Envelhecer na metrópole

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Pesquisa FAPESP - Ed. 87

Transcript of Envelhecer na metrópole

Projeto Genoma do Eucaliptoo""'" \,' /.• ~ Ib,. " '41, !~ ~

•Eucalyptus GenomeProject Consortium

OPORTUNIDADEANÁLISE DO BANCO FORESTS

• OBJETIVO

Consórcio de empresas do setor florestal convida PESQUISADORES a analisarem bancode seqüências de genes expressos (ESTs) de Eucalipto com vistas ao estabelecimento deparcerias de inovação tecnológica,

• HISTÓRICO

O Projeto FORESTS é fruto do Programa de Inovação Tecnológica em Empresas (PITE)da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e foi desenvolvi-do em parceria pelo grupo de Genomas da Agricultura e Meio-Ambiente (AEG), queagrega instituições de pesquisa do Estado, e pelo consórcio das empresas Duratex S/A,Ripasa S/A Celulose e Papel, Suzano e Votorantim Celulose e Papel.O projeto resultou no seqüenciamento de 120.000 ESTs de eucalipto, isolados de váriostecidos vegetais submetidos a diferentes condições ambientais, e na organização de umdos maiores bancos de genes de uma espécie arbórea da atualidade em nível mundial.Desta forma, dando continuidade ao projeto, o Consórcio convida pesquisadores inte-ressados em analisar o referido banco conforme instruções a seguir.

• APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS DE ANÁLISE DO BANCO

Pesquisadores interessados em analisar o banco de dados FORESTS deverão submeteruma proposta concisa, no máximo de duas páginas, contendo objetivos, possíveis apli-cações tecnológicas das análises, descrição da equipe de trabalho e sümula curriculardos pesquisadores principais. As propostas deverão ser encaminhadas via e-mail [email protected] até o dia 30 de maio de 2003.

• EXECUÇÃO DAS ANÁLISES

As propostas serão avaliadas pelo Consórcio num prazo máximo de 30 dias após o encer-ramento das inscrições. Mediante aprovação, serão concedidas senhas de acesso ao bancoaos pesquisadores, que deverão assinar termo de confidencialidade. Não haverá contra-partida financeira por parte do Consórcio ou da FAPESP para a execução das análises.As análises deverão ser concluídas num prazo máximo de 6 meses. Os pesquisadores deve-rão apresentar relatórios bimensais de atividades e uma apresentação oral de seus resulta-dos e de suas perspectivas em um workshop cuja data será anunciada oportunamente.O Consórcio prevê o estabelecimento de parcerias para o desenvolvimento de projetos deinovação tecnológica com pesquisadores que apresentem propostas de relevãncia para osetor florestal com base em resultados de suas análises.

111r-ripasa ~SUZANO

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www.revistapesquisa.fapesp.br

SEÇÕES

CARTAS 5

CARTA DO EDITOR 7

OPINIÃO 9MEMÓRIA 10Com apenas 20 anos, Oswaldo Cruzpublicava seu primeiro trabalho

ESTRATÉGIASTecnologia contra a fome 12Exército dos EUA e a biotecnologia 12Patrimônio roubado no Iraque 12Fuga da estação antártica 13Genoma humano está mapeado 13Polêmica divide britânicos 13

Mais verba para P&D na Índia 14Otan reduz apoio à ciência 14Ciência na web 14Amazonas organiza sistema de C&T 15Coleção reúne imortais 15Acordo amplia intercâmbio 15Um olhar sobre o design brasileiro 16Site da FAPESP de cara nova 16Cooperaçãotecnológica 16Novo instituto oceanográfico 17Estímulo franco-brasileiro ..........•... 17Novidadesno Programa Prossiga 17Inpa promove cultura indígena 17

LABORATÓRIOO Sol, um pouco mais quente 28

Ciência e Tecnologia no Brasil

REPORTAGENS

CAPAQuem são e comovivem os idososde São Paulo 32

POLÍTICA CIENTÍFICAE TECNOLÓGICA

LEGISLAÇÃO

Pesquisadores queremrever regras que limitam acessoao patrimônio genético 18

GENÔMICABovinos da raça neloreterão DNA seqüenciado 22

IMUNOBIOLÓGICOSFábrica de vacinas contraa gripe vai gerar economiade R$ 94 milhões anuais ..... 24

COOPERAÇÃOItamaraty instala centro paraapoiar políticas de C&T 27

CIÊNCIA

GEOLOGIAMarcas em rochas mostramque geleiras cobriram o Nordestehá 300 milhões de anos 40

ECOLOGIAContaminação de riospor petróleo na Amazôniaameaça peixescom respiração aérea 44

BIOQUÍMICADescobertas sobre proteínaimportante na formaçãodo cérebro viabilizamacordo com multinacional .... 46

BIOFÍSICA

Equipe carioca mostra comoos impulsos nervosos se propagame explica o mecanismode ação dos anestésicos 50

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 3

•___________ --..,;;P;,.......e.;:...,,;s~quJ!!ia Ciência e Tecnologia no Brasil

SEÇÕES

Nova base para drogas anti-H IV 28Equação explica as formas da natureza 28Férias fazem bem ao coração 29Luz perde velocidade 29O mais antigo deus andino 29Fertilizantes naturais 29Músculos feitos de nanotubos de carbono 30

Menstruação reduz plaquetas no sangue 30Baratas ampliam risco de asma 30O estado atual da paisagem 31

SCIELO NOTÍCIAS 62

LINHA DE PRODUÇÃOPneus viram óleo combustível 64

Polímeros com um toque de silício 64Mistura para toda obra 64Sensor alimentado por fluido corporal 65DVD para TV de alta definição 65Prumo vai ao Nordeste 65Programas para gerenciar rodovias 65FAPESP recebe roya/ties por patente 66Buriti na construção civil 66Menos riscos no processo produtivo 67Patentes 67

RESENHA 94História da Cidadania, Jaime Pinskye Carla Bassanezi Pinsky (orqanizadores)

LANÇAMENTOS 95

CLASSIFICADOS 96

ARTE FINAL 98Claudius

4 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

GENÉTICA

REPORTAGENS

AMBIENTE

Nova técnica bloqueia produçãode proteína em abelhase acena com aplicaçõesmais abrangentes 54

FÍSICAModelo matemático descrevea competição entre as moléculasque permitiu o surgimentodos seres vivos na Terra 58

TECNOLOGIA

AGRONOMIAEmpresa de Piracicaba produze exporta insetos paracombater pragas agrícolas .... 68

SOFTWARE

Lingüistas e engenheiros daUnicamp formulamsistema de fala do computadorcom jeito brasileiro 72

QUÍMICAUSP desvenda, em estudopioneiro, composição químicada cachaça, a mais popularbebida brasileira 74

