Entrevista Augustus Nicodemos

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    Entrevista Dr. Augustus Nicodemos

    Nascido na Paraba, o pastor e pesquisador presbiteriano Augustus NicodemusLopes fez carreira no segm ento acadmico evanglico. Graduado em Teologia,mestre em Novo Testamento e doutor em Interpretao Bblica este ltimo ttulofoi concedido pelo Instituto Teolgico de Westmins ter (EUA) , j dirigiuseminrios ligados sua denominao e hoje exerce o cargo de chanceler darespei tada Universidade Presbiteriana Mackenzie, em So Paulo. Na mesma

    cidade, pastoreia a Igreja Presbiteriana de Santo Amaro. Pensador e autorprofcuo, o conjunto de sua obra d uma ideia de suas posies teolgicasreformadas; dentre elas destacam-se, mediante a Editora Cultura Crist: Quevoc precisa saber sobre batalha espiritual, F crist e misticismo, Ordenao de

    mulheres: o que diz o Novo Testamento eA Bblia e sua famlia (este eleescreveu com a participao de sua espos a, Minka Schalkwijk Lopes); emediante a Editora Mundo Cris to: O que esto fazendo com a Igreja. Estaentrevista Dr. Augustus concedeu jornalis ta Cludia Mrcia Eller Miranda para aRevista Reflexo Teolgica, em Joo Pessoa (PB), no Seminrio Teolgico BetelBrasileiro, onde lecionou aos alunos da ps-graduao.Revista Reflexo Teolgica Que aspectos o senhor considera relevantes eimprescindveis para os seminrios na formao de pastores? O que no pode faltar numa slida formao

    teolgica sob genuna orientao bblica?

    Augustus Nicodemus Depende muito do que as igrejas esto querendo em termos de sua l iderana. Algumasdenominaes como as histricas, que foram afetadas pelo liberalism o, no esto muito preocupadas com a questoda vida espiritual ou da conduta moral, so bem libertinas mesmo. Ento, quando vo preparar seus obreiros, noenfocam o aspecto pastoral, a questo da piedade, da vida crist. E a, quando no h esta preocupao, ento osseminrios ou as es colas de Teologia formam apenas telogos, pessoas sem qualquer preparao na rea pastoral.A Bblia ensina que a igreja a reunio dos eleitos de Deus, a comunidade de pecadores salvos pela graa,imperfeitos no caminho da santificao, entendendo que os pastores so lderes e exemplos do rebanho, motivadores,consoladores, instrutores. Por isso, os seminrios devem focar, em primeiro lugar, a vida, a comunho e orelacionamento com Deus, que implica obedincia, santidade e exemplo de vida. Isto eu s ei que no se obtm em sala

    de aula, no vai ser em s ala de aula que os professores iro ensinar os alunos a serem pessoas de Deus, mas, pelomenos, podem dar as diretrizes, falar das demandas da Bblia, dar orientao para que os candidatos ao ministriocuidem desta rea na prpria vida.Em segundo lugar, vem a questo doutrinria: pastores e mestres na Bblia possuem, praticamente, o mes mo dom oua mesma funo, como encontramos em Efsios, captulo quatro pastores e mestres; na traduo poderia serpastores que tambm s o mes tres, o que levam ao mesmo s ignificado. Ento, para pastorear, a pessoa precisaconhecer a Palavra de Deus, porquanto a autoridade do pastor est na Escritura. Ele vai precisar manejar bem aPalavra da Verdade, conhecer a Teologia Bblica, o contedo dos livros da Bblia e as questes introdutriasrelacionadas com o Cnon, porque sempre vai encontrar pessoas questionando um ou outro ponto. Ento, o pastorprecisa ser bem verstil na Escritura.Em terceiro lugar, eu diria que no pode faltar um pouco de cultura geral. O Brasil vem se desenvolvendo, a sociedadebrasileira se tornando mais sofisticada, mais e mais pessoas frequentando curso superior. Portanto, se algum vai

