílmico da Matrix se instaura desde o princípio, de modo que não

conseguimos diferenciar o começo do trailer do começo do conteúdo narrativo da

história do filme, pois o mesmo envolve o espectador desde as primeiras imagens.

Os elementos que delimitam essa apropriação de Matrix pelas marcas referem-se

2 A fusão é um processo técnico de montagem pelo qual as imagens aparecem ou desaparecem

através da variação de sua exposição (Aumont, 1995:138).

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à cor e à iluminação. O símbolo que identifica a marca da Warner Bros. é de cor

amarela, com fundo imitando o céu (em tom azulado e nuvens brancas), trata-se

de uma marca de forte significado, pois ela se mostra como uma referência no

“céu do cinema” (ver figura 32), ou seja, no meio cinematográfico ela tem

destaque; porém, essa imagem logo é modificada pela interferência da Matrix, que

provoca o escurecimento da marca, agora em tons esverdeados, pretos e

azulados, cores associadas às idéias de energia, cabos, força, enfim, remetem ao

mundo das máquinas, ao mundo virtual (ver figura 33).

Nesse primeiro momento do trailer, é também bastante significativa a

complementaridade entre som e as modificações das marcas, isto é, os ruídos

acompanham a troca das cores e a mudança de plano de uma marca para outra.

Além de servirem de complemento, os ruídos são igualmente simbólicos, pois eles

remetem às idéias de choque, eletricidade; justamente aquilo que Matrix quer nos

falar, que o mundo em que vivemos está dominado pelas máquinas. A figura

abaixo (figura 34) ilustra o processo da fusão entre as marcas da Warner e da

Village Roadshow Pictures, em que é possível notar o processo de alteração das

cores.

Figura 32- marca original da Warner Bros.

Figura 33- marca da Warner Bros. modificada pela Matrix.

Figura 34- fusão entre as marcas da Warner Bros. e da Village Roadshow Pictures

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O impacto provocado pela alteração das marcas em cores fechadas, que

identificam um cenário obscuro, insere o espectador no universo de Matrix antes

mesmo desse vislumbrar qualquer cena do filme.

Sabemos da importância das marcas, do quão estratégica e significativa é

sua criação. Semprini (1995:103) nos mostra que elas são capazes de articular

valores, os quais movimentam as atitudes e relações humanas; daí que quando

uma marca tem suas dimensões alteradas (no nosso caso as cores), é porque

alguma novidade ou motivo especial existe (não é à toa que uma marca se deixa

modificar). Esse momento é, então, significativo, diferente, é o momento em que

Matrix se mostra, se identifica, se apropria do mundo externo.

Trata-se de uma estratégia de apresentação inovadora, que produz um

efeito impositivo. Sentimos que o filme

que está por vir ocupará um lugar de

destaque no mercado cinematográfico.

Neste caso, a marca não qualifica o

filme, mas o filme qualifica a marca ao

apropriar-se dela.

Além dessa situação específica e

significativa no que diz respeito às

cores, observa-se que o cenário de

Matrix está atrelado a uma iluminação escura, à destruição do mundo natural e

dominação das máquinas (ver figura 35), cujas associações se relacionam à

virtualidade, tecnologia, frieza, enquanto que os tons quentes, associados ao

humano, mostram-se pouco adequados ao contexto cibernético de Matrix.

Não apenas as cenas são trabalhadas próxima de tons escuros, mas

também o figurino dos personagens (ver figuras 36 e 37) caracteriza-se fortemente

pelas cores pretas e cinzas. É também o figurino que nos permite diferenciar os

heróis dos vilões, pois esses vestem traje social, com camisa branca e gravata

preta, ou seja, a idéia da formalidade está implicada como algo que se deve

combater. Ao contrário do que se espera, que os “mocinhos” vistam roupas

Figura 35- mundo real destruído e dominado pelas máquinas.

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brancas, os heróis, ou “rebeldes”, são aqueles que rompem com o sistema, que

está sob domínio das máquinas, vestindo roupas todas pretas, como uma forma

de expressão contrária às regras e de identificação diferenciada dentro da Matrix.

Observa-se que os elementos visuais em Matrix são pensados de forma a

movimentar sentidos e valores, e é esse aspecto que confere credibilidade ao

discurso persuasivo.

