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  • ENTREVISTA COM O PROF. DR. ANTONIO TRAJANO MENEZES ARRUDA

    Entrevistadores: Joo Antonio de Moraes1 e Marcio Tadeu Girotti2

    Antonio Trajano Menezes Arruda (Trajano) graduou-se em Filosofia pela USP

    em 1969, concluiu o Mestrado em 1978 pela mesma instituio e obteve o Doutorado na

    University of Oxford/UK em 1985. Atualmente, Trajano aposentado do Departamento

    de Filosofia e do Programa de Ps-Graduao em Filosofia da UNESP. Trajano foi um

    dos professores mais antigos do Departamento de Filosofia da UNESP e acompanha o

    seu desenvolvimento at os dias de hoje. Nessa entrevista concedida Revista Knesis,

    o prof. Trajano nos conta, com honestidade e descontrao, o percurso de sua formao

    e os interesses que o direcionaram, e elabora algumas consideraes sobre a situao da

    Filosofia no Brasil. A entrevista foi realizada em junho de 2009 e revisada em junho de

    2013.

    * * *

    Joo Antonio de Moraes Quais os motivos que o levaram a cursar a Graduao em

    Filosofia?

    Eu fui de Londrina para so Paulo para ser mdico. Mas l eu desisti, porque ca

    numa penso cheia de gente de humanas: artistas, jornalistas, diretor de teatro, etc.

    Ento acabei escolhendo algo mais de humanidades. Eu tinha muito jeito, segundo um

    professor de portugus, para Letras; analisar poemas, escrever e tal. Assim, achei que

    devia a todo custo fazer letras. Eu cheguei a pensar um pouco, mas da eu me interessei

    por Filosofia; pensei assim: espera a, Letras algo refinado, mas Filosofia a busca

    da verdade, e que coisa mais importante do que essa busca? Eu pensei honestamente

    isso. Hoje eu no falaria isso, exatamente, mas sim que a Filosofia uma coisa mais

    elevada e mais geral tambm. Ento, eu fui pra Filosofia.

    1Mestre e Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Doutorando em Filosofia pelo Centro de Lgica, Epistemologia e Histria da Cincia (CLE), UNICAMP. Email: [email protected]. 2Professor da Faculdade de Tecnologia, Cincias e Educao (FATECE), Mestre e Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar). Email: [email protected]

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 2

    Marcio Tadeu Girotti Conte-nos um pouco sobre sua formao em Filosofia na USP

    e as dificuldades de frequentar o curso em meio ao perodo de ditadura (militar) no

    Brasil.

    Quando eu entrei no curso de Filosofia em 1962 ainda no havia ocorrido o

    golpe militar, que aconteceu em 1964. Ento passaram-se uns dois anos, quase trs, sem

    perturbao nenhuma. Depois com o golpe, teve uma fase inicial que foi relativamente

    leve, ns podamos sair na rua protestar, quebrar umas vidraas, etc. Depois do

    truculento Ato Institucional n 5 no. Ou voc ficava na clandestinidade mesmo, um

    guerrilheiro total, ou voc se retirava para sua vida particular e profissional, porque no

    tinha jeito. E essa fase inicial foi a fase em que os militares comearam a afastar alguns

    professores das universidades: os professores que eram de esquerda e alguns que nem

    de esquerda eram, mas que os militares entenderam que deveriam tirar tambm. No Rio

    de Janeiro e So Paulo foi excludo um grande nmero de professores. Perdemos vrios

    professores na FFCHL/USP, como Jos Arthur Gianotti e Bento Prado Jr., e outros. O

    Bento foi retirado no porque ele era propriamente de esquerda, mas porque era chefe

    de um departamento visto como subversivo. Eles entenderam que aquele departamento

    era comunista. Outro professor tambm importante foi Rui Fausto, e talvez mais alguns

    outros. Ficou um certo trauma, mas no foi s o fato de tirarem os professores, foi o fato

    tambm de se viver num ambiente tumultuado. Voc tinha que fazer poltica, fazer

    passeata, organizar grupo de militantes, ento foi uma poca, mais ou menos

    tumultuada. Atrapalhou, mas tambm ajudou a conhecer a realidade. No foi

    tremendamente difcil, mas foi melhor do que poderia ser em vista desses nomes que

    foram extirpados ou que foram aposentados compulsoriamente. Acho que eles no

    podiam demitir, a lei daquela poca no permitia isso, depois acho que fizeram leis para

    isso. Outro nome, por exemplo, Florestan Fernandes das Cincias Sociais que saiu

    espirrado do palco.

    MTG Diante da represso da Ditadura e da censura aos livros, como era feito o acesso

    aos textos filosficos e/ou literrios?

    Havia uma certa apreenso em relao a isso. Mas, como eu falei, era um

    perodo com relativa liberdade. O Correio da Manh o jornal da oposio criticava o

    Governo, criticava abertamente. Existia uma certa tolerncia. No tem quase nenhuma

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    comparao com o que viria a acontecer depois, com o AI-5, que foi uma coisa terrvel.

    Famlias estavam preocupadas. Meu pai, por exemplo, sumiu com uma grande coleo

    do Lnin enquanto eu estava em So Paulo. Com uma certa razo tambm, porque se

    chegassem l, por algum meio, e encontrassem aquilo, todos estariam comprometidos.

    Acho que havia a preocupao de esconder ou de destruir mesmo, mas no a ponto de

    prejudicar a pesquisa. Mesmo porque no havia quase nada em portugus, a gente tinha

    que ler em lngua estrangeira.

    JAM Na graduao?

    Na Graduao, sim. Desde o primeiro trabalho do primeiro semestre do primeiro ano j

    tinham que ler em outra lngua. No havia outro jeito. Se voc no conseguisse ler em

    francs, voc no conseguiria fazer o curso.

    JAM Lembro-me de o Senhor comentar que durante o seu Mestrado na USP os

    tempos eram difceis. Como foi isso?

    Comecei o mestrado em 1972, portanto em pleno perodo do AI-5, o perodo em

    que ocorreram muitas perseguies, torturas e outras barbaridades. No mestrado eu

    entrei no programa de Lgica, Epistemologia e Filosofia da Linguagem coordenado

    pelo Prof. Oswaldo Porchat Pereira. Mas houvia o requisito de apresentar um pr-

    projeto; houve um exame de admisso que ele fez. Havia oito candidatos e ele fez um

    exame muito difcil. Eu entrei e segui cursos de Lgica e de Filosofia da Linguagem e

    fui definindo meu assunto de pesquisa. No havia pressa de defender, sabe. Fiz o

    mestrado em sete anos, e entreguei o exemplar da dissertao no ltimo dia permitido,

    dia 31 de dezembro de 1978.

