Entrevista - Roberto Waak

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42 Horizonte Geográfico 43 Horizonte Geográfico O que determina a sustentabilidade de uma exploração florestal? O conceito é, em síntese, conhecer a floresta, separar as áreas que devem ser mantidas into- cadas das que podem ser exploradas e, nessas últimas, trabalhar de forma que não haja su- perexploração de nenhuma espécie. Esse tipo de atividade faz com que a floresta tenha valor econômico e é esse o incentivo para ela não ser convertida para outra atividade, como agricul- tura ou pecuária. Então, a sustentabilidade tem um aspecto ambiental e outro econômico. Há ainda um terceiro elemento, a questão social. Qualquer floresta tem uma relação com a exis- tência humana muito forte, seja porque abriga povos indígenas, seja pela relação com as comu- nidades que vivem em seu entorno. E como fazer para que toda a explora- ção de florestas seja sustentável? Além do domínio dessa tecnologia de produção que falei, é preciso conscientizar o consumidor e disponibilizar madeira legal no mercado. Em relação à conscientização do con- sumidor, em que estágio estamos? No Brasil, vivemos uma situação esquizofrênica. O brasileiro é informado sobre o assunto, já que nos últimos anos o tema entrou na pauta da grande mídia. Quando vai comprar madeira, porém, ele se esquece de tudo. São duas posturas diferentes diante do mesmo fato. A informação foi nosso primeiro passo. O próximo é elaborar esse proces- so do ponto de vista educacional e, depois, dispo- nibilizar produtos legais no mercado. Não há disponibilidade suficiente de madeira legal? Esse é o maior gargalo. A situação fundiária da Amazônia é tão complicada que a extensão da ati- vidade madeireira no Brasil vai depender da utiliza- ção de terras públicas para manejo. É onde entra o novo modelo de concessão de florestas. Essa é a al- ternativa para que florestas com titulação adequa- da entrem no mercado como fontes de madeira. E como o consumidor reconhece uma madeira legal? Ele tem de ter confiança no local em que compra e procurar selos do tipo FSC. É o selo que faz esse tra- balho para o consumidor, já que ele não tem como ir atrás de nota fiscal e fazer a rastreabilidade do que está comprando. Membro do Conselho Internacional do FSC, instituição que oferece o selo florestal mais respeitado do mundo, e presidente de uma das maiores empresas florestais do Brasil, Roberto Waack protesta: “O brasileiro é informado, mas, quando vai comprar madeira, se esquece de tudo” “Precisamos sufocar a ilegalidade” Entrevista O reconhecimento do trabalho do biólogo Roberto Waack foi co- roado em 2008 com sua eleição para presidente do Conselho Internacio- nal do FSC (Forest Stewardship Council). A ONG estabelece padrões rigorosos de exploração sustentável de madeira e cer- tifica empresas que seguem seus precei- tos em mais de 50 países do mundo. Seu mandato acabou em dezembro de 2010, mas o trabalho de Waack com explora- ção sustentável de florestas vai além da FSC, instituição da qual permanece como membro do Conselho Internacional. Presidente da empresa florestal Ama- ta, Waack comanda atividades de plantio de espécies exóticas, como o eucalipto, de manejo de florestas nativas e de reflores- tamento em áreas da Amazônia com fins de futura exploração econômica. Sob a sua liderança estão quase 50% das atividades de manejo na Floresta Nacional Jamari (RO), primeira terra pública concedida para essa atividade (saiba mais sobre a concessão na página 47). Em entrevista concedida a Natália Martino, Waack falou sobre as vitórias e os obstáculos a serem ainda vencidos pelo país até que se torne um líder em desenvolvimento sustentável. O selo do FSC é um dos mais aceitos mundialmente, mas esse sucesso não se repete na certificação de outros se- tores. Por quê? Eu acabo de chegar da Malásia, onde aconteceu a Assembleia-Geral do FSC, que ocorre a cada três anos. Ali estavam 500 pessoas do mundo inteiro, as grandes ONGs, os atores do mercado flores- tal, todos reunidos para definir as regras do jogo para os próximos três anos. Esse é o diferencial: as regras do FSC são oriundas de um amplo debate com a sociedade. Esse processo de governança é um sistema extremamente importante no mundo da certificação. Para o consumidor final, isso não é transparente, ele não sabe o que está por trás dos selos e a proliferação de certificações por todos os lados o confunde. Então, se antes o problema era diferenciar produtos bons e ruins, agora a dis- cussão também abrange selos bons e ruins. Para garantir a legitimidade, é preciso investigar quem está por trás das certificações e, nesse sentido, o papel da mídia é fundamental. MURILLO CONTANSTINO/HORIZINTE DIVULGAÇÃO O novo modelo de concessão de florestas públicas para manejo é a alternativa para que florestas com titulação adequada entrem no mercado como fontes de madeira Roberto Waack (à direita) e Gilmar Bertoloti, diretor de operações da Amata, na primeira floresta pública com exploração sustentável da madeira

