Entrevista Dra Deborah Questao Indigena e Presidio Federal Em Campo Grande
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Deborah Duprat (vice-PGR): "A reserva de Dourados talvez a maior tragdia conhecida na questo indgena em todo o mundo"
A vice-procuradora-geral da Repblica, Deborah Duprat, fala sobre a questo indgena em
Mato Grosso do Sul e o Presdio Federal de Campo Grande
Na ltima semana, a vice-procuradora-geral da Repblica, Deborah Duprat, esteve em Campo
Grande para a realizao do XI Encontro Nacional da 6 Cmara de Coordenao e Reviso
(CCR) do Ministrio Pblico Federal (MPF).
Deborah Duprat a coordenadora da 6 CCR, que trata de assuntos relativos aos povos
indgenas e outras minorias tnicas. O encontro foi realizado em Mato Grosso do Sul por ser o
estado com a 2 maior populao indgena do Brasil (cerca de 70 mil ndios) e que concentra,
atualmente, os maiores problemas sociais e conflitos de demarcao de terras.
Em entrevista, a vice-PGR afirma que o problema das comunidades indgenas est
intimamente ligado insuficincia de terras e enfatiza que a situao em Dourados, alm de
indigna, a maior tragdia mundial conhecida na questo indgena.
Deborah ainda comenta sobre as escutas no Presdio Federal de Campo Grande. A vice-
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procuradora-geral reafirma o apoio aos membro do MPF/MS e declara que as escutas, em
caso de risco segurana pblica, so absolutamente legtimas.
Confira a ntegra da entrevista abaixo.
Questo indgena em MS
Qual o principal problema enfrentado pelos indgenas em MS?
Deborah Duprat: O cerne da questo certamente a identificao e demarcao de terras. Como vai se fazer em relao a produtores rurais uma outra questo. Agora que tem que se
enfrentar a questo indgena, no resta dvida. No adianta supor que esse conflito se
resolver deixando a demarcao em suspenso, como est se pretendendo fazer por meio de
recurso Justia, por meio de inviabilizao da atividade da Funai. Ele poder ficar suspenso
mas no ser resolvido.
Inclusive, a prpria questo dos suicdios, que durante algum tempo se sups que fosse um
trao cultural daquele grupo, hoje h fortes indcios de que essa questo est associada
insuficincia de terras. A reserva de Dourados talvez a maior tragdia conhecida na questo
indgena em todo o mundo.
Essa reserva foi estabelecida no incio do sculo passado com o propsito do confinamento
mesmo, onde os ndios deviam ser confinados at estarem prontos a integrar esta sociedade
de grande formato. Esta era a concepo das reservas, no era uma opo de criar um
espao territorial digno. A reserva de Dourados a coisa mais indigna que existe.
Um problema levantado pelos antroplogos que as reservas no respeitaram a diviso entre
os grupos indgenas.
DD: A poltica dessa poca, no s aqui em Mato Grosso do Sul mas o prprio Parque Nacional do Xingu um exemplo disso, ela no tinha a preocupao de respeitar essa
diversidade tnica, o modo de vida desses povos. Era uma soluo para o governo enfrentar a
questo indgena: confinar para que eles ficassem ali e no se misturassem sociedade
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enquanto no fossem emancipados.
O que a senhora pensa sobre uma opinio corrente de que no adianta dar terra para os
ndios se eles no vo utiliz-la para a produo agrcola.
DD: Essa uma viso absolutamente racista e que vem da poca colonial. Basta lembrar que a escravido negra teve por pressuposto essa indolncia do ndio, que no teria disposio
para trabalhar. uma viso preconceituosa e no corresponde realidade dos fatos. Em
Roraima (episdio da demarcao da reserva indgena Raposa Serra do Sol), onde esse
discurso era recorrente, o maior rebanho de gado era dos ndios. Dizer que os ndios no so
produtivos para o desenvolvimento nacional um discurso racista e isso tem que ser
assumido. Esse receio de perder terra para os ndios ignorar qualquer capacidade que eles
tenham de contribuir para o que coletivo.
E nisso tambm entra a relao diferenciada do ndio com a terra, que no a v como um
meio de produo mas se v como parte dela.
DD: Mas isso no significa tambm que ele, no modo como se relaciona com a terra, no possa gerar frutos para toda a coletividade, dentro da forma especial de cada grupo lidar com
a terra.
Como a senhora v a intensidade da oposio demarcao de terras em Mato Grosso do
Sul, que levantada at pelos poderes constitudos?
DD: Eu acho que h uma incompreenso geral desta questo no estado. O Judicirio talvez seja o poder mais carente de informaes. No digo o Judicirio local mas o Tribunal Regional
Federal, o Superior Tribunal de Justia e o Supremo Tribunal Federal esto muito distantes.
Talvez se tivessem uma compreenso maior do que o drama das populaes indgenas
aqui, no teriam essa resistncia. Esse distanciamento, a pouca informao e a inexperincia
na questo indgena formam um consrcio contrrio soluo dessa questo no estado.
preciso um trabalho de esclarecimento junto a essas instncias.