    Mas vamos voltar ao perodo de graduao. Havia um descontentamento grande

    por parte de vrios alunos. Eu, pessoalmente, j estava descontente com o ensino na

    Graduao, porque queria ter uma formao de filsofo, escrever sobre temas que me

    interessavam e outros que pudessem aparecer, e no ficar fazendo comentrios de

    autores apenas. Tentei fugir um pouco desse formato. Fiz dois trabalhos, um com o

    Prof. Bento Prado Jr., bem filosfico. E o outro trabalho temtico foi feito com um

    professor de Esttica francs jovem, de uns 29 anos. Durante a Graduao consegui

    fazer apenas estes dois trabalhos temticos. Era uma carga de seminrios, dissertaes,

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    sobre o Teeteto de Plato, sobre a Fenomenologia do Esprito de Hegel, e muitos outros;

    o peso do comentrio estava em todas as disciplinas. Quase perdi o gosto pelo curso,

    tranquei as disciplinas por 2 anos e fui escrever sobre o que me interessava. Depois eu

    voltei. Tinha que acabar, no ? Mas teve esse descontentamento grande, at num

    movimento em 1968 na universidade, uma das coisas que alguns de ns

    reivindicavamos no curso era uma formao de filsofos tambm, no apenas a de

    analista de texto. Isso tudo foi decepcionante. O pouco que eu consegui nesse terreno

    no foi por causa do curso, mas, ao contrrio, a despeito dele. Infelizmente isso veio a

    acontecer tambm no mestrado, embora eu tenha procurado evitar isso. De fato,

    apresentei um projeto cujo objeto era uma discusso temtico-filosfica da ideia de

    verdade baseada em alguns filsofos, entre eles Russell, Quine e Carnap. Meu objetivo

    era que estes autores me auxiliassem a pensar sobre o tema, e no dissecar seus textos e

    pensamentos. No era pra ser ambicioso, era pra ser at modesto, por que no? Era para

    discutir o tema, delimitar as questes e as respostas sobre o tema, e tentar discernir em

    que aspecto um deles superior aos outros; queria discutir isso, no era,

    necessariamente, nem para defender uma ideia prpria. O meu orientador, Porchat,

    vetou no ato; de cara ele disse: no, isso para o doutorado!.

    Naquela poca o Porchat era bastante conservador, preso ao formato de

    comentrio. Ele vetou minha pretenso dizendo isso, equivocadamente, porque tenho

    certeza que se chegasse no doutorado com ele querendo a mesma coisa, ele iria vetar

    tambm. Foi uma espcie de desculpa que ele deu. Foi muito frustrante. Eu comecei a

    trabalhar textos do autor que eu iria estudar e fui, fui, fui, mas a certa altura passou a

    ser muito difcil faz-lo. Alm do mais, escrever sobre algo que no me interessa era

    muito penoso. E se trata de um autor difcil, de lngua inglesa, o que tinha um lado bom,

    pois tive que aprender bem o ingls.

    JAM Esse autor Quine?

    Sim. Naquela poca ele estava muito em evidncia. Eu estava dando aula na

    Faculdade de Filosofia e Letras de Assis, que em 1977 veio a integrar a UNESP. Estava

    saindo com os amigos de faculdade, vivendo uma vida puxada pelo hedonismo, e que

    acabou resultando em um episdio de depresso. Acho que foi, em parte, resultado do

    trabalho que estava sendo massacrante para mim. Porque a gente no maquina, no ?

    Voc no vai conseguir fazer direito um trabalho no qual voc no acredita. Foi bastante

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    massacrante. Na poca eu no conhecia essa coisa de depresso clnica; se conhecesse

    teria ido a um psiquiatra pra me ajudar. At que conheci uma colega, passamos a

    namorar, gerando uma nova fase de vida e me animei com as coisas; mas ainda a duras

    penas acabei concluindo o mestrado em 1978, sete anos depois que entrei. No tenho

    saudades do mestrado. Tenho saudades de Assis, da convivncia social e intelectual do

    departamento e dos outros tambm, mas do mestrado nenhuma saudade real. Contudo,

    no devo ser ingrato, pois com muitos anos estudando a literatura filosfica analtica me

    familiarizei com essa atmosfera: seus temas, sua linguagem, os conceitos, a lgica

    avanada. Isso me valeu muito no doutorado; eu havia aprendido a usar alguns

    instrumentos, embora eu viesse a utiliz-los proficuamente s no doutorado.

    MTG E sua experincia no exterior? Fale dos motivos que o levaram a buscar na

    University of Oxford o campo de trabalho propcio para sua pesquisa e sobre os

    orientadores (Michael Ayers e Jonathan Glover) que o guiaram em suas investigaes.

    Quando cheguei no doutorado eu conhecia a atmosfera filosfica do pas em que

    estava Inglaterra , ento o dilogo com os professores no era ruim, eu conhecia a

    linguagem deles. Isso foi muito bom, em virtude do aprendizado e do rigor que voc

    tem que demonstrar. preciso convencer da tese, e acho que eu no faria bem filosofia

    l se no tivesse a formao metodolgica que acabei conseguindo no mestrado. Isso

    uma coisa preciosa, tenho que reconhecer. Mas a experincia rica, maravilhosa,

    filosfica no melhor sentido, estava reservada pra mim no doutorado. Eu tive o cuidado

    de escolher quais eram os departamentos na Inglaterra e nos Estados Unidos que tinham

    mais filsofos que trabalhavam nos temas que eu queria. Um deles foi Oxford, que tinha

    mais de 100 filsofos, e alguns deles eu sabia em que trabalhavam. Assim, a opo foi

    pela Europa. Fiquei morando quase cinco anos l.

    MTG Como foi a transio do Mestrado para o Doutorado? O Senhor fez o doutorado

    na Europa, mas por que estudar na Europa? Houve alguma indicao?

    Pra me orientar num trabalho temtico no tinha ningum no Brasil; nossos

    professores no tinham formao alguma para trabalhar com temas. A escolha foi feita

    da seguinte maneira: fui Biblioteca Municipal, em So Paulo, e busquei essas

    universidades importantes, os departamentos de Filosofia, e decidi que tinha que ser l

