Entusiasmo Pela Educação Perimeira Republica

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1 O “ENTUSIASMO PELA EDUCAÇÃO” NA PRIMEIRA REPÚBLICA: UMA PERSPECTIVA DE PROGRESSO POLÍTICO-SOCIAL NO BRASIL Vivianne Souza de Oliveira Rosália de Fátima e Silva Universidade Federal do Rio Grande do Norte O presente artigo é o ensaio de um trabalho mais amplo em desenvolvimento. Trata-se do resgate de aspectos essenciais do contexto educativo, principalmente nos anos 20, onde se desenvolve o que Jorge Nagle caracteriza como entusiasmo pela educação. Curiosamente, os estudos sobre a educação na Primeira República, nos remetem ao quadro atual brasileiro na medida em que percebemos uma ampla disseminação de programas voltados para a redução do analfabetismo, da formação de professores de educação básica, assim como o desenvolvimento de programas através da mídia, voltados a atrair a população para a escola. Particularidades existentes entre o que Jorge Nagle denomina de entusiasmo pela educação e o que Sérgio Buarque de Holanda chama de miragem da alfabetização do povo, no livro Raízes do Brasil (Holanda, 1995, p.165) motivaram esta pesquisa, no sentido de explicitar o que foram esses movimentos a favor da instrução popular, ocorridos com maior evidência nos anos 20, e como esta instrução popular se apresenta atualmente nos projetos políticos voltados para a educação. Esta última questão nos remete a uma provocação ao leitor: o que de “entusiasmo pela educação” podemos encontrar atualmente no quadro político educacional no Brasil? Estarão as políticas educacionais atuais atravessando uma nova fase nacionalista? Isso não representaria um paradoxo diante das políticas neoliberais vigentes nos últimos governos brasileiros? Antes de prosseguirmos no desenvolvimento dessas questões consideramos importante esclarecer as especificidades das diferentes configurações de cada momento da história na qual iremos desenvolver nossa pesquisa. Os anos 20 e o final dos anos 90 - início dos anos 2000, período que corresponde ao governo Fernando Henrique Cardoso.

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Pedagogia

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O “ENTUSIASMO PELA EDUCAÇÃO” NA PRIMEIRA REPÚBLICA: UMA PERSPECTIVA DE PROGRESSO POLÍTICO-SOCIAL NO BRASIL

Vivianne Souza de Oliveira Rosália de Fátima e Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

O presente artigo é o ensaio de um trabalho mais amplo em desenvolvimento. Trata-se do

resgate de aspectos essenciais do contexto educativo, principalmente nos anos 20, onde se

desenvolve o que Jorge Nagle caracteriza como entusiasmo pela educação. Curiosamente, os

estudos sobre a educação na Primeira República, nos remetem ao quadro atual brasileiro na

medida em que percebemos uma ampla disseminação de programas voltados para a redução do

analfabetismo, da formação de professores de educação básica, assim como o desenvolvimento

de programas através da mídia, voltados a atrair a população para a escola.

Particularidades existentes entre o que Jorge Nagle denomina de entusiasmo pela

educação e o que Sérgio Buarque de Holanda chama de miragem da alfabetização do povo, no

livro Raízes do Brasil (Holanda, 1995, p.165) motivaram esta pesquisa, no sentido de explicitar

o que foram esses movimentos a favor da instrução popular, ocorridos com maior evidência nos

anos 20, e como esta instrução popular se apresenta atualmente nos projetos políticos voltados

para a educação.

Esta última questão nos remete a uma provocação ao leitor: o que de “entusiasmo pela

educação” podemos encontrar atualmente no quadro político educacional no Brasil? Estarão as

políticas educacionais atuais atravessando uma nova fase nacionalista? Isso não representaria um

paradoxo diante das políticas neoliberais vigentes nos últimos governos brasileiros?

Antes de prosseguirmos no desenvolvimento dessas questões consideramos importante

esclarecer as especificidades das diferentes configurações de cada momento da história na qual

iremos desenvolver nossa pesquisa. Os anos 20 e o final dos anos 90 - início dos anos 2000,

período que corresponde ao governo Fernando Henrique Cardoso.

