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109EntrevistaEstudos de Psicologia 1998, 3(1), 109-118

E N T R E V I S T A

Agostinho Minicucci

Agostinho Minicucci é um nome associado ao desenvolvimento da Psicologia

no Brasil. Licenciado em Letras Neolatinas e em Pedagogia, é doutor em

Educação e Livre-docente em Psicologia. Dedicado à docência desde o

período em que desenvolveu um trabalho pioneiro na Escola Normal de Botucatu,

lecionou e ocupou cargos administrativos em dezenas de instituições de ensino superior

no Estado de São Paulo, além dos trabalhos de consultoria e supervisão aos profissionais

nas suas atividades no campo da Psicologia do Trabalho e Clínica. Na sua vasta obra

- que ultrapassa, entre livros e testes, a casa das cinco dezenas -, destacam-se alguns

títulos que são obrigatórios nos cursos de Psicologia do Brasil, como são os casos de

“Dinâmica de Grupo - Teorias e Sistemas” e “Técnicas de Trabalho em Grupo”, ambas

da Editora Atlas. Agostinho Minicucci foi entrevistado por Oswaldo H. Yamamoto

em São Paulo, durante o mês de abril de 1998.

(Estudos de Psicologia): No ca-pítulo sobre a Psicologia do livro“História das Ciências no Bra-sil”1, há uma referência acercado seu trabalho pioneiro na Es-cola Normal de Botucatu, no in-terior de São Paulo. Nós gosta-ríamos de saber, inicialmente, oque fez com que o senhor se in-teressasse pelo estudo da Psico-logia naqueles anos e um poucodaquele trabalho.

(Agostinho Minicucci): Minhaprimeira formação escolar de 2o

grau se deu em Botucatu, uma ci-dade do Estado de São Paulo.Formei-me professor primárionuma das tradicionais escolasnormais do Estado. Remontemos:cursava a 5a série ginasial e tinhaapenas 16 anos. Lia muitos livrosnão escolares, como MitologiaGrega, romances, biografias erevistas técnicas. Correspondia-

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me com escritores, cientistas,professores brasileiros eestrangeiros. Alguns respondiamàs minhas cartas, o que me punhamuito alegre. À exceção dofutebol de rua, não era muito felizno esporte. Meus colegas“brilhavam” com as meninas,pois eram esportistas, extrover-tidos e conversadores. Sempre fuium introvertido convicto e “res-peitado apenas”, por não quererprosa. Procurava alguma coisaque me fizesse notado e chamassea atenção de minhas colegas. Es-tando em São Paulo, pus-me abisbilhotar um “sebo” e acabouchamando a minha atenção umpequeno livro, escrito em francês.Descrevia ele as mãos e fazia pro-fecias. Não gritei “eureca” paranão despertar os outros defarra-bistas no trato e na idade. Estavaali a minha oportunidade de tor-nar-me um chiromant, ledor delinhas das mãos. Era um livro deuma editora de Psychologie. Aeditora chamou a minha curiosi-dade. Citava outros títulos estra-nhos. Comprei-o e passei a tra-duzi-lo, valendo-me das aulas deFrancês que tive desde a 1o anoginasial. E vinha-me a cabeça: “Jesui un chiromant”. Ia com o livroà escola, mostrava aos colegas.Alguns se interessavam, outros

me chamavam de “bruxo”. Umdia, finalmente, chegou uma me-nina me estendeu a mão, com umdesafio: “ - Leia, vou me casar?Vou ter muitos filhos?”. O certoé que conquistei as meninas e osrapazes me olhavam com despre-zo. Um professor, decano da es-cola, ciente das minhas quiro-mancezes chamou-me, pediu-meo livro, olhou-o e disse com des-prezo: “ - Isso é livro de Psicolo-gia. Onde você encontrou isso?Seu pai já sabe?”. A verdade éque meu pai ficou sabendo. Comoele era membro da Maçonaria eda Sociedade de Ciências Ocul-tas, chamou-me e disse: “- Filho,isso é Psicologia, uma ciênciaoculta. Tenha muito cuidado ementrar nessa ciência. Não se en-tusiasme muito. Procure estudarmais Matemática, Português,Francês, História e outras maté-rias”. A “dona Psicologia” entrouassim, na minha vida, pela portados fundos, como uma ciênciaoculta, reservada a poucos privi-legiados. A maior glória da Psi-cologia ocorreu, quando o profes-sor que a combateu trouxe-nos ofilho para uma análise do seu es-tranho comportamento... Outroscontatos foram estabelecidos comdona Psicologia, agora no cursonormal, onde ela aparecia como

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uma Psicologia da Educação,com um professor que realmentesabia motivar seus alunos, Gua-raciaba Trench. E passamos a tra-balhar com os alunos e aprende-mos como a didática do aprenderpode atuar no entretenimento dacriança. Era uma psicologia maistécnica, mais científica, mais res-peitada.