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    na Europa, na University of Oxford, ou em alguma dessas boas universidades

    americanas, mas acabei optando pela Europa. E o processo era assim: voc manda uma

    solicitao para universidade para que ela te mande o material do doutorado. Voc faz

    um projetinho e manda pra eles, e eles logo te aceitam, no difcil, pois l tem

    muitas vagas. O problema era como iria me sustentar l. Eu tinha o salrio de mestre

    com o qual eu mal conseguia me sustentar no Brasil. Ento solicitei CAPES uma

    bolsa para o exterior para realizar esse projeto. A voc concorre com vrios outros, com

    muita gente. Eu tinha uma formao boa na USP, bem boa, com professores

    conceituados, e meu orientador escreveu uma carta de recomendao e isso ajudou (tem

    essa coisa do prestgio). Quando fui aprovado foi a maior alegria, porque l voc vai

    com uma bolsa boa, em dlar (naquela poca era moeda forte) e continuava recebendo

    meu salrio de mestre pela UNESP, que eu convertia em moeda local (libra). No que eu

    comecei l, a libra, que era uma moeda forte tambm, valia em torno de US$ 2,50. Mas

    no que chegamos l, a libra comeou a cair, devagar, e todo ms chegava um pouquinho

    mais de dlar pra mim da bolsa e do meu salrio, e foi caindo at chegar muito prximo

    de 1 por 1. Com isso, o salrio ia aumentado todo ms, e a CAPES pagava em dlar,

    ento acabei ficando com um dinheiro. Minha mulher me acompanhou na viagem,

    para tambm fazer um trabalho acadmico. No tnhamos qualquer preocupao com

    dinheiro, nem doena, nem nada. Eu estava num lugar com uma histria cultural no sei

    quantas vezes maior do que a nossa, com professores de reconhecimento internacional,

    com um bom dinheiro, bibliotecas maravilhosas e acomodao boa (porque como

    estudante, mesmo de ps, pagava um aluguel bem menor). Ns fomos convocados para

    conversar com os cinco professores titulares sobre quem seria nosso orientador. Sempre

    que me recomendavam algum, eu falava que queria algum pra me orientar num

    trabalho temtico e no histrico. Eu lembro que falei isso para o professor que estava

    escalado para me atender, que foi Peter Strawson (que depois viria a ser da minha banca

    tambm), que me disse fica tranquilo que esse nome o que voc quer. Ento fui

    parar com o Jonathan Glover, um filsofo da tica e da Filosofia da Mente. Ele o tipo

    de pessoa que eu escolheria, se conhecesse todos, para me orientar num trabalho

    temtico, que um tipo de trabalho em que se correm riscos. Primeiro, voc tinha que

    escolher um tema em que conseguisse produzir alguma originalidade, seno voc no

    era aprovado. Eles diziam que era necessrio extrair da tese final dois artigos originais;

    se tivesse um s, sinto muito, mas no era suficiente para ser aprovado. E um tero dos

    doutorandos, como fiquei sabendo l, era reprovado. Um tero! (E aqui 100% que

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    passa, no ?!) E depois tinha o seguinte: voc acaba achando que est sendo um

    pouco ambicioso, voc fica com receio e pensa ser que eu no estou viajando?. um

    perigo real. E esse orientador foi muito bom porque ele acolhia bem os meus voos e os

    estimulava. Na verdade, at bem demais. E tive depois esse outro orientador, Michael

    Ayers, que um historiador especialista principalmente nos empiristas ingleses, Locke

    em particular ( autor de obra em dois volumes sobre Locke), que era muito rigoroso

    tambm. Ele, refreando um pouco meus excessos, me serviu como uma espcie de

    contrapeso, pra eu no ficar excessivamente ousado. Eu fui fazendo, fui produzindo, a

    questo que foi colocada foi bem definida, e a tese inteira era uma resposta uma

    questo, sem digresses. A questo era: as condutas comportamentais e mentais de

    quem est em autoengano, de um ou de outro tipo, compromete ou no sua liberdade?

    Essas condutas so condutas em que a pessoa no est sendo livre? Ou seja, o

    autoengano compromete ou no a liberdade? Essa era a questo central. Os captulos

    foram uma tentativa de responder a essa questo, e porque no havia um s tipo de

    autoengano, a liberdade tambm no seria uma coisa s, tendo suas variedades. Que eu

    saiba, ningum tinha formulado essas questes e tentado respond-las. J no Brasil, eu

    havia lido muito sobre o autoengano e sobre a liberdade. Ento, foi com base nessas

    leituras que tive no perodo de graduao, inclusive literatura de fico, como Aldous

    Huxley e Andr Gide; eu trouxe uma bagagem que me permitiu fazer essa pesquisa,

    material bem anterior ao que eu tive na minha chegada l. Escrevi seis captulos, todos

    temticos e com pretenso originalidade. Mas esse esforo teve um preo em termos

    de sade. Fiquei com um problema srio na cervical, com dores crnicas. Eu ia de um

    profissional pra outro para aliviar os sintomas. Fiz RPG, acupumtura, mas eram apenas

    para aliviar a dor. Mais de uma vez tive que interromper o trabalho na biblioteca, descer

    as escadas, pegar minha bicicleta e ir ao osteopata pra fazer manuteno na minha

    coluna; e depois voltava para a biblioteca para trabalhar. No foi s alegria, mas teria

    sido, pois quando voc faz algo que adora, conseguindo ter ideias prprias, isso uma

    coisa maravilhosa.

    MTG Durante o perodo de estudos na Inglaterra, o senhor retornou alguma vez para

    o Brasil?

    No, nenhuma vez. Dois anos depois de minha chegada, minha me e minhas

    irms foram me visitar e passamos um ms juntos viajando pelo continente. Eu no

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    desejava voltar, pois havia muita coisa para fazer e vivenciar. Mas no final do

    doutoroado eu estava bem saudoso daqui. Eu agradeo USP pela formao rigorosa,

    pela expertise que eu e meus colegas adquirimos na anlise e na explicao de textos

    complexos. Porque quando voc faz um trabalho temtico, para que ele resulte mais

    slido e rico, importante, decisivo, voc no faz-lo sozinho, como se os outros

    estudiosos no existissem; voc tem que dialogar com vrios autores. E neste dilogo

    cruzado com o passado e com os contemporneos, a habilidade, pacincia e cuidado em

    analisar textos pode ser de muita valia. Com isso voc pode avaliar os textos alheios,

    seja para aceitar ou recusar suas teses, com conhecimento de causa. Mas no tive no

    Brasil nada, nem remotamente, comparvel ao que a Inglaterra me deu. Se eu fosse para

    outros pases, por exemplo, Austrlia, Canad, Estados Unidos, desde que no

    departamento apropriadamente escolhido, seria a mesma coisa que na Inglaterra. O

    Brasil todo era, e continua sendo, um terreno desalentadoramente infrtil para se

    desenvolver qualquer trabalho temtico-filosfico nos Departamentos de Filosofia das

    nossas Universidades. Por isso o trabalho em Oxford foi superprodutivo. A literatura

    filosfica sobre autoengano bem conhedida por eles, e tiveram uma disposio natural

    para orientar trabalhos temtico-filosficos; coisa que at agora no temos no Brasil, e

    se temos numa escala reduzidssima. Isso foi de um valor inestimvel.

    JAM Como o senhor interpreta sua produo terica? Haveria um projeto comum ou

    uma linha-mestra que a percorre? Teria havido rupturas, cortes epistemolgicos? Se

    sim, quais e em que momentos?