    pastorear um rebanho, certamente vai se deparar com pessoas com alguma formao superior e, se ele no tiver umacultura geral, vai encontrar dificuldade de comunicao e de interao com estas pess oas.Ento, para mim, estes trs elementos no podem faltar num seminrio teolgico: a) a questo da nfase na vidacrist, na vida prtica, a instruo de como viver a vida crist; b) boa teologia; c) uma razovel preparao em termos decultura geral. Talvez, alguns gostariam de acrescentar tambm miss es. Mas a teramos que fazer diferena entre ochamado para pastorear a igreja local ou o chamado para o campo miss ionrio. Portanto, se o alvo prepararmis sionrios e plantadores de igrejas, naturalmente toda a rea de miss es e sua his tria precisam receber ateno.De modo que no podem faltar estas nfases. Acho que, infelizmente, muitos seminrios no Brasil tm faltado comesta viso mais ampla e o resultado a preparao inadequada e a consequente fragmentao e vulnerabilidade dasigrejas.Revista Reflexo Teolgica O autor Michael Green afirma que quase todo telogo no gosta de evangelizao equase todo evangelista no gosta de teologia. A Teologia e o desejo de fazer a igreja crescer encaixam-se

    harmoniosamente? Como?

    Augustus Nicodemus Todo evangelis ta, todo miss ilogo, um telogo por definio. Esta dicotomia que fizeram entreteologia e misses porque esto partindo da definio errada. Definiram teologia como s endo um es tudointelectualizado, filosfico, de algumas doutrinas da Bblia, o qual s interessa aos telogos; e definiram misses

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    como sendo algo extremam ente prtico e que no precisa de teoria por trs, simplesmente voc falar de Jesus parapessoas. E quem precisa de teologia para fazer isto? Ento, confirma-se que tanto esta definio de misses como ade teologia no es to corretas. Misses aproximar-se de uma pess oa e dizer a ela: creia em Jesus Cristo e vocser s alva. Esta a declarao mais teolgica que algum pode fazer e que precisa ser explicada. Primeiro: creia crer induz a diferentes significados para diferentes pes soas ; creia em Jesus Cristo, carece explicao, porque cadapessoa hoje tem uma interpretao diferente de quem Jesus ; voc vai ser salvo salvo de que? Ento, l vem maisteologia para explicar. No existe como realizar mis ses, plantar igrejas, fazer evangelis mo pes soal , sem que por trshaja um esforo consciente de interpretao da Bblia, sis tematizao. Isto teologia. Todo missionrio tem que sertelogo, no tem como fugir da realidade, como tambm todo telogo deveria ser um missionrio. De que adianta

    estudar teologia se no futuro ela no vai servir para a igreja, no vai servir aos membros da igreja, fica s como um fimem si m esma? Isto, em minha opinio, no tem o menor valor se no tem aplicabilidade. Ento, quando algum fazseparao entre Teologia e Missiologia, eu creio que uma reao ao perodo rido da Igreja e, realmente, houve ess eperodo em que as pessoas estudavam muita teologia sem qualquer preocupao com a prtica. Sobreveio, ento,uma reao contrria ao fato de que o pessoal resolveu fazer misses de qualquer jeito, sem se preocupar comteologia. As duas tm que es tar lado a lado, a prtica tem que ser orientada por alguma ideologia, e a ideologia queno tem uma finalidade tambm no vale a pena ser estudada.

    Revista Reflexo Teolgica Qual o papel dos pastores no despertamento de vocaes pastorais e missionrias?Augustus Nicodemus O pastor deve instruir a respeito da bno e do privilgio que servir a Deus no m inis triocristo, o que ser um pastor, missionrio, plantador de igreja, obreiro. Deve falar das dificuldades que tambm teroque enfrentar no campo e esperar que esse tipo de exposio bblica chame as pessoas. Mas precisa ter cuidado parano empurrar pessoas para o ministrio, no incentivar demais porque, s vezes, ela pode es tar em dvida quanto a ideia de ser pastor ou missionrio e seguir o caminho devido persuaso. Eu no quero ser responsvel por colocarno minis trio uma pessoa que Deus no chamou, o que seria um desas tre para ela e para o campo.

    Revista Reflexo Teolgica Como o senhor analisa os efeitos da ps-modernidade sobre a igreja?Augustus Nicodemus A ps-modernidade facilitou e aumentou a influncia do liberalismo, do relativismo e dopragmatismo na igreja brasileira, ainda que ess es m ovimentos e tendncias sejam to antigos quanto a prpria igreja.A presente poca, marcada pela ps -modernidade, facili ta a entrada des ses elementos na vida, na li turgia e na missodas igrejas evanglicas , como de fato temos presenciado. Por outro lado, existem lderes evanglicos queconscientemente desenvolvem ministrios e comunidades que se apoiam em mtodos e ideologias liberais,relativistas e pragmticas. O que essas coisas tm em comum que sempre representam uma tentao para