(EP): Não havendo ainda cursosde Psicologia, qual foi o cami-nho escolhido para prosseguirseus estudos?

(AM): Meu segundo passo navida escolar foi o curso de letras.Pude pesquisar de onde vieramas palavras, qual a sua origem, oseu currículo e o que realmentesignificam. As letras trouxerampela lingüística o melhor conhe-cimento das palavras. Mais tarde,pude escrever um livro em queabordei o significado de muitaspalavras da amiga Psicologia.Cheguei à conclusão de que aoestudante ou estudioso da Psico-logia é necessário saber de ondevieram as palavras, o que real-mente elas significam. Posso sa-ber melhor o que é introvertido,extrovertido ou ambivertido peloprefixo dessas palavras. Acabeisabendo se eles são nobres ou

plebéias, se vem do latim ou dogrego, do germânico ou do inglês.As letras me trouxeram a compre-ensão da redação e ambas me le-varam, ao texto livre de Freinet,na sua originalidade esemelhança. Trabalhando comuma classe de curso ginasial pudeescrever Redação Vivenciada,uma espécie de manual deredação, fundamentada na teoriado texto livre de Freinet.

(EP): Esses seus estudos eramorientados por alguém? Comquem o senhor trocava idéias?

(AM): Lourenço Filho, comquem me comunicava por corres-pondência, sugeriu-me aproveitaras redações pelo estudo da gra-fologia. “- É um excelente mate-rial de estudo, disse-me, para pro-fessores”. Mandou-me alguns da-dos sobre essa fascinante teoria ecitou-me alguns livros. Pus-me aestudar as redações sob três as-pectos, o lingüístico, o didático eo psicológico. Do estudo literáriodo texto parti para a análisegrafológica. De início do estudo,por Lourenço Filho, anos maistarde surgiram dois livros meussobre grafologia, o que passei achamar de Grafoanálise, oumelhor Análise da Grafia, e 21

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cadernos de Grafoánalise,editados pela Vetor Editora. Doestudo da estrutura do texto deredação e, valendo-me de umtrabalho de Piéron, estudei otexto como uma expressão dopensamento operatório, numaantecipação de Piaget, na épocaum ilustre desconhecido nas lidaspedagógicas. Mais tarde, esseestudo encontrou-me com umapesquisa da Universidade deHarvard nos Estados Unidossobre o perfil do estilo deaprendizagem, do qual resultouum teste para avaliação doprocesso de aprender de diferen-tes profissões e utilizado hoje,nas empresas. Como aprende oengenheiro, o advogado, o pro-fessor, o médico e outros profis-sionais e como utilizam esse co-nhecimento.

(EP): Esse trabalho foi feitoainda em seu tempo de estudanteuniversitário?

(AM): Sim. Na Escola Normal,na qual agora eu era professor dePortuguês (1940), compus umgrupo de professoras primárias dealfabetização, com objetivo deutilizar a prova teste ABC, domestre Lourenço Filho. LourençoFilho havia criado um teste de

grande simplicidade e validadepara avaliar o grau de maturidadee prontidão para leitura, escrita ecálculo. Treinamos as professorasna seleção dos alunos. Dividimosa classe em grupos de maturidadee criamos a terapia da aprendi-zagem, a fim de desenvolver ashabilidades de alunos com difi-culdades em alfabetização. Envi-amos os resultados ao prof. Lou-renço Filho. Tive assim a opor-tunidade de corresponder-mecom o mestre Lourenço Filho, doque resultou um contato quemuito me enriqueceu.

(EP): O senhor poderia nosfalar mais de suas relações comLourenço Filho?

