Entrevista com Prof. Dr. José D'Assunção
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Um novo conceito para a Historiografia – entrevista com o historiador José D'Assunção Barroshttp://historica.me/profiles/blogs/um-novo-conceito-para-a
Rede Histórica – rede social de história
Um novo conceito para a Historiografia
José D'Assunção Barros1 é o primeiro historiador a ser entrevistado pela Rede Histórica.
Autor que transita em diversos campos de estudo, destaca-se nas áreas de Teoria e
Metodologia da História. Professor da UFRRJ, lançou recentemente pela Editora Vozes
quatro volumes de Teoria da História: princípios e conceitos fundamentais (volume I),
os primeiros paradigmas: historicismo e positivismo (volume II), os paradigmas
revolucionários (volume III) e acordes historiográficos: uma nova proposta para a
teoria da história (volume IV). Confira a entrevista2:
Rede Histórica: O primeiro volume procura apresentar os conceitos fundamentais da
Teoria da História. Quais são esses conceitos? Que papel desempenham na formação
de um historiador (a)?
José D’Assunção Barros: Para trazer mais consistência à resposta que darei a esta
pergunta, gostaria de lembrar, antes de mais nada, que a Teoria da História não é apenas
uma mera instância para ser instrumentalizada pelos historiadores nas suas diversas
áreas de estudo e nas suas pesquisas. A Teoria da História, além de ser isto em um dos
seus sentidos, é também uma área específica de pesquisa e reflexão dentro da História:
uma área que estuda, analisa e problematiza o trabalho dos historiadores, suas maneiras
1José D’Assunção Barros é Historiador e Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atua como professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e como professor-colaborador no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No Ensino de História, tem se especializado nas áreas de Metodologia, Teoria e Historiografia, História Cultural e História da Arte, e tem escrito livros e artigos relacionados a estes campos. Entre suas obras mais recentes destacam-se os livros O Campo da História (Petrópolis: Vozes, 2004), O Projeto de Pesquisa em História (Petrópolis: Vozes, 2005), Cidade e História (Petrópolis: Vozes, 2007), A Construção Social da Cor (Petrópolis: Vozes, 2009), Teoria da História (Petrópolis: Vozes, 2011) e Raízes da Música Brasileira (São Paulo: Hucitec, 2011). Publicou mais de cem artigos em periódicos acadêmicos de Universidades e Institutos de Pesquisa no Brasil e em Portugal. Possui também graduação em Música (UFRJ), sendo também esta uma das suas áreas de Ensino e Pesquisa.2 Entrevista realizada via e-mail pelo historiador Fabricio Leal de Souza.
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de ver e fazer a história, os modos como eles escrevem as suas narrativas e desenvolvem
as suas análises, os tipos de associações que os historiadores estabelecem entre si.
Compreendido este sentido mais amplo para a expressão "Teoria da História" (e esta
expressão já é ela mesma um dos conceitos fundamentais para este campo), é preciso
também ressaltar que a expressão "teoria da história" também pode ser utilizada para
designar cada um dos diversos modos de conceber a história como modalidade
específica de conhecimento, de maneira que se pode dizer que existem diversas "teorias
da história" ou "paradigmas historiográficos".
As "teorias da história" neste sentido mais específico (de paradigmas) devem ser bem
distinguidas das "filosofias da história", uma questão à qual me dedico em um dos
capítulos deste primeiro volume. Também considerei muito importante esclarecer as
implicações de a História ser concebida como uma disciplina científica, isto é, como um
"campo disciplinar" (este é, aliás, um conceito importante com cuja discussão eu
praticamente abro o livro). Além disto, o esclarecimento sobre a distinção entre
“Teoria” e “Método” foi outro ponto fundamental desta primeira parte da obra.
Sobretudo, para fixar alguns conceitos operacionais com vistas à tarefa de analisar o
trabalho dos historiadores da nossa época e das anteriores, concluí que era muito
importante discorrer sobre os conceitos de "paradigma", "matriz disciplinar", "escola
histórica", "campo histórico". A cada um destes conceitos eu dedico uma discussão
importante no primeiro volume da minha coleção Teoria da História, uma vez que eles
são necessários para a tarefa à qual me dedico nos demais volumes, a saber: a de
abordar o desenvolvimento da historiografia e o trabalho dos inúmeros historiadores,
com suas formas específicas de conceber e fazer a história.
