Entrevista com professor eduardo chaves

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Prof. Dr. Eduardo Chaves Tema: Tecnologia aplicada a Educação por: Arlete Embacher MiniWeb Educação -O Sr. vem atuando na área de Tecnologia Aplicada à Educação há 20 anos, desde que, em 1981, enquanto Diretor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), o Sr. tomou a iniciativa pioneira de criar, dentro da Universidade, o Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED), primeiro núcleo de pesquisa verdadeiramente interdisciplinar a ser oficialmente criado nessa área dentro da Universidade brasileira. Miniweb pergunta: Como criador do NIED, como o Senhor avalia a evolução que o Núcleo teve dentro da Unicamp? EDUARDO CHAVES: É difícil fazer o que você pede porque não venho acompanhando de perto o trabalho do NIED desde que deixei sua coordenação em 1986 para vir trabalhar na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, dirigindo o Centro de Informações Educacionais. Contudo, posso que garantir que, pela qualidade dos profissionais que ali trabalham (Armando e Ann Valente, Bete Brisola [que em priscas eras foi minha aluna!] e outros), a qualidade deve ser muito boa. Creio estar em condições de fazer uma crítica, que não se aplica exclusivamente ao NIED mas a toda a área da Educação da UNICAMP: a de que existe nessa área um grande preconceito contra escolas particulares e a iniciativa privada em geral. Na minha opinião, uma Universidade, ainda que pública, não pode atender apenas as escolas públicas, como se não existissem escolas particulares. Outras áreas da UNICAMP (as engenharias e a física, por exemplo) não demonstram preconceito contra a iniciativa privada, mas na educação ele chega a ser gritante. MINIWEB - Em seu livro: Multimídia: Conceituação, Aplicações e Tecnologia (People-1992), o Sr. defende a tese de que as escolas não podem ficar à margem do desenvolvimento tecnológico que permeia o restante da sociedade, mas precisam urgentemente incorporar essa tecnologia ao processo de ensino e aprendizagem, mas de forma consciente e responsável. Miniweb pergunta: Como o senhor orientaria a

Transcript of Entrevista com professor eduardo chaves

Prof. Dr. Eduardo Chaves

Tema: Tecnologia aplicada a Educação

por: Arlete Embacher

MiniWeb Educação -O Sr. vem atuando na

área de Tecnologia Aplicada à Educação há 20

anos, desde que, em 1981, enquanto Diretor

da Faculdade de Educação da Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP), o Sr. tomou

a iniciativa pioneira de criar, dentro da

Universidade, o Núcleo de Informática Aplicada

à Educação (NIED), primeiro núcleo de

pesquisa verdadeiramente interdisciplinar a ser oficialmente

criado nessa área dentro da Universidade brasileira. Miniweb

pergunta: Como criador do NIED, como o Senhor avalia a

evolução que o Núcleo teve dentro da Unicamp?

EDUARDO CHAVES: É difícil fazer o que você pede porque não

venho acompanhando de perto o trabalho do NIED desde que

deixei sua coordenação em 1986 para vir trabalhar na

Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, dirigindo o

Centro de Informações Educacionais. Contudo, posso que

garantir que, pela qualidade dos profissionais que ali trabalham

(Armando e Ann Valente, Bete Brisola [que em priscas eras foi

minha aluna!] e outros), a qualidade deve ser muito boa.

Creio estar em condições de fazer uma crítica, que não se aplica

exclusivamente ao NIED mas a toda a área da Educação da

UNICAMP: a de que existe nessa área um grande preconceito

contra escolas particulares e a iniciativa privada em geral. Na

minha opinião, uma Universidade, ainda que pública, não pode

atender apenas as escolas públicas, como se não existissem

escolas particulares. Outras áreas da UNICAMP (as engenharias

e a física, por exemplo) não demonstram preconceito contra a

iniciativa privada, mas na educação ele chega a ser gritante.