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NNAA LLUUTTAA PPEELLOO ““PPRROOGGRREESSSSOO””:: AA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO EE CCIIDDAADDAANNIIAA

AA ““MMIIRRAAGGEEMM”” DDAA AALLFFAABBEETTIIZZAAÇÇÃÃOO

Tratar o processo de luta pela alfabetização do povo como uma “miragem” conduz as

ações dos atores sociais dos anos 1920 ao campo da “ilusão” (Rosset, 1984). No dicionário

Aurélio (1988) palavra miragem corresponde a um “efeito óptico, freqüente nos desertos

produzidos pela reflexão total de luz solar na superfície comum as duas camadas de ar

aquecidas diversamente, sendo a imagem vista de ordinário, em posição invertida”, ou “visão

enganosa”. Tomamos para este texto o segundo sentido. A “miragem” como “visão enganosa”,

nos remete aos apelos da esperança de que a alfabetização do povo acabaria com o grande mal do

Brasil: o analfabetismo que impedia o “progresso” da nação. Aqui, a educação é vista como

instrumento na ascensão político-econômico e social do país.

A função política da educação se faz na medida em que é chamada a formar as muitas

categorias existentes do homem, sejam estes “os homens novos”, que é o “cidadão” que vota e o

homem “consciente”. 1 Neste sentido, a "visão enganosa" a respeito da educação, corresponde

aos apelos de esperança e a certeza explicita nas mensagens da burguesia em melhorar o país

através da alfabetização: a porta de entrada para que a classe popular participasse diretamente do

processo político.

Introduzimos assim, os sentidos de luta pela alfabetização do povo, na República Velha

ou “Primeira República”. Os discursos a favor da alfabetização nos anos 1920 correspondem ao

uso da palavra que se faz em nome de alguma coisa (Castoriadis, 1982). No caso concreto dos

anos citados temos um segmento da burguesia brasileira – burguesia industrial - que se coloca

como maior porta-voz dos anseios do progresso. Percebemos a duplicação do real entre o desejo

de poder político e o desejo de colocar a grande massa brasileira no rol civilizatório.

Há neste período o controle e a seleção de mensagens distanciadas das medidas concretas

à sua efetivação. A República Brasileira, proclamada em meio aos ideais do liberalismo

1 Essa consciência corresponde em saber votar de acordo com os interesses da burguesia. A burguesia acreditava que o “entusiasmo pela educação” podia trazer um efeito real para a educação brasileira. O povo instruído escolheria melhor seus governantes, mas o povo instruído não estava escolhendo quem a burguesia desejava. O problema já não estava na instrução, mas na qualidade do ensino. Se a escola não estava funcionando bem, algo teria que ser feito: a solução encontrada foi uma reforma na escola, a partir de então surge o que Nagle caracteriza de “otimismo pedagógico”. (Saviani, 2000, p.51)

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americano, idealizava uma sociedade composta por indivíduos “autônomos”, cujos interesses

eram compatibilizados pela mão invisível do mercado. Nesta versão, cabia ao governo interferir o

menos possível na vida do “cidadão” (Carvalho, 1990).

Lembramos que na Constituição de 1891 o voto do analfabeto é restringido. Para que o

poder pudesse ser conquistado pela burguesia industrial tornava-se necessário à difusão da

instrução popular, pois só assim, o bloco do poder político poderia ser alterado. “A difusão do

ensino, era assim, o instrumento pelo qual seria possível combater a aristocracia agrária,

detentora da hegemonia política do país” (Paiva, 1985, p. 97). Inspirada na revolução francesa,

na expectativa de “formar almas” como define Carvalho a visão de uma educação pública, se

constitui na participação direta de todos os cidadãos na vida política do país. Para isto, torna-se

necessário “atingir o imaginário, plasmar visões de mundo e modelar condutas”. O que para eles

é particularmente importante em momentos de mudança política e social, em momentos de

redefinição de “identidades coletivas” (Carvalho, 1990, p. 11).

