Entrevista Antonio Miguel Kater Filho

4
Donizetoi Débora Matos Fabricio

description

Entrevista com Antonio Miguel Kater Filho na Revista da ESPM (jan/fev 2012)

Transcript of Entrevista Antonio Miguel Kater Filho

Page 1: Entrevista Antonio Miguel Kater Filho

R e v i s t a d a e s P M – s e t e m b r o / o u t u b r o d e 2 0 1 110

Entrevista com

Don

izet

oi

Antonio Kater

Déb

ora

Mat

os F

abric

io

Page 2: Entrevista Antonio Miguel Kater Filho

s e t e m b r o / o u t u b r o d e 2 0 1 1 – R e v i s t a d a e s P M11

En t r E v i s ta c o n c E d i da a Fr a n c i s c o Gr ac i o s o E

an n a Ga b r i E l a ro d r i G u E s ar a u j o

Marketing da salvação

O teólogo Antonio Miguel Kater Filho passou anos estudando o catolicismo no Brasil. Sentiu falta de um plano

estratégico para ampliar a comunicação da igreja com seus fiéis e foi buscar a solução no mundo do marketing. Fez pós-graduação na ESPM, mestrado na USP e tornou-se um dos maiores especialistas em marketing religioso do País. Há 17 anos, fundou o IBMC (Instituto Brasileiro de Marketing Católico), e passou a trabalhar os 4 Ps de Philip Kotler sob a ótica da

O

Entrevista com

religião. “O produto é a salvação, que nunca sai de moda. Preço não tem porque é de graça. O ponto de distribuição, que é a igreja, está sem-pre muito bem localizado no centro do bairro ou da cidade. É no P da promoção que a maioria dos padres peca”, assegura esse católico devo-to. Responsável pelo plano de construção de marca do padre Robson, do Santuário do Pai Eterno, de Goiás, nesta entrevista, ele mostra como o marketing vem sendo utilizado pelas religiões ao longo dos séculos.

Antonio Kater

Entrevista

Page 3: Entrevista Antonio Miguel Kater Filho

R e v i s t a d a e s P M – s e t e m b r o / o u t u b r o d e 2 0 1 112

GRACIOSO – Kater, para nós, sua presença é um duplo prazer, pois você é nosso ex-aluno.

KATER – Falo da ESPM com carinho e indico a Escola para quem me pergunta.

GRACIOSO – De cer ta forma, a ESPM ajudou a acordar sua percepção para a importância do marketing também na religião. Isso foi em 1985. De lá para cá, as coisas mudaram. Estamos diante de uma verdadeira revolução religiosa no Brasil, que vem das bases para cima e que são, justamente, as que perduram. Essa guerra religiosa ocorre, princi-palmente, na periferia das grandes cidades, onde estão concentrados os migrantes que vieram do Nordeste. De forma geral, essas pessoas abando-naram ou perderam os laços culturais históricos e estão enfrentando a dureza da vida urbana, sendo muitas vezes inferiorizadas pela discriminação. Para esse público carente, principalmente de esperança e oportunidade, é fácil transmitir a mensagem das igrejas neopentecostais: “você pode e deve ser feliz aqui e agora”. Conheço seu traba-lho, sei das suas opiniões a respeito da “culpa” da igreja católica, que não soube reagir com mais agressividade a essas novas ameaças. Mas qual a sua opinião a respeito dessa revolução?

KATER – Essa situação tem uma relação direta com o comodismo da igreja católica, que por dois mil anos dominou o mercado, sem se preo cupar com a concorrência. Um levanta-mento da FGV mostra que em 1972 tínhamos 99,72% de católicos no Brasil. Oito anos depois, esse número foi reduzido para 88%. Em 1991,

uma nova queda: 83%. Até que em 2000 che-gamos a 73% de católicos no País. Ao analisar esses números, qualquer empresário já teria tomado uma decisão na tentativa de reverter esse quadro. Mas a igreja foi inchando e se dis-tanciando dos fiéis, que passaram a encarar o batismo, a primeira comunhão e a crisma como um ato meramente social. Por outro lado, até a primeira metade do século passado, a profissão de padre era algo que tinha status e dava uma garantia de bem-estar e conforto ad eternum até a salvação. Na época em que era comum uma família ter dez filhos, “dar um filho para Deus” era quase que um gesto benemérito, como se você ganhasse uma vaga no céu.

ANNA GABRIELA – Quando essa imagem começou a mudar?

