Entre Combos e Enigmas

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63 Porto Alegre n o 14 Dezembro 2005 Famecos/PUCRS cibercultura A diversidade e quantidade de diferentes lingua- gens, técnicas e narrativas fazem dos games um fascinante campo de estudos dentro da comuni- cação. Através de seu suporte digital, variados códigos são orquestrados de maneira a proporci- onar ao usuário uma experiência extremamente rica, tanto do ponto de vista sensorial quanto em relação ao nível de envolvimento emocional que podem proporcionar. O cinema, a tv, a literatura, os quadrinhos, a música, a conversa: tudo pode ser reunido nos games. E o é, frequentemente. Essa mistura torna difícil apreender o que há de específico e o que pode ser considerado característica comum desse objeto comunicacional. Apesar dessa dificuldade, é im- portante que se determine o que os games, para além das especificidades, têm de comum entre si. Estabelecer grandes repartições conceituais, ga- vetas, onde se possa colocar e organizar as ca- racterísticas que fazem que cada game pertença a um ou outro tipo de jogo. A falta, entretanto, dessa tipologia, dificul- ta qualquer tentativa de análise sistemática nessa área, já que sem ela, o provável é que se mistu- rem, na análise, coisas que não são da mesma ordem ou que respondem a diferentes objetivos dentro dessa indústria. Isso fica evidente quando ENTRE COMBOS E ENIGMAS: A COMPLEXIDADE DA NARRATIVA DOS GAMES Cristiano Max Pinheiro * e Marsal Alves Branco ** R R R esumo esumo esumo esumo esumo O presente estudo aborda o universo dos games e, como uma forma de realizar uma investigação com- pleta do assunto, invade também questões referen- tes ao cinema, à televisão, à literatura, aos quadri- nhos e à música. Devido à extrema diversidade do formato aqui estudado, optou-se por focalizar a aná- lise em dois conceitos fundamentais: narrativa e interatividade. Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Palavras-chave Games – Narrativa – Interatividade Abstract Abstract Abstract Abstract Abstract The present study approaches the universe of the games and, as a form to carry through a complete inquiry of the subject, it also invades referring questions to the cinema, television, literature, cartoons and music. Due to extreme diversity of the format studied here, it was opted to focusing the analysis in two basic concepts: narrative and interactivity. perguntamos a um game que tipos de jogos prefe- re. As respostas, de maneira geral, vão misturar preferências por gênero, por jogabilidade, por equi- pamento, pela empatia, por personagens, por cenários, por ambientes e todo o tipo de referências culturais que um jogo pode propor a um indivíduo. Naturalmente, todas as respostas são válidas e respondem a critérios de categorização pertinentes a cada pessoa: mas representam, para a pesquisa científica, um problema difícil de contornar. A necessidade de construir uma tipologia dos games nos coloca diante do primeiro e um dos mais importantes problemas com que o pesquisador tem de lidar: a extrema diversidade desse tipo de narrativa. A extensão e variedade infindas dos jogos pro- vocam de início o desespero na procura de um princípio de classificação que permita re- parti-los a todos num pequeno número de categorias bem definidas. (CAILLOIS, p.31) Para que se possa lidar com tal diversidade, é necessária a adoção de alguns critérios que de- marquem diferentes áreas, características e pro- cessos dentro do universo dos games. Para isso, usaremos como dimensões de análise a narrativa e a interatividade. Key Words Key Words Key Words Key Words Key Words Games – Narrative – Interactivity

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Primeiro artigo publicado por mim (Cristiano Max) e pelo Marsal sobre nossos pensamentos sobre games, narrativa, interatividade e questões afins.

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cibercultura

A diversidade e quantidade de diferentes lingua-gens, técnicas e narrativas fazem dos games umfascinante campo de estudos dentro da comuni-cação. Através de seu suporte digital, variadoscódigos são orquestrados de maneira a proporci-onar ao usuário uma experiência extremamenterica, tanto do ponto de vista sensorial quanto emrelação ao nível de envolvimento emocional quepodem proporcionar. O cinema, a tv, a literatura,os quadrinhos, a música, a conversa: tudo podeser reunido nos games. E o é, frequentemente.