O surgimento da República introduziu no Brasil, a eleição direta, ou seja, o uso do voto

para eleger seus representantes. Para isso, era necessário que alguns requisitos fossem

preenchidos, entre estes, a condição de ser alfabetizado era imprescindível. O Brasil nesse

contexto passava por uma série de modificações. A busca pelo progresso, por exemplo, se

intensifica a partir de 1870, possibilitando o surgimento de novos setores sociais e novos grupos

econômicos ligados ao surto de industrialização. Neste momento, surge um período intermediário

entre o sistema agrário – comercial e o urbano-industrial.

Desta forma, na Primeira República é preocupação a instrução do povo, a preocupação de

formar o “novo homem”, o homem cidadão. Contudo, para que o indivíduo pudesse exercer sua

cidadania ele necessitaria de dois elementos: Ler e escrever. Explica Carvalho que o país tinha

dois tipos de cidadãos: o ativo e o simples. O cidadão ativo é aquele que possui além dos direitos

civis, os direitos políticos. São cidadãos plenos àqueles que a sociedade julga merecedores da

cidadania. Os cidadãos simples são aqueles que só possuíam os direitos civis da cidadania

(Carvalho, 1987 p. 45).

Coube a educação esclarecer à população, seus direitos e deveres, assim como o direito ao

voto. A educação, portanto, neste período era o instrumento de ascensão social do indivíduo que

vivia a margem da sociedade, mas também foi o instrumento de busca de ascensão do poder da

burguesia. Esse fenômeno que começou a usar a educação como instrumento de

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“conscientização” e da busca em formar o “cidadão votante” foi caracterizado por Jorge Nagle de

entusiasmo pela educação.

Com todas as transformações sociais anteriormente mencionadas e com o surgimento de

movimentos ideológicos no Brasil, o entusiasmo pela educação começa a ganhar forças. No

período do entusiasmo pela educação a escola é posta como instrumento de participação política,

isto é, pensava-se a escola com uma função explicitamente política. O uso da palavra se refaz,

gradativamente, na luta pela hegemonia da burguesia urbana – industrial.

O crescimento industrial é limitado pela falta de capitais suficientes para desenvolver a

indústria, pelas facilidades de importação e pelo precário dinamismo do mercado interno. Desta

forma, o domínio oligárquico assegura o fortalecimento econômico do grupo ligado ao café,

principal produto da época, através da política de valorização do café. A política de valorização

do café transforma-se no principal domínio da burguesia sobre toda a máquina do Estado (Nagle,

1976, p.12).

Empecilhos de diferentes ordens foram enfrentados na luta pela industrialização. Por

exemplo, a ideologia ruralista, reforçou o preconceito de que “o Brasil é um país essencialmente

agrário”. Essa concepção foi obra dos grupos cujos interesses estavam comprometidos com o

setor agrícola de base exportadora, ou seja, principalmente os produtores de café. Estes

empecilhos foram aos poucos superados, as indústrias iniciaram um processo de fortalecimento e

nos anos de 1920 a 1929, já podiam lutar mais abertamente no sentido da satisfação de suas

exigências.

Ainda na década dos anos 20, o país se envolve em um clima de efervescência ideológica

e de inquietação social, são perturbações causadas principalmente pelas campanhas presidenciais,

as lutas reivindicatórias do operariado e as pressões da burguesia industrial. O urbanismo e as

mudanças culturais formam novas perspectivas para pensar o “novo” Brasil. A necessidade de

pensar o “novo” para o país resulta do aceleramento da divisão social do trabalho, exigindo cada

vez mais especialização de funções que originam novas camadas sociais diferenciando as antigas

classes dominantes. Os valores burgueses avançam na sociedade brasileira, a ânsia de acumular

riquezas e conquistar o poder do país dominou o período republicano.