    corromper o Evangelho bblico, quer pelo apelo soberba humana, quer por um tipo de cristianismodescompromissado ou, ainda, pela oferta enganosa de resultados extraordinrios em curto prazo. A crise de ortodoxiado Evangelho contemporneo, bem como o ps-denominacionalismo, resultado direto deste processo. O relativismorepresenta uma ameaa concreta Igreja, pois a mesma se firma s obre verdades universais e imutveis, como aexistncia do Deus Trino; a humanidade e divindade de Jesus Cristo; sua morte vicria e sua ressurreio real e fsica;a salvao pela f sem as obras da Lei; e a segunda vinda de Cris to. A Igreja defende tambm uma tica centralizadano amor que, segundo Jesus e s eus apstolos, consiste em obedecer a Deus e aos seus mandamentos. J orelativismo rejeita o conceito de verdades absolutas e internaliza a verdade no indivduo. E o efeito prtico disso oquestionamento autoridade da Bblia, ao carter nico do cristianismo e ao comportamento tico pregadohistoricamente pelos cristos. Mas, num certo sentido, o relativismo pode representar uma oportunidade para ocristianismo em ambientes ps-cristos, onde a f crist j foi excluda a priori. Por exemplo, no ambiente dasuniversidades, o discurso geralmente anticristo, relativista, pluralista e inclusivista. Os cristos podem, em nome da

    variedade e da pluralidade, pedir licena para falar, j que, de acordo com a ps-modernidade, todos os discursos soiguais e vlidos e nenhum melhor do que o outro.

    Revista Reflexo Teolgica Na prtica, como tem se manifestado a propalada liberdade de expresso da ps-modernidade?

    Augustus Nicodemus A ps-modernidade se apresenta como sendo uma era ou perodo de tolerncia em que todasas vozes tm o direito de ser ouvidas. Mas is so a l-se todas as vozes menos o Cris tianismo. Por exemplo, ningumfoi mais plural e mais ps-moderno que o governo Lula. Entretanto, em s eu governo, houve o projeto de lei dahomofobia que, no fim, tentava impedir as igrejas evanglicas de dizer abertamente nos cultos que consideram ohomossexualismo como sendo um desvio moral ou um pecado. Isto ao arrepio da Constituio Brasileira, que diz quetodos so iguais perante a lei. Ento, tenho o direito de dizer o que acho certo e o que acho errado, sem que is to

    signifique que estou agredindo quem pensa diferente de mim. No fim, eles vo cercear mesmo a liberdade deexpresso e vo tornar as coisas complicadas para as igrejas. H pouco tempo ns escapamos de algumas leis nocdigo civil que transformavam as igrejas em associaes e cuja membresia era livre e aberta. Foi preciso haver umagrande movimentao de evanglicos junto com a igreja catlica para impedir a aprovao dessa legislao ou nsteramos que aceitar como membros quem quisess e, pois, do contrrio, correramos o risco de sermos processados.Ento, este discurso da ps-modernidade, de tolerncia e liberdade de expresso, iluso; os ps-modernos aceitam

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    discurso de todo mundo menos o do Cristianismo. Como cristos, vamos continuar a ter dificuldades nesta sociedadeps-moderna e temos que es tar dispostos a pagar at mesmo com a nossa liberdade, com a noss a integridade,nosso conforto, nosso nome, pagar o preo de dizer a verdade. Jamais vai ser fcil, pois o mundo nunca vai aceitar amensagem do Evangelho de boa f. A mente humana inim iga de Deus. Mesmo que os ps-modernos s e declaremtolerantes, pluralistas, isto s embromao, pois no fundo, a mesma velha natureza humana que se manifesta,contrria ao Evangelho porque ela s empre se levantou, procurando dificultar e perseguir o mais que puderem.Revista Reflexo Teolgica Muito do procedimento antibblico das igrejas atribudo hermenutica praticadapelos lderes. Como o senhor v esta questo?