Essa mistura torna difícil apreender o quehá de específico e o que pode ser consideradocaracterística comum desse objetocomunicacional. Apesar dessa dificuldade, é im-portante que se determine o que os games, paraalém das especificidades, têm de comum entre si.Estabelecer grandes repartições conceituais, ga-vetas, onde se possa colocar e organizar as ca-racterísticas que fazem que cada game pertença aum ou outro tipo de jogo.

A falta, entretanto, dessa tipologia, dificul-ta qualquer tentativa de análise sistemática nessaárea, já que sem ela, o provável é que se mistu-rem, na análise, coisas que não são da mesmaordem ou que respondem a diferentes objetivosdentro dessa indústria. Isso fica evidente quando

ENTRE COMBOS E ENIGMAS:A COMPLEXIDADE DA NARRATIVA DOS GAMES

Cristiano Max Pinheiro* e Marsal Alves Branco**

RRRRResumoesumoesumoesumoesumo

O presente estudo aborda o universo dos games e,como uma forma de realizar uma investigação com-pleta do assunto, invade também questões referen-tes ao cinema, à televisão, à literatura, aos quadri-nhos e à música. Devido à extrema diversidade doformato aqui estudado, optou-se por focalizar a aná-lise em dois conceitos fundamentais: narrativa einteratividade.

Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chaveGames – Narrativa – Interatividade

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract

The present study approaches the universe of thegames and, as a form to carry through a completeinquiry of the subject, it also invades referringquestions to the cinema, television, literature,cartoons and music. Due to extreme diversity of theformat studied here, it was opted to focusing theanalysis in two basic concepts: narrative andinteractivity.

perguntamos a um game que tipos de jogos prefe-re. As respostas, de maneira geral, vão misturarpreferências por gênero, por jogabilidade, por equi-pamento, pela empatia, por personagens, porcenários, por ambientes e todo o tipo de referênciasculturais que um jogo pode propor a um indivíduo.Naturalmente, todas as respostas são válidas erespondem a critérios de categorização pertinentesa cada pessoa: mas representam, para a pesquisacientífica, um problema difícil de contornar.

A necessidade de construir uma tipologia dosgames nos coloca diante do primeiro e um dos maisimportantes problemas com que o pesquisador tem delidar: a extrema diversidade desse tipo de narrativa.

A extensão e variedade infindas dos jogos pro-vocam de início o desespero na procura deum princípio de classificação que permita re-parti-los a todos num pequeno número decategorias bem definidas. (CAILLOIS, p.31)

Para que se possa lidar com tal diversidade,é necessária a adoção de alguns critérios que de-marquem diferentes áreas, características e pro-cessos dentro do universo dos games. Para isso,usaremos como dimensões de análise a narrativae a interatividade.

Key WordsKey WordsKey WordsKey WordsKey WordsGames – Narrative – Interactivity

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GÊNEROS NARRATIVOS

Pode-se dizer que as discussões sobre osgêneros narrativos, oriundas da literatura e do ci-nema dividem-se em três posições: a primeira con-sidera problemático o uso do conceito porque re-clama o espaço da criatividade dentro da narrati-va. Esta, a criatividade, seria “coagida” dentro depadrões muito rígidos (os padrões de cada gêne-ro) e perderia, portanto, sua força criadora. A “ver-dadeira obra” não se preocupa com o gênero,porque se faz, justamente, no que tem de único,singular e inigualável. Sob esta ótica, o gênerorepresenta um grilhão que prende os movimentosdo criador e uma de suas principais conseqüênci-as é, então, a homogeneização das narrativas.Outra posição, oposta à anterior e representadapor autores como TODOROV, defendem o usodo conceito, reafirmando sua importância comoelemento de configuração narrativa, diálogo emediação entre os agentes envolvidos na narração- sejam autores, leitores ou produtores de manei-ra geral. TODOROV reconhece, entretanto, a ne-cessidade de fugir às antigas conceituações degênero tal como foram desenvolvidas na literatu-ra clássica (derivadas das raízes épica, lírica edramática). Para ele, essas conceituações nãodariam mais conta da diversidade de processos,mistura de códigos e soluções narrativas que ca-racterizam a produção contemporânea. Às velhasformas devemos substituir por novas, condizen-tes com uma maneira diferente de conviver e lidarcom os textos.