Vale lembrar também, que os textos diegéticos e não diegéticos presentes

no trailer, estão de acordo com o visual estético do universo fílmico, sendo,

ambos, de cor esverdeada (ver figura 38 e 39). Este uso se justifica pelo fato de

que os sistemas de programação computacionais, desde que surgiram, usavam

telas pretas com os indícios gráficos de cor verde (hoje aparecem em telas pretas

e letras cinzas). Dito de outra maneira, a tela preta e letras verdes caracterizaram

por muito tempo o universo da informática e dos sistemas de programação, e em

Matrix esse uso é recorrente por se tratar de um programa de computador,

construído para iludir as pessoas de que o mundo ainda está sob o domínio dos

seres humanos, quando na verdade, está em poder da inteligência artificial (das

máquinas).

Figura 36- os heróis, Neo e Trinity, no figurino todo preto.

Figura 37- os vilões, com figurino de trajes sociais.

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Cor e iluminação são elementos chave na criação do ambiente e da

atmosfera de Matrix, o qual se vale do visual no intuito de ilustrar o verbal e o

narrativo. Em outras palavras, os signos visuais movimentam os sentidos e

valores da narrativa fílmica.

2.3.2.2 Tempo e espaço em Matrix

A essência de Matrix encontra-se nos limites da realidade e da virtualidade,

busca suas bases de construção no espaço e tempo presentes, recriando-os com

novas formas.

Matrix não define um tempo narrativo, não identifica o período em que se

passa sua história, porém sugere que seja num futuro próximo. Percebemos que

se trata de uma realidade não muito distante da que vivemos, pois estamos na era

da inteligência artificial. É interessante porque é um evento presente que elebora

um futuro. Essa relação próxima do espaço diegético com o extra-diegético

confere verossimilidade à narrativa, fator que liga o cine-espectador ao filme,

facilitando sua aceitação.

A duração do trailer é resumida, pois o tempo da história é maior que o

curto tempo de 2 minutos e 27 segundos, tempo de projeção do trailer. Isso marca

o lugar ficcional da narrativa, oferta discursiva que orienta a leitura e o consumo

do cine-espectador, o qual é consciente de seu papel. Dessa forma é que o

contrato de leitura vai se concretizando, através das relações imbricadas entre os

dispositivos e a verossimilhança na narrativa.

Figura 38- texto não diegético. Figura 39- texto diegético.

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A estrutura espacial mostrada no trailer, possibilita a identificação de dois

mundos: o mundo dos sonhos e o mundo real, que configuram dois tempos

paradoxais. O aspecto mais interessante relativo ao espaço cinematográfico no

trailer, é que o mundo dos sonhos em Matrix, é o mundo que corresponde ao

mundo real do espectador. Isto é, o mundo que Neo vivia, mostrado no momento 2

do trailer, era o mundo da Matrix, uma ilusão, uma criação virtual das máquinas

para aprisionar os humanos. No trailer não conseguimos, e não temos tempo, pois

seu ritmo é acelerado, de construir ou elaborar todo este raciocínio, e é por isso

mesmo que o olhar do espectador é capturado: as informações surgem e,

explicam e confundem ao mesmo tempo. É no anseio de saber afinal do que se

trata Matrix que o trailer vai estabelecendo seu contrato de vidência.

É interessante ressaltar a questão estética e artística no que concerne ao

cenário de Matrix. Obviamente existem efeitos digitais (criados em computador),

porém esses são combinados com cenários construídos, como é o caso da nave

comandada por Morpheus (ver figura 40).

Lembrando que o cinema é a arte

de manipulação do tempo, e que a

câmera pode com efeito acelerar ou

retardar, inverter ou deter o movimento,

podemos destacar esse uso no trailer de

Matrix. São várias as cenas que utilizam

slow motion (movimento desacelerado)

no intuito de valorizar a ação. Os planos

de luta e tiroteio constituintes do

momento 4 do trailer são bastante marcados por este recurso, buscando, também,

passar uma leveza que o conteúdo da cena não contém.

Como a estrutura narrativa do trailer não é única, pois combina

experimentalidade, linearidade e não-linearidade, e autoreferencialidade, também

não conseguimos identificar uma estrutura temporal fixa, porém, a que se coloca

mais em evidência é a estrutura de tempo condensado, que respeita a

Figura 40- cenário da nave comandada por Morpheus.