    Augustus Nicodemus Este um problema antigo, mas sua razo outra: o povo sempre interpretou a Bblia de ummesmo jeito, ou seja, l uma passagem bblica e faz uma aplicao direta para sua realidade pessoal o quechamamos de interpretao alegrica. s vezes, o texto nada tem a ver com a aplicabil idade, mas a pess oa o direcionapara a sua prpria vida. Sempre fizeram isso. Alguns lderes vo para os seminrios, estudam hermenutica(interpretao bblica) o mtodo histrico crtico, o mtodo gramtico-histrico, as teorias do conhecimento, filosofiada interpretao aprendem como interpretar e aplicar a Bblia. E ensinam isto. Mas o povo continua lendo a Bblia domesmo jeito que lia h dois m il anos ou at antes, no Antigo Testamento, e a aplicam na vida pessoal sem querersaber que mtodo de interpretao usou. Ento um milagre Deus preservar a verdade do Evangelho e manter a Igrejaandando no caminho, quando a grande massa do povo de Deus desconhece completamente ou no pratica osprincpios bsicos de interpretao.Veja, por exemplo, o perodo ps-apos tlico: havia intrpretes como Orgenes, que eram alegoristas, faziam exegesesabsurdas, mas ele foi uma das pessoas que s egurou a Igreja no perodo dele. Do outro lado, existia um grupo nacidade de Antioquia que tinha uma hermenutica mais sria, um mtodo gramatical bem mais sbrio que, inclusive,combateu Orgenes e seu mtodo alegrico. Todavia, esse grupo virou herege, dando origem ao pensam ento unitrioe ao arianismo.Ento, grande parte dos erros teolgicos que existe hoje sempre existiu. Isto tem a ver menos com a ques to da faltade uma boa hermenutica dos lderes e mais com a depravao do nosso corao. A heresia e o engano religioso soobras da carne. O diabo engana as pessoas.Revista Reflexo Teolgica De acordo com a teologia reformada, as marcas da Igreja implicam seriedade napregao da Palavra, no exerccio dos sacramentos e na aplicao da disciplina. Isto est sendo obedecido?

    Augustus Nicodemus Infelizmente no. Esta , entre outras, uma razo da fraqueza da igreja evanglica. Primeiro, emrelao pregao e o que domina atualmente: se voc olha o cenrio brasi leiro como um todo, o que domina na

    pregao evanglica no Brasi l hoje a teologia da prosperidade, a pregao de um Deus que existe para satisfazerminhas necessidades im ediatas, arrumar um emprego, curar minhas doenas, resolver meus problemas.Infelizmente, isto que domina. A julgar pelo que se ouve na televiso e nas mensagens das igrejas que hojerepresentam a maioria dos evanglicos do pas. Ento, no que no tenha boa pregao, ela se encontra em todasas denominaes, entre pessoas fiis que querem pregar a Palavra de Deus e onde h pregao correta nem semprevai haver grandes multides, porque a Palavra de Deus nem sempre popular. O prprio Jesus afugentou muita gentecom a pregao dele Dura es ta palavra, quem pode suportar?Hoje existem igrejas que batizam e recebem membros em massa; outras no tm nem rol de membros, as pessoassimplesmente vo para uma igreja e, com a m esma velocidade que entram, saem. Neste ponto, surge a questo dadisciplina tambm. Das trs m arcas mencionadas, a que tem sofrido mais a disciplina. A igreja que tem controle doseu rol de m embros procura acompanh-los individualmente, ajud-los quando caem em pecado, procurandorecuper-los, porque es te o propsito da disciplina, restaurar da maneira certa as pessoas. Em muitos casos, a

    disciplina hoje vista como castigo somente, ao se colocar a pess oa fora da igreja ou, ento, submet-la a disciplinaatravs de uma maneira quase imperceptvel sem que os outros membros percebem o fato. Pelo contrrio, adisciplina, sim, deve ser pblica na maioria dos casos, atravs de atitudes que caracterizem os motivos corretos,visando restaurao da pess oa. Dessa maneira, ela produz excelentes resultados. No meu exerccio pastoral, istoaconteceu muitas vezes e, quando a disciplina bem aplicada, a pess oa volta ao sentir que mereceu ser repreendida,ao perceber que aquela atitude foi feita em amor. Mas, infelizmente, hoje no se age dessa maneira. Este umass unto do livro que publiquei recentemente: Mantendo a igreja pura, onde fao uma anlise de Mateus 18.Revista Reflexo Teolgica Considerando a problemtica da Igreja de Corinto, que anlise o senhor faz do culto nasigrejas brasileiras hoje?