...os gêneros configuram-se como espaçode permanente mobilidade e transformaçãoe podem ser qualificados como dinâmicos,móveis, capazes de incorporar as transfor-mações que historicamente se impõem.(BORELLI, p.172)

Embora atento às modificações contempo-râneas ocorridas nos textos, TODOROV tem emmente a aplicação do conceito restrito ao textoliterário. Uma ampliação do alcance do conceitode gênero, entretanto, estende sua área de atuaçãopara outros tipos de textos que fogem à literatura“tradicional”. Autoras como BORELLI, propõemessa ampliação, estendendo-o a outras manifesta-ções culturais da sociedade. Resgata de CAMPOSa noção de gêneros híbridos. Para este, a noçãode gênero, da maneira como é vista pela literatu-ra, é eclodida concomitantemente ao surgimento

da imprensa e ao desenvolvimento dos meios decomunicação de massa. O gênero, escapando aoslimites da literatura, aplica-se a qualquer produtomidiático, e através destes, por causa de seus pro-cessos e limitações específicas, alargam, mistu-ram e negociam constantemente suas regras, sen-tidos e características.

A partir desse alargamento, e aplicados aosprodutos midiáticos, os gêneros, para BORELLI,cumprem o papel de interface primeira em nossarelação com as narrativas-produtos da sociedadecontemporânea.

...é possível afirmar que os gêneros se cons-tituem como mediação fundamental na re-lação entre produtores, produtos e recep-tores na cultura moderna. (p.178)

Assim, o gênero funciona como uma ma-triz de sentido cujo propósito é servir de interfaceentre o produtor e sua narrativa e entre o consu-midor e o produto. A configuração de cada gêne-ro serve para guiar tanto o produtor quanto o con-sumidor em meio a um universo de escolhas. Ogênero “cataloga” o produto midiático, dizendo,de maneira sintética, o que se deve esperar dedeterminada narrativa. Por mais criticado que seja,estabelece, a partir da noção de contrato, uma sériede premissas que ajudam a guiar as decisões docriador e as percepções dos usuários, colocandoem jogo - ao mesmo tempo - exigências e restri-ções à narrativa.

Um game pode ser épico, de fantasia, fic-ção científica, ação, terror, esportivo, policial, eró-tico ou qualquer outro. Essas repartições guar-dam semelhanças com as que encontramos nocinema. Cada gênero vale-se de soluções narrati-vas particulares e demanda alguns requisitos. Éde se esperar, por exemplo, que o jogador de umgame de ação não espere um personagem tão com-plexo quanto o que espera o jogador de um gamede terror. Para o primeiro, em muitos casos, bas-ta que saiba onde é o botão de tiro. Para o segun-do, desvendar o passado e entender a psique doseu personagem pode ser a principal chave paraum desempenho satisfatório do jogo. Em algunsgêneros, como o épico, uma troca de persona-gens durante o jogo pode mudar completamente amaneira pela qual a trama é conduzida – abrir no-vos caminhos ou gerar a possibilidade de açõesopostas as do personagem anterior - em outros(como os de ação) pode significar apenas umaligeira adaptação quanto aos procedimentos (gol-

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pes, ações e recursos disponíveis) do novo per-sonagem. De qualquer forma, os gêneros dizemrespeito às regras gerais na condução da históriae baseiam-se em configurações pré-concebidasque dizem - de maneira geral - o que deve e o quenão deve fazer parte do universo que está sendoproposto.