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continuidade da trama corrente, eliminando os tempos fracos da narração. Isto se

encaixa no esquema de Matrix, que seleciona os momentos narrativos mais

relevantes, mas de forma que estes construam, entre eles, a história do trailer.

É neste aspecto que reside a dificuldade da construção de um trailer, pois já

existe uma história (a do filme) à qual deve-se reportar, mas com uma narrativa

própria, ou seja, cria-se uma história a partir de outra, sendo que a primeira deve

referir-se à segunda. A manipulação temporal é portanto complexa, uma vez que

as cenas justapostas, geralmente, não são correlatas de um mesmo tempo no

filme. Porém, uma montagem que consiga ajustar imagem e texto de forma com

que um esteja associado ao outro, como é o caso em Matrix, não provoca

confusão temporal e espacial nenhuma, possibilitando ao espectador situar-se na

narrativa fílmica sem problemas.

Entre os momentos 2 e 3 do trailer, existe uma sucessão acelerada e

revertida de imagens, as quais ilustram todo o percurso explicativo sobre a Matrix,

culminando na cena em que Neo acorda. Ou seja, ele passou por todo um

processo de iniciação na matriz, e tudo isso representou um excesso de

informações, as quais são expostas na forma de imagens sucessivas que estão

voltando no tempo até o momento inicial (em que Neo dormia) onde agora ele

acorda para o mundo real, marcando a introdução do momento 3 (ver figuras 41 e

42).

Além da questão temporal das imagens, é importante ressaltar o aspecto

espacial, pois na figura 41 Neo está dormindo, mas no mundo virtual da Matriz,

enquanto que na figura 42 quando ele acorda, já se encontra no mundo real. Está

Figura 41- Neo, na matrix, dormindo. Figura 42- Neo acordando no mundo real.

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em outro espaço, e com outro visual, é nesses contrastes dicotômicos entre

mundo virtual e mundo real que Matrix constrói seus significados.

Ainda sobre as imagens de transição dos momentos 2 e 3, percebe-se que

em tempo normal de projeção não conseguimos identificar claramente o que elas

mostram, porém, ao congelarmos a imagem, vemos que estas tematizam o

universo de Matrix, ao exibirem cenas cujos conteúdos são extremamente

significativos, como é o caso, por exemplo, do bebê ligado a cabos, o que remete

a idéia de que os seres humanos não nascem, eles são produzidos e cultivados

(ver figuras 43, 44, 45 e 46).

No complexo espaço-tempo que modela a representação fílmica de Matrix,

percebemos que somos capazes de vivenciar plenamente dois mundos, o virtual e

o real, e reagirmos emotivamente a ambos; o tempo e espaço da narrativa se

Figura 43- os seres humanos não nascem, eles são cultivados.

Figura 44- o mundo virtual da matrix, programado nos computadores.

Figura 45- Neo luta com um dos vilões dentro da Matrix.

Figura 46- as máquinas do mundo real.

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inserem no universo do espectador, que experimenta e vivencia com Neo uma

nova realidade, de maneira paralela, como nunca se imaginou antes.

2.3.2.3 Som (vozes, ruídos e música)

O cinema sonoro está fundado na caracterização representacional do

cinema, de modo a agenciar ruídos, falas e música. Procede de uma certa arte da

composição sonora, a qual não vem sozinha. Isto é, o som fílmico é acompanhado

de uma percepção visual, até mesmo nos casos em que a tela fica escura. Sendo

assim, “a percepção fílmica é, portanto, audio(verbo)visual e faz intervir

numerosas combinações entre sons e imagens: redundância, contraste,

sincronismo ou dessincronismo etc.” (AUMONT, 1995:276).

Em Matrix, o som é uma marca expressiva do percurso narrativo, ele

concilia imagem e som, narra por si, funciona como elemento de transição, enfim,

aproveita-se ao máximo sua potencialidade sígnica. Ao contrário da maior parte

dos trailers, Matrix não possui uma instância narradora, ou melhor, não utiliza voz

over, cuja fonte encontra-se fora do universo diegético. Busca voz diegética,

porém não necessariamente sempre enquadrada, sendo, inúmeros os momentos

em que está fora dos limites do enquadramento. Mesmo não tendo uma voz que

narre os acontecimentos, os diálogos evidenciados, funcionam, de certa forma,

como narrações dos eventos, os quais vão surgindo na medida em que as falas

vão progredindo. Portanto, temos o verbal e o visual enquanto elementos

complementares entre si, contribuindo para o desenrolar da narrativa.