Rede Histórica: Quais são as diferenças e semelhanças entre Teoria da História e
Filosofia da História? Como distinguir Teoria de Método?
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José D'Assunção Barros: Estas delimitações são ambas muito importantes para a
compreensão desta área de estudos que é a Teoria da História. Começarei a falar da
segunda, pois ela é de caráter mais geral.
No primeiro volume da minha coleção Teoria da História, eu procuro mostrar que uma
Teoria – inclusive em vista da própria etimologia da palavra – relaciona-se a um certo
modo de “ver” as coisas. “Ver”, aqui, deve ser entendido não apenas no sentido de olhar
ou contemplar, mas sobretudo no sentido de “conceber” algo, de entender de
determinado modo algum aspecto da natureza, da realidade ou relacionado aos diversos
campos de saber. Por exemplo, quando me refiro a esta ou àquela teoria sobre o
processo histórico de “descolonização” que ocorreu no século XX, ou quando enumero
as diversas teorias que existem acerca do “Nazismo” ou sobre a eclosão de revoluções
no período moderno, estou me referindo aos diferentes modos como estes fenômenos
têm sido vistos pelos historiadores e cientistas políticos. Os físicos também têm
inúmeras teorias sobre os diversos fenômenos pertinentes aos seus campos de estudos,
assim como os químicos, os biólogos, os antropólogos e tantos outros praticantes de
campos específicos do conhecimento. É importante também ressaltar que não existe
apenas uma teoria para cada fenômeno ou assunto, mas inúmeras teorias sobre cada
elemento a ser estudado em cada qual dos vários campos de conhecimento. Vale dizer,
para cada aspecto da realidade, fenômeno ou processo histórico, existem diversas
maneiras de concebê-los.
Agora vamos entender o que é a “Metodologia”. Se a “Teoria” relaciona-se ao verbo
“ver”, a Metodologia relaciona-se ao verbo “fazer”. A Metodologia surge quando você
tem uma tarefa específica a ser realizada. Particularmente, a metodologia surge quando
entram em cena os procedimentos de pesquisa, a necessidade de lidar com informações
de forma mais sistemática, e inúmeras outras operações. Para os historiadores,
metodologia está muito ligada a fontes históricas, em vários níveis de ação. Para
constituir minhas fontes de estudo – a partir das quais conseguirei enxergar uma
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sociedade ou processo histórico – preciso de metodologia. Para analisar este ou aquele
tipo de fontes, preciso novamente de metodologia. Para comparar resultados
possibilitados por diversos níveis de análise, preciso de mais metodologia. Há mesmo
metodologias para expor resultados de uma pesquisa (por exemplo, gráficos que
sintetizam informações e tendências). A Metodologia, enfim, liga-se ao “fazer”. Ver e
fazer – ou “Teoria” e “Metodologia” – são dois gestos fundamentais para os praticantes
de qualquer tipo de conhecimento: dois gestos que na verdade se interligam, que
interagem um com o outro, mas que correspondem cada qual a um domínio específico,
por assim dizer. Juntos, teoria e metodologia constituem os alicerces principais da
constituição do conhecimento científico.
A distinção entre “filosofia da história” e “teoria da história” é mais sutil. Quando
contraponho estas duas expressões – o que fiz no segundo capítulo do primeiro volume
da coleção Teoria da História – estou entendendo “teoria da história” no sentido mais
específico: ‘teoria da história’ como qualquer uma das diversas maneiras de conceber o
conhecimento histórico, sua natureza, as funções do historiador. Soa grandes “teorias da
história”, neste sentido, o Positivismo, o Historicismo, o Materialismo Histórico. A
expressão, neste nível de sentido, também pode ser substituída por uma outra: o
conceito de “paradigma”.
O que ocorre com as diversas “teorias da história” – ou com os diversos modos de
conceber a História como um campo específico de conhecimento – é que elas são
grandes espaços coletivos de pensamento construídos pelos historiadores e filósofos que
pensam de uma mesma maneira em relação à história. Por exemplo, os historicistas
concebem a História, como campo de conhecimento, de um determinado jeito, a partir
de determinados princípios e pressupostos, assim como os materialistas históricos. As
teorias da história começam a surgir no século XIX, precisamente quando a História
começa a ser postulada como um saber cientificamente conduzido.