A efervescência ideológica e a inquietação social demonstram o desajustamento entre dois

conjuntos de relações sociais, as classes “residuais” e as classes “emergentes” (Paiva, 1985). Os

fazendeiros do café tornam-se empresários, surgem às novas classes ligadas a industrialização: a

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burguesia industrial, as camadas médias e o proletariado industrial. O processo imigratório -

elemento importante e impulsionador de alterações no setor social - continua de maneira

significativa durante a última década da Primeira República. Com a imigração, ideais

revolucionários pouco a pouco foram tomando conta da sociedade brasileira. As idéias

anarquistas, socialistas, positivistas vieram a se intensificar, especialmente com a implantação de

uma economia industrial, e com a primeira guerra. Tais ideologias e discursos republicanos

permaneciam enclausurados no fechado círculo das elites educadas.

Não é por acaso que Holanda (1995, p.160) afirma ser a democracia no Brasil um

lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-

la , onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido,

no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas.

Os movimentos aparentemente reformadores do Brasil partiram quase sempre de “cima

para baixo”: foram de inspiração intelectual, se assim pode-se dizer, tanto quanto “sentimental”.

“Nossa independência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa evolução

política vieram quase sempre de surpresa; a grande massa do povo recebeu-a com displicência,

ou hostilidade” (Holanda, 1995, p.160).

Todos, cada um de sua forma, defendia o envolvimento popular na vida política do Brasil,

pois tais idéias não podiam ser transmitidas através do discurso, inacessível a um público que em

1920, tinha uma população onde 75% era analfabeta. Para que a classe popular pudesse atender

as ideologias defendidas pelos intelectuais no Brasil algo deveria se feito: a instrução do povo.

Em suma, na nossa República, passado o momento inicial de esperança de expansão

democrática, consolidou-se sobre o mínimo possível de participação eleitoral, excluindo o

envolvimento popular no governo. O poder de votar era de poucos. Pobres, mendigos, mulheres,

menores de idade e os membros de ordens religiosas não tinham direito ao voto, ou seja, ficava

fora da sociedade política a grande maioria da população. Até 1902, o Brasil tinha 25 milhões de

habitantes e 400.000 eleitores, assim o privilégio de poder votar era da minoria. (Carvalho, 1987)

Apesar dos esforços, os resultados esperados da difusão do ensino através da

alfabetização, não corresponderam aos objetivos da burguesia. Entretanto, o entusiasmo pela

educação promoveu a instrução de muitos, foi o meio pelo qual a classe popular pode participar

ativamente da política brasileira, foi o grito de emancipação política, um grande passo na busca

pela democracia. A “miragem” da alfabetização do povo não é nada mais que a tentativa de se

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provar que todos os males do país ficariam resolvidos de um momento para o outro com a

difusão das escolas primárias e a alfabetização do povo.

AA EEDDUUCCAAÇÇÃÃOO EE OO EENNTTUUSSIIAASSMMOO PPEELLAA AATTUUAALLIIZZAAÇÇÃÃOO DDOO BBRRAASSIILL

No Brasil dos anos 1990 o uso do voto na eleição dos representantes não constitui mais

um problema nacional. Se na Primeira República, a emergência era colocar o Brasil no caminho

das grandes nações do mundo e formar o novo homem brasileiro. A grande questão apontada pelo

Presidente Fernando Henrique Cardoso é de atualização do país para inserção no mundo

globalizado. Percebemos nas mensagens da política educacional, exigências de preparação do

“homem competente”, “solidário”, o “autônomo”.

As afirmações da importância e urgência da educação como prioridade nacional2

conduzem ao artigo 87 da LDB. Este institui o Plano Nacional de Educação, com diretrizes e

metas para dez anos seguintes. O parágrafo dois deixa claro que “o Poder Público deverá

recensear os educandos no ensino fundamental, com especial atenção para os grupos de 7 a 14 e

de 15 a 16 anos de idade” deixando em segundo plano grande parte da população, especialmente

os jovens e adultos fora desta faixa etária.3 Existe uma atenção maior do Poder Público para com

o ensino fundamental. 4

Definir com prioridade a educação fundamental e a década da educação indica a não