Além das vozes, as quais constituem grande parte do trailer, fazem-se

presentes de forma intensa, também, os ruídos. O uso de ruídos ou de sons

incidentais aparece em vários planos do trailer, atuando em função da imagem,

isto é, ilustrando sonoramente o que a imagem mostra visualmente. Assim, por

exemplo, o salto de Trinity, no começo do trailer, é acompanhado por um som que

busca traduzir o fato, qualificando o mesmo. Antes ainda desta cena, logo no

aparecimento das marcas da Warner e da Village Roadshow, existe um som que

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remete à idéia de interferência sonora, elucidando no plano sonoro o que está

acontecendo iconicamente (a apropriação das marcas pela Matrix) (ver figuras 47

e 48).

Mais do que ilustrar sonoramente o plano icônico, os ruídos também

conferem à atmosfera do trailer um clima de suspense e mistério no momento 2,

em que o universo de Matrix está sendo apresentado. Já no momento 3,

percebemos o plano sonoro inserido no ritmo narrativo da ação, ou seja, ambienta

as cenas enunciativas em que o personagem de Neo aparece determinado,

autônomo e atuante.

O som incidental dos ruídos, aparece, inclusive, como elemento de

transição entre cenas, ou seja, é um elemento em função da montagem,

enfatizando cortes, e introduzindo cenas. É o caso do ritmo acelerado da imagem

na transição dos momentos 2 e 3 do trailer, onde o som dialoga com os cortes; e,

também, nas cenas em que aparecem os textos em caracteres na tela, os quais

são introduzidos pelos sons figurativos de holofotes num clima de tensão, por

exemplo (ver figura 49, 50 e 51).

Figura 47- o salto de Trinity, que tem acompanhamento sonoro.

Figura 48- a interferência icônica é sonoramente ilustrada.

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Esses textos verbais aparecem três vezes durante todo o trailer, e em todos

os casos percebe-se um plano sonoro ilustrando-os e, acima de tudo, enfatizando-

os, revestindo-os de importância, pois os mesmos desempenham uma função

imperativa da linguagem dirigida ao espectador. São textos que marcam o

discurso, denunciando, assim, o lugar de um dispositivo de enunciação. Não são

simples ofertas discursivas, mas mensagens autoritárias de um enunciador que

busca persuadir e convencer seu enunciatário, de modo que se este não seguir o

que aquele lhe diz, não será possível o contrato de leitura.

O conteúdo destas mensagens orienta e avisa o leitor: “Forget everything

you know” (esqueça tudo que você conhece); “Forget everything you’ve seen”

(esqueça tudo que você viu); “On April 2nd the Matrix has you” (em 2 de abril a

Matriz o tem). Estes intertítulos unem as seqüências narrativas, e o entendimento

do discurso comunicativo alterna “persuasão e interpretação: aquele que fala

Figura 49- caracteres sendo introduzidos na tela, acompanhados por ruídos.

Figura 50- plano icônico ilustrado sonoramente.

Figura 51- caracteres com plano sonoro de transição entre cenas.

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busca persuadir aquele que ouve- e interpreta- da verdade que fala. Falar, assim,

é sempre buscar persuadir, conquistar a adesão de um outro que, ele também, ao

desejar a persuasão, conquista a parceria do primeiro” (TEIXEIRA, 1996:95).

Nesse jogo dramático, definem-se os papéis na configuração dos interlocutores, e

instauram-se as condições para o estabelecimento do contrato de vidência. Isto é,

em aceitando a oferta daquele que fala, o leitor conquista seu enunciador e o

contrato se firma, completando-se quando o espectador retorna à sala de cinema

para assistir ao filme Matrix.

De acordo com Lucia Teixeira, o contrato entre um sujeito que deve fazer

crer e um outro que deve crer baseia-se numa relação fiduciária que sustenta os

mecanismo de poder. Em outras palavras, a posição de quem fala manda, e quem

ouve obedece, só se concretiza se houver confiança recíproca, e é por isso que o

discurso se produz de forma a persuadir, mas também seduzir seu leitor, cuja

confiança se estabelece a partir dos investimentos de credibilidade da narrativa no

seu personagem principal: o herói.