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Já as “filosofias da história” eram realizações específicas de certos filósofos. Por
exemplo, temos a filosofia da história de Kant, a filosofia da história de Hegel, e assim
por diante. É interessante notar que as filosofias da história acabam sendo construções
pessoais deste ou daquele filósofo, e não um universo comum a inúmeros pensadores
que enxergam a História de maneira análoga, tal como ocorre com as teorias da história.
Um outro ponto de contraste entre ‘filosofias da história’ e ‘teorias da história’ é o fato
de que as primeiras são essencialmente especulativas: tentam imaginar ou propõem a
ideia de que o desenvolvimento da história vai conduzir a determinado ponto. Em uma
palavra, são “teleológicas”. O sentido da história é o principal interesse de uma
“filosofia da história”. Já uma “teoria da história” não está interessada, rigorosamente
falando, em especular sobre o fim da história ou sobre os desígnios secretos que a
movem. Uma “teoria da história” concentra-se na tarefa de fornecer aos historiadores
instrumentos conceituais e teóricos para compreender as coisas que aconteceram ou que
estão acontecendo. Por exemplo, o Materialismo Histórico, se o compreendermos como
uma das muitas “teorias da história” disponíveis aos historiadores, disponibiliza aos que
querem pesquisar e refletir sobre a história um certo conjunto de conceitos
fundamentais, como o de “classe social”, “luta de classes”, “modo de produção”, e
também determinados modos de ver a história, como por exemplo a ideia de que a
história é principalmente feita não por indivíduos, mas por grandes grupos humanos que
são as classes sociais. Também é importante ter em vista que uma “teoria da história”,
depois que é fundada por um ou mais autores, passam a ser espaços coletivos de
reflexão, para os quais todos podem colaborar com desenvolvimentos posteriores. Por
exemplo, não posso alterar a “filosofia da história” de Kant, mas posso contribuir com
aportes teóricos para o Historicismo ou para o Materialismo Histórico.
Rede Histórica: Que lugar Positivismo e Historicismo ocupam hoje na formação de um
historiador (a)?
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José D'Assunção Barros: Positivismo e Historicismo são os primeiros paradigmas
clássicos, por assim dizer, da historiografia. Eles surgem precisamente como as duas
alternativas que se colocam para os historiadores naquele momento, que se dá no
trânsito do século XVIII para o XIX, no qual a História passa a postular um estatuto de
cientificidade, um lugar nas cadeiras universitárias, e uma identidade profissional para
este estudioso especializado que será o historiador. Algumas décadas depois, surgiria o
terceiro paradigma clássico: o Materialismo Histórico.
Com relação ao Positivismo e Historicismo, e a quaisquer outros paradigmas, eles
seguem adiante no tempo como possibilidades para os historiadores, inclusive de hoje,
oferecendo-lhes possibilidades específicas de conceber a História como campo de
conhecimento. É verdade que o Historicismo encontrou mais eco na historiografia
contemporânea do que o Positivismo, que em contrapartida ainda sobrevive bem em
algumas das demais ciências sociais. Isso se dá, em meu entender – tal como esclareço
nos capítulos dois e três do Volume II da coleção Teoria da História – em vista dos
modos divergentes como um e outro destes paradigmas encaram o problema da
‘Objetividade e Subjetividade’ na produção do conhecimento histórico.
O Historicismo foi tendendo a consolidar cada vez mais a noção de que o trabalho dos
historiadores é interpenetrado em diversas instâncias pela subjetividade humana. As
sociedades que o historiador analisa seriam, para o Historicismo, singulares, e as fontes
históricas produzidas pelos homens do passado são atravessadas seja por subjetividades
pertinentes a estas sociedades singulares, seja por subjetividades concernentes aos
autores ou produtores destas fontes (por exemplo, um texto escrito em uma época
remota foi escrito por alguém, atravessado por subjetividades várias, portador de
interesses diversos, pertencente a determinada classe social ou instituição, envolto por
certas circunstâncias). Ora, com o tempo, os historicistas passaram a dirigir este modo
de enxergar o mundo humano – circunstanciado, relativizado, problematizado – para si
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mesmos, isto é, para entender que os historiadores também eles são atravessados por
intersubjetividades. Enfim, um historiador é tão histórico quanto as suas fontes.