(AM): Entre outras idéias, ele mesugeriu que, como professor dePortuguês estudasse a escrita dosestudantes e o conteúdo da reda-ção. Tomei conhecimento da gra-fologia, da qual Lourenço Filhoera grande conhecedor. Enviou-me uma apostila e pediu que com-prasse o livro ABC da grafolo-gia, de Crépieux Jamin. Por ou-tro lado, sugeriu-me que escre-vesse sobre relações humanasentre os alunos. Não havia nadaa respeito, segundo sua opinião.Era preciso relatar a vida dos

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adolescentes na escola e o seurelacionamento com professores.Entusiasmou-me a idéia dagrafologia, de conhecer os alunospela escrita. Houve muitadificuldade em conseguir o livroe a bibliografia era inexistente oupobre. Pus-me a coletar diálogose fatos pitorescos entre alunos eprofessores. O entusiasmo, no en-tanto, me dominou pela possibi-lidade de escrever um livro derelações humanas na escola.Terminado o roteiro, enviei-o aoprof. Lourenço. Ele se ofereceupara prefaciar o livro e estimulou-me a continuar a escrever. Embreve, por interferência de Fran-cisco Marins, coordenador deobras da Editora Melhoramentos,saiu meu primeiro livro Relaçõeshumanas na escola. A ele, segui-ram-se Relações humanas na fa-mília e Dinâmica de grupo naescola, ambos prefaciados porLourenço Filho e editados pela Me-lhoramentos.

(EP): A grafologia é um temabastante polêmico ainda hoje,na Psicologia. Como o senhortrata a questão da cientificidadeda grafologia?

(AM): Sim. Continuei a pesqui-sar grafologia, a qual rebatizei

com o nome de Grafoanálise. Eda idéia inicial surgiram dois li-vros sobre o assunto e 21 cader-nos de temas variados sobre anova disciplina. Havia entrado nocampo da grafoanálise, tirando-ado empirismo da tradicional gra-fologia. Antes as pessoas me pro-curavam para ler a mão, agora mecercavam para ler a escrita...Mantive correspondência comLourenço Filho por muitos anos,aproveitando os seus ensinamen-tos, pela via epistolar. Osresultados do teste ABC e daincipiente terapia daaprendizagem fizeram sucesso nacidade de Botucatu eentusiasmaram pais, professorese alunos pela “milagrosa psico-logia”. “- Meu filho não aprendiaa ler, nem a escrever. Agora, coma psicologia do prof. Agostinhojá está lendo e escrevendo e sótira notas altas na escola. É...essapsicologia salvou meu filho”.

(EP): Esse trabalho eradesenvolvido na escola?

(AM): Lourenço Filho propôs acriação de cargos de Orientado-res Educacionais nas EscolasNormais Oficiais do Estado, se-guindo uma orientação doguidance, escola norte america-

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na. Botucatu foi contempladacomo uma das escolas oficiais doEstado. Dado o meu relaciona-mento fácil com adolescentes eprofessores, fui designado paraexercer o cargo. Pois bem... fazero quê? Não havia experiência an-terior no Brasil. Adquiri algunslivros de guidance. Criei con-selho de classes, propus aulas derepetição a alunos com dificul-dade. As aulas eram ministradaspelos melhores alunos.

(EP): Como era o trabalho deorientação propriamente dito?

(AM): Vali-me do livro Orien-tación Profesional do prof. MiraY López. Resolvi escrever-lhe.Sugeriu-me que assinasse arevista Arquivos Brasileiros dePsicotécnica e se possível,visitasse o ISOP (Instituto deSeleção e Orientação Profissio-nal). Li diversos livros didáticos,à busca de subsídios pedagógicos.

(EP): O senhor teve uma orien-tação direta de Mira y López noperíodo em que ele esteve noBrasil?

(AM): Sim. Mira me propôs queusasse os testes citados no seulivro e fizesse um teste seu,

chamado PMK e lhe mandasse osresultados, as dúvidas, que ele medaria toda a orientação. Catalo-guei profissões, levantei interes-ses profissionais, fizemos semi-nários com médicos, advogados,engenheiros, professores, dentis-tas, farmacêuticos, coletando in-teresses. Pus-me a estudar o testePMK e, com freqüência, consul-tava o prof. Mira, na época diri-gindo o ISOP. Sugeriu-me que fi-zesse experiência com adolescen-tes e levantasse o perfil do jovembotucatuense, através do teste.Pus-me a ler as obras do prof.Mira e a admirar o seu talento e asua versatilidade. Estando emSão Paulo adquiri uma obra doCorônel sobre o PMK e um ma-nual francês sobre o assunto. Am-bos foram valiosos e a correspon-dência com o prof. Mira aumen-tou em função de minhasdúvidas. Publiquei alguns artigosem revistas especializadas sobreo problema da orientaçãoeducacional que aproximou maisos pais de seus filhos, mas osprofessores sentiram-seinvadidos na sua cidadela. Porsugestão do prof. Mira, adaptei asua bateria de teste de inteligên-cia (espacial, verbal e abstrata)aos nossos alunos. Foi possível,assim, diagnosticar melhor as

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aptidões, em função do tipo deinteligência e moldá-las às exi-gências da orientação vocacional.Mira foi para mim um exemplo eum modelo de profissional. Seuslivros me acompanhavam.