Na análise do som ainda temos a presença da música. A música no trailer

de Matrix não entra em relação com as vozes e os ruídos, pois os mesmos são

suprimidos quando a trilha sonora ocupa a cena. Isso se dá no momento 4 do

trailer, em as imagens constituem um espetáculo visual acompanhado por uma

trilha musical. O mais relevante no que diz respeito ao uso da música no trailer de

Matrix, é que sua função dramática busca criar uma atmosfera não

correspondente à situação das cenas, pois as mesmas referem-se à violência,

ação, aventura. Assim, temos a música tentando passar algo que a imagem não

nos dá: leveza. Mas além desse efeito, a trilha visa preencher o quadro cênico,

progredindo e ascendendo em conformidade com o plano icônico. Identifica-se

assim um efeito de pleonasmo, em que a música busca ampliar, destacar o

percurso narrativo do trailer.

A seleção e organização dos elementos sonoros e verbais ganham força de

argumento, ao tentar identificar, elucidar e enfatizar as marcas discursivas de

enunciador e enunciatários, combinando, persuasão, sedução e interpretação na

concepção audio(verbo)visual do trailer.

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2.3.2.4 Montagem

Uma obra cinematográfica é uma obra manipulada, manobrada, montada.

Assim, a narrativa cinematográfica é alcançada na montagem. Isso vale para os

filmes, e mais ainda, para os trailers, cuja essência reside na sucessão de

fotogramas retirados do filme.

Com a montagem o trailer é criado e toma sua forma final. Ela organiza os

planos selecionados em condições de ordem e duração. No caso de Matrix,

identificamos uma montagem do tipo narrativa, em que os planos são montados

de forma a contar uma história, e ao mesmo tempo uma montagem expressiva, na

qual a justaposição dos planos busca produzir sentimentos ou idéias. Podemos

dizer que o trailer é narrativo quando analisado num todo, e expressivo quando

analisado quadro a quadro.

A dinâmica da montagem que está fundamentada no fato de que os planos

devem preparar, suscitar ou condicionar os seguintes, é perceptível no trailer de

Matrix. As falas de certas seqüências, preparam a seqüência seguinte, a qual está

sempre, ou respondendo à anterior, ou preparando uma próxima. Essas regras

estão de acordo com uma das funções do trailer, que diz respeito ao

posicionamento do filme na mente dos espectadores, os quais devem saber de

que tipo de filme se trata e sobre o que fala.

A ordenação dos planos e elementos em Matrix é pensada

estrategicamente, não apenas porque são mostrados os momentos mais intensos

e esteticamente bem resolvidos do filme, mas porque são articulados a partir da

montagem verbal da fala dos personagens, completamente distantes no filme,

mas justapostos no trailer de forma a assumir a base de orientação do percurso

audiovisual. Assim, quando Trinity fala para Neo que ele está sendo vigiado,

aparece um plano que mostra os agentes; quando Morpheus pergunta a Neo se

este já teve um sonho que parecia real, aparecem cenas que remetem ao universo

dos sonhos; quando Morpheus explica o que é a Matrix, nos são mostradas cenas

que elucidam a fala, e contrastam com o mundo real dominado pelas máquinas. O

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exercício da construção persuasiva do discurso do trailer, é montado, ordenado,

escolhido e pensado com o intuito de capturar o cine-espectador.

A relação entre enunciador e enunciatário, no momento em que o primeiro

busca adesão, e o outro decide se aceita ou não, é marcada pelas ofertas

discursivas, e a qualidade e o grau de consistência do estabelecimento do

contrato de leitura se revela no tipo de sedução praticada pelo enunciador, que ao

escolher certos elementos em detrimento de outros, mostra que conhece seu cine-

espectador, seu público potencial, fator chave para o firmamento do pacto de

vidência.