Acho que o Poder Executivo Federal, no longo tempo em que pude acompanhar a questo no
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Ministrio da Justia, tinha esse empenho de que os grupos de trabalho conclussem a sua
misso, at para se saber exatamente o tamanho do problema. Na verdade ainda no se sabe
qual o tamanho do territrio que cabe aos ndios, quais so os proprietrios atingidos, se so
grandes ou pequenos,o quanto isso compromete a questo territorial de Mato Grosso do Sul.
Ns no temos nem esse diagnstico, porque os trabalhos (de identificao de reas
indgenas) estavam inviabilizados.
A senhora concorda com a criao de um fundo com dinheiro federal para indenizar os
proprietrios que fossem eventualmente atingidos pelas demarcaes?
DD: Eu no tenho nenhum problema com uma soluo que resolva a questo indgena. Eu acho que ns temos um problema jurdico que precisa ser analisado. Se ele vai ser resolvido
por uma emenda constitucional, por um entendimento jurdico diferenciado, isso um outro
lado. Eu acho que preciso resolver a questo indgena. Esse um compromisso que vem da
Constituio Federal e de tratados internacionais dos quais o Brasil signatrio.
O desconhecimento da questo indgena no Judicirio patente no caso do julgamento dos
acusados pela morte do lder Marcos Veron, que foi transferido de Mato Grosso do Sul para
So Paulo, buscando um jri mais imparcial. Chegando l, a juza do caso impediu que os
indgenas se expressassem em guarani, porque eles haviam respondido a uma simples
pergunta em Portugus.
Esse o maior exemplo de incompreenso, porque falar a lngua no compartilhar uma
linguagem, a mesma compreenso de mundo e cdigos de conduta. Principalmente num
ambiente absolutamente externo e incompreensvel, como o Judicirio e o tribunal do jri.
Era preciso permitir que os ndios tivessem ali algo que lhes comum, familiar, que a sua
lngua, num ambiente totalmente estranho.
O Ministrio Pblico Federal abandonou o jri e foi tachado de desrespeitoso com o Judicirio.
DD: Eu, como coordenadora da 6 Cmara de Coordenao e Reviso (que trata de ndios e outras minorias no MPF), assim que soube do abandono da sesso, fiz questo de entrar em
contato com os colegas para parabeniz-los pela atitude. Eu acho que era a coisa mais digna
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que eles tinham a fazer em favor dos ndios l presentes.
Em MS, geralmente a questo indgena tratada como uma questo policial ou ento
resolvida a bala. Dos diversos assassinatos de indgenas, at hoje ningum foi julgado e
condenado. Como a senhora v a violncia sofrida pelos ndios em Mato Grosso do Sul.
DD: Isso de extrema gravidade. Primeiro que no temos um diagnstico da violncia contra os ndios: quantos ndios esto presos, onde eles esto. Eu li em uma publicao que, s em
Amambai, a populao carcerria indgena chega a quase 40%. Esse um lado. O outro a
impunidade dos agressores. Esse um quadro que diz muito a respeito do Judicirio local,
tanto federal quanto estadual. Ento, h um concurso de fatores, sendo que o principal deles
esta viso de que quem age contra indgenas no deva ser punido.
H tambm um discurso de que os ndios invadem propriedades particulares e que o MPF
apoia as invases.
DD: Os ndios em MS esto num processo de recuperao de suas terras. H estudos muito antigos que mostram que o processo de estar de posse de seu territrio sempre teve este
componente, de procurar ingressar no territrio reivindicado. No uma caracterstica s dos
ndios de Mato Grosso do Sul, processo similar aconteceu no Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, na regio sudeste. um processo de recuperao territorial. O MPF no defende
invases de terras mas reconhece como legtimo que, de alguma forma, os ndios procurem,
diante da inrcia do Estado, tomar alguma atitude de recuperao de seu territrio. O que o
Ministrio Pblico Federal faz provocar os rgos estatais para que ponham fim a essa
situao de precariedade que vivem os ndios daqui.
Presdio Federal
Qual a posio do Ministrio Pblico Federal frente s acusaes de ilegalidade de escutas
ambientais no presdio federal de Campo Grande?
DD: A posio do MPF que as providncias que foram adotadas pelos colegas de Mato Grosso do Sul so as mais pertinentes. O presdio federal j um retrato da periculosidade do
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ru, que no pode ser desprezada. Eu sou uma militante dos Direitos Humanos, acredito nos
Direitos Humanos dos presos, acho que no se pode perder esta perspectiva. Mas em relao
ao presdio federal no se pode ignorar a questo da segurana pblica. preciso ponderar
este dois valores. Eu acho que a escuta, neste caso em que est evidente a possibilidade de
grave risco para a populao, ela precisa ser tida como uma providncia absolutamente
legtima. Agora mesmo, nesses episdios no Rio de Janeiro, h a possibilidade de que parte
desses presidirios sejam transferidos para o presdio federal. J sabendo de antemo o grau
de periculosidade deles, permitir que tenham acesso indiscriminado ao mundo exterior,
colocar em risco a segurana da populao e isso precisa ser levado em conta por todas as
instituies.
A oposio s escutas usa o argumento de que a prerrogativa dos advogados estaria sendo
ferida.
DD: preciso separar. Uma coisa uma conversa legtima entre advogado e preso. uma garantia fundamental que no pode ser violada. diferente quando h indcios de que o
advogado ao mesmo tempo um interlocutor da atividade criminosa. Neste caso, estamos
falando de crime e no de prerrogativa institucional.