Entrevista com David Harvey

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internacional de 8 a 14 de março de 2012 16 Maria Luisa Mendonça e Fábio T. Pitta de São Paulo (SP) O GEÓGRAFO britânico David Harvey é um dos principais intelectuais marxis- tas hoje e está entre os vinte cientistas sociais mais citados em todo o mundo. Atualmente é professor na City Universi- ty of New York e esteve no Brasil recen- temente para o lançamento de seu livro O Enigma do Capital e as Crises do Ca- pitalismo, publicado pela Editora Boi- tempo. A análise de Harvey sobre a cri- se no modo de produção capitalista tem sido sistemática nas últimas décadas, desde o livro clássico The Limits to Ca- pital (Os Limites do Capital) publicado originalmente em 1982. O autor resga- ta o pensamento de Marx de forma com- plexa e ao mesmo tempo didática, pa- ra mostrar criticamente as contradições inerentes ao capitalismo, com a intenção de apontar possibilidades de superação deste modo de produção. Brasil de Fato – O senhor tem analisado o processo de crise há bastante tempo, especialmente desde seu livro Os Limites do Capital. Como caracteriza estes limites no contexto da atual crise? Seria possível dizer que existe um processo simultâneo de crise e acumulação de capital? David Harvey – Inicialmente é preci- so entender que o capital nunca resolve seus problemas, apenas os transfere pa- ra outro lugar. Há hoje um aumento na velocidade com que essa transferência é feita, pois o movimento do capital é de- terminado de acordo com o jogo de po- der político, que protege uma pequena elite nanceira. Nos Estados Unidos, a grande maioria da população continuará a sofrer os efeitos da crise, que parece ter chegado a um patamar político. Ou se- ja, eu vejo que a crise, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, é mais políti- ca do que econômica. Por isso a crise se estende e aumenta, de acordo com os in- teresses de uma pequena classe de capi- talistas. Vemos uma crescente concen- tração de riqueza no Brasil, na Índia, na China e, é claro, nos Estados Unidos. Como o senhor avalia as saídas tradicionais que têm sido utilizadas para lidar com a crise, sejam neoliberais ou keynesianas? Quais os limites destas receitas? É possível diferenciar estes dois campos ou o que vemos é transferência de mais-valia social para o setor privado através do aparelho estatal? A expansão da economia nos Esta- dos Unidos nas últimas décadas se deve em grande parte ao crescimento do mer- cado imobiliário – o que veio a causar a bolha nanceira neste setor. Isso mostra que não é possível sair da crise através das alternativas tradicionais. Ao mesmo tempo, vemos que o mesmo processo de acumulação está acontecendo na China, onde se desenvolvem grandes projetos imobiliários e de infraestrutura. De cer- ta forma, a China está implantando um projeto semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos na década de 1950, com a expansão dos subúrbios urbanos e a construção de rodovias, estimulada pe- la indústria automobilística. Podemos identicar este tipo de saída keynesia- na ocorrendo no capitalismo global on- de há crescimento, inclusive crescimen- to acelerado. Na América Latina, vimos revoltas contra o velho estilo do neolibe- ralismo e hoje há uma tendência keyne- siana na economia. Já em países onde a receita neoliberal tem sido aplicada, co- mo Europa e Estados Unidos, a crise se agrava. Mas é claro que isso não signica que o capitalismo global será salvo se to- dos se tornarem keynesianos. Os limites do sistema keynesinano já estão apare- cendo na China, onde há uma superpro- dução de infraestrutura, uma bolha de ativos econômicos e aumento da ina- ção. Creio que podemos observar o mes- mo processo na Argentina e no Brasil, o que revela os limites tradicionais do mo- delo keynesiano. No livro O Enigma do Capital o senhor caracteriza a crise atual de forma distinta das crises cíclicas, como na concepção de ciclos de Kondratieff, de queda tendencial da taxa de lucro ou da idéia de que as crises são consequência da queda do consumo ou do subconsumo. É possível dizer que a própria narrativa do livro mostra este processo? O pensamento marxista tradicional imagina que exista uma única contra- dição através da qual as crises se desen- volvem no capitalismo. Porém, se obser- vamos particularmente o segundo volu- me de O Capital, vemos que o que existe é um processo com vários momentos e, em cada um destes momentos, há a pos- sibilidade de um bloqueio, o que gera a possibilidade de crise. Por exemplo, po- de haver um bloqueio por falta de nan- ciamento, como nos anos de 1970 quan- do os economistas falavam em “depres- são nanceira”. Isso levou ao processo de desregulamentação nanceira, tam- bém caracterizado como “liberação de capital”. Mas ninguém fala sobre isso hoje. Naquele período havia uma clas- se trabalhadora mais organizada e o po- der salarial era bem mais forte. Hoje is- so não ocorre e, portanto, é difícil justi- car a crise jogando a culpa nos sindica- tos, como aconteceu anteriormente. No livro eu procuro mostrar que não é pos- sível entender a crise a partir de um úni- co lugar, mas perceber que há uma série de bloqueios, inclusive bloqueios em re- lação ao suprimento de energia ou recur- sos naturais. Eu procuro juntar estes ele- mentos e pergunto: onde este processo está localizado hoje e para onde deverá ou poderá mover-se? Como o capital po- derá superar um determinado bloqueio? Ou seja, eu não concentro a análise da crise em uma única explicação, como na diminuição do consumo ou na que- da