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Membro do Conselho Internacional do FSC, instituição que oferece o selo florestal mais respeitado do mundo, e presidente de uma das maiores empresas florestais do Brasil, Roberto Waack protesta: “O brasileiro é informado, mas, quando vai comprar madeira, se esquece de tudo”

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Page 1: Entrevista - Roberto Waak

42 Horizonte Geográfico 43Horizonte Geográfico

O que determina a sustentabilidade de uma exploração florestal?O conceito é, em síntese, conhecer a floresta, separar as áreas que devem ser mantidas into-cadas das que podem ser exploradas e, nessas últimas, trabalhar de forma que não haja su-

perexploração de nenhuma espécie. Esse tipo de atividade faz com que a floresta tenha valor econômico e é esse o incentivo para ela não ser convertida para outra atividade, como agricul-tura ou pecuária. Então, a sustentabilidade tem um aspecto ambiental e outro econômico. Há ainda um terceiro elemento, a questão social. Qualquer floresta tem uma relação com a exis-tência humana muito forte, seja porque abriga povos indígenas, seja pela relação com as comu-nidades que vivem em seu entorno.

E como fazer para que toda a explora-ção de florestas seja sustentável?Além do domínio dessa tecnologia de produção que falei, é preciso conscientizar o consumidor e disponibilizar madeira legal no mercado.

Em relação à conscientização do con-sumidor, em que estágio estamos? No Brasil, vivemos uma situação esquizofrênica. O brasileiro é informado sobre o assunto, já que nos últimos anos o tema entrou na pauta da grande mídia. Quando vai comprar madeira, porém, ele se esquece de tudo. São duas posturas diferentes diante do mesmo fato. A informação foi nosso primeiro passo. O próximo é elaborar esse proces-so do ponto de vista educacional e, depois, dispo-nibilizar produtos legais no mercado.

Não há disponibilidade suficiente de madeira legal?Esse é o maior gargalo. A situação fundiária da Amazônia é tão complicada que a extensão da ati-vidade madeireira no Brasil vai depender da utiliza-ção de terras públicas para manejo. É onde entra o novo modelo de concessão de florestas. Essa é a al-ternativa para que florestas com titulação adequa-da entrem no mercado como fontes de madeira.

E como o consumidor reconhece uma madeira legal?Ele tem de ter confiança no local em que compra e procurar selos do tipo FSC. É o selo que faz esse tra-balho para o consumidor, já que ele não tem como ir atrás de nota fiscal e fazer a rastreabilidade do que está comprando.

Membro do Conselho Internacional do FSC, instituição que oferece o selo florestal mais respeitado do mundo, e presidente de uma das maiores empresas florestais do Brasil, Roberto Waack protesta: “O brasileiro é informado, mas, quando vai comprar madeira, se esquece de tudo”

“Precisamos sufocar a ilegalidade”

Entrevista

O reconhecimento do trabalho do

biólogo Roberto Waack foi co-

roado em 2008 com sua eleição

para presidente do Conselho Internacio-

nal do FSC (Forest Stewardship Council).

A ONG estabelece padrões rigorosos de

exploração sustentável de madeira e cer-

tifica empresas que seguem seus precei-

tos em mais de 50 países do mundo. Seu

mandato acabou em dezembro de 2010,

mas o trabalho de Waack com explora-

ção sustentável de florestas vai além da

FSC, instituição da qual permanece como

membro do Conselho Internacional.

Presidente da empresa florestal Ama-

ta, Waack comanda atividades de plantio

de espécies exóticas, como o eucalipto, de

manejo de florestas nativas e de reflores-

tamento em áreas da Amazônia com fins

de futura exploração econômica. Sob a sua

liderança estão quase 50% das atividades

de manejo na Floresta Nacional Jamari

(RO), primeira terra pública concedida

para essa atividade (saiba mais sobre a

concessão na página 47). Em entrevista

concedida a Natália Martino, Waack falou

sobre as vitórias e os obstáculos a serem

ainda vencidos pelo país até que se torne

um líder em desenvolvimento sustentável.