Quando aplicados aos games, o maior pro-blema que se coloca à respeito dos gêneros vem,naturalmente, da especificidade dessa mídia: guar-dado o uso de códigos e soluções narrativas quepodem ter (e tem!) em comum com outras for-mas de comunicação, os games apresentamobjetivos, processos e mercados distintos dosoutros produtos midiáticos. São diferentes do ci-nema, dos quadrinhos, da tv, etc. Tal constatação,por óbvia que seja, não pode ser ignorada. É pre-ciso que se faça uma série de operações quandotentamos adaptar para os games os principais gê-neros da literatura ou do cinema. A especificidadedos jogos eletrônicos (especialmente a extremaimportância da interatividade; a performance va-riável do equipamento e a variedade de respostasque podem ser obtidas) altera de maneira funda-mental a forma pelas quais se encara uma narrati-va. Um exemplo claro disso pode ser visto quan-do um game de fantasia como Ragnarök1 anun-cia a si próprio como sendo um “game para co-nhecer e se relacionar com pessoas”. Em vez deser vendido como um jogo do gênero fantasia –que tem uma cultura própria e uma legião de apre-ciadores – é mostrado a partir de suas caracterís-ticas de interação. A Level Up Games, empresaresponsável pelo título no Brasil, opta vender oproduto não pelas especificidades da narrativa,mas pelas suas qualidades técnicas. Nesse caso,especificamente, pelo seu potencial como ferra-

menta de comunicação. A partir dessa constatação,é natural pensar que muitos dos jogadores deRagnarök sejam atraídos para o jogo tanto pelapossibilidade de ser um mago ou odalisca (sedu-ção à partir do gênero narrativo) quanto pela pos-sibilidade de poder fazer isso enquanto se comu-nica com amigos à volta do mundo (sedução atra-vés das características comunicativas). A forçadesse aspecto comunicacional pode fazer com que,por exemplo, a meta de ter um personagem co-nhecido pela comunidade internacional seja tão oumais importante do que jogar/interpretar, especi-ficamente, um mago dentro de universo de fanta-sia. Que a possibilidade de ser reconhecido pelosdiferentes clãs seja um dos principais elementosde sedução ao usuário e não uma “aderência” aogênero por parte de um jogador aficionado porfantasia.

Com isso, não se quer dizer que a impor-tância do gênero narrativo desapareça em detri-mento aos aspectos comunicacionais ou técnicosenvolvidos no game. O gênero tem um papel fun-damental como interface do jogo, como propo-nente de possibilidades e restrições de um univer-so narrativo. Em alguns casos, pode-se dizer quedeterminados gêneros encontram nos vídeo-games algumas de suas mais puras expressões.Tipos de narrativa cujas características encon-tram um nível muito particular de resposta nouniverso dos games. Um exemplo disso é o gêne-ro fantasia. Uma breve olhada nos títulos das pra-teleiras revela uma grande oferta de mundos fan-tásticos, repletos de monstros, dragões, fadas,cavaleiros e demônios. A maior parte das narrati-vas lida com a destruição ou resgate de podero-sos artefatos que não podem cair nas mãos dedeterminados NPCs2 ou que precisam voltar a seuslugares de origem. O envolvimento dos usuáriosdesse tipo de jogos é tanto que, munidos de livrosde RPGs (os sistemas de RPG servem como basepara a dinâmica e estrutura de muitos games), osgamers desenvolvem extensa e diversificada cul-tura do gênero: como se constrói uma catapulta;magias para iniciantes; sutilezas da administraçãofeudal; como enganar um dragão; a quantidade dedentes e a alimentação dos ogres da montanha;como treinar um cavalo de batalha, fazer a manu-tenção do elmo ou forjar uma espada bastarda.Diante dessa cultura, retro-alimentada por manu-ais que atingem centenas de páginas, fóruns dediscussão, troca de filmes, desenhos e livros, osmundos fantásticos oferecidos crescem em graude diversidade e regras internas, atingindo um ní-