O exercício de montagem resume as fundamentais ações de escolha da

enunciação, ou seja, a montagem resulta de uma operação de escolhas de

matérias significantes que visam chegar ao espectador e produzir determinados

sentidos. A enunciação é responsável, portanto, pela mediação entre obra e

enunciatário, de forma que ao integrar estruturas narrativas e discursivas, busca

“produzir dois grandes efeitos de sentido: produzir um objeto de comunicação e

entrar em comunicação com alguém” (PERUZZOLO, 2004:143). A partir disso,

dizemos que a unidade de comunicação que se coloca entre as subjetividades é o

conjunto das cenas, sons, imagens, caracteres, enfim, todos os recursos

expressivos, os quais são combinados numa unidade coerente de sentidos

através da montagem, constituindo o plano discursivo.

Assim, a montagem de Matrix é o processo pelo qual a enunciação tece

imagem, texto e som, de maneira que essa combinação múltipla produz o que se

quer passar com o: “eu quero conhecer Matrix”. O trailer é montado de modo que

cria consciência do filme, chama a atenção por seus efeitos e visual estético,

prende a atenção do espectador, que fica curioso por esse universo, cria uma

impressão global daquilo que é o filme, cria o interesse, atrelado principalmente,

ao personagem de Neo, fator de identificação e aceitação do público, e por fim,

orienta a platéia na sua decisão: “Infelizmente não se pode dizer o que é a Matriz,

você tem que ver por si mesmo”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pudemos perceber no decorrer do trabalho, o cinema é um meio que

consideramos arte, indústria, espetáculo, discurso. Surgiu como resultado da

evolução da fotografia, combinando, porém, imagem, movimento e som. Os

diferentes usos de seus elementos expressivos proporcionaram o surgimento de

linguagens como a do vídeo, da televisão, e da publicidade.

Ao estudarmos a linguagem cinematográfica, compreendemos a noção de

dois planos constituintes das mensagens verbo-visuais-sonoras: plano de

expressão e de conteúdo. Daí que identificamos, portanto, componentes

expressivos e narrativos, os quais, interligados, compõem um todo produtor de

sentidos. Nossas bases, então, foram estabelecidas sob o aspecto das relações

significantes entre a narrativização e os elementos da linguagem audiovisual

utilizados para sua concretização.

Acerca do texto publicitário e suas peculiaridades discursivas, pudemos

compreender os fatores referentes à manipulação de valores e elaborações

simbólicas que a argumentação, sedução e persuasão publicitárias, quando

combinadas, operam. Nos níveis da semiologia, foi possível perceber a

publicidade enquanto uma esfera da ordem dos sentidos, que, através do

discurso, movimenta intersubjetividades, num jogo que se realiza nas relações de

consumo.

As descrições dos dispositivos cinematográfico e publicitário, permitiram a

união de suas naturezas narrativa e persuasiva, respectivamente, para estudar a

composição estratégica do trailer de cinema. Desse modo, nosso trabalho

configurou um estudo da linguagem audiovisual, com foco no trailer

cinematográfico, elucidando a combinação entre cinema e publicidade que o

mesmo configura, o que origina sua narrativa e linguagem própria. A narrativa

cinematográfica e o discurso publicitário se mostraram fontes necessárias para

sua construção, de onde o trailer retira elementos expressivos e argumentos

persuasivos a fim de capturar o seu espectador.

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Entendemos o trailer, portanto, enquanto uma peça integrante de uma rede

de comunicação para a promoção de um filme. O percebemos de forma inserida

num contexto industrial, fator que fundamenta sua existência, isto é, ele cuida da

difusão e venda de um filme. Porém, além dessa dimensão comercial, o trabalho

permitiu estudá-lo numa perspectiva semiológica, em que as intersubjetividades

são movimentadas por um contrato de leitura.

Daí que se verificou que o contrato de leitura, o qual visa estreitar os laços

entre enunciador e enunciatário, através da oferta de matérias significantes, que

indicam valores, amarram temas e constroem interesses, é essencial na

orientação e conquista do olhar do cine-espectador. É através disso que o jogo

publicitário do trailer se concretiza, de modo a explicitar os papéis de produtor e

consumidor, e fazer circular na sociedade os valores afirmados na tela do cinema.