    Tinha uma lista extensa de temas que me interessavam em Filosofia e eles tem a

    ver com os outros. Por exemplo, alguns tpicos de Filosofia da Educao me interessam

    e se conectam com o tema da liberdade. A liberdade tem tudo a ver com a educao, e

    foi, e , um grande tema de meu interesse. Dediquei uma parte de minha tese de

    doutorado para trabalhar esse conceito e o restante ficou com as questes do

    autoengano. Houve uma ruptura sim, e bem marcada, na minha trajetria como

    professor, pesquisador, orientador; podemos falar aqui at de diferentes encarnaes.

    A primeira encarnao foi, a exemplo de todos os colegas, a de um estudioso de autores,

    na graduao e no mestrado. Lecionava Lgica e no era um professor entusiasmado.

    Era um professor igual a tantos outros que sabiam dar a matria direito, mas s isso.

    Naquela situao no poderia ter me ocorrido a modalidade da Tutoria. Ela me ocorreu

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    aps eu me tornar um estudioso de temas, isto , um filsofo, e aprendi a importncia de

    se ter uma formao temtica. Percebi que escritores e leitores de textos so formados.

    Nas disciplinas expositivas no havia, e ainda no h, espao para o filosofar, isto ,

    para debater a temtica filosfica. O entusiasmo para formar escritores e leitores em

    filosofia eu adquiri depois do meu retorno ao Brasil. Voltei numa outra encarnao.

    Como professor, e tambm como pesquisador, estava muito mais interessado em,

    responsvel por, e comprometido com a misso de contribuir com a formao temtico-

    filosfica de meus alunos. Ento, como professor foi um abismo que me separou do

    passado, e como pesquisador tambm. Quando fui para Oxford eu tinha publicado um

    pequeno artigo sobre Quine na nossa revista (Trans/Form/Ao, v. 3, 1980); foi a ltima

    coisa de comentador que eu fiz. Nunca mais dei nenhum curso de comentador na

    Graduao ou na Ps-Graduao. Nunca mais apresentei em congresso comentrio de

    algum filsofo. No foi fcil fazer essas coisas, para ns novas. No II EBICC (Encontro

    Brasileiro-Internacional de Cincia Cognitiva) que foi em Campos dos Goytacazes/RJ,

    em 1996, foi a primeira vez que tive coragem de ir a pblico apresentar ideias minhas.

    Meu assunto era afetividade e cognio. A ideia inicial era apresentar as teses de

    Antonio Damsio sobre o assunto, no livro O Erro de Descartes. Mas, ocorreu que eu

    tinha ideias prprias sobre esse assunto, forjadas na leitura de Montaigne, Rousseau e

    outros. Na noite anterior a minha apresentao, eu estava no meu quarto e resolvi deixar

    de lado a ideia de falar sobre o pensamento de Damsio. Peguei umas duas ou trs

    folhas e fui pondo no papel minha prprias ideias. Poderia no ter dado certo, poderia

    ter ficado catico por conta de meu nervosismo, o pblico poderia no se interessar,

    havia estrangeiros de diversas reas. Era a mesa redonda de abertura do encontro, junto

    com a Mariana (Mariana Claudia Broens) e com a Bety (Carmen Beatriz Milidoni). No

    sei o que me deu, o que sei que comecei a falar mais como se estivesse num palanque

    do que em uma mesa acadmica. Aps a apresentao houve uma reao de aprovao

    do pblico que continuou repercutindo ao longo do evento. Esse evento constituiu uma

    ruptura enorme em minha carreira.

    JAM - Conte-nos um pouco sobre sua entrada na UNESP.

    Foi em 1971 como professor substituto, e em 1974 como contratado em RDIDP.

    Nosso curso de Filosofia comeou em Assis, em 1967. Cheguei, portanto, quatro anos

    depois de o curso ter comeado. Era um curso que no oferecia um futuro profissional

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 10

    aos alunos; ele tambm no era valorizado social ou cientificamente. A Filosofia havia

    sido retirada do currculo do Ensino Mdio alguns anos antes. No tinha nem uma

    pequena frao da importncia e visibilidade social e acadmica de hoje. As turmas

    eram bem reduzidas, com pouqussimos alunos; era to pouco que no dava gosto de

    lecionar. Num determinado vestibular, entrou um nico aluno, muito inteligente, que

    depois chegou a deputado estadual e hoje presidente de uma comisso em Braslia.

    No havia reitor, mas tinha uma pessoa que fazia as vezes de reitor em So Paulo, que

    era o coordenador das faculdades pblicas (e isoladas) do Estado de So Paulo. A

    propsito do vestibular referido acima, dizem que ele falou: vamos fazer o seguinte,

    vamos fechar esse curso e mandar esse aluno pra Sorbone que vai ficar muito mais

    barato! No tem que pagar funcionrios, imvel, professor.... No sei se ele falou para

    valer ou se foi brincando, mas, seja como for, a fala reflete bem o definhamento do

    curso. Alguns anos depois, com a implantao da UNESP e a vinda do curso para

    Marlia, o curso experimentou uma revitalizao, embora passageira e enganosa: a

    direo do Seminrio teolgico local passou a enviar os seus seminaristas para fazer o

    nosso curso de Filosofia. Ento eles lotavam as salas, ocupavam quase todas as vagas de

    ingressantes. Com isso, prevaleceu uma impresso de fortalecimento do curso. Mas

    logo a direo do Seminrio percebeu que, na convivncia com as meninas da UNESP,

    os seminaristas passaram a abandonar a opo religiosa, e houve um aumento da taxa de

    desistncia. Ento, eles criaram um curso prprio de Filosofia, que funciona agora na

    FAJOPA (Faculdade Joo Paulo II), que, como se percebe, deve sua existncia s

    meninas da UNESP.

    JAM - Quais foram as dificuldades de se fazer e ensinar Filosofia no interior? Tendo

    em vista que o curso completou 40 anos em 2008, como o senhor v a Filosofia na

    UNESP hoje?

    Foi semelhante do que diferente: o tamanho da classe, que era maior na USP do

    que a aqui em Marlia l voc tem 80 alunos em uma sala de manh e a noite tem

    outros 80. Com isso, voc ter, pelo menos, uns 10 que so bons. No mais, o tipo de

    coisa que eles faziam l, ns tambm fazamos aqui.

    MTG E qual a relao da Filosofia emergente no interior do Estado de So Paulo e a

    cultura regional?

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

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    A parte cultural no d pra negar. Se voc faz Filosofia da Matemtica, Filosofia

    da Lgica, Filosofia da Cincia v l; mas em outras disciplinas, voc no tem as

    coisas acontecendo a sua volta. Cinema, teatro, msica e poltica, por exemplo. Eu

    assisti de perto ao desabrochar inicial da Bossa Nova. Morava em So Paulo na poca,

    circulava com pessoas um pouco mais velhas do que eu que adoravam msica, e ia com

    elas a todos os lugares. Hoje no como naquela poca. Os anos 60 foram cheios de

    coisas interessantes para a minha gerao. Eu sou capaz de falar muita coisa sobre

    revoluo sexual, cinema novo, revoluo dos Beatles. uma coisa curiosa n. De

    incio, algumas pessoas desconfiavam deles porque eles tinham cabelo at aqui. Mas

    depois acabaram conquistados, porque eles eram irresistveis, contagiantes. Mas no

    s o cinema ou o teatro, mas igualmente importante era voc conviver com pessoas de

    gosto idntico aos seus. importante compartilhar essas coisas culturais com os outros.