MINIWEB - Em seu livro: Multimídia: Conceituação, Aplicações e

Tecnologia (People-1992), o Sr. defende a tese de que as escolas não

podem ficar à margem do desenvolvimento tecnológico que permeia o

restante da sociedade, mas precisam urgentemente incorporar essa

tecnologia ao processo de ensino e aprendizagem, mas de forma

consciente e responsável. Miniweb pergunta: Como o senhor orientaria a

incorporação da tecnologia nas escolas onde a necessidade faz-se de fato

imprescindível face à sua clientela, como é o caso das escolas públicas?

EDUARDO CHAVES - Minha opinião a esse respeito vem evoluindo nesses

dez anos que se passaram desde a publicação de meu livro sobre

Multimídia. Hoje estou mais preocupado com o fato de que as escolas

atuais, tanto as públicas como as privadas, e quase sem exceção, se

alicerçam numa visão de educação e do papel da escola que foi tornada

totalmente ultrapassada e obsoleta pela evolução da sociedade. Na

Sociedade da Informação, em que vivemos, em que a tecnologia

desempenha um papel fundamental, não faz mais sentido ver a educação

como um processo de transmissão de informações -- a herança cultural da

sociedade ou mesmo da humanidade -- de uma geração para a outra. Essa

herança está aí disponível em bilhões de livros e revistas, em outro tanto

de discos e fitas, e online na Internet. Temos excesso, não carência de

informações. Não faz mais sentido -- e isso em decorrência da evolução

social, na qual a tecnologia teve um papel preponderante -- a escola

tornar o problema de excesso de informação ainda mais grave,

transmitindo mais informações aos alunos -- informações não raro mais

desatualizadas do que as que ele encontra nos meios de comunicação.

Diante desse quadro, simplesmente introduzir tecnologia na escola,

mantendo essa visão da educação e do papel da escola, não resolve o

problema e pode até piorá-lo. Se estamos indo na direção errada, mas

estamos a pé, pode demorar muito para que encontremos um penhasco --

e sempre conseguiremos parar, antes de cair. Se estamos indo na direção

errada e recebemos tecnologia sofisticada para nos movimentar (como um

carro de Formula 1), chegaremos muito mais rápido ao penhasco -- e

poderemos não conseguir parar o carro, encontrando desastre.

Assim, antes de pensarmos em introduzir tecnologia na escola, precisamos

rever nossa visão da educação e reinventar a escola para que promova

essa nova visão.

Não vou entrar em detalhes aqui, mas defendo uma visão de educação

como desenvolvimento humano e concebo o papel da escola como uma

contribuição para a construção, pelos alunos, de competências e

habilidades que os capacitem a se desenvolver no máximo de suas

potencialidades. Essa visão é promovida pelo Instituto Ayrton Senna e se

deve, em última instância, ao trabalho de órgãos da ONU, como a UNESCO

e o PNUD.

Só vale a pena discutir o papel da tecnologia na escola quando essas

questões básicas e antecedentes estiverem adequadamente equacionadas

-- ou, no mínimo, dada a urgência, simultaneamente com o

equacionamento dessas questões.

MINIWEB - O que é Mindware?

EDUARDO CHAVES - Mindware é o nome fantasia que adotei para a minha

empresa (Mindware - Educação e Tecnologia). É uma marca registrada de minha

propriedade.

Por que a escolhi?

Fala-se muito, em relação ao computador, que a tecnologia consiste de

dois componentes básicos: hardware e software. O hardware é o

equipamento em si e o software é o conjunto de instruções que o faz se

comportar desta ou daquela maneira -- o conjunto de programas que faz

com que o hardware nos faça algo de útil.

Isto é correto -- até aonde vai. Mas falta alguma coisa. O que é que esse

conjunto de hardware e de software vai estar fazendo? Qual é a utilidade a

que ele vai servir? Que problemas vai estar efetivamente resolvendo?

Como pode ser ele utilizado como uma extensão de nossa capacidade de

pensar e de resolver problemas? É aqui que criei o termo "Mindware".