BIOMATERIAISNovos cimentos e membranasodontológicas representameconomia nasrestaurações e implantes ..... 78

Portões serão instaladosno fundo do Mar Adriáticopara tentar salvar Venezadas enchentes 80

HUMANIDADES

ENTREVISTA

Eleito para a AcademiaBrasileira de Letras,Alfredo Bosi reafirma crençano poder do lirismo 82

SOCIOLOGIA

Estudo analisa adificuldade dos profissionaisdo Direito de seremindependentes e, ao mesmotempo, servir ao Estado 88

MOVIMENTO CULTURALTese esmiúçaa história da composiçãoatonal brasileira 91

Capa: Hélio de AlmeidaFotos: Juca Martins/Olhar Imagem (idoso),Miguel Boyayan (fundo)

Queimadas

Parabéns pela reportagem "Som-bras sobre a Floresta", publicada naedição 86 desta revista. Sugiro agoraque seja feito o mesmo em relação àsqueimadas dos canaviais do Estadode São Paulo. Um bom ponto de par-tida para tanto é o livro de DanielBertoli Gonçalves, A Regulamentaçãodas Queimadas e asMudanças nos Ca-naviais Paulistas, cuja publicação pelaRiMa Editora, de São Carlos, no anode 2002 foi apoiada pela FAPESP.

TAMÃS SZMRECSÃNYI

Instituto de Geociências -Universidade Estadual de Campinas

Campinas, SP

Música

Parabéns pela belíssima edição nv86. Para a equipe de estudo da CadeiaProdutiva da Economia da Músicafoi uma honra a publicação da repor-tagem ''A Beleza que Põe a Mesa",bem escrita por Renata Saraiva.

LUlZ CARLOS PRESTES FILHO

Coordenador do estudo CadeiaProdutiva da Economia da Música

Rio de Janeiro, RJ

Cobertura abrangente

Gostaria de agradecer pela ótimareportagem sobre o nosso trabalhopublicada no n= 86 de Pesquisa FA-PESP ("A Pressão da Vida Moder-na"). A forma como esse artigo saiuacabou sendo muito especial paramim. Primeiramente fico muito felizpelo espaço tão amplo para apresen-tar o nosso trabalho na revista. Afi-nal, não é todo o dia que uma pesqui-sa feita aqui no Rio, na UFRJ, aparececom tamanho destaque em uma publi-cação sobre pesquisa em São Paulo.Com tantos projetos em andamentoem São Paulo, nos deixa orgulhosospoder mostrar nosso trabalho e abrirum espaço de divulgação entre osnossos colegas paulistas. Esse núme-

Resposta do editor:Agradecemos os comentários.Apro-

veitamos a oportunidade, contudo, pa-ra informar que a cobertura de Pes-quisa FAPESP refere-se a produçãode ciência e tecnologia no país. A re-vista publica normalmente reporta-gens sobre projetos de pesquisa reali-zados nos demais estados brasileiros,e não apenas em São Paulo, desde ocomeço de 2002.

Revista

Recebo a revista há seis anos,mais precisamente desde o número19, quando tomei contato com asprimeiras publicações, impressas empapel muito diferente - na realidade,um informativo. Inicialmente essapublicação foi muito importantepara meu trabalho de mestrado.Atualmente atuo na área de produ-ção de material didático para o ensi-no fundamental e a revista proporci-ona um trabalho imprescindível aoensino: aproximar o trabalho acadê-mico e científico do ensino escolar.

ANDRESSA BOUGIAN

Londrina - PR

Água

Li o artigo publicado em PesquisaFAPESP (edição nv 83) "Águas Con-troladas': de autoria de Dinorah Ere-no. Como engenheiro naval da Mari-nha, trabalhei durante vários anos deminha carreira na Diretoria de Co-municações e Eletrônica em projetosde desenvolvimento de sistemas e fa-bricação de equipamentos no país.Com relação ao Sistema de Monito-ramento de Água em Tempo Real -Smart, citado na reportagem, embo-ra tenha conhecimento de sistemassimilares, já em operação no país, se-diados em plataformas fixas ou embóias (caso dos sistemas operando naLagoa Rodrigo de Freitas, no Rio, nasrepresas Billings,Guarapiranga e Taia-çupeba, em São Paulo, e em outros

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 5

[email protected]

ro também é especial porque nele háduas outras reportagens sobre aAmazônia, uma sobre as queimadas("Sombras sobre a Floresta"), quetambém afetam as populações huma-nas com as quais trabalhamos, e umaoutra sobre o censo dos animais doPará ameaçados de extinção ("Prote-ção à Biodiversidade"), realizada pelaConservation International e peloMuseu Paranaense Emilio Goeldi(MPEG). Eu sou paraense, iniciei mi-nha carreira como bolsista de inicia-ção científica no MPEG e trabalheilá até sair para a pós-graduação nosEstados Unidos. Considero o MPEGminha alma matter cientifica. Há ~in-da um outro fato que faz esse núme-ro de Pesquisa FAPESP especial paramim. Nele há um artigo sobre o ma-pa da Carste de Lagoa Santa, feito pelogrupo do Walter Neves. O Walter foio meu primeiro orientador, aindaem Belérn, quando organizamos oNúcleo de Biologia Humana, o pri-meiro desse tipo na Amazônia, na dé-cada de 1980, no MPEG. Temos con-tinuado a trabalhar juntos em algunsprojetos e ele tem um capítulo no livroque devemos lançar este ano sobre opovoamento das Américas. O Walteré um dos cientistas mais competen-tes e exigentes que já conheci, e medeixa especialmente contente estarlado a lado com ele na mesma revista.

HILTON P. SILVA

Museu Nacional/UFRJRio de Janeiro, RJ

lugares), chamou-me a atenção o fatode o sistema desenvolvido no InstitutoInternacional de Ecologia (IIE) estarutilizando uma plataforma flutuantede pequeno porte, a ser ancorada noslocais em que se deseja medir a qua-lidade da água, e a utilização de umasonda móvel automatizada. Ora, a con-fiabilidade do sistema, a ser calculadapara as condições mais desfavoráveis,depende de todos os seus elementos,quer eletrônicos, quer mecânicos. Sur-giram-me algumas dúvidas, razão daminha presente consulta:

Gostaria de saber se houve algumteste de flutuabilidade em laboratóri-os específicos ou experimentação decampo para verificar o comporta-mento da plataforma em grandes re-servatórios e outros locais, onde épossível a ocorrência de ventos fortese ondas de grande repetição e relati-vo porte. Em suma, se a resistência daplataforma foi verificada para essascondições. Embora não esteja clara-mente indicado, acredito que o siste-ma de movimentação da sonda sejacomandado por um motor elétrico.Se for o caso, gostaria de saber asnormas e testes feitos nesse subsiste-ma, pois é de amplo conhecimento,na literatura e na prática, que os sis-temas desse tipo se constituem pon-tos críticos para os projetos navais.Por fim, considerando que a plata-forma sofre deslocamentos laterais,ocasionados pelos ventos e correntes,gostaria de saber da existência de al-gum sistema de orientação para osensor de direção do vento, sem oqual essa informação seria apenasaproximada. Mais uma vez, parabénsao professor e sua equipe pelo proje-to do sistema. Gostaria de enfatizar aminha sincera intenção de cooperarcom o aperfeiçoamento desse impor-tante trabalho.