Essa é a pedra de toque que faz do Historicismo um paradigma mais atualizado para a
historiografia atual do que o Positivismo. A consciência crescente sobre a historicidade
de qualquer coisa, e sobre a relatividade de qualquer ponto de vista, permitiu que o
Historicismo encontrasse seus próprios espaços de renovação no seio das sociedades
contemporâneas, um pouco mais que o Positivismo – que, em contrapartida, ainda é um
paradigma bem presente nas ciências sociais que lidam prioritariamente com métodos
quantitativos e com a crença em leis gerais e universais que regeriam os
desenvolvimentos humanos.
Posto isto, conhecer muito bem as proposições destes dois paradigmas antagônicos – o
Historicismo e o Positivismo – é sempre muito importante para os historiadores em
formação, sobretudo porque o confronto entre estes dois paradigmas permite enxergar
com especial luminosidade o problema da ‘Objetividade e Subjetividade’ na produção
do conhecimento histórico. Foi por isso que escolhi para tema transversal do ‘volume 2’
da coleção Teoria da História – que trata do Positivismo e do Historicismo – a reflexão
sobre esta questão de fundo: o jogo entre objetividade e subjetividade no trabalho do
historiador. No limite o reconhecimento do peso das intersubjetividades nas elaborações
historiográfica pode levar ao relativismo extremado, que é discutido no terceiro capítulo
deste mesmo volume.
Rede Histórica: No terceiro volume nos encontramos com Marx e Nietzsche. De que
forma eles revolucionaram os estudos históricos? Ainda são vozes que ecoam na
historiografia brasileira?
José D'Assunção Barros: Uma escolha de algum modo audaciosa, na organização da
coleção Teoria da História, foi a de partilhar o mesmo ‘volume 3’ entre as reflexões
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sobre Marx e Nietzsche – ou, mais especificamente, sobre o Materialismo Histórico e
sobre este outro paradigma que chamei de “Paradigma da Descontinuidade” – e de
qualificar a ambos, por fim, como “paradigmas revolucionários” (este terminou, aliás,
por se tornar o subtítulo do volume).
Disse que há certa audácia nesse gesto de aproximar os dois autores a partir do subtítulo
de “paradigmas revolucionários” porque, frequentemente, os cultuadores de um e de
outro destes grandes filósofos se estranham mutuamente. No entanto, tanto Marx como
Nietzsche são revolucionários para a história por terem instituído dois paradigmas que
questionam certos valores estabelecidos que não eram nem de longe colocados em
cheque pelos historiadores e pensadores de sua época. Além disto, e é este ponto que
considero revolucionário nos dois autores, eles começam a fazer uma nova pergunta,
embora cada um a responda de uma maneira diferente. “Qual a utilidade da História
para a vida?”. Esta é a pergunta que ressoa tanto em Marx como em Nietzsche, e que
fundam de certo modo duas novas perspectivas.
A pergunta, em Marx, encontra como resposta a ideia de que o historiador deve
contribuir para a transformação da sua realidade – e, no caso, de sua realidade social.
Deste modo, a História encontraria uma utilidade muito específica para a Vida,
contribuindo para redirecionar o destino da humanidade ao propor um novo modelo de
sociedade que só poderia ser alcançado através do desenvolvimento da própria história.
A contribuição de Marx, todavia, vai muito além desta proposta política que mais tarde
ficaria conhecida como “marxismo”. Aliás, uma das primeiras preocupações do capítulo
sobre o “Materialismo Histórico” é a de distinguir este do “marxismo”, e também do
pensamento “marxiano” (o pensamento específico de Karl Marx). O Materialismo
Histórico é um paradigma historiográfico, uma certa maneira de ver e de conceber a
história. O marxismo é um programa de ação política. E, quando digo que há ainda uma
terceira coisa que é o pensamento “marxiano”, refiro-me ao fato, ao qual retorno no
último capítulo do ‘volume 4’, de que há elementos da identidade teórica de Marx que
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não podem ser confundidos como traços inerentes ao Materialismo Histórico (por
exemplo, o ateísmo, que era importante para Marx, não é um traço obrigatório do
paradigma do Materialismo Histórico, tal como discuto no ‘volume 4’, e nem mesmo do
programa marxista de ação política, tal como o demonstra a Teologia da Libertação e
outros movimentos que são ao mesmo tempo religiosos e de inspiração marxista).