(EP): Quais foram suas outrasinfluências teóricas na época,além de Lourenço Filho e Miray López?

(AM): Numa feira de livros emSão Paulo, vieram-me as mãos oslivros de Holland sobre orienta-ção vocacional e um estudo detestes sobre o assunto. Esses li-vros me deram o ensejo de pre-parar um teste denominado TEV(Teste de EstruturasVocacionais), editado pelaEditora Vetor, de São Paulo. Norelacionamento com estudantes,no diálogo do dia a dia, nos“programas estudantinos”, nastertúlias jovens, nas confissões,na observação do rela-cionamento, foi-me possívelaprofundar o estudo das relaçõeshumanas na escola. A orientaçãovocacional me levou ao estudodos testes. Vali-me do auxílio deum professor de matemática es-pecialista em estatística que meaprofundou nas questões de

técnicas de pesquisa e elaboraçãode provas padronizadas.

(EP): O senhor fez referência aum trabalho fundamentado naobra de Celestin Freinet. Comoo senhor teve contato com essaobra?

(AM): Freinet apareceu nosmeus estudos através de MichelLaunay, discípulo do pedagogofrancês. Veio Launay a SãoPaulo, para ministrar na USP umcurso de Francês Instrumental.Através de uma palestra sua,pude entender a obra de Freinete apaixonar-me por ela.Tínhamos muito em comum. Lios livros de Freinet, alguns emportuguês, outros em francês.Resolvi tentar algumas experiên-cias no meio escolar e social bra-sileiro. Supervisor de uma escolaem São Paulo, o InstitutoLuzweel , introduzi os princípiosdo pedagogo nessa escola.Luzweel era uma instituição declasse alta e média alta. Paralela-mente combinei com umaprofessora de escola de periferiaque realizasse a mesma experiên-cia, para confronto de resultados,numa escola pobre, a verdadeiraescola Freinet, e uma escola rica.

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No confronto, a escola deperiferia realizou comparativa-mente melhores resultados enuma maratona esportiva, inte-lectual, os meninos favelados le-varam a melhor. Trabalhando nu-ma empresa de construção civilidealizamos a aplicação de mé-todo Freinet no contato com ospeões das obras, em geral semi-alfabetizados. Levantamos umarevista, uma espécie de texto livree estabelecemos correspondênciacom peões, estudando o seu am-biente de trabalho. Os resultadosforam satisfatórios e da experiên-cia resultou uma obra não publi-cada sobre O método Freinet nu-ma empresa de construção civil.

(EP): Existiram outras experiên-cias com a metodologia Freinet?

(AM): Numa classe de faculda-de (3o ano de Psicologia), nacadeira de Dinâmica de Grupo,ensaiamos a elaboração pelasturmas do chamado Livro de Vidaque, ao final, resultou numa obratambém não publicada. Com umanossa ex-aluna, de Psicologia daCriança, instituímos a chamadaFreineterapia, em que o trabalhoterapêutico era executado comdesenhos das crianças e o textolivro livre (Redação Vivenciada),

orientando o trabalho do textolivre. Foi publicado em edição doautor. Finalmente escrevemosDidática fundamentada no textolivre de Freinet, do qual resultouum livro também publicado emedição do autor.

(EP): O senhor é autor dealgumas das obras bastanteutilizadas nos cursos dePsicologia sobre os trabalhos emgrupo. Fale-nos um pouco sobreesses seus estudos.