CÉSAR MOACIR BASTOS CARDOSO

Rio de Janeiro, RJ

Resposta de José Galizia Tundisi,coordenador do projeto PIPE/FAPESP:

1) Houve experimentação de cam-po e testes para verificar se a platafor-ma resistiria a condições adversas. Oatual formato e a flutuabilidade do sis-tema já são conseqüência desses testes.

6 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

A plataforma funciona muito bem emcondições de vento e ondas fortes. Ostestes foram feitos em represa, em localaberto e bastante ventilado, com ven-tos oscilando entre O e 20-25 km/h.Não testamos a plataforma ainda emcondições marinhas, o que poderá serfeito mais adiante;

2) A estação climatológica tem umsistema de orientação para posicionaros sensores em função da direção dosventos;

3) O sistema elétrico para movi-mentação vertical dos sensores foi bas-tante testado e, afora alguns problemasiniciais já resolvidos, também se mos-trou satisfatório.

Em resumo, a plataforma resiste acondições adversas em represas degrande e pequeno porte, tem sistemade orientação embutido na estação cli-matológica. É necessário testar no mar;o que faremos em futuro próximo. Aplataforma já está em funcionamentoem condições de campo há oito meses etem funcionado regularmente. Agra-deço a atenção e o apoio.

Muriquis

Sou graduando em Ciências Bio-lógicas na Universidade Federal doMaranhão. Quero parabenizar Pes-quisa FAPESP, a qual assinei recente-mente, pela excelente reportagem so-bre "Macacos Quase Falantes" (ediçãonv 85), que mostrou aspectos docomportamento social dos muriquis,como a capacidade de se comunica-rem utilizando sons que se aproxi-mam das vogais e consoantes produ-zidos por nós, humanos. Torna-semuito importante o conhecimento

sobre a ecologia da fauna, principal-mente aquela ameaçada de extinçãocomo é o caso desses primatas. Querotambém sugerir que vocês editem al-guma reportagem sobre ecologia delagartos, pois existem grandes pesqui-sadores aí no Sudeste (por exemplo,Carlos F. D. Rocha; Monique VanSluys) que desenvolvem trabalhos ci-entíficos nessa área.

JERRIANE OLNEIRA GOMES

São Luís,MA

Propriedade intelectual

Sempre leio a versão on-line darevista Pesquisa FAPESP e fiquei mui-to espantado e feliz por saber do pro-gresso feito pelos pesquisadores daFundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)com relação à doença de Chagas,principalmente no que diz respeito acubebina, composto testado e compotencial ação antichagásica. Gostariade enfatizar minha satisfação em sa-ber do relatado progresso e, princi-palmente, enaltecer a atitude de van-guarda demonstrada ao se patentear apresente inovação. É preciso que setome consciência do papel da pesqui-sa científica como meio de conquistada soberania e independência de umpaís! Sem mais, subscrevo-me agra-decendo a atenção.

FELlPE SEMAAN

Escolade Farmácia e Odontologia deAlfenas (EFOA/CEUFE)

Alfenas,MG

Correções

A foto do cofre do Banco do Bra-sil na sua primeira sede em São Pau-lo, página 107 de Pesquisa FAPESp,edição nv 85, está invertida.

Na foto à página 6 do suplemen-to especial Dupla Hélice - 50 Anos,que circulou com a edição nO86, Ia-mes Watson está à esquerda e FrancisCrick, à direita.

Cartas para esta revista devem ser enviadas parao e-rnail [email protected], pelo fax (l l) 3838-4181ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP,CEP 05468-901. As cartas poderão serresumidas por motivo de espaço e clareza.

Pesquisa CARTA DO EDITOR

Retratos sem retoqueFAPESP

CARLOS VOGTPRESIDENTE

PAULO EOUAROO OE ABREU MACHAOOvleE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIORAOILSON AVANSI OE ABREU, ALAIN FLORENT STEMPFER,

CARLOS HENRIQUE OE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT,FERNANOO VASCO LEÇA 00 NASCIMENTO,

HERMANN WEVER, JOSE JOBSON OE ANORAOE ARRUOA,MARCOS MACARI, NILSON OIAS VI EIRA JUNIOR,

PAULO EDUAROO OE ABREU MACHAOO,RICAROO RENZO BRENTANI, VAHAN AGOPYAN

CONSELHO TECNICO-AOMINISTRATIVOFRANCISCO ROMEU LANOI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. OE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

JOSE FERNANOO PEREZOIRETORCIENTiFICO

Envelhecer é, certamente, uma ex-periência complexa. E não ape-nas pela redução gradativa do vi-

gor, da agilidade normal do adulto, nãoapenas pelo comprometimento progres-sivo das funções vitais do organismo, pe-las doenças freqüentes, e dramáticas mu-danças na aparência física. É que, paraalém de tudo isso, constitui os subter-râneos dessa experiência e nela emergecomo sombra sobre o rolar do tempo,às vezes sutil, às vezes espessa, mais per-cebida por uns e deliberadamente olvi-dada por outros, a angústia da finitude- a consciência da morte como devir reale próximo. Se isso não impede as sensa-ções de prazer, o riso e sentimentos po-sitivos, como a alegria, neles contudose imiscui, conferindo à velhice sua faceparticular, seu humor próprio.

Essa experiência pode ser rica, podeser fecunda. E, sobretudo, pode ser vi-vida de forma mais difícil ou mais fácil,na dependência, em grande parte, darealidade social em que se inserem osidosos. Isso fica evidente na reporta-gem de capa desta edição, a partir dapágina 32, sobre um extenso estudo quemostra como vivem e qual o estado desaúde dos habitantes do município deSão Paulo na faixa etária a partir dos 60anos. O contingente de qua~ 1 mi-lhão de idosos que vivem na capitalpaulista - analisado por uma amostrade 2.143 pessoas - corresponde a pou-co mais de 9% de sua população.Conforme relata o repórter especialMarcos Pivetta, sua idade média é de69 anos, há nesse contingente 60% demulheres, 20% de pessoas que jamaisforam à escola, 60% que estudarammenos de sete anos e 87% do total fa-zendo uso de algum medicamento. Hámuitos outros números no estudo, maso principal indicativo de que as condi-ções sociais têm forte impacto sobre aexperiência individual do envelheceraparece nesse dado que articula educa-ção e saúde: 65% dos idosos sem esco-laridade classificam sua saúde comoruim ou má, resultado que se situa dezpontos percentuais acima daquele ob-tido no total da amostra. E mais: a ocor-rência de problemas cognitivos, como

perda de memória e raciocínio, apre-sentou-se em 17% dos que nunca fre-qüentaram a escola, em 5% dos que es-tudaram por até sete anos e em 1% dosque estudaram por mais de sete anos.