De todo modo, Marx (e Engels) – ou, mais especificamente, o Materialismo Histórico –
foram revolucionários porque trouxeram à História um novo olhar teórico-
metodológico: o de que os verdadeiros agentes da história não são os indivíduos, mas
sim as classes sociais. Além disto, Marx desloca o olhar dos meros acontecimentos
políticos para as realidades econômico-sociais, revolucionando também as
possibilidades de escolhas dos objetos historiográficos. Até hoje repercute nos
historiadores esta lucidez que rompeu com o padrão historiográfico tradicional e
permitiu perceber que a história não corresponde apenas aos acontecimentos políticos,
mas também às instâncias sociais, econômicas, culturais, e todas as outras.
Neste ponto, acho importante lembrar que Nietzsche foi igualmente revolucionário para
a historiografia. Ele chamou atenção para questões muito importantes, das quais os
historiadores não costumavam se aperceber em sua época. Uma delas era a “ilusão do
Progresso” – essa ideia de que a humanidade caminha necessariamente, de maneira
linear e contínua, em direção ao melhor, e de que, no fim de tudo, um paraíso nos
espera. A essa ilusão iluminista, nem mesmo Marx pôde resistir – já que também ele
esperava encontrar, depois de muita luta, o seu paraíso no fim da história: no caso, um
mundo socialista. Esta leitura iluminista da história, linear e progressiva, foi questionada
severamente por Nietzsche, que chamou atenção para o fato de que a história é
construída a cada segundo, implicando tomadas de decisão e escolhas que não levam a
lugares pré-determinados, e que, portanto, trazem uma incontornável responsabilidade a
todos os homens que estão inarredavelmente mergulhados na história.
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Nietzsche percebeu que os historiadores de sua época, e de outros tempos, reforçavam
esta ilusão e costumavam falsificar a história (por vezes de modo não-consciente)
construindo uma narrativa que simulava linearidade e progresso, além de enfatizar a
ideia de que “o que aconteceu, aconteceu assim porque não podia ser de outro jeito”. Ao
construírem as suas narrativas fechadas e únicas, os historiadores selecionavam para a
posteridade certos aspectos da história e deixavam que muitos outros se perdessem no
vasto oceano histórico, além de embarcarem ingenuamente no cotejo triunfal dos
vencedores. Walter Benjamin, um materialista histórico que também deixa ressoar em si
o “Paradigma da Descontinuidade”, irá chamar a estes materiais e processos esquecidos
de “centelhas perdidas” – as quais os historiadores despertos deveriam se dedicar a
recuperar para pô-las a brilhar à luz de um novo presente, capaz de contribuir para lhes
trazer uma nova luminosidade. Isto seria pôr a História ao serviço a Vida, uma vez que
as centelhas recuperadas também poderiam, em contrapartida, contribuir para
transformar o próprio Presente e mesmo mudar o Futuro.
Até hoje algumas das contribuições de Nietzsche estão em pauta na historiografia. A
História precisa ser crítica (questionar os poderes estabelecidos e os automatismos
vigentes). Deve ser pensada polifonicamente (não deve ser exibida como um canto
gregoriano linear e monódico, mas sim como uma sinfonia extremamente complexa e
exuberante, para cuja orquestração se conclama o papel de um “historiador-artista”,
muito mais do que um “historiador-cientista”). Por fim, Nietzsche viu com especial
clareza que tudo é histórico, e que não existem valores eternos, transcendentes,
imutáveis. E, claro, Nietzsche chamou atenção para o fato de que a História precisava,
acima de tudo, servir à Vida.
Marx e Nietzsche, de alguma maneira, são ‘filósofos do despertar’, que procuraram
sacudir os homens de sua época do sono que os envolvia. Suas contribuições repercutem
até hoje, também entre os historiadores brasileiros. Mas gostaria de lembrar que,
embora eu tenha discorrido nesta resposta a respeito de Marx e Nietzsche, já que a
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pergunta os mencionou diretamente, o terceiro volume de Teoria da História não trata
apenas destes dois autores, mas sim dos paradigmas historiográficos que eles fundaram
ou ajudaram a fundar. Abordo mais o paradigma do Materialismo Histórico do que a
contribuição específica de Marx (que, por seu turno, terá um lugar especial em um dos
capítulos do ‘volume 4’). Conforme disse antes, os paradigmas, ou as “teorias da
história”, são construções coletivas. Uma vez fundado ou sugerido um novo modo de
ver as coisas, este passa a constituir um paradigma que, a partir daí, passa a ser
elaborado e reelaborado a muitas mãos. O Materialismo Histórico foi beneficiado por
inúmeras contribuições – como as de Gramsci, Thompson, Lukács, Walter Benjamin, e
tantos outros – e o paradigma da ‘Descontinuidade’ foi se consolidando a partir de
contribuições importantíssimas como a de Foucault e outros mais. Eu discorro sobre
todos estes autores, e, sobretudo, acerca da contribuição de cada um deles para os
paradigmas em questão.