Assim, o trailer passa a viver em meio às relações humanas, assumindo

posições simbólicas e sociais, ou seja, um produto tornado objeto de consumo

imerso no seio social e econômico. É neste domínio, das relações de consumo,

que os sentidos do trailer se dão a conhecer plenamente. Do mesmo modo que

ocorre com as narrativas da televisão, pode-se dizer que o que concerne ao

publicitário no trailer, também põe à disposição posições de sujeito, modelos de

identificação, idéias de gênero, raça e sexo, enfim, o trailer cinematográfico,

enquanto um produto midiático, movimenta textos sociais e culturais necessários

para a manutenção da ordem social.

Dizemos que “a propaganda vende produtos e visões de mundo por meio

de imagens, retórica e slogans justapostos em anúncios nos quais são postos em

ação tremendos recursos artísticos, psicológicos, mercadológicos” (KELLNER,

2001:322). É neste espírito da cultura midiática, que o trailer se realiza, isto é, se

ele não apresenta possíveis respostas aos desejos de seu cine-espectador, este

não retorna à sala de cinema para assistir ao filme promovido. Nesta instância é

que a publicidade se insere na produção do trailer de cinema, de modo a utilizar

construtos simbólicos com os quais o consumidor (espectador) é convidado a se

identificar para então, usar (assistir) o produto (ao filme) anunciado.

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Nosso trabalho também possibilitou estabelecer relações entre os

diferentes tipos de trailer com as diferentes estratégias narrativas da publicidade.

Em outras palavras, identificamos marcas de argumentação, sedução e de

persuasão nos trailers narrativos, sejam eles lineares ou não-lineares, referenciais

ou experimentais. Dito de outra maneira ainda, as múltiplas combinações

tipológicas narrativas e discursivas é que funcionam na lógica promocional do

trailer cinematográfico. Ou seja, as ofertas simbólicas e significantes, nas formas

narrativas, não seguem regras fixas e imutáveis; sabe-se, sim, de objetivos que o

trailer deve cumprir, porém as formas utilizadas para tanto podem variar. É neste

aspecto que as marcas enunciativas são percebidas, pois as opções são

inúmeras, e determinadas escolhas denunciam um estilo, uma visão, enfim,

orientam uma certa leitura.

Constituímos, no primeiro capítulo, um quadro teórico necessário para

colocar em prática a análise do nosso objeto empírico: o trailer do filme Matrix. A

metodologia aplicada resultou do alinhamento funcional e processual dos

elementos expressivos e discursivos do trailer, provenientes das linguagens

cinematográfica e publicitária; e se apresentou, não só eficiente para este

trabalho, mas, também, como um modelo de fácil aplicação no estudo de imagens

em movimento.

Quanto ao trailer de Matrix, verificamos que através da seleção de

seqüências, sem sucessão cronológica, e de uma forte trilha sonora musical, ele

mostra um arranjo experimental complexo, pois, ao mesmo tempo, combina cenas

e diálogos que recobrem a dimensão narrativa de seu discurso. O ritmo da

montagem acompanha a progressão narrativa do personagem, de forma que ao

final do trailer existe o ápice de uma montagem expressiva, a qual se põe em

função da música. As imagens retratam o espetáculo tecnológico, estético e

filosófico de Matrix. É um trailer de cinema que cumpre seus objetivos, constrói um

olhar fílmico, pois em alguns minutos passa a idéia daquilo que é Matrix, e ainda

amarra o espectador no desejo de assistir ao filme, quando conclui sua chamada:

“Unfortunally no one can be told what the Matrix is, you have to see it for yourself”.

Observa-se claramente que assim como o cinema, a publicidade, também, tem

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importância para o entendimento do trailer, uma vez que os fins do mesmo

encontram-se na promoção, divulgação, venda do filme.

De um modo geral, este trabalho percorreu os passos teóricos dos estudos

da imagem e do discurso, conduzindo-os na perspectiva da composição do trailer

de cinema e no estabelecimento do contrato de leitura, aplicando-os na análise do

trailer do filme Matrix. Um exercício teórico e prático que permitiu olhar o

fenômeno da comunicação nos limites tênues que diferenciam publicidade e

cinema, sob a ótica de uma peça audiovisual resultante da combinação dos

mesmos: o trailer.

Enfim, este estudo possibilitou identificar que o discurso publicitário

estratégico permeado por elementos cinematográficos é essencial na construção

do pacto de visualização do filme. É a publicidade se inserindo no discurso

persuasivo como intuito, e o cinema seduzindo pelo poder visual de suas imagens,

sons e história.

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