Entrevista com a Profa. Dra. Marilene Proença Rebello de Souza · publicações na área...

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MARILENE PROENÇA REBELLO DE SOUZA é docente do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Perso- nalidade e do Programa de Pós-graduação em Psi- cologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Pau- lo. É membro da equipe técnica do Serviço de Psico- logia Escolar e mais recentemente coordena o Labo- ratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar USP/UNESP - Bauru. Participa da Diretoria da ABRAPEE e é psicóloga conselheira do Conselho Federal de Psicologia. Desde 1978 atua na área educacional, organizando pelo menos duas publicações na área “Psicologia Escolar: em busca de novos rumos” juntamente com a psicóloga Adriana Marcondes Machado e “Psicologia e Educação: de- safios teórico-práticos” com as Profas. Dras Elenita Tanamachi e Marisa Rocha ambas editadas pela Casa do Psicólogo Editora. Por sua atuação na área de Psicologia Escolar, convidamos para ser a nossa en- trevistada deste número da Revista Psicologia Esco- lar e Educacional. Tanamachi: Como ocorreu sua aproximação com a Psicologia Escolar? Souza: Minha aproximação com a área de educa- ção teve início no curso de Psicologia da Universidade de São Paulo, quando, em 1976, cursei as disciplinas Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem I e II, ministradas pela Profas. Dra. Maria Helena Souza Patto e Marlene Guirado. Nesse mesmo ano, passei a lecionar no Ensino Fundamental e pude, pela primeira vez, analisar a escola a partir das discussões que versa- vam na área naquele momento. Para entender melhor a escola e a docência, cursei ainda as disciplinas de Li- cenciatura na Faculdade de Educação da USP, que eram optativas, e continuei na docência no Ensino Médio como professora da disciplina “Psicologia da Educação” em Curso de Habilitação para o Magistério na E.E. Fernão Dias Paes, em São Paulo. Embora tivesse deixado mi- nha cidade, Santos, para me tornar psicóloga clínica, verificava, a cada dia, que a área de Educação era a que de fato fazia sentido atuar como psicóloga. Conti- nuei no magistério e em 1985 regressei à Universidade de São Paulo, agora enquanto psicóloga do Serviço de História Entrevista com a Profa. Dra. Marilene Proença Rebello de Souza Entrevistadora: Profa. Dra. Elenita Tanamachi

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MARILENE PROENÇA REBELLO DESOUZA é docente do Departamento de Psicologiada Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Perso-nalidade e do Programa de Pós-graduação em Psi-cologia Escolar e do Desenvolvimento Humano doInstituto de Psicologia da Universidade de São Pau-lo. É membro da equipe técnica do Serviço de Psico-logia Escolar e mais recentemente coordena o Labo-ratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas emPsicologia Escolar USP/UNESP - Bauru. Participada Diretoria da ABRAPEE e é psicóloga conselheirado Conselho Federal de Psicologia. Desde 1978 atuana área educacional, organizando pelo menos duaspublicações na área “Psicologia Escolar: em buscade novos rumos” juntamente com a psicóloga AdrianaMarcondes Machado e “Psicologia e Educação: de-safios teórico-práticos” com as Profas. Dras ElenitaTanamachi e Marisa Rocha ambas editadas pela Casado Psicólogo Editora. Por sua atuação na área dePsicologia Escolar, convidamos para ser a nossa en-trevistada deste número da Revista Psicologia Esco-lar e Educacional.

Tanamachi: Como ocorreu sua aproximaçãocom a Psicologia Escolar?

Souza: Minha aproximação com a área de educa-ção teve início no curso de Psicologia da Universidadede São Paulo, quando, em 1976, cursei as disciplinasPsicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem I eII, ministradas pela Profas. Dra. Maria Helena SouzaPatto e Marlene Guirado. Nesse mesmo ano, passei alecionar no Ensino Fundamental e pude, pela primeiravez, analisar a escola a partir das discussões que versa-vam na área naquele momento. Para entender melhor aescola e a docência, cursei ainda as disciplinas de Li-cenciatura na Faculdade de Educação da USP, que eramoptativas, e continuei na docência no Ensino Médio comoprofessora da disciplina “Psicologia da Educação” emCurso de Habilitação para o Magistério na E.E. FernãoDias Paes, em São Paulo. Embora tivesse deixado mi-nha cidade, Santos, para me tornar psicóloga clínica,verificava, a cada dia, que a área de Educação era aque de fato fazia sentido atuar como psicóloga. Conti-nuei no magistério e em 1985 regressei à Universidadede São Paulo, agora enquanto psicóloga do Serviço de