    No s o consumo de cultura solitariamente, mas participar em conjunto uma coisa

    preciosa. Isso por enquanto no d pra consertar; esse dficit cultural e artstico.

    MTG Sobre o Departamento de Filosofia da UNESP, como ele comeou a ser

    constitudo, ainda no Campus de Assis/SP? Quem foram os primeiros professores e

    como foi a deciso de transferir o curso e o Departamento para o campus de Marlia/SP?

    No houve deciso coletiva de transferir. Foi uma deciso do coordenador, Luis

    Ferreira Martins; ele fez grandes mudanas. Tirou um monte de professores de

    Presidente Prudente e colocou aqui, tirou outros tantos de Franca e colocou no sei

    onde; fez uma mexida geral, sem consultar o corpo docente dos departamentos. No foi

    escolha nossa, mas, como eu falei, acabou sendo benfico de ele ter sido autoritrio,

    porque revitalizou o nosso curso. Pouco a pouco, mas revitalizou e hoje est

    irreconhecvel sua proporo em relao a antes. O momento em que assumi como

    coordenador do curso, em 1990, a relao candidato/vaga naquela poca era 1/1. Ou

    seja, todo mundo entrava, mesmo a pessoa completamente despreparada e sem interesse

    na rea. Bastava ter, no mnimo, nota 3 em portugus. Agora est diferente, chegou um

    ano em a relao estava 12 candidatos por vaga.

    JAM - O que o incentivou a trazer a modalidade de Tutoria para a UNESP, que pode

    ser caracterizada como uma marca distintiva do curso?

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 12

    Eu vi isso ser praticado l na Universidade de Oxford. Eu vi a modalidade

    tutorial funcionar ou individualdualmente ou em grupo. Aquilo me atraiu. Mas acho que

    o que tambm me motivou muito a propor a Tutoria aqui era que alguma coisa tinha que

    ser feita nesse curso, pois ele estava despedaado. Em 1984 aconteceu um episdio

    traumtico no curso, sintomtico disso, enquanto eu ainda estava no exterior. Dois

    professores fizeram a proposta de transferir o curso para So Paulo, de levar os

    professores para l. Eu no estava aqui, mas fiquei sabendo que provocou um efeito

    traumatizante sobre os alunos. A alegao era que aqui no havia condies de ter um

    curso de Filosofia, pois no tinha o elemento humano. Os alunos se sentiram muito mal

    com isso, fizeram um banz. Em 1985 estava esse clima, dois mundos antagnicos, o

    dos professores e o dos alunos. Felizmente o departamento no levou adiante essa

    proposta. O mais lamentvael disso que os professores que propuseram isso moravam

    em So Paulo. A razo alegada era que aqui no tinha condies, mas l (So Paulo)

    tinha. Porm, a razo verdadeira no foi essa. A razo verdadeira era que eles moravam

    em So Paulo e no queriam ficar fazendo essa viagem semanal de So Paulo-Marlia,

    que cansativa mesmo. Essa foi a razo, tenho certeza. E a Tutoria foi uma maneira

    feliz, embora no tenha sido criada para isso, de restaurar o bom relacionamento entre

    os alunos e professores. A Eunice (Maria Eunice Quilici Gonzalez) e eu fizemos um

    experimento da Tutoria no final do ano letivo de 1990. Nos ltimos dois meses do

    curso, dividimos o 1 ano em dois grupos partes, ela ficou com um e eu fiquei com

    outro e pusmos em prtica tal experimento. Os primeiro anistas tiveram uma reao

    muito boa e no poderia ter sido diferente: voc d uma ateno personalizada para

    um aluno, sem ter pressa de despach-lo, e no tem como ele no ficar agradecido. Eu

    estava na coordenao do curso e em maro do ano seguinte, 1991, convoquei uma

    assembleia do curso de Filosofia, os professores, os alunos, os professores dos outros

    cursos que davam aulas para ns, que eram vrios; eles compareceram l, e comeou a

    assembleia. Eu expus a Tutoria e expliquei o que era. Depois teve uma discusso com

    vrios professores e alunos falando. Eu me lembro de algumas intervenes discentes,

    dentre elas duas eram desfavorveis, desconfiadas. Eram de alunos dos 4 ano. Era um

    pessoal que carregava um ressentimento, justificado, contra o departamento, mas o 1 e

    o 2 anos no. Colocamos em votao se amos fazer, ou no, o experimento geral da

    Tutoria, e foi aprovado. Vrios de ns professores passamos a ter um tte--tte

    regular com os alunos, e isso transformou o relacionamento anterior. J teria

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 13

    transformado, ainda que o relacionamento anterior tivesse sido bom, mas como era ruim

    ele teve um efeito transformador maior. Havia tambm a proposta de termos um curso

    diurno. Um dos alunos inteligentes, que hoje d aula em Maring (Universidade

    Estadual de Maring), falou: no, ns somos contra a criao do diurno, pois os nossos

    professores estaro ocupados e no podero trabalhar com a gente na Tutoria. Foi uma

    reao bacana. Quase todos os professores acabaram aderindo, no incio ou mais

    adiante. Quando eu via que algum estava com dificuldades de aderir, eu dizia: no

    precisa fazer esse ano, quando voc estiver mais a vontade voc faz. Ou, que tal pegar

    s um aluno?. A criao da Tutoria foi marca distintiva do nosso curso. Mas

    atualmente h outros cursos de Graduao que praticam essa modalidade.

    JAM Uma vez lhe ouvi dizer sobre trs divises na nossa rea: i) Histria da

    Filosofia, ii) comentrio dos filsofos e iii) fazer Filosofia propriamente dita. O senhor

    considera que possumos um Filosofar no Brasil? Diante disso, como entende que

    deve ser o ensino de Filosofia na graduao, para que possamos formar filsofos

    brasileiros e ampliar seu nmero? Ou seja, o que deve ser exigido hoje num curso para a

    formao de filsofos?