Na historiografia brasileira, respondendo à segunda parte da pergunta, as vozes de todos
estes autores são muito ressonantes. O historiador brasileiro é essencialmente acórdico –
para já mencionar um conceito que será importante no ‘volume 4’ da coleção – e muito
habitualmente agrega de forma criativa as mais diversas contribuições e influências.
Considero a historiografia brasileira uma das mais ricas do planeta, apesar de não
receber o mesmo apoio que os historiadores recebem em alguns países como os da
Europa e como os Estados Unidos da América. Percebo um diálogo muito intenso, na
historiografia brasileira, com autores como os da escola inglesa do materialismo
histórico (Edward Thompson, Hobsbawm e outros), com a Escola de Frankfurt
(Adorno, Marcuse e os demais), com a vasta contribuição de Foucault, e com os micro-
historiadores italianos – isto sem falar, é claro, na ressonante influência de diversos
historiadores ligados à Escola dos Annales e à Nova História. Mas percebo que estas
influências são retomadas de formas muito criativas pelos nossos historiadores.
Pretendo falar destas ressonâncias no ‘volume 5’ da coleção Teoria da História, ainda
por escrever.
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Rede Histórica: O que significa ser um “historiador acórdico”? Esse conceito sugere
um relacionamento com a música aos moldes daqueles que os historiadores possuem,
por exemplo, com a filosofia e a literatura?
José D'Assunção Barros: Utilizei esta expressão na resposta anterior apenas para
expressar a minha opinião de que os historiadores brasileiros são muito ricos na
assimilação de influências e contribuições diversificadas nos seus trabalhos, pondo-as a
dialogar de maneira criativa e coerente, mas sem produzir gratuidades e inadequações.
Trabalham com a mesma habilidade e desenvoltura que precisa ter um músico ao
compor suas composições musicais.
Na verdade, eu sustento no ‘volume 4’ que a maioria dos pensadores – historiadores,
filósofos, antropólogos, sociólogos, e tantos outros – constrói a sua identidade teórica de
maneira acórdica. Isto é, cada pensamento autoral é complexo, tem a sua singularidade,
beleza e eficiência próprias, como acontece com um belo acorde musical. É uma
metáfora de trabalho que serviu de guia para todo o quarto volume da coleção Teoria da
História. Criei com isso um novo conceito para análise da historiografia (isto é, do
trabalho dos historiadores de nossa época e de todas as épocas). Esse conceito é o de
“acorde teórico”: um recurso teórico-metodológico que esclareço logo na abertura do
quarto volume da coleção.
O recurso do “acorde teórico”, conforme postulo, também poderia ser utilizado para
analisar o pensamento autoral de filósofos, antropólogos, psicólogos ou outros
pensadores. Mas eu os utilizo especificamente, neste livro, para analisar o pensamento
autoral e a produção bibliográfica de historiadores e filósofos da história (filósofos ou
outros pensadores que pensaram sobre a história em alguns momentos de sua trajetória
intelectual). Examino autores como Walter Benjamin, Ranke, Droysen, Max Weber,
Paul Ricoeur, Koselleck, e Marx, além de pequenos comentários com análises mais
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rápidas sobre inúmeros outros historiadores e filósofos. Este é o objeto do quarto
volume da coleção Teoria da História.
Rede Histórica: Para finalizar, poderia nos dar mais detalhes sobre esse novo
conceito?
José D'Assunção Barros: A ideia do “acorde teórico” – um recurso para apreender
metaforicamente uma complexidade autoral – ocorreu-me em vista da necessidade de
resolver um problema que surgiu com o paciente estudo e esforço de síntese aos quais
me entreguei nos volumes anteriores.
Disse, em outro momento, que um dos principais conceitos utilizados para delinear a
identidade teórica de um historiador é o conceito de “paradigma”. De fato, este é um
conceito útil e interessante para a Teoria da História. Um “paradigma” é um certo modo
de ver (conceber) e fazer a História. Apenas para mencionar três paradigmas bem
conhecidos (mas que não são os únicos), posso citar o Positivismo, o Historicismo e o
Materialismo Histórico. Examinei os dois primeiros no ‘volume 2’ da coleção Teoria
da História, e o terceiro no ‘volume 2’.