Na reportagem sobre os idosos, sub-jaz, sem dúvida, a idéia de tempo, quemais visível vai se impor em outros tex-tos desta edição - não com as sonorida-des afetivas e a carga filosófica que oconceito com freqüência traz, mas des-dobrando-se em medidas objetivas a quediferentes manejos científicos o subme-tem. Assim, encontramos o tempo longodas transformações geológicas na re-portagem sobre uma pesquisa que pro-va que houve uma glaciação no Nor-deste brasileiro. O sertão nordestino, hojemarcado pelos mandacarus, pelas secase calor intenso, estava há cerca de 300milhões de anos, relata o repórter Fran-cisco Bicudo (página 40), coberto por ge-leiras. E deparamos com um tempo in-finitamente mais longo no texto sobre agênese do DNA, em que o editor CarlosFioravanti apresenta (página 58) o mo-delo matemático que reconstitui a com-petição entre moléculas da qual emergiuvencedor o DNA, há prováveis 4,5 bi-lhões de anos.

Depois desse mergulho num passadotão remoto, vale olhar o presente maispalpável e o futuro. Chamamos atenção,por exemplo, para a reportagem de Di-norah Ereno sobre a empresa que produze exporta insetos destinados a comba-ter pragas agrícolas (página 68). E, parafinalizar, destaque para a notícia sobreo começo do projeto do genoma bovino,que envolve simultaneamente seqüen-ciamento genético e análise funcional(página 22). Financiado em parceria pelaCentral Bela Vista Genética Bovina eFAPESP, o projeto será iniciado nestemês, o que mostra que o país está an-dando rápido nessa área - para efeitode comparação, registre-se que o Insti-tuto Nacional de Pesquisa do GenomaHumano, dos Estados Unidos, anunciouque seu projeto de seqüenciamentocompleto do genoma bovino terá iní-cio provavelmente em setembro.

PESQUISA FAPESP

CON5ElHDEOITORIAlANTONIO CECHELll DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRAZANOTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTrNHO,FRANCISCO ROMEU LANOI, JOAQUIM J. OE CAMARGO

ENGLER, JOSÉ FERNANOO PEREZ, Luis NUNESOE OLIVEIRA, LUIZ HENRIQUE LOPES OOS SANTOS,

PAULA MONTERO, ROGÉRIO MENEGHINI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELOSON MARCOllN

EOITORASfNIORMARIA OA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTEHELIO OE ALMEroA

EDITORESCARLOS FlORAVANTr ICIÊNCIA)CLAUOIA IZIQUE (POLlTlCAC&Tl

MARCOS OE OLIVEIRA mCNOlOGIA)HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON UNE!

REPÓRTER ESPECIALMARCOS PIVETTA

EDITORES-ASSISTENTESOINORAH ERENO, RICAROO ZORZETTO

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA OOS SANTOS

DIAGRAMAÇAOJOSE ROBERTO MEOOA, LUCIANA FACCHINI

FOTóGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEl BOYAYAN

COLABORADORESALESSANORO GRECCO, BRAZ, CLAUOIUS, OEBORA CRIVELLARO,

FRANCISCO BICUOO, GIL PINHEIRO,JORGE COTRIN, JOSE ÂNGELO SANTrLlI, LAURABEATRIZ,

PAULO GUILHERME <ON-L1NEl,RINALDO GAMA, SAMUEl ANTENOR,

SI RIO J. B. CANÇADO, THIAGO ROMERO (ON-lINE),TlAGO MARCONI, TERESA MALATlAN,

YURI VASCONCELOS

ASSINATURASTELETARGET

TEl. (11) 3038-1434 - FAX: un 3038-1418e-mail: [email protected]

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NÚMEROS ATRASADOSTEl. (111 3038-143B

Os artigos assinados não refletemnecessariamente a opinião da FAPfSP

É PROI8IOA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIALOE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA OA CI~NCIA TECNOLOGIAE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

MARlLUCE MOURA - DIRETORA DE REDAÇÃO

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 7

PROGRAMA DE PESQUISAS EM POLÍTICAS PÚBLICAS

6° EDITAL

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP torna público que estão abertasas inscrições para apresentação de pré-projetos de pesquisa no âmbito do Programa de Pesquisas em Polí-ticas Públicas. O prazo para apresentação de pré-projetos é 30 de maio de 2003.

CARACTERÍSTICAS DO PROGRAMAA FAPESP propõe-se a apoiar projetos de pesquisa aplicada que visem à produção e sistematização de

conhecimentos relevantes para a definição e implementação de políticas públicas de significativa impor-tância social, a serem realizados em parceria com instituições governamentais ou não, responsáveis por seutraçado e execução. Embora a demanda individual possa ser acolhida, o Programa dará prioridade a pro-jetos cooperativos, que reúnam grupos de especialistas, de modo a garantir o maior alcance e a melhor co-ordenação das questões a serem pesquisadas.

Segundo os termos dessa parceria, a FAPESP será responsável pelo financiamento das atividades de pes-quisa e também pela participação no projeto de técnicos alocáveis na instituição parceira, segundo as nor-mas usuais e na forma de bolsas. Por seu lado, a instituição parceira deverá, desde o princípio, demonstrarconcretamente seu interesse no projeto, participando de sua concepção e assumindo formalmente o com-promisso de participar de sua execução e de viabilizar a implementação de seus resultados. Esse compro-misso institucional será um importante item na avaliação da proposta.

OBJETIVOS DO PROGRAMAA FAPESP propõe-se a apoiar pesquisas interdisciplinares que tenham como objetivo:• a produção de diagnósticos que identifiquem obstáculos e dificuldades enfrentados na área de ação so-

cial do poder público, estadual ou municipal, de modo a permitir a formulação de políticas que respondama necessidades sociais existentes no Estado de São Paulo;

• a produção de análises sobre formas de gestão originais e políticas públicas inovadoras, que subsi-diem a formulação de políticas públicas criativas e adequadas ao Estado de São Paulo;

• a elaboração de metodologias padronizadas e acessíveis de avaliação de políticas públicas, inclusivemediante a transferência de tecnologias apropriadas;

• a sistematização, disseminação, avaliação e balanço dos trabalhos-acadêmicos que acumularam conhe-cimento nas áreas de atuação pertinentes às políticas públicas, bem como a divulgação das experiências pas-sadas bem-sucedidas.