    So, de fato, trs modalidades muito distintas uma da outra. A investigao

    filosfica propriamente dita extremamente distinta de pesquisa de comentrio. Basta

    abrir qualquer livro da coleo Os Pensadores; o que voc v l um trabalho de

    comentador? um trabalho de Histria da Filosofia? No, no ! muito distinto; no

    d pra escamotear isso. Embora haja colegas que dizem que Histria da Filosofia

    Filosofia. Mas no ! Voc pergunta se possvel um filosofar no Brasil. Na

    universidade quase inexistente essa possibilidade. Nos departamentos de Filosofia

    brasileiros esse filosofar mnimo, quase prximo de zero. Talvez exista em outros

    departamentos. Por exemplo, costuma-se dizer que se voc pegar os textos de gente

    como Antonio Candido, que de Literatura, e de Florestan Fernandes, que de Cincias

    Sociais, ou de Mrio Schemberg, da Fsica, voc vai encontrar textos de natureza

    filosfica, vai ver um tema que filosfico. Mas nenhum desses nomes saiu de um

    departamento de Filosofia; se tivesse sado no aprenderiam a filosofar. Ento a

    resposta essa: tem! No passado tem, tm alguns no momento, mas no mbito dos

    departamentos estaduais e federais prximo de zero o filosofar. Para comprovar isso

    basta abrir o caderno de resumos dos trabalhos apresentados na XIII ANPOF, que

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 14

    aconteceu em Canela. Este caderno tem por volta de 700 pginas, e por volta de 300

    resumos. Abra o caderno e veja se algum deles filosfico no sentido que a gente usa

    quando fala de filsofos. Talvez tenha, mas nessas 700 pginas vai ter, no mximo, dois

    resumos de cunho temtico-filosfico. Ento, ele no foi um congresso de Filosofia,

    mas de Histria da Filosofia. O nome da ANPOF e de seus congressos no so muito

    honestos. Ns temos uma tradio consolidada e respeitada em Cincias Sociais, temos

    socilogos importantes, reconhecidos at internacionalmente; economistas tambm;

    fsicos tambm, e de estatura internacional que publicam descobertas junto com fsicos

    estrangeiros; temos a, igualmente, historiadores, que estudam a realidade poltica,

    econmica, social e relatam o que aconteceu. O que esses estudiosos todos tm em

    comum que eles estudam a realidade, e no os livros. Imagine se os economistas se

    restringissem a fazer pesquisas sobre os economistas do passado; acabariam as

    pesquisas na Economia que o que veio a acontecer entre ns com a Filosofia. A

    Filosofia no Brasil foi concebida num pecado original nos anos de 1934-35, na USP.

    A Sociologia teve frutos (Florestan Fernandes, Octvio Ianni, Fernando Henrique, e

    outro) porque vieram para o Brasil socilogos que se interessavam por estudar a

    realidade brasileira, e no comentar obra alheia. A Fsica brasileira tambm teve um

    incio semelhante, que resultou em uma boa quantidade de fsicos tericos de alto nvel.

    Por azar nosso, um azar verdadeiramente histrico, na instituio da Filosofia

    predominaram os comentadores, e no os filsofos. Tinha que ter vindo um grupo de

    filsofos propriamente ditos, alm de grupo de historiadores, claro. Ocorre que

    historiadores s podem formar historiadores, do mesmo modo que s filsofos podem

    formar filsofos. Como disse, a Filosofia no Brasil foi gestada num pecado original

    em sua instalao: pecado porque no vieram filsofos para instaurar a investigao

    temtica, e original a deformao comentarista/historiogrfica foi se transmitindo de

    gerao em gerao at chegar nos dias atuais. Por essa razo, o ensino de Filosofia na

    Graduao deveria ser tripartidrio. No pode ser s filsofos formando os alunos. Em

    geral, filsofos no tem formao boa para ensinar a Histria da Filosofia; eles

    ensinariam, ao contrrio, tica, Filosofia Poltica, Filosofia da Linguagem. Para os

    outros aspectos da formao precisa de um grupo de historiadores e comentadores, no

    sei qual a quantidade. Mas o departamento de Filosofia deve ter, de preferncia,

    profissionais nas trs reas, que atuem no sentido de ensinar e formar comentadores,

    historiadores e filsofos. preciso que seja um curso que forme esses profissionais; se

    no der pra formar os trs, que forme pelo menos dois: aprendizes de filsofos e de

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 15

    comentadores. Aprendiz de filsofo qualquer um de vocs tem condio de ser, desde

    que voc se aplique a um assunto que te interesse de verdade, ou no vai funcionar. Mas

    s um filsofo, e no um comentador, pode formar um aprendiz de filsofo. A sim

    iremos ampliar o nmero de filsofos no Brasil, que trabalham com temas.

    MTG Creio que subjacente a isso est a pergunta que ainda no se conseguiu

    responder claramente ou consensualmente: o que Filosofia? Isto porque para se

    ensinar a Filosofia parece que preciso ter uma concepo de Filosofia. O senhor

    concorda com esse entendimento? O que Filosofia para o senhor?

    Eu acho que tem que ter cuidado ao responder essa pergunta para no se fechar

    em uma coisa unilateral e tendenciosa. Respondendo, eu acho melhor, ao menos no

    incio, entender que Filosofia aquilo que os filsofos fizeram no passado e continuam

    fazendo no presente, independente de serem, ou no, grandes nomes. De fato, para ser

    um socilogo, por exemplo, no necessrio estar no nvel de um Weber, um Marx, um

    Durkheim; ele pode ser apenas bom. O mesmo ocorre na nossa rea. A Filosofia, no

    sentido em que os filsofos a praticaram ou praticam, algo no qual as questes/temas

    so de longe bem mais importantes do que as respostas. As escolas e os pensadores so

    bem menos importantes do que os seus assuntos. E em nenhum lugar isso to

    verdadeiro como em nossa rea. So a relevncia e permanncia das questes que

    tornam a Filosofia to preciosa. Claro, parte da grandeza da Filosofia reside nos grandes

    nomes. Isso verdade: parte da importncia de Aristteles, de Kant e dos demais, vem

    de fato de uma inteligncia privilegiada. Porm, vem tambm do fato de que eles se

    dedicaram a pensar os grandes problemas, os temas relevantes. Parte significativa da

    grandeza deles derivada da grandeza dos assuntos com que eles se ocuparam. Quanto

    ao que seja Filosofia, ela pode ser caracterizada como uma busca de respostas aceitveis

    para as vrias questes, clssicas ou contemporneas, de cada uma das disciplinas de

    nossa rea (tica, Filosofia Poltica, Esttica, etc.). Quanto ao mais, parece que necessrio ter uma certa concepo do que Filosofia para se envolver em seu ensino-

    aprendizado. Cabe acrescentar ainda se bem que este um ponto polmico que eu

    acho que a Filosofia uma empreitada, em boa medida, em dilogo com as cincias

    particulares. No tem muito cabimento fazer Filosofia da Linguagem sem dialogar com

    a Lingustica, ou parte dela. No parece ser apropriado fazer Filosofia da Mente e da

    Ao sem estudar o que os psiclogos tm a dizer, ou o que os neuropsiclogos tm a

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 16

    dizer sobre a vida mental e o comportamento. Igualmente: no d pra fazer Filosofia

    Poltica ignorando totalmente a Cincia e a Histria Polticas. H filsofos que

    consideram a Filosofia como algo no multidisciplinar. Na Filosofia da Mente h vrios

    deles. Eles ficam escrevendo e reescrevendo a mesma coisa, e parecem no sair do

    mesmo lugar. A concepo de Filosofia ento isso: uma rea que tem grandes temas

    que fazem quase toda a importncia que a Filosofia tem nesse contexto interdisciplinar.