(AM): Dos cursos de um dosmais profundos conhecedores dePiaget e Dinâmica de Grupo,Lauro de Oliveira Lima, conseguiassimilar a influência do mestregenebrino no trabalho de grupo.A bibliografia em língua portu-guesa era muito escassa e poucaslivrarias ofereciam livros sobre oassunto. Consegui algumas obrasem inglês, principalmente os tra-balhos pioneiros de Kurt Lewine seus discípulos. Pus-me a pes-quisar e aplicar os conhecimentosem aulas e trabalhos de orienta-ção educacional. Os adolescentesse sentiam bem diante daquelasestratégias que iam bem ao en-contro de suas necessidades degrupo. Já os professores não viamcom bons olhos aquelas ativi-

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dades que os tiravam do estradoda cátedra para trabalhar com“grupos indisciplinados” dealunos. Foi necessário, no âmbitoescolar, rever toda a Didática econtar com professores nãopreparados para as novas es-tratégias. Uma escola de freirasque solicitou o nosso apoio ficouatemorizada com a minha intimi-dade com as meninas. Os profes-sores de ciências exatas, comomatemática, tiveram mais facili-dade em aceitar o processo e onome Piaget foi uma bandeira naimplantação da Dinâmica de Gru-po. Após muito trabalho, conse-gui publicar Relações humanasna escola, Dinâmica de grupo naescola, Teorias e sistemas emdinâmica de grupo e Técnicas detrabalho de grupo, além de ou-tras edições do autor, não publi-cadas. Tivemos maior sucesso emalguns trabalhos junto a empre-sas, nas quais a aceitação do tra-balho grupal foi mais facilitada.

(EP): O senhor participou da intro-dução de uma controvertida abor-dagem terapêutica, a AnáliseTransacional. Como se deu esseprocesso e qual a avaliação que osenhor faz hoje dessa abordagem?

(AM): Alguns psicólogosargentinos introduziram no Brasila psicologia da Análise Transa-cional. Alguns transacionalistasamericanos estiveram em SãoPaulo, ministrando cursos sobrea nova abordagem da Psicanálisee Gestalt. Participamos de todasas reuniões e, apesar de todas asimplicações das novidadesamericanas, alguma coisa pôde-se aproveitar da chamada AnáliseTransacional de Eric Berne, quenada mais é, que uma simplifi-cação da Psicanálise. Depois deestudos, publicamos um livropela Editora Moraes, AnáliseTransacional pela Imagem. Oestudo ainda é polêmico dada avulgarização do assunto porpessoas não habilitadas oucredenciadas para essa novaabordagem psicológica, hojecombatida e esquecida.

(EP): Tendo uma tal diversidadede interesses e áreas de estudo,qual a sua avaliação acerca dasconvergências entre eles? Qualo balanço que o senhor faz?

(AM): Numa síntese integrativados momentos que constituíramo processo de desenvolvimentode um psicólogo, num ambienteonde mal se conhecia a Dona

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Psicologia e a Medicina era so-berana, é bom que se faça umaretrospectiva de como se podetrabalhar num ambiente modesto,sem os benesses do apoio univer-sitário, com seus professores, asua biblioteca, a facilidade deconsulta e todo um ambiente pro-pício. Refiro-me à divulgação, àdiscussão, à reformulação deprincípios, à troca deinformações, ao apoio à pesquisae ao congraçamento de reuniões,seminários, congressos, painéis eoutros. Só um autodidatismotenaz, persistente e até teimoso àbusca de conhecimento, decontatos enriquecedores, dedivulgação de descobertas e pes-quisas poderão incentivar o pes-quisador solitário, que deve bus-car as próprias ferramentas, pre-parar o solo, adubá-lo, para co-lher os frutos. Deve contar tam-bém com a indiferença, as vozescontrárias, o sentimento de invejae de invasão de campos tradi-cionalmente “senhores” e “pro-

1 Ferri, M. G. & Motoyama, S. (Eds.)

(1979). História das Ciências no Brasil

(3 vol.). São Paulo: EPU/EDUSP. (N. do

E.)

prietários” do conhecimento, pordireito e herança. Todas essaslutas deverá enfrentar o autodi-data, o pesquisador solitário, ohomem no deserto de idéias, ocalor da indiferença, a secura doambiente e a indiferença dos“senhores” do saber. Essa lutaenfrentamos e tivemos a coragemde vencer os percalços e contri-buir modestamente com pesqui-sas, quando ainda a metodologiacientífica engatinhava. Que sirvade modelo e orientação àquelesque na exuberância dos frutos dauniversidade se acomodam aosaber feito, mal reproduzido ememorizado, sem análise e,muito menos, sem síntese. Numrecantar da mesma melodia quese repete em bis sonoro, mas im-produtivo. É preciso determina-ção, coragem, dinamismo, criati-vidade, espírito inovador, gostoda pesquisa e, acima de tudo,vontade de vencer contra tudo econtra todos.

Nota