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  • Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    Programa de Ps-graduao Educao: Currculo

    Revista E-Curriculum ISSN: 1809-3876

    http://www.pucsp.br/ecurriculum

    Revista E-Curriculum, So Paulo, v. 2, n. 2, junho de 2007. http://www.pucsp.br/ecurriculum

    ESCOLA PBLICA, PROFESSORES, CURRCULO E CIDADANIA UM BREVE OLHAR SOCIOLGICO Entrevista a Almerindo Janela Afonso Universidade do Minho - Portugal

    Revista e-Curriculum - Na sua opinio e na opinio de outros autores, a Escola pblica encontra-se em crise. Quais so os fatores dessa crise atual da educao escolar? Almerindo Janela Afonso - As polticas educativas actuais so, em grande parte, configuradas pelos mpetos neoconservadores e neoliberais, visveis, nomeadamente, na imputao de responsabilidades crescentes aos professores, acusados de aprofundarem a incapacidade da escola para atender s supostas exigncias de um capitalismo mais competitivo e globalizado. Mas a crise actual da escola pblica decorre sobretudo do desinvestimento crescente do Estado nacional nas polticas sociais desinvestimento esse, tambm em parte, congruente quer com a perda acentuada da sua autonomia relativa, quer com a tendncia para uma mais explcita privatizao e mercadorizao da Educao. A crise da escola pblica tambm no indiferente hegemonia de alguns pases centrais porque esta hegemonia se reflecte no apenas em termos econmicos mas tambm nas presses para uma maior uniformizao cultural que acompanhada pela desvalorizao de outras culturas nacionais, regionais e locais. Devemos tambm ter em conta que o aumento das desigualdades educacionais continua a potenciar as

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    desigualdades sociais, havendo novos factos que interrogam a Educao e os seus actores, como sejam a info-excluso e as novas e contraditrias presses sociais e polticas que remetem a escola para dilemas que ela e os seus profissionais so (ou parecem ser) incapazes de resolver. A actual "crise de motivao" dos professores e os problemas de desemprego ou emprego precrio e instvel que afectaro os jovens que frequentam a escola pblica (em Portugal e em muitos outros pases) exigem uma outra reflexividade crtica (e uma outra deciso poltica) perante as mutaes actuais da economia, nomeadamente quando verificamos que muitos so excludos do conhecimento num momento histrico em que, paradoxalmente, este se transforma numa nova matria prima estruturalmente decisiva para a chamada sociedade do conhecimento e da aprendizagem. Revista e-Curriculum - Qual o papel dos docentes da escola pblica neste contexto? Almerindo Janela Afonso - Os professores devem ser formados e ter condies de trabalho que os dignifiquem como profissionais e como cidados/cidads. Ser profissional na (e da) educao pressupe o domnio de um conjunto especializado de saberes terico-conceptuais e prticos (cientficos, ticos, metodolgicos, polticos e culturais) que a formao inicial, embora importante, no pode garantir em definitivo. Isto implica que os professores devem valorizar espaos de formao continuada onde possam reflectir crtica e colectivamente em torno das suas experincias quotidianas, quer nas prprias escolas, quer em sindicatos, universidades e mesmo em movimentos sociais. A sociedade e o Estado

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    no podem olhar para os professores como simples funcionrios, mas reconhecer que eles so profissionais capazes de utilizar margens de autonomia relativa que lhes permitam fazer escolhas e opes justas e fundamentadas face complexidade, diversidade e heterogeneidade das situaes reais em que esto envolvidos. As condies de trabalho, os estatutos de carreira, os ndices salariais e a escassa responsabilizao democrtica convertem-se frequentemente em obstculos para uma verdadeira dignificao dos professores como profissionais e como intelectuais (crticos e transformadores, na acepo de H. Giroux). Quando a escola pblica essencialmente para as classes socais mais desfavorecidas, ento os dilemas e os problemas profissionais so ainda maiores. Por estas razes, a sociedade e o Estado devem valorizar estrategicamente a escola pblica e os seus professores, neles investindo material e simbolicamente. A escola pblica s cumprir a sua misso de escola para todos e todas quando for, simultaneamente, uma escola com qualidade cientfica, com qualidade pedaggica e com qualidade democrtica. Numa poca de ataques neoliberais e neoconservadores escola pblica, e num contexto em que ressurgem movimentos anti-escola e de desescolarizao, necessrio revitalizar a escola pblica, reinventar os seus modelos de funcionamento e redefinir melhor a sua misso para que ela volte a ter uma nova centralidade social, poltica e cultural. Alguns dos dilemas actuais podem ser equacionados da seguinte forma: como articular a misso histrica da escola pblica (que durante muito tempo visou essencialmente a construo da cidadania monocultural e a identidade nacional na lgica do Estado-nao) com a necessidade de construir outras cidadanias e saber lidar com as diferenas inter/multiculturais, num mundo cada vez mais globalizado? Como conciliar as exigncias da cidadania democrtica

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    e participativa e a coeso social com as exigncias da competitividade num contexto de crescente internacionalizao do capitalismo? Revista e-Curriculum - Como v, a esse propsito, o papel do currculo perante as mudanas contemporneas na economia e na sociedade? Almerindo Janela Afonso - O currculo escolar um dos lugares onde frequentemente incidem muitas das reformas que os governos pretendem implementar, quer na escolaridade bsica, quer na escolaridade ps-bsica (ensino secundrio). Como nos lembra Basil Bernstein, o currculo (tal como a pedagogia, a avaliao e a organizao) faz parte dos quatro sistemas de mensagem fundamentais do sistema educativo. Segundo este mesmo autor, o currculo define o que conta como conhecimento vlido num dado momento histrico e numa sociedade especfica, sendo, tal como os outros sistemas, reflexo da distribuio do poder e dos princpios de controlo social. Se o papel do Estado est em redefinio e a compreenso mais ampla das mudanas nos centros de poder nos remete necessariamente para fenmenos como a crescente internacionalizao do capitalismo, as tecnologias da informao e comunicao, a sociedade do conhecimento e da aprendizagem e a educao ao longo da vida fenmenos que so accionados como justificadores (implcitos ou explcitos) da responsabilizao pelos percursos de aprendizagem e pelos destinos e disposies pessoais e individuais isso significa que, doravante, a definio do que conta como conhecimento vlido ser mais difusa e heterognea porque partir de centros de construo e irradiao cognitiva muitos diversos.