H i s t ó r i a

Entrevista com a Profa. Dra. Marilene Proença Rebello de Souza

Entrevistadora: Profa. Dra. Elenita Tanamachi

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Psicologia Escolar, exercendo, de fato e pela primeiravez, a função de psicóloga escolar. Passei a trabalharcom uma equipe de jovens psicólogas AdrianaMarcondes Machado, Cintia Copit Freller, Silvia Hele-na Vieira Cruz, Beatriz de Paula Souza e Ana MariaCurto Rodrigues. Coordenadas pela Profa. Maria He-lena Souza Patto nosso projeto de trabalho era o de pen-sar uma outra forma de atuação em psicologia escolarque levasse em conta as críticas feitas naquele momen-to ao modelo adaptacionista de atuação psicológica naárea educacional bem como as críticas à teoria da ca-rência cultural enquanto explicação para os baixos índi-ces de rendimento escolar.

Tanamachi: Como se deu sua formação profis-sional na área?

Souza: Creio que a formação profissional nunca ter-mina, a cada dia estamos nos formando, questionandonosso olhar, nossas crenças. Mas do ponto de vista datrajetória na área, considero que minha formação se deuprincipalmente no trabalho realizado nas escolas (comodocente e como psicóloga escolar), no grupo de traba-lho do Serviço de Psicologia Escolar e no curso de Pós-Graduação em Psicologia Escolar. Estar na Universida-de foi fundamental pois pudemos ler os trabalhos de MariaHelena Souza Patto, as produções acadêmicas na área,conhecer mais profundamente os autores da PsicologiaInstitucional, participar dos primeiro debates sobre oConstrutivismo, acompanhar as políticas educacionais,fazer pesquisa, ler pesquisas.... Participar desse grupode trabalho, das reuniões semanais de discussão da equi-pe, repensar o estágio supervisionado oferecido aos alu-nos de graduação, ler, estudar, compartilhar aefervescência da Universidade em tempos deredemocratização política e, principalmente, conheceras escolas públicas da região próxima à USP foram fun-damentais para minha formação nesta área de atuação.Realizei minha formação em nível de Pós-graduação noIPUSP sob a orientação da Profa. Maria Helena Patto,nos níveis de Mestrado e Doutorado, aprofundando mi-nha formação área da pesquisa educacional.

Tanamachi: Fale sobre as experiências maissignificativas nesses anos de trabalho na área dePsicologia Escolar.

Souza: São muitas as experiências significativas, masprincipalmente destaco o trabalho em grupo no Serviçode Psicologia Escolar e as discussões visando

implementar uma proposta de atuação psicológicacentrada na crítica ao modelo adaptacionista de Psico-logia Escolar e compreendendo a queixa escolar noâmbito das relações institucionais que a produzem. Foiem 1987 que escrevemos nosso primeiro texto,explicitando um pouco mais nossa crítica sobre as expli-cações relativas ao baixo rendimento das crianças nasséries iniciais, indicando alguns caminhos para a atuaçãoprofissional em psicologia, intitulado “A questão do ren-dimento escolar: subsídios para uma nova reflexão”,publicado na Revista da Faculdade de Educação em1989. E desse momento em diante, consideramos fun-damental centrar nossas ações em três frentes: discutirnossa prática profissional à luz de referenciais críticosem psicologia e em educação, ampliar nossa formaçãoacadêmica em nível de pós-graduação e divulgar nos-sas reflexões sobre a área para educadores e psicólo-gos. Durante os últimos quinze anos temos também tra-balhado junto à formação continuada de professores darede estadual paulista e em cursos de formação de psi-cólogos e profissionais da área da saúde que recebemencaminhamentos com queixa escolar. O convívio coma rede escolar nos levou a discutir profundamente a si-tuação de escolarização de crianças e adolescentes quefreqüentam as classes especiais para deficientes men-tais leves na rede estadual paulista, fazendo com quenos aproximássemos do Conselho Regional de Psicolo-gia de São Paulo e iniciássemos um grupo de trabalho ediscussão questionando a avaliação psicológica e pro-pondo alternativas para a avaliação da queixa escolar.

Tanamachi: Que questionamentos marcaram apartir da década de 1980 a produção de seu traba-lho e do seu conhecimento sobre área?