O selo do FSC é um dos mais aceitos mundialmente, mas esse sucesso não se repete na certificação de outros se-tores. Por quê? Eu acabo de chegar da Malásia, onde aconteceu a Assembleia-Geral do FSC, que ocorre a cada três anos. Ali estavam 500 pessoas do mundo inteiro, as grandes ONGs, os atores do mercado flores-tal, todos reunidos para definir as regras do jogo para os próximos três anos. Esse é o diferencial: as regras do FSC são oriundas de um amplo debate com a sociedade. Esse processo de governança é um sistema extremamente importante no mundo da certificação. Para o consumidor final, isso não é transparente, ele não sabe o que está por trás dos selos e a proliferação de certificações por todos os lados o confunde. Então, se antes o problema era diferenciar produtos bons e ruins, agora a dis-cussão também abrange selos bons e ruins. Para garantir a legitimidade, é preciso investigar quem está por trás das certificações e, nesse sentido, o papel da mídia é fundamental.

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O novo modelo de concessão de florestas públicas para manejo é a alternativa para que florestas com titulação adequada entrem no mercado como fontes de madeira

Roberto Waack

(à direita) e Gilmar

Bertoloti, diretor

de operações

da Amata, na

primeira floresta

pública com

exploração

sustentável da

madeira

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Já é possível avaliar o impacto do selo FSC no mercado florestal?Foram muitas frentes de impacto. Na área social, as evidências dos benefícios do ponto de vista de condições de trabalho, distribuição de renda, inclu-são social e valorização de culturas indígenas são bastante fortes. Na área ambiental, os impactos são mais simples de serem medidos. O volume de flo-restas protegidas ou preservadas graças às opera-ções certificadas é grande. No Brasil, por exemplo, por muito tempo praticamente só se explorava o mogno. As empresas certificadas abriram merca-do para mais de 40 espécies nos últimos anos e, no lugar de acabarmos com o mogno, passamos a ex-plorar de forma mais equilibrada outras espécies.

Existem dados sobre a porcentagem de certificação da exploração madei-reira no mundo?Estimamos que no Brasil seja menos de 5%, mas em outros lugares os números são bem maiores. Na Polônia, por exemplo, chegamos a cerca de 95% de florestas certificadas. Na Suécia, o índice está acima de 50%. Na bacia do Congo (África), estamos entre 20% e 30%. Infelizmente, o Brasil está muito atrás nisso. Para mudar esse quadro, repito, precisamos disponibilizar áreas. A titulação de terras é o ponto central no Brasil.

Apesar de todas essas dificuldades, conseguimos reduzir a presença de madeira ilegal no mercado brasilei-ro de 90% para 30% nos últimos anos. A que devemos essa vitória?Sem dúvida ao monitoramento e ao controle. Esse trabalho teve origem nas ações da Marina Silva, no início do governo Lula, quando ela era ministra do Meio Ambiente. Foi quando o policia-mento das estradas começou a ser colocado em prática de maneira enfática. Outras razões são a tecnologia de imagens de satélite e as compras públicas. O governo é o grande comprador de madeira; se ele só aceita o produto legal, sufoca a ilegalidade. É isso mesmo que precisamos fazer: sufocar a ilegalidade por meio de monitoramen-to, controle e poder de compra. Qual é o papel do Brasil no cenário mundial da sustentabilidade?Eu não vejo nenhum outro país no mundo com condições de assumir uma liderança nesse novo modelo de desenvolvimento sustentável que o planeta demanda. Nós temos áreas suficientes e tecnologias adequadas. Por outro lado, não estamos sendo capazes de conduzir de forma adequada as discussões sobre o assunto, o que ficou evidente com a votação do Código Flores-tal, na qual entramos em um combate da pro-dução com a preservação, um dilema falso, que é ruim para o país.

Pode ser que o Brasil não assuma essa liderança, apesar do potencial do país?Às vezes tenho duvidas. O que vem do âmbito po-lítico é muito ruim. Por outro lado, o que vem da sociedade organizada brasileira é bom. A resposta à sua pergunta depende, então, do quanto a socie-dade vai conseguir influenciar o ambiente político. A verdade é que não temos sido eficientes nesse sentido. Como exemplo, a questão da corrupção. Não aceitamos, todo mundo fica horrorizado, mas não conseguimos mudar; pelo contrário, reafir-mamos o sistema da corrupção o tempo inteiro. Então a questão é se a gente vai conseguir, na dis-cussão da sustentabilidade, mudar essa forma de pressionar o ambiente político.

Medição de

circunferência

do tronco

em espécime

da Floresta

Nacional

Jamari

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