A especificidade dos jogos

eletrônicos (especialmente a extre-ma importância da interatividade; a

performance variável do equipamen-

to e a variedade de respostas que po-dem ser obtidas) altera de maneira

fundamental a forma pelas quais se

encara uma narrativa

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vel de riqueza que outras mídias não conseguemalcançar. Por outro lado, reforça algumas das ex-pressões dessa narrativa nessas outras mídias: éo caso dos inúmeros livros, histórias em quadri-nhos e filmes de fantasia que usam como base osuniversos dos games e, frequentemente, os mes-mos personagens. Assim como o gênero fantásti-co, outros gêneros parecem encontrar nos gamesexpressões novas de se manifestarem. É o casodos jogos de guerra. O tipo de experiência pro-porcionado pelos games sobre esse tipo temáticoespecífico revela dimensões que outras expres-sões midiáticas não contemplam: a necessidadede conhecer as armas e suas especificidades; deconhecer os terrenos e palcos de batalhas; de re-conhecer uniformes, postos, veículos; reconhe-cer sons, articular táticas e estratégias de sobre-vivência etc. Entretanto, a natureza híbrida dosgames faz com que categorização de gênero devearticular-se junto com outros aspectos do univer-so lúdico, por exemplo, os aspectos técnicos. Issotanto é verdade que é fácil constatar como osgames, tendo se transformado na maior fatia demercado da indústria de entretenimento, desen-volveu uma tipologia própria que tende a misturaro que é da ordem do gênero narrativo com o queé da ordem técnica. O objetivo dessa tipologia éinstrumentalizar sua comunicação com fornece-dores e clientes servindo de interface entre o pro-duto e seu público. Até aqui, é o mercado que, emúltima instância, regido por necessidades práticasde comunicação, cria um jargão adequado, capazde comunicar ao consumidor que tipo de jogo seestá comprando. Examinemos uma categorizaçãofornecida pela IGN:

action – adventure – batlle – board – card –cassino – compilation – fighting – flight –hardware – hunting – music – other – party– pinball - plataformer – productivity –puzzle – rpg – racing – sampler – shooter –simulation – sports – strategy – trivia –video – virtual pet – wrestling

Pode-se facilmente notar os diferentes cri-térios de classificação usados. Algumas assumemcomo critério o gênero narrativo: action, batlle,flight, hunting, music, racing e sports. Um jogotipicamente action fornece ao gamer um cenárioadequado à execução de uma série de peripéciasque vão exigir dele habilidades específicas. Comoregra, não se espera de um jogo action uma tramatão elaborada quanto a de um game do tipo

adventure. Por outro lado, muitos aspectos queenvolvem a interatividade e jogabilidade serão bas-tante exigidos nesse tipo de jogo. Seu estatuto desedução é justamente a possibilidade de apenasagir. Tendo escolhido jogar um action, o gamerse sentirá enganado se tiver de, para passar de umnível a outro, resolver um complicado enigma ouconversar com muitos NPCs. Nesses casos, aclassificação por gênero narrativo dá ao usuáriocondições de, antecipadamente, saber com quetipo de jogo vai lidar: muita ação, ambientes deguerra (batlle), caça, corridas, esportes, etc.

Outras classes, entretanto, não são apreen-didas de maneira tão clara quando nossa chave deinterpretação é exclusivamente o gênero narrati-vo. Isso acontece porque será o tipo de experiên-cia visada pelo jogo que muda e não o tipo dehistória que se está contando. Nesses casos, comona classe shooter 3 por exemplo, a importância dogênero narrativo é relativizada, já que o critérioclassificatório não demanda ou restringe cenári-os, personagens e ambientes específicos. Um jogoshooter pode se passar na Segunda Guerra Mun-dial, no planeta Marte do futuro ou na Idade Mé-dia. Pode ser histórico ou ficcional. O que vaicaracterizá-lo, enquanto gênero, é o ponto de vis-ta que assume.

Essa diferença nos leva àquelasespecificidades dos games mencionadas anterior-mente. Especificamente, à interatividade.

INTERATIVIDADE

Para entender interatividade utilizaremos osmini-conceitos de Steuer, em seu artigo DefiningVirtual Reality: Dimesions Determining

Os comandos respondem ao nossosestímulos, o número de possibilida-

des é determinado pelo papel que nos-

sa personagem deve exercer e a medi-da que mudamos o contexto, ou nos-

sos próprios vetores o jogo se adapta

oferecendo novas possibilidades

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Telepresen. Estes proporcionam um cenário paraentender a experiência do jogador com relação ainteração do gamer. “Video game players describethe experience of moving an animated car on thescreen as “driving”” (Steuer, 1993). Essa afir-mação de Steuer é um exemplo utilizado em seuartigo sobre a experiência de realidade virtual, natentativa de desmistificar a VR como sendo umconceito ligado a necessidade de aparatos físicoscomo luvas e óculos, ele propõe o resgate do con-ceito de tele-presença, criando variações de ní-veis para intensidade desta experiência. De acor-do com Steuer a sensação de VR está ligada aduas dimensões: vivdness e interactivity.