Quando organizamos a vasta produção historiográfica em paradigmas e correntes
teóricas, conseguimos aproximar os historiadores uns dos outros, verificar quais tem
afinidades entre si, quais trabalham com conceitos análogos e sustentam concepções
parecidas sobre a História. Os historiadores têm se reconhecido nos paradigmas, e
outras vezes os classificamos no interior de um determinado paradigma, mesmo sem
que este ou aquele autor tenha se autoidentificado com o paradigma em questão durante
a sua vida. De todo modo, o conceito de paradigma é bastante útil. Por exemplo,
inúmeros historiadores se apresentam como ligados ao paradigma do Materialismo
Histórico, a outros podemos qualificar como historicistas, e assim por diante. Procurei
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nos volumes iniciais da coleção esclarecer os fundamentos de cada paradigma, ou
repensar como cada um destes paradigmas responde a determinadas questões.
No quarto volume, eu pretendi realizar um exercício de historiografia – um mergulho
em maior profundidade na obra de alguns autores específicos, de modo a apreender a
singularidade de cada um. Foi aí que surgiu o problema.
Quando examinamos um autor específico, podemos tentar situá-lo no interior de um
certo paradigma. Frequentemente isso dá certo em alguma medida. Por exemplo,
ninguém negará que Edward Thompson ou Eric Hobsbawm são historiadores ligados ao
paradigma do Materialismo Histórico, uma vez que eles trabalham com uma concepção
de história que privilegia a combinação fundamental de “dialética”, “materialismo” (no
sentido proposto por Marx) e “historicidade radical”. Além disso, examinam a história
como “luta de classes” (um conceito importante para esse paradigma que é o
Materialismo Histórico). Estes e outros aspectos trazem pontos comuns a inúmeros
autores que podem ser qualificados como relacionados ao Materialismo Histórico. O
educador brasileiro Paulo Freire, por exemplo, auto identificava-se com o Materialismo
Histórico, e também o filósofo alemão Walter Benjamin.
Mas aqui surge o problema. Paulo Freire não era apenas materialista histórico: ele
também era católico. Ser católico era um traço tão importante da sua identidade quanto
ser materialista histórico. Walter Benjamin, por exemplo, que também se identificava
com o paradigma do Materialismo Histórico, tinha como outro dos traços importantes
de sua identidade teórica um “messianismo judaico”, e percebemos no seu estilo de
escrita uma influência de Nietzsche – o que, aliás, também ocorre com outros autores
que dele se aproximaram através da famosa Escola de Frankfurt, tais como Adorno ou
Marcuse. Estes autores também incorporavam em sua identidade teórica uma influência
importante de Freud. Estou dando alguns exemplos diversos de modo a trazer a nu o
problema contra o qual eu me defrontava. Os pensadores dos vários campos de saber,
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inclusive os historiadores, são complexos. Quando buscamos ajustá-los aos inúmeros
paradigmas teóricos pertinentes aos diversos campos de conhecimento, percebemos que,
embora eles possam se sintonizar com um paradigma ou outro, não cabem inteiramente
ali.
Há casos mesmo em que podemos perceber que determinado autor responde a certas
perguntas conforme a tendência expressa por um paradigma, e outras perguntas
conforme outro paradigma. Por exemplo, Max Weber geralmente responde como um
“historicista” às questões sobre o reconhecimento das intersubjetividades humanas; mas,
por outro lado, acreditava na possibilidade de atingir certa forma de neutralidade
científica de uma maneira que se aproxima muito do modo como os “positivistas” se
colocam diante desta questão. Por isso, alguns autores chegam a dizer que Max Weber é
“meio” historicista e “meio” positivista, ou que este sociólogo-historiador se coloca a
meio caminho entre estes dois paradigmas.
Poderia seguir enumerando muitos casos. Paul Ricoeur tem o Historicismo como um
traço importante de sua identidade teórica, mas igualmente importante neste autor é a
influência do Existencialismo, e outra influência fundamental é a da Fenomenologia,
particularmente a partir de uma assimilação da contribuição de Husserl. Ao historiador
Droysen, dificilmente podemos deixar de classificar como “historicista”; mas além
disso, ele possui outra nota de influência importante que é a do “hegeleanismo”. Ranke,
um historicista anterior, já não tinha esta nota, e percebe-se mesmo uma clara rejeição
de Hegel em seu trabalho. O filósofo Fichte está presente como uma influência
importante em Ranke; mas também aparece de alguma maneira como um dos autores
que ajudaram Karl Marx – o primeiro materialista histórico – a compor a sua identidade
teórica (além de Hegel, Feuerbach, e vários outros).