2 Na nomeada Constituição cidadã de 1988 a educação é vista como “direito de todos e dever do Estado” visando o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho”. Para isto a nova Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional apresenta como objetivo desenvolver a capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo na tentativa de formar este “cidadão” e qualificá-lo para o trabalho. Ver: Art. 205 da Constituição da República Federativa do Brasil, publicada no Diário Oficial da União nº 191-A, de 5 de Outubro de 1988. 3 A modalidade EJA (Educação de Jovens Adultos), não está integrada ao ensino fundamental. 4 LDB nº 9.394/96 Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.§ 1º. É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino fundamental em ciclos.§ 2º. Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino.§ 3º. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.§ 4º. O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizada como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais.

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concretização da educação popular. De acordo com o IBGE, temos pelo censo 2000, 73,2% de

analfabetos na faixa etária acima de 15 anos numa população de 174. 822.507 habitantes5.

A questão da educação popular escapa aos blocos do poder local e encontra-se ligada às

políticas de globalização. Na ótica global, descuidar da melhoria do desenvolvimento do ensino,

equivale a condenar o país ao desenvolvimento e dependência eterna. É nesta perspectiva que o

Ministério da Educação tem desenvolvido projetos, com o auxílio do Banco Mundial na tentativa

de melhoria da "qualidade" do ensino. Contudo, as agências internacionais, assim como, o

próprio Banco Mundial pressionam o país a produzir resultados (Tommasi, 1996). Premidos pela

ânsia de apresentar números e cumprir metas, o Governo Federal, tem investido a todo custo, em

programas em prol da alfabetização no Brasil. A educação torna-se campanha eleitoral de 1998 para a Presidência da República do atual

presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi uma das cinco metas consideradas fundamentais para

o desenvolvimento do país. Neste quadro, a educação não se apresenta como instrumento de

ascensão, mas assumi o papel de “redentora” da nação, no sentido de tirar o Brasil da situação

atual: um país cada vez mais dependente de agentes externos para se sustentar. 6

Tal fato corresponde à continuidade de perspectiva do governo de Fernando Henrique

Cardoso. No primeiro governo, que tem inicio em 1995, é reservado para a educação escolar o

papel de ser a “mola propulsora do desenvolvimento”. Representa a condição de “base para o uso

eficiente de novas tecnologias bem como adoção de novas formas de organização do trabalho”,

ou mesmo como investimento estratégico para garantir o desenvolvimento econômico e pela

cidadania” (Lesbaupin, 1999).

A característica mais marcante da educação como meta prioritária da proposta é o de

destaque para o papel econômico da educação, enquanto base de um novo estilo de

desenvolvimento, como expressa um dos objetivos. Segundo Fernando Henrique Cardoso a

educação é hoje “requisito para o pleno exercício da cidadania como para o desempenho de

atividades cotidianas, para a inserção no mercado de trabalho e para o desenvolvimento

econômico, e elemento essencial para tornar a sociedade mais justa, solidária e integrada”

5 Fonte: IBGE - PNAD 1994 e Censo Demográfico 2000. Cálculo efetuado por MEC/INEP. 6 Como continuidade da proposta de governo - Mãos à obra Brasil - o atual presidente lança o Avança Brasil, visando à reeleição. A educação se encontra em dois dos quatro objetivos da proposta: a) Promover o crescimento econômico sustentado, a geração de empregos e de oportunidades de renda, b) Eliminar a fome, combater a pobreza e a exclusão social, melhorar a distribuição de renda (Cardoso, 1998, p.55,143).

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(Cardoso, p.107-108).

Desta forma, o sistema educacional brasileiro direciona seus componentes curriculares e

sua estrutura organizacional para aumentar o número mínimo de escolarização. Inicia-se assim, a

ampla utilização dos meios de comunicação de massa para divulgação das políticas educacionais

implementadas, os programas de capacitação dos professores do ensino fundamental, em grande

parte dos estados, a requalificação de dirigentes escolares, etc.