Essas duas dimensões servem para pensar-mos a dimensão de interface com relação àtipologia. A partir destes conceitos percebemosque mesmo que a interação seja parte das dimen-sões que compõem a tele-presença, não podemosdeixar de considerar a dimensão de vividness noestudo da interface dos games. A experiência oca-sionada pela ação de jogar games, transforma estanuma rica forma de interação da qual as caracte-rísticas técnicas do conceito que Steuer propõenão se desvincula. Por isso o estudo por comple-to dos mini-conceitos é necessário.

Vividness se refere à habilidade datecnologia produzir um ambiente mediado senso-rialmente rico, e interatividade indica a gradaçãode influência que os usuários possuem dentro daforma ou conteúdo de um ambiente mediado se-gundo Steuer. Devemos entender que segundo oautor a VR se manifesta na consciência do indiví-duo e que estas dimensões auxiliam sua sensação.A dimensão de vividness está dividida em breadth(amplitude) e depth (profundidade) e a dimensãode interatividade contem os mini-conceitos speed(velocidade), range (alcance) e mapping(mapeamento).

A interatividade é um dos princípios narra-tivos do jogo. Suas características, segundo Steuersão: Velocidade é a característica de resposta doambiente mediado ao estímulo induzido; Alcanceé o número de possibilidades de ação que édisponibilizada; Mapeamento é a habilidade que osistema tem de mapear as mudanças de controlesem um ambiente mediado. Quando jogamos, to-dos estes elementos se modificam ou são dispos-tos para utilização no decorrer da estória. Os co-mandos respondem ao nossos estímulos, o nú-mero de possibilidades é determinado pelo papelque nossa personagem deve exercer e a medidaque mudamos o contexto, ou nossos próprios

vetores o jogo se adapta oferecendo novas pos-sibilidades. Este composto é a parte estruturalda interface.

Os estímulos e as características visuaisque a interface do jogo podem nos proporcionamsão referentes ao grau de vividness. Para issoSteuer considera que a amplitude se refere ao nú-mero de estímulos produzidos pela experiência natentativa de torná-la vivaz e interativa. A profundi-dade é o grau de qualidade do estímulo, o quãorealmente algo parece real em termos de resolu-ção e qualidade de som, imagem ou qualquer ou-tro sentido.

Quando estamos jogando podemos usarcontroles, head-set, câmeras, tapetes e outros dis-positivos que nos ampliam o número de estímu-los e a qualidade destes aliados aos estímulosaudiovisuais completa essa dimensão. Conside-rando que a dimensão de vivdness pode ser en-tendida pela sensação que o jogador tem de reali-dade e a interatividade sendo a relação deste comas formas de comandar suas ações nos jogos,percebemos que a interface compõe um conjuntoharmônico com a narrativa que pode caracterizartipologicamente um jogo, sendo assim o tipo deestória e o modo de contar ou jogar se misturam.

Para introduzir a discussão sob ascategorizações utilizadas no campo dos gamesiremos considerar como referência as catego-rias que Pedersen descreve no seu livro GameDesign Foudantions. Pedersen estabelece osgêneros de ação, aventura, casual, educacio-nal, rpg, simulação, esportes e estratégias. Parao entendimento da aplicabilidade dos conceitosresgatados em Steuer deve-se considerar queas categorias propostas por Pedersen sãocomumente legitimadas pelo mercado consu-midor de jogos. Portanto, não são necessaria-mente adequadas para o estudo acadêmico.

When describing a game to others, youmust express its genre or type. Genres canfall into categories like action, adventure,casual, educational, RPGs, simulations,sports (including fighting games), strategy,and other (puzzle games and toys). Manygames cross genre boundaries (“hybrids”)or are truly several genres in one.Somegames, like RPGs or adventure games, havebeen labeled by the game’s point of view(POV). A “first-person” POV is viewingyour environment through the lens of a videocamera. (Pedersen, 2003)