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    Tudo isso tornar aquele conhecimento vlido (definido pelos poderes dominantes) ainda mais difcil de ser apropriado por parte daqueles que pertencem a classes e grupos sociais mais desfavorecidos, e com menos poder de participao na sociedade crescentemente desigual em que vivemos. Por isso, a escola, se for uma escola justa, no pode deixar de ser um dos lugares centrais de empowerment e de acesso democrtico a esse conhecimento, ou seja, um dos lugares da sua apropriao por todos e todas, permitindo a sua transformao emancipatria num novo senso comum (para utilizar aqui a conhecida designao de Boaventura Sousa Santos). Todavia, os movimentos de re-elitizao da escola pblica (ou, como no caso brasileiro, a desvalorizao desta mesma escola pblica) vo no sentido contrrio, e a retraco nas polticas sociais parece ser uma pea do mesmo puzzle neoliberal. Revista e-Curriculum - Como socilogo, como v a questo da cidadania na Sociologia da Educao? Almerindo Janela Afonso - A Sociologia da Educao, implcita ou explicitamente, preocupou-se durante muito tempo com a denncia de uma determinada concepo de cidadania. Isto significa que muitos dos seus trabalhos de pesquisa tiveram como objecto a escola pblica enquanto lugar de disseminao de um projecto cultural e identitrio originado e controlado pelo Estado um Estado capitalista e muitas vezes um Estado tambm autoritrio. Por exemplo, as teorias da reproduo social e cultural e as teorias da correspondncia mostraram (e denunciaram) que a escola foi, ao longo do tempo da modernidade capitalista, um lugar de manuteno (e legitimao) de desigualdades, ou seja, um lugar onde o conceito

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    de cidadania se restringiu essencialmente lgica homogeneizadora da identidade nacional, perfeitamente compatvel com a lgica e organizao da produo, com a manuteno da ordem social e com os interesses das classes dominantes. Por isso, a escola foi (e continua a ser em grande medida) um lugar de exerccio da violncia simblica, isto , um lugar de imposio dissimulada de um arbitrrio cultural, como Pierre Bourdieu mostrou de forma to enftica nos seus trabalhos iniciais. Mas a Sociologia da Educao foi produzindo e incorporando outros referenciais tericos e empricos que lhe permitiram acompanhar a ampliao (conceptual, poltica e prtica) da cidadania. De uma concepo de cidadania restrita lgica do Estado-nao, evolumos social e politicamente para uma concepo de cidadania enquanto consagrao jurdica e concretizao efectiva de direitos (sociais, econmicos, culturais, ecolgicos, de acesso e uso das tecnologias da informao e conhecimento) e, posteriormente, evolumos para uma concepo de cidadania regional (europeia ou outra) e para uma cidadania cosmopolita. Em todos estes momentos confrontaram-se e confrontam-se evolues e redefinies, por vezes dilemticas e contraditrias. Assim, a Sociologia da Educao participou e participa cada vez mais de todos os debates e percursos em torno das evolues e redefinies de cidadania, procurando compreend-las e estud-las tal como se explicitam e confrontam, no apenas nas polticas educativas e na escola, como, tambm, em outros lugares educativos no-formais que se situam para alm da escola, e que tm vindo a ganhar uma crescente importncia e visibilidade. No por acaso que a Sociologia da Educao (no apenas em Frana mas tambm em outros pases) tem vindo a dar um lugar de relevo s questes da justia, s questes do reconhecimento e s questes multiculturais e ps-coloniais, referenciveis em qualquer dos

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    casos a contextos nacionais e ps-nacionais. No que diz respeito a Portugal, a Sociologia da Educao avanou muito, nomeadamente pelas contribuies trazidas pela teorizao e pesquisa de Stephen R. Stoer atravs das quais as questes da cidadania e do inter/multiculturalismo ganharam particular centralidade e densidade analticas. Sendo ou no tributrios desta linha de pesquisa, e inscrevendo os seus objectos em problemticas idnticas, muitos outros(as) pesquisadores(as) em cincias sociais e em cincias da educao esto contribuindo para a actualizao e consolidao da Sociologia da Educao no meu pas.

    Almerindo Janela Afonso Socilogo, Mestre em Sociologia da Educao pela Universidade do Minho, Doutor em Educao (Sociologia da Educao e Polticas Educativas), Prof. Associado do Departamento de Sociologia da Educao e Administrao Educacional da Universidade do Minho- Portugal, Diretor do Mestrado de Sociologia da Educao e Polticas Educativas, Diretor do Mestrado em Educao para a Sade. Membro de diversos Conselhos Editoriais de Revistas Acadmicas, Autor de diversos trabalhos cientficos publicados em revistas da especialidade em Sociologia e em Educao (Portugal, Brasil, Espanha e Inglaterra). Autor de diversos livros entre os quais, Avaliao Educacional: Regulao e Emancipao (Ed. Cortez). Professor visitante em Universidades Portuguesas e estrangeiras (Portugal, Brasil e Espanha). Coordenador e Consultor Cientfico de Diversos Projetos nacionais e internacionais.