KATER – Com a Revolução Industrial, as pes-soas passaram a ter mais oportunidades e motivos para sair de casa. Com a expansão dos meios de comunicação, muitos perceberam que a igreja não era o único lugar onde poderiam investir seu tempo e a estratégia de prender a atenção dos fiéis por uma hora e meia dentro da igreja deixou de ser eficiente. Os padres sempre foram “marqueteiros”. A própria Via Sacra é uma estratégia de marketing, uma espécie de comunicação audiovisual composta por quadros que contam a vida de Jesus – uma catequese fantástica no tempo em que a maio-ria das pessoas eram analfabetas e não tinham acesso à Bíblia. Outra estratégia que funcionou durante séculos foi realizar longas missas e fa-zer a meditação do Rosário para manter os fiéis dentro da igreja por horas. Quando o mundo começou a apresentar novas opções de entre-tenimento e lazer, a igreja começou a perder a frequência daqueles católicos que iam à missa

} Sou amigo de grandes pastores, que af i rmam que a frequência nos cultos evangélicos também está caindo. ~

12

E N T R E V I S T A

Page 4: Entrevista Antonio Miguel Kater Filho

s e t e m b r o / o u t u b r o d e 2 0 1 1 – R e v i s t a d a e s P M13

S o f i a E s t e v e s

por tradição familiar. Como o padre não teve o cuidado de adequar sua comunicação a esse novo momento, o mundo passou a ter um bri-lho e um glamour maior para a sociedade. Em minhas palestras sempre digo para os padres: “Vocês dizem verdades que já cansei de ouvir, mas que não tocam o meu coração. Os pastores evangélicos dizem as mesmas verdades num linguajar que mexe com a minha emoção. Se eu não fosse católico apaixonado já teria me tornado um pastor evangélico.” A evolução da sociedade foi a primeira e maior causa dessa debandada. Quando o católico deixa de ir ao templo, começa a perder o vínculo com a igreja. A missa de domingo passa a ser uma obrigatoriedade e perde audiência até para o jogo de futebol que é transmitido na TV aos domingos. Tem até uma brincadeira feita com aquele adesivo “Deus é Fiel!” Muitos corintia-nos dizem que, em dia de jogo, não precisam ir à missa, porque Deus está assistindo lá de cima.

GRACIOSO – Nesse contexto, a divisão re-ligiosa que está havendo no Brasil tem relação com as classes sociais?

KATER – Sim, mas a influência maior de quem permanece na igreja católica é a tradição e a família. Faço retiro para casais há quase 30 anos. Todo mês, eu e minha esposa estamos em algum lugar do país pregando para casais. Tenho mais experiência do que um padre em ouvir os problemas dos católicos. Então, pos-so afirmar que a família é a primeira grande causa dessa divisão. Mas os próprios evangé-licos estão com “problema de audiência”. Sou amigo de grandes pastores, que afirmam que a frequência aos cultos evangélicos também está caindo. Com a ascensão da classe C, mais pessoas passaram a ter acesso a TV a cabo e, no horário do culto, tem à sua disposição mais de 80 canais com esporte, entretenimento e notí-cias. Outro concorrente de peso é o shopping--center, que substituiu o papel da paróquia na sociedade. Antigamente, as meninas ficavam andando pela praça da igreja e nós ficávamos

olhando para elas. Os jovens de hoje fazem isso no shopping, que é o templo do consumo.

ANNA GABRIELA – Segundo sua tese, hoje todas as religiões estão perdendo fiéis para as novas formas de entretenimento?

KATER – Sim. Em 2000, enquanto o catolicis-mo detinha 73% da preferência nacional, o protestantismo representava 15,4% dos fiéis. Na outra ponta, os sem religião somavam 7,4% da população e esse é o dado que mais me incomoda como teólogo e profissional de marketing, porque vem crescendo gradati-vamente o número de pessoas que declaram não ter religião. Analisando os dados mais recentes do Censo, os católicos somam 68% e os evangélicos, 12,76%. Em dez anos, eles passaram de 15% para 12% e se dividiram em uma série de seitas evangélicas, enquanto os católicos sofreram uma redução de 5%. Não é uma queda tão significativa.

GRACIOSO – É próprio de toda marca domi-nante, que não pode manter-se monopo-lista, é impossível.

KATER – Lógico. Sou publicitário e quando tinha agência fazia algumas veiculações de anúncio na Globo, que trabalhava com um índice de 40% de audiência média em sua programação. No passado, o Jornal Nacional atingia 60% de audiência no Ibope. Hoje, quando algum programa chega a 20%, eles comemoram. O crescimento das ofertas de la-zer é a causa maior dessa evasão. O marketing ajuda a amenizar essa situação. Nos últimos anos, as igrejas têm investindo cada vez mais em comunicação, estratégias para levantar fundos e atrativos como ar-condicionado, ca-deira estofada, cafezinho na secretaria e uma secretária qualificada que certamente deve ter participado do meu curso de marketing. Mas ainda há um despreparo e o mal está no seminário. Tenho discutido com os Bispos para incluir a matéria Marketing na grade curricular do seminário. É preciso preparar o padre para falar em público.

Antonio Kater

j a n e i r o / f e v e r e i r o d e 2 0 1 2 – R e v i s t a d a e s P M13