Com isto, eu estou querendo mostrar que os pensamentos autorais são complexos. Não
basta classificar um autor no interior de um paradigma, como se este fosse um
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Um novo conceito para a Historiografia – entrevista com o historiador José D'Assunção Barroshttp://historica.me/profiles/blogs/um-novo-conceito-para-a
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compartimento no interior do qual encontrará os seus pares. Como resolver o problema
da necessidade da apreensão da complexidade autoral de um historiador ou de um
filósofo, por exemplo?
Foi aí que me surgiu a ideia do “acorde”. Na Música, um acorde é um som composto de
outros sons. Diversas notas, que existem isoladamente, podem ser incorporadas em um
“acorde” e adquirir um novo sentido musical. Esse som complexo, que traz tanta beleza
à Música, é o acorde, e é importante ainda lembrar que uma única nota musical também
pode carregar dentro de si sonoridades secretas (não perceptíveis pelo ouvido humano, a
não ser sob a forma de timbres), que são chamadas de “harmônicos”. De todo modo,
qualquer bom ouvinte de música pode perceber claramente a combinação de várias
notas para formar um acorde. Ademais, a música é composta por sucessões de acordes,
o que também é uma ideia interessante para o objetivo que eu tinha de incorporar esta
noção à análise historiográfica.
A noção de “acorde” também aparece, diga-se de passagem, em outros campos de
práticas e saberes. A arte da “perfumaria” baseia-se na ideia de que um bom perfume
deve ser composto de um acorde formado por vários cheiros. Na “enologia”, um bom
vinho pode ser composto por um certo extrato de uvas, mas ao mesmo tempo
“harmonizado” por outros elementos – e até mesmo o barril de carvalho que o acolhe irá
contribuir para o resultado final que se expressará sob a forma de um certo sabor
singular e complexo que terá cada vinho.
Comecei a trabalhar com a ideia de que os pensamentos autorais – ou as identidades
teóricas de um historiador, filósofo ou sociólogo – poderiam ser igualmente
representáveis pela ideia do “acorde”. Um autor é quase sempre complexo: sua
identidade teórica comporta influências autorais várias, traços específicos que
singularizam seu pensamento, tendências a examinar certas temáticas. Podemos pensar
autores – historiadores ou filósofos da história, por exemplo – a partir da metáfora do
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“acorde teórico”. Este é o projeto do ‘volume 4’ da coleção Teoria da História. Chamei
a este volume de “acordes historiográficos”.
Anteriormente, comentei que o “ateísmo” de Karl Marx era uma nota singular do
pensamento deste autor, mas não necessariamente um componente do paradigma do
Materialismo Histórico, que Marx fundou com Engels em meados do século XIX. À luz
do conceito de “acorde teórico”, podemos formular a ideia de que a base do pensamento
de Marx é a tríade que caracteriza o paradigma do Materialismo Histórico (dialética,
materialismo, historicidade radical). Mas, seguindo adiante, veremos que Marx não é só
isso, pois sua identidade teórica também é composta por outros traços – tais como o
“ateísmo” ou o finalismo socialista, além dos inúmeros autores que nele ressoam de
uma maneira ou de outra. Podemos pensar em um “acorde-Marx”, por exemplo, e
também reconhecer mudanças acórdicas que distinguem o “jovem Marx” do Marx da
segunda fase (afinal, como disse antes, a Música nos oferece também o exemplo dos
acordes que se sucedem: uma imagem que também pode ser incorporada para apreender
a dinamicidade de uma determinada trajetória autoral).
Ousei encerrar o ‘volume 4’ de Teoria da História com uma análise acórdica sobre o
pensamento historiográfico de Karl Marx, depois de ter examinado nos capítulos
anteriores Walter Benjamin, Ranke, Droysen, Max Weber, Paul Ricoeur e Koselleck,
além de entretecer comentários mais breves sobre outros autores como Foucault,
Kierkegaard, Benedetto Croce e outros mais.
Publicada na Rede Histórica em 21/06/2011
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