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Com base nesta afirmação de Pedersen per-cebemos que a consolidação de uma tipologia deestudos se faz necessária. Dificilmente essatipologia não seguirá esta formação híbrida de li-mites nebulosos. A hibridação de acordo com aformulação de Pedersen ocorre entre o gênero e ainterface, que para construção deste estudo fazparte da classificação tipológica do game. O gê-nero ação é interpretado como a interface ação,onde o jogador de forma dinâmica atira, chuta,corre, pula, realiza ações com um ritmo freqüente.Porém também pode ser caraterizada como açãoo gênero narrativo e não sua forma de jogo(interface) gerando uma expectativa que não seestabelece. Essa confusão gera o caráter híbridoobservado por Pedersen. Essa tênue linhaestabelecida entre interface e gênero é observadana tentativa de classificação dos jogos. A interfaceé, segundo Pedersen, composta pelo POV (Pointof View), os comandos, menus e acessos que sãodispostos de acordo com o ponto de vista do jogo.No estudo do design de interação isso se chamausabilidade, é uma característica muito impor-tante da interface, a forma como se encontra oscomandos, as formas de visão, o número de co-mando, etc. Estas características estão relaciona-das com os gêneros de Pedersen.

Como vimos anteriormente a ação é umgênero híbrido gerando um entendimento fracosobre o tipo de interface que iremos encontrar.Uma outra categoria proposta é a aventura, essatambém por sua natureza se torna de difícil en-tendimento, caracteriza-se por um jogo onde exis-tirão enigmas a serem solucionados, quebra-ca-beças que propõem reflexão e envolvimento coma trama do game.

Começaram na década de 80 na forma deadventures de texto e se desenvolveram grafica-mente com a evolução dos computadores, suainterface se caracteriza pelo uso de inventários emenus de ação sem ou com contextualização. Noentanto, a expressão aventura do ponto de vistado gênero narrativo pode levar o sujeito a um totalengano quanto ao tipo de jogo que está lidando.

Na categoria de jogos casuais estão os jo-gos de tabuleiro, de cartas, jogos populares cujainterface se resume normalmente a poucas ações,porém a discussão desse gênero pode se estendercom os recentes usos deste tipo de interfacehibridado com os jogos de ação como é o caso deMetal Gear Ac!d do PSP4 . Os jogos educacionaissão considerados por Pedersen como sendo aque-les que reforçam o estudo e um conceito de

ensinamento. Segundo Pedersen esses jogos po-dem ser hibridados com esporte e aventura ge-rando novas tipologias. Considerando as funçõesde aprendizagem de uma forma ampla, diversosoutros jogos de desenvolvimento respeitável tam-bém ensinam e constroem conhecimento atravésdesta interação, não necessariamente sendo umainterface de ensino, mas um meio de comunicação.

A categoria RPG é reservada para os jogoscom formato baseado nesse modelo de jogo queadvém do formato convencional de livros. Sãoaventuras onde os personagens desenvolvem seusatributos completando tarefas que vão desde re-cuperar itens para ajudar outros personagens atématar monstros e outras fantasias. O gênero nãonecessariamente é atrelado a fantasia, podendo

produzir narrativas contemporâneas também. Osjogos de Simulação, outro categoria citada porPedersen, são baseados na sensação de viver aexperiência análoga a situação do jogo. Podendose encaixar nesta categoria, diversos outros jogosque possuem narrativa de outro gênero. Um jogoque simula uma batalha de aviões demonstra estacategoria, mas também pode demonstrar aventu-ra ou ação. Podemos constatar que através de al-gumas categorias a hibridação das dimensões deformação da tipologia dos games assume umcaráter de narrativa ou de gênero, podendo umamesma categoria ser as duas coisas.

Os jogos de esporte utilizam-se de diversastáticas de interface para produzirem suas sensa-ções, podendo participar até mesmo da categoriade simulação. Outra categoria que também pos-suí características da utilização conjugada de es-tratégias de interface são os jogos de estratégiaque em sua estrutura de interface se parecem muitocom RPG’s, mas sua narrativa, objetivos e vetoresos tornam únicos na sua modalidade. E numa úl-tima categoria relatada por Pedersen estão os jo-gos de quebra-cabeça (puzzle), são aqueles quetêm como objetivo resolver um problema, a solu-ção de peças caindo, algo embaralhado, construí-rem pequenos mecanismos, podendo também sercolocados nestas categorias jogos que geram brin-