da taxa de lucro. Minha análise parte de uma combinação de fatores, que pode incluir todos estes elementos e por isso é preciso estudar concretamente. A teoria de Marx sobre a crise fala sobre possibi- lidades de crises. Por isso devemos pro- curar entender como essas possibilida- des se transformam em realidade. Atra- vés de quais processos sociais? Em nenhum momento do livro identicamos o objetivo de procurar resolver a crise. É isso mesmo? Claro, o capital não pode resolver sua crise. Como o senhor vê a luta de classes hoje e os movimentos de protesto que falam em transformação através da idéia de que somos “os 99%”? Há dois tipos de possibilidades sendo debatidas. Uma seria manter o capitalis- mo através de mecanismos de retenção e regulação, o que poderia causar utu- ações, mas não grandes fraturas. Seria uma forma de reorquestrar o capitalis- mo para que não causasse tantos danos como hoje, para promover mais igual- dade, alguma distribuição de riqueza e sustentabilidade ambiental, como mui- tos na esquerda defendem. Outras pes- soas dizem que não há saída no modo de produção capitalista e que é necessá- rio buscar outras alternativas, com mu- danças estruturais políticas e econômi- cas. É claro que as crises podem ocorrer em qualquer sistema, já que não é pos- sível imaginar uma sociedade onde tudo funcionaria perfeitamente. Mas em um sistema não-capitalista as crises seriam de outro tipo. Acho que estamos nessa encruzilhada histórica, onde não temos muita segurança do que seria possível. Então surge o debate sobre reforma ou revolução. Eu acredito que há reformas que levam à revolução. As economias se tornaram tão interdependentes que uma proposta de revolução imediata pode- ria gerar catástrofes com muitas mortes. Então a questão seria avaliar que tipo de reformas teria um caráter revolucio- nário e levaria a outro sistema que abo- lisse a relação de classe, já que a essên- cia do capitalismo é a relação entre capi- tal e trabalho. Portanto, um projeto an- ticapitalista teria de erradicar a relação de classe. Há diversos movimentos pen- sando nessa direção como, por exemplo, as cooperativas de trabalhadores que re- cuperaram fábricas, mas alguns acabam reproduzindo um sistema de exploração capitalista, no qual os trabalhadores são seus próprios patrões. Portanto, não é suciente pensarmos em termos de mi- croeconomia, é necessário repensar a macroeconomia. Como o senhor vê o processo que descreveu como “acumulação por espoliação” na atualidade? Devemos analisá-lo como uma característica dos limites do capital ou como uma forma que o capitalismo encontra para, digamos, se reciclar? Na medida em que o capital apre- senta maior diculdade para se sus- tentar, principalmente nos últimos 30 anos, aumenta a espoliação. Vemos ho- je um enorme processo de expropria- ção e destruição de ativos e bens em vá- rias partes do mundo, como no caso do mercado imobiliário, das poupanças e do roubo de direitos sociais, como no caso da saúde pública. Isso represen- ta um enorme processo de acumula- ção por espoliação. Ao mesmo tempo, desde 2007, vemos uma enorme grila- gem de terras por agentes particulares, empresas e governos em várias partes do mundo. A China, por exemplo, tem participado ativamente deste processo. Mas também vemos resistência política contra a espoliação. Estes movimentos de resistência podem se converter na base para uma transição anticapitalis- ta. Além dos operários, todos os traba- lhadores que produzem e reproduzem os centros urbanos e as organizações de luta pela terra podem se converter em um movimento massivo de construção de uma sociedade não-capitalista. Como o senhor analisa a possibilidade de uma nova guerra nesse momento de crise, dado o poderio bélico estadunidense armazenado? Na verdade o que existe é uma guer- ra permanente em toda a história do ca- pitalismo. Hoje os Estados Unidos estão envolvidos em duas guerras. Seria viável pensar em uma terceira frente de guer- ra? Eu não saberia responder. A ques- tão é analisar qual o papel econômico da guerra, não apenas o aspecto geopolíti- co das guerras. Nos Estados Unidos há setores nanceiros poderosos mescla- dos com a indústria bélica, que defen- dem a necessidade de desenvolver me- lhores tecnologias militares e com is- so procuram justicar uma nova guer- ra. Por outro lado, seria possível resol- ver o problema da dívida nos Estados Unidos simplesmente cortando o orça- mento militar, que representa o dobro de todos os gastos militares em nível mundial. Existem propostas nesse sen- tido, mas uma forma de evitar esses cor- tes seria iniciar outra guerra para justi- car os gastos militares e, por isso, exis- te a possibilidade de uma ação contra o Irã. Ao invés de cortes nos gastos mili- tares o que tem ocorrido são cortes nos programas sociais. Se analisarmos a re- lação entre a corrida armamentista e a dívida nos Estados Unidos, vemos que aumentou muito durante a Guerra Fria e o governo de Reagan, e seguiu aumen- tando nos governos de Bush. Inviáveis soluções para as crises ENTREVISTA EXCLUSIVA - Britânico alerta para incapacidade do capital em resolver seus problemas Os limites do sistema keynesinano já estão aparecendo na China, onde há uma superprodução de infraestrutura, uma bolha de ativos econômicos e aumento da inação Hoje os Estados Unidos estão envolvidos em duas guerras. Seria viável pensar em uma terceira frente de guerra? Protesto de jovens estadunidenses: a maioria da população do país continuará a sofrer os efeitos da crise Jan F.F./CC Reprodução O geógrafo britânico David Harvey