Souza: Creio que os meus questionamentos se mes-clam com os questionamentos da área de PsicologiaEscolar do IPUSP. A Maria Helena inaugurou uma con-cepção teórico-metodológica para a área de PsicologiaEscolar: uma forma de conceber a área de conheci-mento em Psicologia Escolar na perspectiva histórico-crítica, bem como indicando elementos para a atuaçãoprofissional em uma perspectiva crítica. Esse trabalhotem início com “Psicologia e Ideologia” e aprofunda-secom a Tese de Livre-Docência de 1987 intitulada “Aprodução do fracasso escolar: histórias de submissão ede rebeldia”. Essa obra passou a ser a nossa referên-cia de trabalho e a questão do fracasso escolar assumiulugar de destaque na área educacional. São inúmeros

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os convites que recebemos nessa ocasião para discutiresta questão em vários eventos no Brasil, de sindicatosa universidades, de pequenos grupos a grandes platéiasde educadores e psicólogos. O fracasso escolar entroude fato na pauta das discussões acadêmicas, sindicais epolíticas. A partir desse momento, o número de pesqui-sas no IPUSP na linha de pesquisa Psicologia Escolar/Educacional passou a receber um número maior de pes-quisadores interessados em estudar e conhecer maisprofundamente o cotidiano escolar. Com o meudoutoramento em 1996, pude também ingressar na Pós-Graduação e nos últimos anos tenho orientado váriostrabalhos que discutem o cotidiano escolar em uma pers-pectiva crítica de Psicologia Escolar. Ou seja, podemosdizer hoje que temos uma área de pesquisa em expan-são, um conjunto de conhecimentos que vem se conso-lidando por meio do estudo e da pesquisa. Os alunos dePsicologia podem hoje contar com uma certa literaturana área que não existia há vinte anos atrás.

Tanamachi: Qual é hoje, a seu ver, concreta-mente a situação da Psicologia Escolar? Quaisseriam as questões teórico-práticas presentes narelação entre Psicologia e Educação no momentoatual?

Souza: Creio que a década de 1990 é marcada pelabusca da identidade do psicólogo que atua na área edu-cacional/escolar. Há vários trabalhos de pesquisa dis-cutindo essa questão. Creio que hoje começamos a de-linear mais claramente não apenas o que não somos,mas sim o que somos e o que queremos. Creio que te-mos mais claramente delimitadas as finalidades do nos-so trabalho em educação. Lutamos para produzir umconjunto de relações sociais e institucionais que consti-tuam uma escola de qualidade social para todos. Cons-truímos alguns elementos que constituem uma práticaprofissional comprometida com uma escola democráti-ca e dentro de princípios éticos. Temos claro que o com-promisso social implica em um compromisso político pelaemancipação humana. Nossa atuação deve se pautarna reflexão, no questionamento das práticas educativase psicológicas que impeçam o desenvolvimento huma-no. Quando a crítica feita em Psicologia e Ideologia foiapresentada, muitos psicólogos diziam que isto não era

psicologia. Hoje temos claro que a crítica é um elemen-to fundamental do trabalho do psicólogo. Não há psico-logia sem a conquista da crítica.

Tanamachi: Diante do exposto, qual seria adefinição possível para a Psicologia Escolar hoje?Quem é o psicólogo escolar hoje?

Souza: A Psicologia Escolar constitui-se ainda hojeem uma área que compreende diversas abordagensteóricas. Isto é, ela é uma área da Psicologia e comotal vive internamente os mesmos dilemas da Psicolo-gia enquanto área de conhecimento: a fragmentaçãoem diversas perspectives teóricas. Em nosso trabalhoenquanto psicólogos escolares, optamos por uma abor-dagem que compreende o fenômeno psicológico en-quanto constituído pelos determinantes sociais e histó-ricos de uma sociedade datada e constituída a partirde relações de exploração. O fenômeno psicológicoé, portanto, um fenômeno datado, instituído e instituintedas relações sociais em uma sociedade de classes.Consideramos a escolarização como um processo vi-gente na sociedade atual e que precisa ser entendidona complexidade das relações sociais dessa mesmasociedade. As contradições existentes na sociedadetambém comparecem na escola e também compare-cem na formação e atuação do profissional de psicolo-gia. Caberia a nós explicitá-las para nós mesmos eprocurar superá-las juntamente com educadores, paise alunos. Finalizando, considero que temos muito a ofe-recer à escola e à educação ao constituirmos um es-paço de mediação que não é pedagógico, mas que in-clui o pedagógico e que considera que é possível quehaja a apropriação das finalidades da educação poraqueles que têm a educação enquanto finalidade hu-mana e social. Caberia ao psicólogo atuar nessa medi-ação entre o indivíduo e a educação, possibilitando aconstrução de uma escola mais digna e de qualidadesocial. E quanto mais pudermos ampliar pesquisas naárea de Psicologia Escolar/Educacional e reflexões crí-ticas sobre nossa prática profissional, mais poderemostrabalhar na direção de uma formação profissional crí-tica e de uma atuação na área educacional que contri-buam para a construção de políticas públicas coeren-tes com as necessidades sociais.