    Augustus Nicodemus O problema da Igreja de Corinto que ela tinha desenvolvido um conceito de espiritualidade

    muito ass ociado questo da manifestao dos dons espirituais, especialmente lnguas e profecia. Embora Paulotenha sido o fundador dessa igreja, no demorou muito para que ela tivesse um seguimento que certamente no teriaa aprovao de Paulo, que era identificar a presena do Esprito Santo na igreja exclusivamente pelas manifestaescarismticas. A prova de que is so no estava correto que, ao escrever sua Primeira Carta aos Corntios, Pauloescreve para corrigir essa viso deturpada. No captulo 3 da Carta, ele diz: no considero nem poss o falar com vocscomo espirituais, vocs na verdade so carnais, ainda que todas essas manifestaes carismticas estejam

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    presentes. Paulo menciona os problemas dessa igreja: havia ali um membro vivendo com a madrasta, um irmoprocessando outro no tribunal, a igreja es tava dividida na ques to da carne sacrificada a dolos , se podia comer ouno, havia questes quanto liberdade crist e existia at um grupo que negava a ressurreio de Cristo. Era mesmouma igreja problemtica, onde muitas reas necessitavam ser colocadas em ordem, pois achavam que era espiritualassociar espiritualidade com manifestaes carismticas. Ento, o Apstolo Paulo corrige isso e, no captulo 13, que o corao da Carta, onde diz que mesmo que ele tivesse todos os dons, mas se no tivesse amor, nada daquilo valeriaalguma coisa; o que aquela igreja es tava precisando, de fato, era de amor e no s de manifestaes extraordinrias .O culto vai refletir o que a igreja acredita. Uma igreja que acredita que o Esprito Santo se manifesta atravs dess esdons, dar prioridade a essas manifestaes. Era o que estava acontecendo em Corinto. A catstrofe corintiana

    (usando a express o de um livro escrito na dcada de 1970) continua hoje, com muitas igrejas tendo a viso errada doque a verdadeira espiritualidade.O culto bblico tem que ser teocntrico Deus sendo o centro e no o homem; tem que ser inteligvel; ser em esprito eem verdade; ter os elementos que a Bblia registra: orao, pregao, leitura da Palavra, ofertas, as celebraes daceia e do batismo. No podemos inventar maneiras novas de cultuar a Deus, mas, sim, estudar a Bblia e ver aqueleculto que ele ordenou e, ento, pratic-lo. Era iss o que a Igreja de Corinto no es tava fazendo. Hoje, infelizmente, issoacontece muito: algumas pess oas, em nome da contextualizao, vo alm daquilo que a Palavra de Deus revela emtermos de culto, produzindo ass im muitos exageros ainda em nosso meio.Revista Reflexo Teolgica Comemoramos recentemente o aniversrio de 500 anos de nascimento do reformadorJoo Calvino. Qual a relevncia do Calvinismo hoje?

    Augustus Nicodemus Eu no diria que a maior importncia do Calvinismo a defesa da doutrina da predestinao eda soberania de Deus. Acho que a contribuio maior do Calvinismo hoje aquela apontada pela revista norte-americana Time que, no incio de 2009, lis tou as dez maiores influncias no mundo; cabendo o terceiro lugar aoCalvinismo. importante frisar que o autor do artigo foi um jornalis ta judeu (ele nem calvinista, nem evanglico, nemcristo). Mas em que sentido ele v o Calvinismo como a terceira maior influncia no mundo ocidental? No tanto naquesto da doutrina da predestinao, mas na viso que o Calvinismo v que o Evangelho abrangente, inclusivo,ele no s uma questo individual. E os calvinistas foram responsveis pelo surgimento da moderna cincia, doshospitais, das universidades as grandes universidades que hoje fazem diferena no mundo: Harvard, Yale, Princeton,Oxford, a Universidade Livre de Ams terd, todas estas foram fundadas por calvinis tas. Isto aconteceu porque oscalvinistas sempre tiveram essa ampla viso de mundo, de que o reino de Deus maior que a igreja. No quer dizerque todas as pessoas sero salvas, mas que a graa de Deus no se restringe s a quem s alvo, ela tambmabenoa todos de maneira que at um ateu pode fazer cincia, adquirir cultura, produzir boa msica, fazer descobertas

    que abenoam a humanidade porque a presena de Deus est por trs de tudo isso. O Calvinismo, embora nuncafosse a maioria, a no ser em alguns pases durante um tempo, seus seguidores sempre fizeram a diferena,independente de onde es tivess em por causa dess a viso, e isto sem perder de vista de que o cerne do Evangelho areconciliao do homem com Deus e que s em is so no adianta nada, a base essa e o fundamento esse, e que ohomem, reconciliado com Deus, vai reconciliar-se com seu prximo, ser um bom cumpridor dos deveres, ser um bomtrabalhador, um excelente patro, um poltico honesto, atingindo todas as es feras da vida. Para mim, essa aimportncia de Calvino para ns hoje.Revista Reflexo Teolgica Acompanhando a histria da igreja evanglica brasileira, que fatores interferem hoje nocumprimento de sua misso na sociedade?