O vídeo-game é o que é pela luta cons-

tante de atualização da sua sensaçãode realidade

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quedos para divertimento do usuário.Com base nas categorias utilizadas na obra

de Pedersen e relativizando o entendimento deinteratividade e sensação de realidade de Steuer,podemos propor uma leitura hibrida na formaçãoda tipologia de games, entendo que a narrativa dainterface se compõe da sensação de realidade e daforma de interação do jogo. A sensação de realida-de modifica a forma de contar a história, mas nãoinfluência a maneira como a interface se altera,porém a forma de contar a história é uma escolharealizada no projeto que não se descola dainterface. O vídeo-game é o que é pela luta cons-tante de atualização da sua sensação de realidade eessa modifica a interface na medida em que a his-tórias contatadas necessitam ou não de ficção,realidade, terror, fantasia ou outros gêneros.

A principal característica destas dimensõesna tentativa de entender a tipologia dos games é ahibridação. Esse ponto permite o entendimentonebuloso e a sensação de questionamento que setem perguntando: Que tipo de jogo é esse? A aná-lise desta pergunta nos leva a perceber que o jogose encaixa em diversas dimensões diferentes e quea mudança em um dos fatores desta tipologia podecolocar dois jogos longe um do outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção de uma tipologia dos games –passo necessário para a constituição de umametodologia que dê conta do caráter multifacetadodesses produtos -, precisa levar em consideraçãoduas dimensões diferentes das práticas de jogo.Por um lado, o gênero narrativo fornece ao gameuma mediação entre produtores, gamers e produ-tos, estabelecendo possibilidades e restrições frentea cada formato.

Fornece a) informações necessárias en-quanto práticas de mercado: a escolha por este ouaquele jogo a partir de critérios como interesse,familiaridade e outros. Nesse caso, diz respeitoaos critérios de visibilidade do jogo em questão.Serve como vinheta ou trailler : esse é um jogo deterror, aquele de guerra. E fornece b) um “ambi-ente” de regras próprias com as quais o gamer vaiinteragir, adotando estratégias que lhe pareçamapropriadas para respondê-las.

Por outro lado, todo e qualquer gênero nosgames serão perpassados por aspectos deinterface/interação. A introdução destes coloca emcrise a adoção dos gêneros narrativos como cri-

tério único e acabado de classificação e evidênciaa natureza particular dos jogos eletrônicos. Se aanálise recai exclusivamente na interface, ametodologia adotada não está centrada sobre anarrativa, mas sobre suas dimensões técnicas.

Apesar de sua importância enquanto medi-ação e geração de padrões, o gênero narrativo nãodá conta de alguns dos aspectos mais importan-tes dos games. Em contrapartida, analisar essesprodutos apenas a partir de seus critérios deinterface não dá condições para que se possa per-ceber a importância do gênero narrativo como fiocondutor das histórias propostas. Umametodologia para análise dos games precisa arti-cular essas duas dimensões, porque é dentro des-sa negociação que se revela sua riqueza.

* PUCRS/FEEVALE.

** FEEVALE.

1 Ragnarök é um mmorpg (massive multiplayer on-linerolling playing game). Ambiente de jogo on-line que per-mite que milhares de pessoas joguem e interajam ao mesmotempo no mesmo ambiente virtual. Desenrola-se em ummundo medieval fantástico, repleto de monstros, magos,guerreiros e deuses e é jogado em todo o mundo.

2 NPCs: Non player character. São personagens dentro dojogo que são “interpretados” pelo computador e dotadosde certa capacidade de resposta à interação do usuário.

3 Shooter – tipo de jogo que se caracteriza pelo uso de umacâmera subjetiva que simula a visão do gamer.

4 Metal Gear Ac!d é um jogo da série Metal Gear que secompõe de inúmeros títulos de ação porém este em especí-fico possuí um sistema de jogo baseado em turno paraações e escolha de cartas para executar funções.

BORELLI, Silvia Helena Simões. Ação, suspense, emo-ção. Literatura e cultura de massa no Brasil. São Paulo:EDUC. 1996.

CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa:Cotovia, 1990.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemen-to da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1971.

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REFERÊNCIAS

NOTAS