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Inviáveis soluções para a crise

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internacionalde 8 a 14 de março de 201216

Maria Luisa Mendonça e Fábio T. Pitta

de São Paulo (SP)

O GEÓGRAFO britânico David Harvey é um dos principais intelectuais marxis-tas hoje e está entre os vinte cientistas sociais mais citados em todo o mundo. Atualmente é professor na City Universi-ty of New York e esteve no Brasil recen-temente para o lançamento de seu livro O Enigma do Capital e as Crises do Ca-pitalismo, publicado pela Editora Boi-tempo. A análise de Harvey sobre a cri-se no modo de produção capitalista tem sido sistemática nas últimas décadas, desde o livro clássico The Limits to Ca-pital (Os Limites do Capital) publicado originalmente em 1982. O autor resga-ta o pensamento de Marx de forma com-plexa e ao mesmo tempo didática, pa-ra mostrar criticamente as contradições inerentes ao capitalismo, com a intenção de apontar possibilidades de superação deste modo de produção.

Brasil de Fato – O senhor tem analisado o processo de crise há bastante tempo, especialmente desde seu livro Os Limites do Capital. Como caracteriza estes limites no contexto da atual crise? Seria possível dizer que existe um processo simultâneo de crise e acumulação de capital?David Harvey – Inicialmente é preci-so entender que o capital nunca resolve seus problemas, apenas os transfere pa-ra outro lugar. Há hoje um aumento na velocidade com que essa transferência é feita, pois o movimento do capital é de-terminado de acordo com o jogo de po-der político, que protege uma pequena elite fi nanceira. Nos Estados Unidos, a grande maioria da população continuará a sofrer os efeitos da crise, que parece ter chegado a um patamar político. Ou se-ja, eu vejo que a crise, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, é mais políti-ca do que econômica. Por isso a crise se estende e aumenta, de acordo com os in-teresses de uma pequena classe de capi-talistas. Vemos uma crescente concen-tração de riqueza no Brasil, na Índia, na China e, é claro, nos Estados Unidos.

Como o senhor avalia as saídas tradicionais que têm sido utilizadas para lidar com a crise, sejam neoliberais ou keynesianas? Quais os limites destas receitas? É possível diferenciar estes dois campos ou o que vemos é transferência de mais-valia social para o setor privado através do aparelho estatal?