APRESENTAÇÃO DE PROPOSTASCada proposta deve ser apresentada por um coordenador, necessariamente um pesquisador com de-

monstrada capacidade de liderança e expressiva experiência na área de conhecimento em questão. Deve serdescrita a equipe executora, formada, preferencialemnte, por pesquisadores experimentados. O projeto,com características de pesquisa aplicada, deverá contar com uma contrapartida da instituição parceira, pú-blica ou privada (distinta da do coordenador), interessada no desenvolvimento da pesquisa. Entende-secomo contrapartida o compromisso da instituição parceira na capacitação de uma equipe destinada a par-ticipar do projeto e na execução da proposta.

A proposta deverá descrever:a) a experiência da equipe no campo de pesquisa em que se insere o projeto;b) as atividades de pesquisa a serem desenvolvidas no âmbito do projeto;c) as formas de participação da instituição parceira na definição dos objetivos e na execução do proje-

to, e o grau de viabilidade da implementação de seus resultados por essa instituição.

PRÉ-PROJETOSOs pré-projetos considerados conformes aos objetivos visados pela FAPESP serão convidados a apre-

sentar para avaliação, em prazo a ser oportunamente estipulado, propostas detalhadas.

Veja a íntegra do edital e informações adicionais 110 site:http://www.fapesp.br

OPINIÃO

VLADIMIR JESUS TRAVA AIROLDI

Uma vitória do espírito empreendedor

Nem tudo foi fácil, mas o risco valeu a pena

"A Clorovaleé a primeira

empresaa pagarroya/tiespara a

FAPESP"

Uma das principais frentes de alcance da tecnolo-gia de alto valor agregado, que aproximam o se-tor acadêmico do setor produtivo nos países

desenvolvidos, são os programas de inovação tecnoló-gica. No Brasil, eles começam a mostrar sua força,como, por exemplo, O Programa de Inovação Tecnoló-gica em Pequenas Empresas (PIPE) idealizado pela FA-PESP.A empresa Clorovale participoudesse programa, concluiu pesquisas,desenvolveu e industrializou dispositi-vos em diamante sintético (diamante-CVD), tornando-se a primeira indús-tria do mundo a fabricar e vender, comesse material, pontas odontológicasacopladas a aparelhos de ultra-som emsubstituição às tradicionais de rotação.Com isso, ela é a primeira empresa apagar royalties à FAPESP (veja nota napágina 66), que financiou as pesquisase a patente. Para os pesquisadores, issosignifica uma vitória do espírito em-preendedor de uma equipe que assu-miu o risco do erro com uma imensavontade de acertar.

Porém, nem tudo foi fácil. Sãoimensas as dificuldades que um pesqui-sador-empreendedor enfrenta, não ape-nas para garantir financeiramente oprojeto, mas para superar os entraves burocráticos quedificultam o caminho do empreendedorismo aliado àalta tecnologia. A exemplo da equipe fundadora da Clo-rovale, em grande parte oriunda do Instituto Nacionalde Pesquisas Espaciais (Inpe), a atividade empreendedo-ra necessita ir além das atividades acadêmicas. Hoje, essaprática não possui facilidades que garantam a continui-dade do projeto empresarial sem perda do vínculo coma instituição precursora da pesquisa. Para isso, se faz ne-cessário a melhoria ou a criação de novas maneiras deavaliar a razão custo-benefício da produção científica etecnológica, incluindo o importante meio de ligaçãodesseprocesso que é a indústria com inovação.

Para minimizar tais dificuldades, a implantação doprojeto da Lei da Inovação, idealizado pelo Ministériode Ciência e Tecnologia (MCT), apresentado e discutidocom a comunidade científica e tecnológica, já é um bom

começo. Ela trará para o país a prática da criação de em-pregos qualificados em setores onde predomina a im-portação de produtos industrializados e de alta tecnolo-gia. Também vai permitir que um pesquisador possa serempreendedor sem perder o vínculo com a instituição.

Criar essa cultura no país, sabemos, é uma tarefa di-fícil, mas plenamente possível. Para exemplificar, pode-

mos citar as etapas pelo qual o projetodiamante-CVD, iniciado no Inpe, pas-sou até alcançar o mercado. Elaboradopara buscar aplicações espaciais, o pro-jeto mostrou também a possibilidadede fazer caminhar, paralelamente, ou-tras aplicações de alto valor agregadoque pudessem alcançar o mercado des-de que a razão custo-benefício fosse de-vidamente justificável. Visualizou-se,então, as brocas odontológicas componta de diamante-CVD, onde o con-sumidor direto seria o dentista, umaclasse já habituada com inovação, em-bora, em grande parte, importada. Umavez demonstrada a viabilidade técnica,várias empresas da área odontológicaforam contatadas a fim de se buscar aindustrialização. Entretanto, não houveêxito. Dessa forma, a saída foi criar umempreendimento que, com a ajuda do

PIPE, estudou a viabilidade técnica e econômica e efe-tuou a transferência da tecnologia do Inpe. Depois de-senvolveu o processo de produção e, por fim, com a aju-da de financiamento da Financiadora de Estudos eProjetos (Finep), dentro do Programa Inovar, foi possí-vel desenvolver o marketing adequado e o início das res-pectivas vendas de um produto inédito no mundo. Comisso,a administração da empresa precisou se tornar mui-to dinâmica, exigindo conhecimento sobre a gestão dosnegócios, o que levou os dirigentes a buscar auxílio emum curso de Master Business Administration (MBA),propiciando um aprendizado gerencial de diferentesformas de abordagem da indústria com inovação.

VLADIMIR JESUS TRAVA AlROLDI é pesquisador do Inpee fundador da Clorovale

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 9

-

o sanitarista no Instituto Pasteur, Paris, em 1897: primeiro brasileiro a estudar e estagiar na instituição

Um início promissort 1

I,

Com apenas20 anos,Oswaldo Cruzpublicava seuprimeiro trabalho

NELDSON MARCOLIN

Cruz com outrospesquisadores em

Manguinhos. Aofundo, o castelinho

em construção

10 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Osanitarista OswaldoCruz viveu apenas44 anos, mas

aproveitou cada instantepara aprender e participarativamente da vida do país.A começar pela tese com aqual se doutorou, aos 20anos. No final do século19, os candidatos a médicomatriculavam-se nos raroscursos disponíveis e tinhamde preparar, escrever edefender uma tese paraserem aprovados ao finalde seis anos. Paulista deSão Luís de Paraitinga,mas criado no Rio deJaneiro, Cruz decidiu-sepela medicina aos 14 anos.Aos 20 estava formado,sabendo exatamente o quequeria fazer da vida."Desde o primeiro dia quenos foi facultado admiraro panorama encantadorque se divisa quando secoloca os olhos na ocularde um microscópio (...)enraizou-seem nossoespírito a idéia de queos nossos esforçosintelectuais d' ora emdiante convergiriam paraque nos instruíssemos, nosespecializássemos n'umaciência que se apoiassena microscopia", afirmaOswaldo Cruz noprimeiro parágrafo da teseA Veiculação Microbianapela Água, defendida em 8de novembro de 1892 naFaculdade de Medicina doRio e publicada há 110anos. No mesmo trabalho,o patrono da FundaçãoOswaldo Cruz e dosanitarismo brasileiroapresentava um aparelhoinventado por ele paracoletar água do solo coma menor contaminaçãopossível,uma alternativaa máquinas estrangeiras