As mensagens de atualização do governo são ancoradas em símbolos e imagens que

lembram os signos do progresso e do que é considerado como moderno no Brasil. Neste sentido

retomamos o sentido da miragem na luta pela alfabetização e do entusiasmo pela educação.

Situamos então este trabalho na diferença entre a política e o “fazer da política”. A política como

criação social e histórica é a atividade por excelência da instituição global da sociedade (Arendt,

1993, p.34). Diferentemente da política assim compreendida, o « fazer da política » se dá no

espaço dos interesse contraditórios, dos acordos e dos compromissos datados. A imagem social

do “fazer da política” sugere-a como um campo social privilegiado para os negócios obscuros, os

acordos clandestinos e de negação da autonomia (Silva, 2001).

O sentido do entusiasmo é próprio do discurso ordinário da política. O discurso ordinário

da política é o discurso da certeza das medidas tomadas pelo poder central. Centrado no futuro

ele é um discurso que propaga a boa nova, da esperança em mudanças e, do progresso. É um

discurso profético e oracular, o qual divulga numa visão antecipada um acontecimento. Nas suas

mensagens, especialmente quando em campanha, o homem da política trabalha com a idéia da

certeza das decisões tomadas como corretas (Silva, 2000).

As mensagens entusiásticas evocam imagens e sentidos evocados - ancorados na memória

coletiva. Nos situamos dentro de um conjunto de significações que entrelaçam imagens

socialmente construídas. Desta forma justificamos a reedição do entusiasmo pela educação. O

trabalho do homem político encarnado pelo Presidente representa o salvador. É graças ao

salvador e através dele que são partilhadas emoções, fervores e esperanças (Giradet, 1986, p.95).

O mito do salvador, por exemplo, é representado pelo trabalho sério do Presidente em relação ao

plano real. È o período da floração, afirma entusiasticamente o Presidente eleito no seu discurso

de pose em 1995: “aproveitamos do retorno da liberdade, as condições internacionais se

mostram favoráveis e não mais nos sufoca o peso da dívida externa”.

O discurso ordinário explicita um tipo de diferenciação, posta como necessária à formação

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do cidadão, baseado em um sistema competitivo e em novas formas de gestão e de trabalho. O

uso do conceito de cidadania nos discursos atuais faz alusão a um projeto de autonomia do sujeito

relacionado com as novas formas de gestão e de participação do cidadão, da escola no controle

financeiro.

O entusiasmo pela educação no projeto educativo atual é sustentado em dois eixos

discursivos: 1. A necessidade de uma “visão realista” conduz aos discurso pela “moralização do

público” e substituição do princípio igualitário pelo princípio da “eqüidade social”. 2. O eixo da

“liberdade/cooperação” conduz aos discursos de progresso pela solidariedade social de acordo

com o desenvolvimento da globalização. A afirmação dos mitos reencontra os apelos ordinários

com o slogan da “comunidade solidária” (Silva, 2000).

Estes aspectos transformam o discurso da "educação e cidadania" em um discurso de

dupla entrada para o Estado contemporâneo. De um lado, a substância de uma cidadania centrada

no indivíduo, constituirá o ponto de partida do papel deste Estado, como equalizador das

diferenças. Este é o contexto dos apelos de uma sociedade solidária. Por outro lado, a

supervalorização do indivíduo retoma a substância igualitária, substituindo-a de acordo com as

necessidades do “fazer da política”. Estas questões corresponderiam à supervalorização do

individualismo contemporâneo, e, de uma dimensão positiva, pois, a partir das demandas dos

grupos e dos movimentos começa a aparecer uma maior consciência do respeito à individualidade

das pessoas.

Na perspectiva do progresso social proposta pelo governo o conceito de « educação e

cidadania » poderia ser associado a imagem de um «camaleão»: adotando as cores ditadas pelas

circunstâncias dos espaços políticos e econômicos globais e locais. Pensamos que a opacidade

dos discursos esconde mais que revela as implicações dos sujeitos/cidadãos no « fazer da

política ». Este é o um eixo para compreensão e resignificação do entusiasmo pela educação.

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