A expansão da economia nos Esta-dos Unidos nas últimas décadas se deve em grande parte ao crescimento do mer-cado imobiliário – o que veio a causar a bolha fi nanceira neste setor. Isso mostra que não é possível sair da crise através das alternativas tradicionais. Ao mesmo tempo, vemos que o mesmo processo de acumulação está acontecendo na China, onde se desenvolvem grandes projetos imobiliários e de infraestrutura. De cer-ta forma, a China está implantando um projeto semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos na década de 1950, com a expansão dos subúrbios urbanos e a construção de rodovias, estimulada pe-la indústria automobilística. Podemos

identifi car este tipo de saída keynesia-na ocorrendo no capitalismo global on-de há crescimento, inclusive crescimen-to acelerado. Na América Latina, vimos revoltas contra o velho estilo do neolibe-ralismo e hoje há uma tendência keyne-siana na economia. Já em países onde a receita neoliberal tem sido aplicada, co-mo Europa e Estados Unidos, a crise se agrava. Mas é claro que isso não signifi ca que o capitalismo global será salvo se to-dos se tornarem keynesianos. Os limites do sistema keynesinano já estão apare-cendo na China, onde há uma superpro-dução de infraestrutura, uma bolha de ativos econômicos e aumento da infl a-ção. Creio que podemos observar o mes-mo processo na Argentina e no Brasil, o que revela os limites tradicionais do mo-delo keynesiano.

No livro O Enigma do Capital o senhor caracteriza a crise atual de forma distinta das crises cíclicas, como na concepção de ciclos de Kondratieff, de queda tendencial da taxa de lucro ou da idéia de que as crises são consequência da queda do consumo ou do subconsumo. É possível dizer que a própria narrativa do livro mostra este processo?

O pensamento marxista tradicional imagina que exista uma única contra-dição através da qual as crises se desen-volvem no capitalismo. Porém, se obser-vamos particularmente o segundo volu-me de O Capital, vemos que o que existe é um processo com vários momentos e, em cada um destes momentos, há a pos-sibilidade de um bloqueio, o que gera a possibilidade de crise. Por exemplo, po-de haver um bloqueio por falta de fi nan-ciamento, como nos anos de 1970 quan-do os economistas falavam em “depres-são fi nanceira”. Isso levou ao processo de desregulamentação fi nanceira, tam-bém caracterizado como “liberação de capital”. Mas ninguém fala sobre isso hoje. Naquele período havia uma clas-se trabalhadora mais organizada e o po-der salarial era bem mais forte. Hoje is-so não ocorre e, portanto, é difícil justi-fi car a crise jogando a culpa nos sindica-tos, como aconteceu anteriormente. No livro eu procuro mostrar que não é pos-sível entender a crise a partir de um úni-co lugar, mas perceber que há uma série de bloqueios, inclusive bloqueios em re-lação ao suprimento de energia ou recur-sos naturais. Eu procuro juntar estes ele-mentos e pergunto: onde este processo está localizado hoje e para onde deverá ou poderá mover-se? Como o capital po-derá superar um determinado bloqueio? Ou seja, eu não concentro a análise da crise em uma única explicação, como na diminuição do consumo ou na que-da da taxa de lucro. Minha análise parte de uma combinação de fatores, que pode

incluir todos estes elementos e por isso é preciso estudar concretamente. A teoria de Marx sobre a crise fala sobre possibi-lidades de crises. Por isso devemos pro-curar entender como essas possibilida-des se transformam em realidade. Atra-vés de quais processos sociais?

Em nenhum momento do livro identifi camos o objetivo de procurar resolver a crise. É isso mesmo?

Claro, o capital não pode resolver sua crise.

Como o senhor vê a luta de classes hoje e os movimentos de protesto que falam em transformação através da idéia de que somos “os 99%”?