Cruz (ao centro, sentado) com cientistas na Casa de Chá de Manguinhos.Também sentados, Carlos Chagas (2° da esq. para a dir.> e Adolpho Lutz (o 5u)

DISSERTAÇAoCadeira de Hygiene e mesotogte

A TlllICULAçIO IlCROBIAlIA PILAS AGUAZ

PROPOSIÇOESorr. .obre eada oade1ra da PMulcWle

THESE

FACULDADE DE MEDICINA DO RIO DE JANEIRO

OSWALDO GONÇALVES CRUZ

RIO DE] ANEIROT__ ••.••'a.uu.I__ tt ••. l_ ••_ ••.•••••••••

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que ele considerava ruins.Foi só o começo de umatrajetória brilhante quecontou com a colaboraçãode uma nova geração decientistas, como CarlosChagas, Adolpho Lutz,Vital Brazil e Henrique daRocha Lima, entre outros.Cruz estudou no InstitutoPasteur (de 1896 a 1899),fundou o InstitutoSoroterápico (1900), futuroInstituto Oswaldo Cruz, etornou-se diretor-geral de

Saúde Pública (1903)aos 30 anos. Seu trabalhofoi fundamental emcampanhas para combateras epidemias da época.Neste ano, será possívelconhecer mais sobreo cientista. A FundaçãoBanco do Brasil,a Odebrecht e a Casa deOswaldo Cruz criaram umaexposição que percorrerámunicípios de todoo Brasil. Mais informações:cidadania [email protected].

Capa da tese (à esq.) echarge na revista francesa

Chanteclair, de 1911(acima): reconhecimento

internacional

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 11

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

• ESTRATÉGIAS MUNDO

Tecnologia contra a fome

Quatro empresas de bio-tecnologia agrícola - Mon-santo, DuPont, Syngenta eDow AgroSciences - vãocompartilhar sua experi-ência na produção de ali-mentos com a Fundação deTecnologia Agrícola Africa-na, que reúne cientistas

africanos. A Fundação deTecnologia quer identificaros principais problemasenfrentados pelos produ-tores do continente e, paraisso, pediu ajuda às empre-sas. A entidade, que temsede em Nairóbi, no Quê-nia, e é patrocionada pela

Fundação Rockfeller, bus-ca novas tecnologias deprodução de alimentospara resolver o problemada fome de 190 milhões deafricanos na região subsa-ariana. A seca e as pragas sãoas principais dificuldadesidentifica das na produção

agrícola africana e a expe-riência dessas empresas nodesenvolvimento de se-mentes geneticamente mo-dificadas podem ajudar osprodutores a enfrentar ad-versidades, aposta Gor-don Conway, presidente daFundação Rockfeller. •

• Exército dos EUAe a biotecnologia

• Patrimônioroubado no Iraque

co está particularmente preo-cupada com o saque ao Mu-seu Nacional de Bagdá que seseguiu à queda do regime deSaddam Hússein. O MuseuNacional, que abrigava mi-lhares de artefatos da antigaMesopotâmia, ficou pratica-mente vazio e a BibliotecaNacional, onde estavam osexemplares mais antigos do

Alcorão, foi incendiada. Entreas peças que desapareceramestá um vaso de 2 metros dealtura da cidade suméria deUruk e a harpa de ouro de Ur,assim como alguns dos pri-meiros registros escritos. Paraa arqueóloga Eleanor Robson,da Escola Britânica de Ar-queologia no Iraque, ligada àUniversidade de Oxford, a pi-lhagem do museu é um dosmaiores crimes contra o pa-trimônio cultural da História,comparável a destruição dabiblioteca de Alexandria, noséculo 5, e a de Bagdá pelosmongóis, em 1258. "Em am-bas as ocasiões o patrimônioda humanidade foi destruídosubstancialmente", ela disse.Segundo a antropóloga, algu-mas peças furtadas já come-çam a aparecer na Europa."Foram roubadas sob enco-menda", denuncia. O secretá-

O Exército dos EUA quer re-correr à pesquisa biotecno-lógica para incrementar ashabilidades de futuros solda-dos. A instituição convidougrupos de três universidadesa formar parcerias com a in-dústria a fim de criar umInstituto de BiotecnologiaColaborativa, que receberiaUS$ 37 milhões em cincoanos para pesquisa básica.Sensores para armas quími-cas e biológicas e novos dis-positivos médicos são algu-mas das inovações esperadas.No passado, o Exército foicriticado por sua forma delidar com tais esquemas. Vin-te e cinco universidades de-monstraram interesse no no-vo instituto, de acordo com arevista Nature. •

A Organização das NaçõesUnidas para a Educação,Ciência e Cultura (Unesco)vai enviar uma missão comespecialistas em arqueologiae patrimônio histórico aoIraque para avaliar o estragocausado pela guerra. A Unes-

12 . MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

cia está disponível gratuita-mente em bancos de dadosabertos para cientistas que,segundo se afirma, estão re-gistrando mais de 120 mil vi-sitas ao dia. O projeto teveinício em 1990, com previsãode durar 15 anos, a um cus-to de US$ 3 bilhões. Foi con-cluído em menos de 13 anose custou US$ 2,7 bilhões. Opróximo passo é aplicar essenovo conhecimento. FrancisCollins, diretor do InstitutoNacional de Pesquisa do Ge-noma Humano, a principalagência do National Instituteof Health, prevê revoluções nasáreas de biologia, medicina ena própria sociedade. •

rio geral da Organização dasNações Unidas (ONU), KofiAnnan, pediu aos outros paí-ses para apoiar a Unesco eimpedir o comércio dos obje-tos roubados. •