    Augustus Nicodemus De fato, hoje somos talvez 25% da populao e no fazemos muita diferena no noss o pas,no temos um impacto to grande no destino do Brasil. Creio que h muito que pode ser dito, mas, por questo de

    brevidade, vou me concentrar num s ponto. O tipo de evangelho que chegou ao Brasil d muita nfase ques to dasalvao individual. Ele resultado dos grandes movimentos de avivamento pelos quais agradecemos a Deus abno que foi a his tria de pess oas como Finney, Jorge Withefield e vrios outros daquela poca, que ficaram bemconhecidos, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos. Esses avivamentos de fato mudaram muita gente,influenciaram os Estados Unidos e a Europa. Entretanto, eles tinham um vis muito individualis ta, o foco era areconciliao do hom em com Deus e viver na expectativa da vida eterna. Embora os avivamentos tivess em um impactosocial, porquanto mudaram a vida das pessoas, eles no desenvolveram uma espcie de cosmoviso ampla daresponsabi lidade cris t. Mas o evangelho no tem a ver somente com a questo da reconciliao individual do homemcom Deus, e sim do homem em todos os seus relacionamentos com o prximo, com a sociedade, com o mundo.Por exemplo, Simonton, um miss ionrio presbiteriano que es tudou em Princeton numa poca em que aquela escolaestava influenciada pelo reavivalismo, quando veio ao Brasil, trouxe uma grande preocupao com a educao, mas o

    foco sempre foi usar a educao para que atravs dela chegass e ao indivduo e este se convertesse.Ento, entre a Reforma Protestante e os avivamentos na Europa e nos Estados Unidos at a chegada do evangelho aoBrasil, em algum lugar desse caminho se perdeu aquela viso que os reformadores tinham de que Cris to o Senhorde todas as reas da vida no tem um centmetro quadrado da existncia o qual Cristo no possa dizer: meu.Tudo de Cristo! Ass im, acho que ainda no conseguimos como igreja evanglica bras ileira desenvolver de fato umaviso social , um envolvimento poltico, desenvolver uma teologia que faa jus questo social.

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    As tentativas que ns fizemos, ness es cento e poucos anos de evangelho no Brasil, foram falhas : teologia dalibertao, que comeou com protestantes, no Seminrio Presbiteriano do Sul. Depois, a igreja catlica focou ascomunidades de base, veio Leonardo Boff, houve aquela confuso, caiu o muro de Berlim e acabou a teologia dalibertao porque se ins pirava no governo comunis ta. Surgiu a teologia da prosperidade, que explora muito a questoda necessidade do pobre fazendo promessas, iludindo multides, indo para outro lado. Por fim, veio a nfase doEvangelho Integral, muito ligado ao Pacto de Lausanne, que chega muito prximo do ideal, mas carece de maistradio, mais histria, num pas onde no existe a tradio dos evanglicos influenciarem as leis, a poltica, osgovernantes. Por isso, tambm no s e firmou. Por enquanto, o que est acontecendo que as igrejas estodesenvolvendo minis trios isolados: plantam novos trabalhos, abrem escolas, realizam mutires ou planos de

    construo de casa popular, fazem projetos junto com o governo para comear centros de treinamento, oferecemcursinhos de profiss ionalizao, abrem clnicas mdicas. Mas isto sempre como aes isoladas , no algo que todosos evanglicos concordam.Eu sugeriria um retorno ao pensamento da Reforma, particularmente ao pensamento de Joo Calvino, que nessa reabrotou excelentes frutos no mundo, como aconteceu, por exemplo, na Holanda, atravs de Abraham Kuyper. Primeiro-ministro da Holanda, presbtero, de convices reformadas, fundou a Universidade Livre de Ams terd e desenvolveuuma filosofia crist bem integral que alcanar todas as reas da vida. Precisamos encontrar uma forma de adaptar eaplicar o pensamento dos reformadores nossa realidade brasileira. Falta para ns, em todo o Brasil, desenvolveruma teologia, uma viso social; ainda no achamos o caminho para traduzir nosso grande nmero de evanglicos emum impacto positivo na noss a nao, por falta dess a tradio reformada que compreenda o Evangelho como algo quemove todas as reas da vida. Temos que orar pedindo a Deus sabedoria para continuar fazendo o bem, enquantopodemos.