Há dois tipos de possibilidades sendo debatidas. Uma seria manter o capitalis-mo através de mecanismos de retenção e regulação, o que poderia causar fl utu-ações, mas não grandes fraturas. Seria uma forma de reorquestrar o capitalis-mo para que não causasse tantos danos como hoje, para promover mais igual-dade, alguma distribuição de riqueza e sustentabilidade ambiental, como mui-tos na esquerda defendem. Outras pes-soas dizem que não há saída no modo de produção capitalista e que é necessá-rio buscar outras alternativas, com mu-danças estruturais políticas e econômi-cas. É claro que as crises podem ocorrer em qualquer sistema, já que não é pos-sível imaginar uma sociedade onde tudo funcionaria perfeitamente. Mas em um sistema não-capitalista as crises seriam de outro tipo. Acho que estamos nessa encruzilhada histórica, onde não temos muita segurança do que seria possível. Então surge o debate sobre reforma ou revolução. Eu acredito que há reformas que levam à revolução. As economias se tornaram tão interdependentes que uma proposta de revolução imediata pode-ria gerar catástrofes com muitas mortes. Então a questão seria avaliar que tipo de reformas teria um caráter revolucio-nário e levaria a outro sistema que abo-lisse a relação de classe, já que a essên-cia do capitalismo é a relação entre capi-tal e trabalho. Portanto, um projeto an-ticapitalista teria de erradicar a relação de classe. Há diversos movimentos pen-sando nessa direção como, por exemplo, as cooperativas de trabalhadores que re-cuperaram fábricas, mas alguns acabam reproduzindo um sistema de exploração capitalista, no qual os trabalhadores são seus próprios patrões. Portanto, não é sufi ciente pensarmos em termos de mi-croeconomia, é necessário repensar a macroeconomia.

Como o senhor vê o processo que descreveu como “acumulação por espoliação” na atualidade? Devemos analisá-lo como uma característica dos limites do capital ou como uma forma que o capitalismo encontra para, digamos, se reciclar?

Na medida em que o capital apre-senta maior difi culdade para se sus-tentar, principalmente nos últimos 30anos, aumenta a espoliação. Vemos ho-je um enorme processo de expropria-ção e destruição de ativos e bens em vá-rias partes do mundo, como no caso domercado imobiliário, das poupanças edo roubo de direitos sociais, como nocaso da saúde pública. Isso represen-ta um enorme processo de acumula-ção por espoliação. Ao mesmo tempo,desde 2007, vemos uma enorme grila-gem de terras por agentes particulares,empresas e governos em várias partesdo mundo. A China, por exemplo, temparticipado ativamente deste processo.Mas também vemos resistência políticacontra a espoliação. Estes movimentosde resistência podem se converter nabase para uma transição anticapitalis-ta. Além dos operários, todos os traba-lhadores que produzem e reproduzemos centros urbanos e as organizações deluta pela terra podem se converter emum movimento massivo de construçãode uma sociedade não-capitalista.

Como o senhor analisa a possibilidade de uma nova guerra nesse momento de crise, dado o poderio bélico estadunidense armazenado?

Na verdade o que existe é uma guer-ra permanente em toda a história do ca-pitalismo. Hoje os Estados Unidos estãoenvolvidos em duas guerras. Seria viável pensar em uma terceira frente de guer-ra? Eu não saberia responder. A ques-tão é analisar qual o papel econômico da guerra, não apenas o aspecto geopolíti-co das guerras. Nos Estados Unidos há setores fi nanceiros poderosos mescla-dos com a indústria bélica, que defen-dem a necessidade de desenvolver me-lhores tecnologias militares e com is-so procuram justifi car uma nova guer-ra. Por outro lado, seria possível resol-ver o problema da dívida nos EstadosUnidos simplesmente cortando o orça-mento militar, que representa o dobro de todos os gastos militares em nível mundial. Existem propostas nesse sen-tido, mas uma forma de evitar esses cor-tes seria iniciar outra guerra para justi-fi car os gastos militares e, por isso, exis-te a possibilidade de uma ação contra o Irã. Ao invés de cortes nos gastos mili-tares o que tem ocorrido são cortes nosprogramas sociais. Se analisarmos a re-lação entre a corrida armamentista e adívida nos Estados Unidos, vemos que aumentou muito durante a Guerra Fria e o governo de Reagan, e seguiu aumen-tando nos governos de Bush.

Inviáveis soluções para as crises ENTREVISTA EXCLUSIVA - Britânico alerta para incapacidade do capital em resolver seus problemas

Os limites do sistema keynesinano já estão aparecendo na China, onde há uma superprodução de infraestrutura, uma bolha de ativos econômicos e aumento da infl ação

Hoje os Estados Unidos estão envolvidos em duas guerras. Seria viável pensar em uma

terceira frente de guerra?

Protesto de jovens estadunidenses: a maioria da população do país continuará a sofrer os efeitos da crise

Jan F.F./CC

Reprodução

O geógrafo britânico David Harvey