• Fuga da estaçãoantártica

Treze tripulantes da base depesquisa Vostok chegaramao Observatório Mirny, nacosta da Antártida, em mea-dos de março, cansados ecom frio. A base Vostok, on-de trabalham, ficou sem com-bustível e suprimentos e aequipe foi forçada a levarseus caminhões dos tempossoviéticos em uma jornadade 1.400 quilômetros poruma das mais frias regiõesda Terra. Vostok, que ficapróximo ao pólo geomagné-tico sul, foi abandonada em28 de fevereiro, depois de omau tempo ter impedido achegada de um comboio comcombustível e suprimentos.Valery Lukin, do Instituto dePesquisas Árticas e Antárti-cas, em São Petersburgo, dizque as viagens à base fica-ram comprometidas desdeque um navio de suprimen-tos ficou preso no gelo aotentar chegar a Mirny, noano passado. A mesma equi-pe está escalada para reabrira base, no início de novem-bro, começo da primaveraantártica. Lukin diz que aproposta de um projeto in-ternacional para perfurar 4quilômetros de gelo dentrodo Lago Vostok não seráafetada. Biólogos suspeitamque o lago, isolado por mi-lhões de anos, pode contervida. A base fechou três ou-tras vezes em 45 anos dehistória, sendo duas na dé-cada passada. Lukin nega in-sinuações de que a culpa es-teja na falta de dinheiro dogoverno. •

• Genoma humanoestá mapeado

o mapa do código genéticohumano com precisão de99,99%. A façanha, eles di-zem, inaugura uma nova erapara a biologia e a medicinaem todo o mundo. A seqüên-

Um consórcio internacionalde cientistas anunciou nodia 14 de abril ter concluído

Polêmica divide britânicos

nhou aceitação e os entre-vistados relataram maior féno sistema regulatório. Olevantamento foi encomen-dado pela Coalizão para oProgresso Médico, que re-presenta agências de finan-ciamento, instituições decaridade e empresas envol-vidas em pesquisa médica.Ainda há trabalho de co-municação a ser feito como público. Quando solicita-dos a apontar um animalmais comum ente utilizadoem experimentos, 2% dosentrevistados sugeriram "ca-valo» e 12% consideraraminaceitável o uso de bactériasnas pesquisas (Nature, 20 de

março). Enquanto isso, emDublin, na Irlanda, protes-tos forçaram o cancelamen-to de uma conferência paratécnicos que trabalham comcobaias, promovida peloInstituto de Tecnologia Ani-mal, que deveria aconte-cer no mês de abril. Algunsmembros do instituto tra-balham no Huntingdon LifeSciences, uma instalação detestes com animais que teveseu fechamento pedido emprotestos de um grupo cha-mado Stop HuntingdonAnimal Cruelty. Um porta-voz do instituto diz que ocongresso ocorrerá aindaeste ano em outro local. •

Boas notícias para quemdefende o uso de animais empesquisa medicinal: a opi-nião pública britânica podeestar mudando. A empresaMori, do Reino Unido, es-pecialista em pesquisa deopinião, perguntou se expe-riências com animais eramsempre, às vezes ou nuncajustificadas, e classificou asrespostas de +1 a -1, res-pectivamente. No caso depesquisas sobre doençascomo Aids, a média saltoude 0,08 em 1999 para 0,29em 2002. O uso de animaisem estudos de outras doen-ças mórbidas e em pesquisabiológica básica também ga-

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 13

US$ 3,1 bilhões para a ciência: aumento de 9,5%

• Mais verba paraP&D na Índia

A comunidade científica daÍndia não tem do que recla-mar. O governo daquele paísanunciou recentemente umaumento de 9,5% nas verbasdestinadas à área de Pesquisa& Desenvolvimento (Nature, 6de março). Com o reajuste, osetor terá um orçamento parao ano fiscal, que se iniciou em10 de abril, de US$ 3,1 bilhões.A elevação dos gastos comciência e tecnologia surpreen-deu muita gente. Afinal, a Ín-dia no ano passado já haviaacrescido em 25% os investi-mentos em P&D e, como aeconomia nacional passa porum momento de desaqueci-mento, poucos pesquisadoresesperavam um novo aporteextra de dinheiro para a áreano período 2003/2004. Apesardas dificuldades, que o leva-ram a dar um aperto geral nosgastos, o governo manteve suaaposta nos grupos de pesqui-sa. Por meio de sucessivos au-mentos de verba para o setor,os indianos esperam dobrar oorçamento de P&D até 2007.Hoje, o país investe 1,1% doPIE em C&T. A meta é, daquia quatro anos, chegar a 2%.•

14 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

• Otan reduzapoio a ciência

A Organização do Tratado doAtlântico Norte (Otan) vai re-duzir seu pequeno mas muitorespeitado Programa de Ciên-cia e incorporá-lo a seu depar-tamento de relações públicas.A divisão científica da Otan,criada em 1958, apoiou pes-quisas civis e militares de altaqualidade (Nature, 20 de mar-ço). Desde o fim da GuerraFria concentrou-se em apoiarparcerias com cientistas de es-tados recém-incorporados daEuropa Central e dos 22 "paí-ses parceiros" no Leste Euro-peu e Ásia Central. De 2002para 2003, no entanto, o or-çamento do programa caiude US$ 23 milhões para US$20 milhões, e no próximo anoesse dinheiro será incorporadopelo Departamento de Infor-mação e Imprensa. A iniciativapreocupa alguns pesquisado-res, que temem o esquecimen-to do programa. "A situaçãoparece estável para o próximoano, mas não estou muito oti-mista sobre o futuro", dizCharles Buys, da Universida-de de Groningen, que repre-senta a Holanda no Comitêde Ciência da Otan. •

Ciência na webEnvie sua sugestão de site científico para

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www.black-science.comlSite busca implementar a inovaçãotecnológica com iniciativas não-governamentaise parcerias no mundo africano.

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http://www.stats.orglPortal Stats mostra órgãos da grande imprensafazendo uso imprudente de números globais sobreciência, economia, política, etc.

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webs.ono.comlusrOl21electron5000/Programação para 2003 sobre turismo cientificoda Animaciencia, entidade espanhola dedicadaao fomento e à divulgação da ciência e tecnologia.