    JAM Em nossa rea, o senhor um dos poucos estudiosos de temas no pas. Poderia

    nos dizer um pouco sobre esse estudo (suas vantagens ou desvantagens, seus limites) e o

    porqu da dificuldade de sua aceitao pelos professores tradicionais?

    No existe uma Filosofia temtica e uma no-temtica, ela toda temtica.

    Nesse modo de pesquisar, escrever ou lecionar voc seleciona um conjunto de temas.

    Por exemplo, em Filosofia Poltica, o conflito entre as exigncias do Estado e os

    cerceamentos da opinio pblica, de um lado, e, de outro, a liberdade individual; este

    um problema caracteristicamente filosfico, j que no d para ser resolvido pela

    Cincia. Ele envolve escolha, preferncia, valores. Voc pondera essa questo e

    examina os argumentos a favor e contra uma e outra posio. Aqui no Estado de So

    Paulo algumas cidades do interior criaram o toque de recolher. Crianas e adolecentes

    no podem mais ficar na rua depois de certo horrio, a no ser acompanhados do pai.

    Como iro reagir os garotos acostumados a se encontrar depois das 23h? Trata-se de um

    cerceamento da liberdade individual. H argumentos contra e a favor como, por

    exemplo, a diminuio do ndice de crimes. Isso filosofar. No h uma teoria

    cientfica que lhe dir qual a soluo verdadeira. No questo de verdade ou

    falsidade. uma questo de escolha e ela no determinada por critrios cientficos

    somente. Situaes como estas esto cheias de Filosofia. Por exemplo, uma juza

    determinou a uma mulher que pagasse ao marido cerca de R$ 250 mil. O que houve foi

    que, um pouco antes, o homem descobriu que os dois filhos no eram dele. A juza

    avaliou as consequncias do fato, as consequncias sobre ele ter uma informao dessas.

    Uma pessoa com um golpe desse pode ficar at deprimida. Pergunta-se: razovel punir

    essa mulher, ou no? Se ela for punida tem que punir todo homem e mulher em uma

    situao semelhante. este tipo de questo que a cincia nem tenta resolver, no do

    seu mbito. Ento, fazer Filosofia a partir de temas no , necessariamente, dar uma

    viso nova, original, mas levantar questes de forma clara e trazer argumentos que so

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    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 17

    usados para evidenciar qual a resposta mais aceitvel. Isso filosofar! Se for uma

    reflexo modesta, digamos, uma atividade de aprendiz de filsofo, que seja. O fazer isso

    na classe exibir para os alunos um exemplo de filosofar, ainda que modesto. E no

    precisa defender uma resposta, caso voc no esteja convecido: a suspenso de juzo foi

    feita exatamente para isso. O meu ex-orientador, Oswaldo Porchat, quando vetou meu

    trabalho temtico do mestrado, teve a ideia equivocada que era um trabalho complexo.

    No era. No precisa ser. Agora, as pessoas no entendem, acham que filosofar coisa

    para gnios iluminados. Esse um erro cometido pelos professores na nossa rea,

    especialmente os brasileiros.

    MTG Certa vez tambm lhe ouvi dizer que a Filosofia surge na perplexidade. O

    senhor poderia nos falar um pouco sobre essa afirmao.

    No s a Filosofia, mas a Cincia em geral vem de uma experincia subjetiva de

    estar perplexo com uma certa coisa. Estar perplexo com alguma coisa : ou estar

    surpreso ou no ter explicao para aquilo. H condies na vida social que promovem

    a perplexidade e outras que bloqueiam, a familiaridade, o ver todo dia determinada

    coisa bloqueia. Por exemplo, ns trs no nos perguntamos o porqu o vidro

    transparente. Que coisa estranha, a parede no e o vidro . Nos s no nos

    perguntamos isso porque estamos habituados a ver o vidro assim. No tenho a menor

    ideia do porque o vidro transparente, mas se ele fosse uma coisa completamente

    inslita; por exemplo, no existe vidro algum (transparente ou no) e de repente cai do

    cu uma placa de vidro. As pessoas vo fazer fila, as pessoas vo viajar pra ver, a

    televiso vai l filmar. Por qu? Porque uma coisa muito nova, que eles no esto

    familiarizados e precisa de uma explicao. Como que eu consigo enxergar a pessoa

    do outro lado? A perplexidade tem que existir para o pesquisador ir atrs da resposta.

    Por exemplo, pense bastante sobre o problema do determinismo e da liberdade, vendo

    nos autores o que h a favor e o que h contra, e voc ver: poxa vida, no est dando

    pra responder; no tem uma resposta. E a? No tem uma resposta, ou se tem s

    satisfaz um pequeno grupo. importante ter uma resposta: claro que importante ter. A

    perplexidade pra voc ver o familiar como novo. Um exemplo bobo: um de nossos

    alunos, um aluno equilibrado, tranquilo, tem uma namorada, se d bem com a maioria

    das pessoas, mas de repente ele assassina um colega e se suicida. Ficaremos

    completamente de calas curtas para explicar isso. Como que ele foi fazer isso? O que

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 18

    que aconteceu? Alguma coisa aconteceu pra ele fazer isso. Mas o que aconteceu

    afinal? Como que uma pessoa assim, que no tem nenhum histrico, faz uma coisa

    dessas. A notcia vem e deixa as pessoas perplexas. Esse um caso do cotidiano, no

    um caso da Filosofia nem da Cincia. Mas mais ou menos isso que acontece.

    JAM Para polemizarmos ainda mais nesta entrevista, fale-nos o porque o senhor

    considera que a Lgica no Filosofia.

