Entrevista Cecília Amado

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ENTREVISTA CECíLIA AMADO A CINEASTA CECíLIA AMADO FALA SOBRE O DESAFIO DE ADAPTAR O LIVRO CAPITãES DA AREIA, ESCRITO POR SEU AVô, JORGE AMADO Quando a carioca Cecília, 34, resolveu adaptar Capitães da Areia como obra de sua estreia na direção de longas, sabia que iria enfrentar o enorme peso da responsabilidade. E não é para menos. A cineasta iria não apenas filmar o livro mais vendido de um dos escritores mais importantes do Brasil. Iria, também, encarar o desafio de dar vida à obra mais influente de umas das pessoas mais queridas em sua vida: o seu próprio avô, Jorge Amado. Mas Cecília Amado parece não se importar muito com essa cobrança. Muito pelo contrário: mantém o olhar sereno e abre um delicioso sorriso, como só aqueles que têm a certeza do dever cumprido conseguem abrir. POR DAVI CARNEIRO FOTOS SOLANGE ROSSINI E DIVULGAçãO FOTOS IMAGEMFILMES / DIVULGAçãO BAIANI- DADE NO DNA 82 LET'S GO BAHIA

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A diretora fala sobre o filme Capitães da Areia

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entrevista cecília amado

a cineasta cecília amado fala sobre o desafio de adaptar o

livro capitães da areia, escrito por seu avô, Jorge amado

Quando a carioca Cecília, 34, resolveu adaptar Capitães da Areia como obra de sua estreia na direção de longas, sabia que iria enfrentar o enorme peso da responsabilidade. E não é para menos.

A cineasta iria não apenas filmar o livro mais vendido de um dos escritores mais importantes do brasil. iria, também, encarar o desafio de dar vida à obra mais influente de umas das pessoas mais queridas

em sua vida: o seu próprio avô, jorge Amado. Mas Cecília Amado parece não se importar muito com essa cobrança. Muito pelo contrário:

mantém o olhar sereno e abre um delicioso sorriso, como só aqueles que têm a certeza do dever cumprido conseguem abrir.

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a cineasta mostra uma das suas tatuagens. ela é baseada em uma das cenas mais emblemáticas do filme Capitães da areia

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Ao narrar cinematograficamente um ano na vida dos Capitães da Areia - marcado por festejos do dia de iemanjá, data emblemática do calendário baiano - a cineasta imprime um olhar próprio pautado na formação humanista que herdou do avô e traz a tona questões como superação, amizade e lealdade. Assim como no livro de jorge, os meninos carentes de Cecília - apesar de sujos, vestidos com farrapos e semi-esfomeados - são, em verdade, os donos da cidade, os que a conhecem totalmente, os que totalmente a amam, os seus poetas.

A diretora - que começou a fazer cinema em 1995 e fez carreira nos sets de grandes cineastas como Cacá diegues, sérgio resende e Cao hamburger – recebeu a equipe da Let’s Go para uma deliciosa conversa sobre o filme e a obra de seu avô.

LEt’s Go - as aventuras de Pedro Bala e seu bando povoam o imaginário popular desde 1937, em livro com mais de cinco milhões de exemplares vendidos. o que representa ter Capitães da areia como seu filme de estreia? CECíLiA AMAdo - Eu gosto de dizer que foi Capitães quem me escolheu e não o contrário. Além de ter personagens apaixonantes, essa obra é um prato cheio para qualquer cineasta, pois retrata um drama social importantíssimo, além de ser extremamente visual e cinematográfica. o livro me deu a

oportunidade de fazer uma película lírica e poética e, ao mesmo tempo, tem potencial comercial raro para um filme de arte. isso é muito bacana porque possibilita me comunicar com várias plateias, públicos e cantos do brasil.

LEt’s Go - Como é voltar a salvador para dar nova roupagem à essa Bahia negra, misteriosa e cheia de belezas que seu avô representou tão bem? CA - Eu sou apaixonada pela bahia e, apesar de ser carioca, aqui é minha casa. Eu fui nômade durante a minha vida, morei em vários lugares do mundo e salvador sempre era meu porto seguro. Meu avô, por sua vez, era um apaixonado pelo povo da bahia. E poder falar desse olhar de jorge Amado para as novas gerações é algo fantástico.

LEt’s Go - sem pensar muito, qual a primeira coisa que surge na lembrança quando você escuta a palavra avô?CA - A primeira coisa que me vem, quando penso nessa palavra, é a cadência da voz de jorge quando ele nos contava alguma história. Acompanhei a época em que ele escrevia alguns dos seus últimos livros e ele adorava ler um trecho para a gente. ou então alguma das muitas cartas que ele recebia de leitores do mundo inteiro. Eu me lembro bem da cadência da sua voz ... e aquilo era uma coisa, o ritmo, a respiração. é algo que só os grandes contadores de história conseguem ter.