Alguns autores falam em "Peopleware" ou "Humanware". Mas como o que

importa aqui, em relação ao ser humano, não é seu corpo (nesse caso

teríamos "bodyware" ou "brainware"), mas, sim, a sua mente, o termo

"Mindware" se refere a todo tipo de reflexão que visa a encontrar, para a

tecnologia, utilizações que ampliem e estendam nossos poderes

(certamente mentais) de resolução de problemas, permitindo que a

tecnologia, em vez de ser uma solução em busca de problemas, nos ajude

a efetivamente resolver os problemas que realmente temos. Em especial

na educação.

No site da Mindware (mencionado abaixo) digo o seguinte sobre o conceito

"Mindware":

Mindware, entretanto, é bem mais do que tudo isso [hardware e

software]: é a inteligência que permite que o ser humano aprenda, pense,

imagine coisas e depois as crie. Entre as coisas que o ser humano

inventou (imaginou e criou) estão ferramentas que estendem sua força

física, sua habilidade locomotora, sua capacidade sensorial, e mesmo,

como no caso do computador, seus poderes mentais. (É bom que não nos

esqueçamos de que, a menos que sejamos anjos, não há mindware sem

bodyware, e especialmente sem brainware...).

Por aí se vê que mindware não é um componente do computador: é um

componente do ser humano que criou e que usa o computador. Sem

mindware, não teria sido criado o computador; sem mindware, ele não

pode ser colocado a bom uso -- especialmente na educação.

A finalidade da Mindware (agora a empresa) é ajudar as pessoas a usar

bem o computador. Por isso, a Mindware é educação, a Mindware é

treinamento, a Mindware é sinônimo da inteligência que nos permite

usar o computador para aprender e para a pensar crítica e

criativamente.

Por isso, escolhi como moto para a Mindware: 'Mais importante do que

aprender informática é usar a informática para aprender'.

MINIWEB - Como Consultor do Instituto Ayrton Senna no Programa

"Sua Escola a 2000 por Hora", o Sr. Publicou um artigo sobre:

"Educação Orientada para Competências" e "Currículo Centrado em

Problemas". O Sr poderia falar para os internautas da Miniweb sobre o

papel do professor em uma Educação orientada para competências e,

ainda, sobre a importância dos Parâmetros Curriculares Nacionais em

um currículo centrado em problemas.

EDUARDO CHAVES - Um Currículo Centrado em Problemas é um

currículo voltado para o construção das competências e habilidades

requeridas para resolver esses problemas. Esse currículo deve ser

desenvolvido através de uma metodologia que hoje se denomina de

Pedagogia de Projetos de Aprendizagem. Darei, a seguir, algumas

características dessa metodologia, extraídas de um livro que estou

terminando para o Instituto Ayrton Senna.

A proposta de que a aprendizagem escolar se faça, predominantemente por

projetos de aprendizagem a pedagogia de projetos procura se pautar pelos

seguintes princípios:

· A pedagogia de projetos de aprendizagem vê a educação, e, portanto, a

aprendizagem como o principal mecanismo pelo qual o ser humano projeta

e constrói a sua própria vida, e, portanto, como algo que lhe é natural e

intrinsecamente motivador, procurando, assim, evitar que a criança seja

vista como um ser essencialmente refratário à aprendizagem, que precisa,

por isso, ser obrigado a aprender através de mecanismos artificiais de

recompensas e punições que agem como motivadores externos;

A pedagogia de projetos de aprendizagem incentiva a criança a

explorar e a investigar seus interesses - as coisas que ela gosta de

fazer e que gostaria de aprender - e atribui ao professor a

responsabilidade de encontrar maneiras de, a partir desses

interesses, tornar a atividade da criança útil no desenvolvimento das

competências e habilidades básicas necessárias para que ela se torne

capaz de sonhar seus próprios sonhos e transformá-los em realidade,

procurando, assim, evitar que a criança seja obrigada a deixar de

lado seus interesses, sua imaginação e sua criatividade ao entrar na

escola;

