Entrevista Cego Aderaldo - 2

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Entrevista com o Cego Aderaldo – 2: A “Peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho” e outros folhetos Robert Rowland Extrato de uma longa conversa com Aderaldo Ferreira de Araújo (1878-1967), conhecido como o Cego Aderaldo, gravada em sua casa, em Quixadá (CE), em 8 de setembro de 1965. Eu agora, então, um tempo destes eu saí daqui com o Rogaciano Leite e fui a Pernambuco. Mas quando eu cheguei na Bahia – primeiro eu fui à Bahia, estive lá, depois é que vinha voltando em busca de Pernambuco –,quando eu cheguei na Bahia tinha aí um vendelhão de folhetos, o Rodolfo. Aí o Rodolfo me disse: – Seu Aderaldo, o senhor foi quem fez a história do Zé Pretinho? – Perfeitamente. – O senhor foi quem cantou com ele? – Perfeitamente. – Pois bem, eu queria que o senhor me desse ordens p’ra eu imprimir, fazer dinheiro, p’ra ganhar alguns vinténs. Eu disse: – Seu Rodolfo, o senhor sabe de uma coisa, isto aí todo mundo imprimiu. Todo mundo. Eu não me incomodei com isto, eles imprimirem à vontade. Ele disse: – Porque Sr. João de Athaíde empatou eu publicar esses folhetos, que ele disse que era dele. Digo: – É engano dele. É engano dele. Agora, deu-se o caso que na minha volta eu passo em Pernambuco. Eu chego em Pernambuco, Rogaciano disse: – Vamos ter com o Athaíde? – Vamos.

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Entrevista com o Cego Aderaldo, feita em 1965. Aderaldo descreve o processo de comercialização de seus folhetos.

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Entrevista com o Cego Aderaldo – 2:

A “Peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho” e outros folhetos

Robert Rowland

Extrato de uma longa conversa com Aderaldo Ferreira de Araújo (1878-1967), conhecido como

o Cego Aderaldo, gravada em sua casa, em Quixadá (CE), em 8 de setembro de 1965.

Eu agora, então, um tempo destes eu saí daqui com o Rogaciano Leite e fui a

Pernambuco. Mas quando eu cheguei na Bahia – primeiro eu fui à Bahia, estive lá, depois é que

vinha voltando em busca de Pernambuco –,quando eu cheguei na Bahia tinha aí um vendelhão de

folhetos, o Rodolfo. Aí o Rodolfo me disse:

– Seu Aderaldo, o senhor foi quem fez a história do Zé Pretinho?

– Perfeitamente.

– O senhor foi quem cantou com ele?

– Perfeitamente.

– Pois bem, eu queria que o senhor me desse ordens p’ra eu imprimir, fazer dinheiro, p’ra

ganhar alguns vinténs.

Eu disse:

– Seu Rodolfo, o senhor sabe de uma coisa, isto aí todo mundo imprimiu. Todo mundo.

Eu não me incomodei com isto, eles imprimirem à vontade.

Ele disse:

– Porque Sr. João de Athaíde empatou eu publicar esses folhetos, que ele disse que era

dele.

Digo:

– É engano dele. É engano dele.

Agora, deu-se o caso que na minha volta eu passo em Pernambuco. Eu chego em

Pernambuco, Rogaciano disse:

– Vamos ter com o Athaíde?

– Vamos.

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Fomos. Chegando lá, ele prestou muita atenção ao Rogaciano, prestou muita atenção ao

Domingos Fonseca, mas a mim parece que ele nem olhou. Rogaciano tem aquela linguagem

dele, e disse assim:

– Athaíde, você não conhece o Cego Aderaldo, não?

– Conheço.

– Você conhece?

– Conheço.

– Conhece, não.

– Porquê eu não conheço?

– Porque o Cego Aderaldo está aí, bem pertinho de você, você não cumprimentou ele, e

por esta razão eu estou lhe dizendo que você não conhece.

– Espera, o Cego Aderaldo é este?

Ele disse:

– Perfeitamente. Em carne e osso. Eis aí o Cego Aderaldo. O que se conversa a vida

inteira, é esse aí. O Cego Aderaldo. O que cantou no Piaui, o Cego tem percorrido o Brasil, um

bom pedaço, tem cantado muito, nunca foi vencido, é este.

Então ele disse:

– Ora, mas eu pensei que ele era preto...

Aí eu disse:

– Seu... doutor João – mesmo assim –, o senhor sabe de uma coisa, eu não admiro o

senhor pensar de eu ser preto. É o senhor não ter visto a história do Zé Pretinho, que dá preto é o

Zé Pretinho. Mas eu não sou preto, não era preto na história. Que, até, eu soube que foi o senhor

que tirou essa história...

Ele disse:

– Não, eu não!

Digo:

– Perfeitamente. Pode dizer que o senhor, não, que quem tirou fui eu. Eu,

exclusivamente, tirei a história.

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Agora, levando para o Pará, cheguei lá no Pará, tinha o Firmino de Amaral, vendelhão de

folhetos. Firmino de Amaral veio a mim.

– Aderaldo, cadê a história do Zé Pretinho que eu soube que você tem e canta ela muito

bonita?

– Está aqui, na minha memória. Porquê?

– Eu queria que você subscrevesse, p’ra eu mandar imprimir p’ra nós dois.

Mandei escrever. Depois de pronto é que eu dei a ele. Ele disse:

– Vamos fazer um negócio. Eu já fui lá na Livraria Barata, já perguntei por quanto eles

faziam este folheto, livro de dezesseis páginas. Sessenta estrofes. Eles então disseram que

imprimiam a sessenta mil réis o milheiro. Eu queria fazer com você assim: mandar imprimir por

sessenta mil réis o milheiro e você me dava quinhentos.

Digo:

– Valeu. ‘Tá muito bom.

Bem, Firmino ficou com quinhentos e eu com quinhentos. Agora, os meus quinhentos, de

graça. E os quinhentos dele por sessenta mil réis. Firmino vendeu a trezentos réis, a quatrocentos

réis, cada um. Eu também vendi os meus a duzentos réis, trezentos réis. Também acabou-se.

Agora, Firmino me pediu licença p’ra imprimir mais versos. Digo:

– Pode imprimir, à vontade.

Depois eu tirei Francalino cantando comigo, mandei p’ra ele, dada; mas depois eu tirei

Inácio Leite cantando comigo, mandei p’ra ele, dado. Enfim, eu mandei diversos folhetos para o

Firmino. Depois não mandei mais, que ele morreu. Mandei muitos folhetos p’ra ele, gratuíte.

P’ra ele imprimir p’ra ele. Assim, eu não tenho inveja dessa coisa, não. Isto é uma coisa que

Deus me deu, de graça. E Deus disse: “Dai de graça o que tu recebeste de graça”. Recebi de

graça essas cousas.