LEt’s Go - e, na sua opinião, qual foi a característica mais marcante dele?

CA - A generosidade. Ele era uma pessoa extremamente humanista. Quando ele gostava de alguém, nada importava: a classe social ou a cor da pele ou se era politicamente oposto, nada disso influenciava. o que importava era se era amigo e tinha uma boa história para contar.

LEt’s Go - seria esse o maior legado deixado por ele para você?CA - sim, seria essa visão humanitária e positiva do ser humano. não é só tratar bem o próximo ou falar bem da bahia por

entrevista cecília amado

“A primeira coisa que me vem, quando penso na palavra avô,

é a cadência da voz de Jorge quando ele

nos contava alguma história e aquilo era

uma coisa, o ritmo, a respiração. É algo

que só os grandes contadores de história

conseguem ter”cecília amado, CinEAstA

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obrigação, mas sim, por prazer e por, de fato, ser apaixonado e amar esse povo. Além de ser Amado, ele amava bastante. jorge tinha um coração enorme.

LEt’s Go - seu avô era amigo de muitos cineastas e suas obras são extremamente cinematográficas. é verdade que ele tinha um sonho de ser diretor de cinema?CA - sim. Quando eu comecei a fazer cinema, em 1995, ele me chamou e acabou confessando isso. Ele disse que o seu sonho era ter sido cineasta, então ele me apoiava muito.

não sei se ele tinha dito só para me agradar, mas talvez isso explique o porquê de seus livros serem tão visuais e cinematográficos.

LEt’s Go - a problemática dos meninos de rua continua extremamente atual. Como você enxerga essa relação do livro com a atualidade?CA - Capitães continua atual no bom e no mau sentido. A situação dos meninos de rua é absolutamente semelhante à essência do que foi escrito no livro. por outro lado, meu avô descreveu esses personagens com

bastante humanismo, energia e heroísmo. Quando resolvi adaptar essa história, precisava conhecer os Capitães da Areia de hoje e descobri, não só que eles têm o mesmo drama do livro, como têm, também, essa mesma criatividade, força e bravura.

LEt’s Go - os protagonistas do filme são meninos de comunidades carentes baianas. Como foi trabalhar com “não atores”?

CA - optamos por procurar “não atores”, meninos de comunidades que se aproximassem ao máximo da realidade dos

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personagens. Eu queria a espontaneidade, um elenco de jovens com idades entre 12 e 16 anos que, depois do filme, não ficassem abandonados, tivessem um acompanhamento social. Então fui a 22 onGs que trabalham com dança, capoeira e teatro, e cheguei ao grupo.

LEt’s Go - Como foi a seleção?CA - no final de 2007, reuni 1.200 jovens. depois de seis meses de pesquisa, reduzi o grupo para 90. Aí pedi que eles fizessem dois meses de oficina teatral e ficamos com 26. Então lhes apresentei os papéis e fizemos algumas experiências até encontrar o time.

LEt’s Go - Como foi a concepção e a escolha da trilha sonora produzida pelo Carlinhos Brown?

CA - Carlinhos é um desses baianos amados que aprendi a amar com bastante vigor. Ele foi uma das primeiras pessoas escolhidas para fazer parte da equipe essencial do filme, pois achava que só ele poderia fazer a trilha sonora. o filme é bastante musical e eu precisava que ela percorresse esses climas, nuances e transformações vividas pelos personagens. o Carlinhos é um músico completo que une ritmos pops, africanos, latinos, além de ter baladas românticas lindas. Ele é um grande tradutor de jorge Amado na contemporaneidade.

LEt’s Go - Cecília, você está usando um brinco no formato de iemanjá, além de ter uma tatuagem em

“Quando resolvi adaptar essa história,

precisava conhecer os Capitães da Areia de

hoje e descobri, não só que eles tem o mesmo

drama do livro, como têm, também, essa

mesma criatividade, força e bravura”

cecília amado, CinEAstA

homenagem a esse orixá. qual a sua relação com a rainha do mar?CA - (risada) Eu sou filha de iemanjá. desde pequena frequentei, como simpatizante, o Gantois e o Axé opô Afonjá, onde meu avô era obá de xangô. o filme é, na verdade, uma grande oferenda a ela, que é a nossa mãe maior e do povo da bahia. Ele se passa na beira do mar e conta a história de um ano marcado por festas de iemanjá. Ela está, também, muito presente na trilha do Carlinhos. os Capitães da Areia, assim como toda a bahia, são filhos do mar.

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