A pedagogia de projetos de aprendizagem procura evitar que a

aprendizagem se torne algo passivo, e, por conseguinte,

desinteressante, abrindo o maior espaço possível para o

envolvimento ativo da criança, não só na concepção e na elaboração

dos seus projetos de aprendizagem, mas também na sua

implementação e avaliação, pois esse envolvimento não só a motiva

(por estar relacionada com seus interesses) como torna a sua

aprendizagem ativa e significativa - um real fazer mais do que um

mero assimilar de informações;

A pedagogia de projetos de aprendizagem procura, assim,

estabelecer uma estreita relação entre a aprendizagem que acontece

na escola e a vida e a experiência da criança, reconstituindo o vínculo

entre seus processos cognitivos e seus processos vitais, pois os

projetos que ela escolhe partem, inevitavelmente, de questões

relacionadas à sua vida e à sua experiência que lhe parecem

importantes e sobre as quais ela se interessa em aprender mais;

A pedagogia de projetos de aprendizagem rejeita a noção de que

todas as crianças devam aprender as mesmas coisas, pelos mesmos

métodos, nos mesmos ritmos e nos mesmos momentos -

independentemente de seus interesses, de suas aptidões, de seu

estilo cognitivo, de seu estado de espírito, etc.;

A pedagogia de projetos de aprendizagem não concentra, portanto, a

atenção nos eventuais "pontos fracos" da criança, com o objetivo

(que a escola tradicional compartilha com a linha de montagem da

fábrica) de que todas as crianças estejam "padronizadas" (e,

portanto, sejam intercambiáveis) ao final do processo de educação

escolar, mas procura valorizar os interesses, as aptidões e os dons

naturais de cada criança - ou seja, os seus pontos fortes;

A pedagogia de projetos de aprendizagem busca, portanto, evitar que

o objetivo do aprendizado escolar seja definido como a absorção, pela

criança, de grandes quantidades de informação (fatos, conceitos,

procedimentos, valores), e que o aprender da criança seja visto como

o sub-produto esperado da ação do professor (algo que se espera que

o professor faça, através do ensino, e que a criança apenas "sofre",

em mais de um sentido), procurando caracterizar esse aprendizado

como algo ativo, que a criança faz, à medida que desenvolve as

competências e

habilidades que a tornam capaz de sonhar seus próprios sonhos e de

transformá-los em realidade;

A pedagogia de projetos de aprendizagem procura evitar que o

aprender seja um procedimento totalmente artificial, difícil e

doloroso, que começa quando a criança entra na escola e termina

quando ela, com enorme alívio, deixa a escola, e se torne o que deve

ser, a saber, um processo natural, agradável e contínuo, que começa

muito antes de ela entrar na escola (com o nascimento, ou mesmo

antes) e termina apenas com a morte, sendo o tempo de

permanência da criança na escola apenas um momento privilegiado

de sua vida em que ela pode se dedicar, total e exclusivamente, à

tarefa de projetar o restante de sua vida e de se capacitar para

construí-la.

Qual o papel do professor nessa metodologia?

O papel dos professores, no contexto da metodologia de projetos de

aprendizagem se assemelha mais ao de um orientador de estudos do que

ao de ensinante, podendo até mesmo ser comparado, mutatis mutandis,

com o papel de um orientador de estudos de pós-graduação.

Isso quer dizer que os professores deverão acompanhar a elaboração, a

implementação e a avaliação dos projetos de aprendizagem dos alunos,

procurando garantir, nesse processo, pelo menos o seguinte:

. Que os alunos consigam aprender e fazer aquilo que se propõe

aprender e fazer em seus projetos;

. Que os alunos encontrem as informações necessárias para o

desenvolvimento de seus projetos;

. Que os alunos desenvolvam, em cada projeto, competências e

habilidades básicas importantes para o seu desenvolvimento como

ser humano, dentro dos princípios organizadores dos Quatro

Pilares.

Dessas três funções, a terceira é certamente a mais importante.