    Para mim essa questo tranquila. Falar que a Lgica no Filosofia no

    diminuir a Lgica nem a Filosofia. A Filosofia se caracteriza pelos vrios assuntos que

    se distribuem em diversas disciplinas, sendo que em todas elas o que prevalece no o

    consenso, mas a mais generalizada discordncia. Por exemplo, os anti-piagetianos vo

    achar problemas na teoria piagetiana, mas cabe destacar que mesmo entre os piagetianos

    voc ver que entre eles h tambm uma discordncia muito grande. E talvez seja

    possvel agrupar em sub-grupos os que pensam do mesmo jeito sobre o que Piaget fala

    sobre educao moral. Esses sub-grupos poderiam ser divididos, por exemplo, em cinco

    escolas, cada uma antagnica a outra. Tome uma qualquer dessas escolas e veja o que

    acontece: vai haver discordncias das outras. Ento, a Filosofia, no passado e no

    presente, uma rea caracterizada pela ausncia de um mtodo seguido uniformemente

    pelos filsofos. Alguns at entendem que nem mtodo ela tem. H uma discordncia

    enorme a. E o que a Lgica tem a ver com isso? Filosoficamente, nada. A Lgica uma

    cincia exata; s a Matemtica e ela so cincias exatas. Ela parte de axiomas

    inquestionveis dos quais demonstra-se que todas as outras sentenas verdadeiras

    (teoremas) so demonstrveis. Ela a cincia mais exata, mais perfeita, tanto na clareza

    mpar dos conceitos, quanto na demonstrao das teses. Agora me digam: o que isso

    tem a ver com a Filosofia? Nenhuma coisa, no campo da episteme, contrasta mais com a

    Lgica do que a Filosofia. Outro aspecto que a Filosofia quer falar sobre o mundo e a

    Lgica no visa isso. Ela tem leis exclusivamente formais, por exemplo, um axioma

    dela : ou uma sentena verdadeira ou sua negao verdadeira. Por exemplo: ou

    verdade que esta minha fala til, ou verdade que ele no . Bom, ou a sentena

    verdadeira, ou seno a negao dela a saber, minha fala no til verdadeira. A

    palavra no tem um significado tal que torna isso verdadeiro. O no uma partcula

    que transforma verdade em falsidade e falsidade em verdade. Por exemplo: se a

    sentena Joo est com um bon amarelo uma falsidade, e eu aplico o no, tenho

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 19

    uma sentena que verdadeira. Outra pergunta, bem diferente, : tem utilidade a

    disciplina Lgica no curso de Filosofia? Deve ela ficar na grade curricular? Vale a pena

    usar 120h/aula para o ensino dessa disciplina? Tenho certeza que vale! Como filsofo,

    me beneficiei muito com a Lgica. Mas ela deve permanecer na grade desde que ela use

    o tempo, o menos possvel, para apresentar o clculo proposicional e o clculo de

    predicados, nas suas formas mais simples. E use o maior tampo possvel para apresentar

    os chamados metateoremas. Um metateorema, normalmente, tem a forma se, e

    somente se; por exemplo, no teorema da completude, se uma afirmao vlida nessa

    Teoria, ento ela demonstrvel (ela um teorema); e se ela demontrvel, ento ela

    vlida. Essa afirmao da completude no s verdadeira, mas podemos demonstr-la.

    Ento, voc vai demonstrar a primeira parte: se teorema vlido. Suponhamos que a

    sentena S seja teorema dessa Teoria, ento dada a definio de teorema, segue que...

    tudo em portugus. Voc acaba chegando na prpria definio de sentena verdadeira,

    que o que se queria demonstrar. A beleza da demonstrao, neste sentido, que voc

    faz tudo no vernculo, isto , voc argumenta em portugus ao invs de calcular. Os

    metateoremas, que so os teoremas que falam sobre a teoria, so muito bons pra

    exercitar no aluno o poder de usar cristalinamente os conceitos e demonstrar as

    afirmaes rigorosamente. Claro, voc no vai transferir tudo isso, sem mais,

    Filosofia. A Lgica perfeita e a Filosofia muito imperfeita. Mas o professor vai

    transferir ao estudante, na medida do possvel, a capacidade de usar definies para

    demonstrar as teses em Filosofia, atravs da argumentao. Isso muito til, desde que

    se d uma grande ateno aos metateoremas. A sim voc fica craque em trabalhar com

    definies, e essa habilidade pode se transferir para os debates filosficos e cotidianos.

    MTG Com relao s exigncias da Capes por produtividade intelectual em larga

    escala, considerando nmeros e estatsticas de produo, isso tem gerado problemas?

    Isso atrapalha. Pode ter suas vantagens, porm uma receita para a corrupo da

    integridade epistemica (cientfica e filosfica), para uma espcie de mercenarismo

    acadmico. E no tem como no ser assim. Isso acontece com cada um de ns, por mais

    puro que se queira ser, quando voc obrigado a fazer um trabalho acadmico em uma

    situao que voc deixaria de fazer se no houvesse alguma consequncia. Por exemplo,

    se voc acha que o trabalho repetitivo em relao ao que j existe, se muitas pessoas j

    escreveram sobre aquilo, voc no tem liberdade. Voc vende sua alma ao diabo do

  • Entrevista com o Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda

    Knesis, Vol. V, n 09 (Edio Especial), Julho 2013, p. 01-20 20

    produtivismo, fingindo que aquilo tem novidade. Isso acontece sempre. Frequentemente

    as pessoas fazem trabalhos basicamente para fazer currculo. Essa no uma motivao

    cientfica ou filosfica boa. bom melhorar o currculo, claro que bom, assim

    conseguiremos mais coisas. Mas deveria ser possvel melhorar o currculo e, ao mesmo

    tempo, conservar a integridade intelectual. No meu mestrado acabei abdicando da

    minha integridade intelectual. Se eu tivesse que ser honesto intelectualmente, se eu

    pudesse ser, sem ter consequncias ruins para mim, eu teria suspendido, pois, a certa

    altura, j no tinha interesse epistmico para mim. Mas, ns no temos tal liberdade.

    No s o seu interesse que est em jogo. o interesse do Departamento e o interesse

    do Programa de Ps-Graduao. Se voc no tiver Doutorado ainda interesse dos seus

    alunos, porque voc no pode orientar Iniciao Cientfica. Voc tem que prestar conta

    a muita gente. Ento, nesse caso, tem que fazer. E isso acaba sendo uma espcie de

    mercenarismo. Voc chega a fazer por vantagens algo que, por natureza, no deveria ser

    feito s por vantagens. Mas a estrutura te obriga: ou voc fica dentro ou voc cai fora.

    Agora, cada vez mais, est acontecendo isso; essa exigncia de bolsas faz com que seja

    importante ter nota boa, tem que produzir e essa mais uma medida para estimular a

    produtividade. muito difcil para todos ns, fora da capacidade humana, voc

    satisfazer as exigncias da estrutura administrativa e, ao mesmo tempo, preservar sua

    integridade intelectual. Ora, ocorre que a integridade uma coisa fundamental para ns.

    O cientista, o filsofo, tm por grande objetivo tentar contribuir para o que seja

    verdadeiro, ou pelo menos o que eles acham ser verdadeiro. Ento, eu no sei se

    possvel conciliar as duas coisas, o que eu sei que extremamente difcil.

    MTG - Estamos chegando ao final da entrevista. O senhor tem algo em especial que

    gostaria de dizer?

    Olha, eu gostaria que entrevistas como esta fossem feitas mais vezes e mais

    divulgadas. Com elas h a chance de provocar a reflexo e o debate sobre o que est na

    agenda de todos ns. Acho bom que vocs tenham feito isso e que estimulasse minha

    reflexo sobre os assuntos conversados. Por mais de uma razo, fico contente que vocs

    a tenham feito.