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• ESTRATÉGIAS BRASIL

o governo do Amazonasestá implementando o sis-tema estadual de ciência etecnologia. A área de ciên-cia e tecnologia, até entãovinculada à Secretaria deDesenvolvimento Econômi-co, ganhou pasta própria ea Fundação de Amparo àPesquisa do Amazonas (Fa-peam), criada por decretode 1989, entrou, finalmente,em operação. A nova Secre-taria da Ciência e Tecnolo-gia (Sect) vai estabelecer asprioridades de pesquisa daregião, "aglutinando as prio-ridades definidas pelos go-vernos federal e estadual, dasuniversidades federais e es-taduais da região e dos ins-titutos de pesquisa': explicaMarilene Corrêa, recém-em-possada no comando da se-

e parasitárias são a terceiraprioridade da Sect. "Somosuma área de endemias e epi-demias enorme e estamosinteressados em investir napesquisa da malária. O Hos-pital Tropical de Medicina,o escritório da Fiocruz noAmazonas, e o próprio Inpajá são referências nacionaisno estudo da malária e de-verão contribuir para refor-çar a pesquisa local", prevê.A quarta linha de atuaçãoda secretaria será na inte-gração da ciência e tecnolo-gia às políticas de geraçãode emprego e renda desen-volvidas no Pólo Industrialde Manaus (PIM). "Quere-mos ampliar a potenciali-dade do PIM em relaçãoà empregabilidade", afirmaMarilene. •

Amazonas organiza sistema de C& T

• Coleção reúneimortais

A editora Odysseus lança estemês mais seis títulos da cole-ção Imortais da Ciência: oslivros Watson&Crick - a His-tória da Descoberta da Estru-tura do DNA, assinado pelobiólogo molecular RicardoPereira; Kepler: a Descobertadas Leis do Movimento Pla-netário, escrito por RonaldRogério de Freitas Mourão:Hubble, a expansão do uni-verso,por Augusto Damineli;Pré-Socráticos, a invenção darazão, por Auterives MacielIúnior; Feynman/Gell-Mann,luz, quarks, ação, por RogérioRosenfeld. A coleção, com 18volumes, é coordenada pelo

cretaria. E a Fapeam, comum orçamento de R$ 15 mi-lhões neste ano, além dofomento de balcão, vai im-plementar, por meio de pro-jetos especiais, as escolhasestratégicas do governo es-tadual. De acordo com Ma-rilene, já estão definidasquatro linhas prioritárias deinvestigação. A primeira é ade capacitação da pesquisana área madeireira, ou não,com o objetivo de melhoraros níveis de habitação na re-gião. "A idéia é chegar a umprotótipo de uma casa po-pular decente, com maté-ria-prima local e com ca-pacidade de agregar valorao produto", explica Mari-Iene. A segunda prioridadeenglobará pesquisas de pro-dução de alevinos de pira-

físico Marcelo Gleiser e foilançada no final de 2002. Jáforam publicados 12 livros,entre eles, Darwin, por NelioBizo; Bohr, por Maria Cristi-na B. Abdalla; e Cruz & Cha-gas, por Moacyr Scliar. Tam-

Combate ao anófele

rucu, que pode abrir o mer-cado internacional para oproduto nacional. "Esses ale-vinos são produzidos comtecnologia muito cara nomercado internacional e nóstemos tecnologia desenvol-vida pelo Instituto de Pes-quisa da Amazônia (Inpa), enas universidades federal eestadual", ressalva Marile-ne. As doenças infecciosas

bém na' área de divulgaçãocientífica, em abril saiu ODNA, do jornalista MarceloLeite, lançada na esteira da co-memoração dos 50 anos dadescoberta da dupla hélice. Olivro faz parte da série Folha

Explica, que já editou 55 livrossobre várias áreas do conheci-mento. Leite é editor de Ciên-cia da Folha de S.Paulo. •

• Acordoamplia intercâmbio

Um acordo firmado entre asuniversidades Estadual deCampinas (Unicamp) e deBuenos Aires CUBA)vai per-mitir o intercâmbio de pes-quisadores das duas institui-ções. Os recursos para aviabilização do programa se-rão obtidos por meio de umconvênio entre a Unicamp eo Grupo Santander-Banes-pa, que, além de bolsas, vaicobrir as despesas de viagensdos participantes. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 15

Um olhar sobre o design brasileiroo projeto Objeto Brasil,criado em 1996 pelo Insti-tuto Uniemp para difundire promover o design na-cional, lançou o livro UmOlhar sobre o Design Brasi-leiro, organizado por JoiceJoppert Leal, diretora-exe-cutiva do projeto. O livromostra nas suas 252 páginas,as relações entre os artefa-tos populares e a sofistica-ção industrial e tecnológicado designo São 53 artigos emais de mil imagens de ob-jetos, do sofisticado produ-to industrial ao artesanato."É uma amostra do que oBrasil faz, cria e que podeexportar para outras cultu-ras" diz Joice. O livro é umaco-edição da Imprensa Ofi-cial do Estado de São Pau-

• Site da FAPESPde cara nova

A FAPESP,uma das primeirasinstituições a entrar na Inter-net, estreou uma nova estru-tura on-line no mesmo ende-reço: www.fapesp.br. O novosite traz conteúdo mais bemdistribuído, que permite oacesso imediato dos usuáriosa informações sobre bolsas,auxílios, programas de inova-ção tecnológica, programasespeciais, entre outras formasde apoio à pesquisa patroci-nadas pela FAPESP.O site traznovas seções, como Apoio aoUsuário, Notícias e Eventos,com informações atualizadassobre os serviços e novidadesda Fundação. Com layoutmoderno e apresentação dasprincipais áreas do site em

16 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Cartucho de papel para condicionar tempero

links, menu e submenus, ahomepage tem menos da me-tade do peso da anterior. En-tre as novidades está a ferra-menta de busca, que permiteaos usuários encontrar as in-formações em instantes. Onovo site da Fundação temversões em inglês e espanholfreqüentem ente atualiza das ecom a mesma estrutura dosite em português. •

• Cooperaçãotecnnlôqica

O Ministério da Ciência eTecnologia (MCT) e o gover-no do Estado de São Paulofirmaram um convênio decooperação na área de inova-ção tecnológica, apoio à pes-quisa e formação de recursoshumanos. Num encontro naSecretaria de Ciência, Tecno-

Novo sitefacilita oacesso ainformações

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Tecnol6glCl

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10, Instituto Uniemp eObjeto Brasil. Está sendotraduzido para seis idiomase será lançado durante amostra itinerante de 140peças brasileiras que o Ob-jeto Brasil fará por seis paí-ses europeus, nas cidadesde Lisboa, Londres, Paris,Frankfurt, Genebra e Ma-dri. Batizada com o nomeMarca Brasil- O Brasil comoMarca, a mostra inclui pro-dutos desenvolvidos a par-tir da reciclagem e reuti-lização de materiais nabusca de solução de tolerân-cia ambiental. A mostra jáfoi apresentada no PalazzoPamphili, sede da Embai-xada brasileira em Roma,na Itália, onde foi visitadapor 30 mil pessoas. •

logia, Desenvolvimento Eco-nômico e Turismo de SãoPaulo, representantes dos doisgovernos, das universidadespúblicas paulistas e institutosde pesquisa definiram açõesde trabalho que se iniciamem maio. Entre elas está acriação de um núcleo de ex-celência para apoiar os prin-cipais grupos de pesquisa dopaís. A FAPESP será respon-sável pela identificação dessesgrupos e o MCT vai buscarrecursos para o financiamen-to dos projetos. O MCT pro-meteu apoiar projetos de in-teresse do Estado de SãoPaulo, como os parques tec-nológicos, rede de Internetavançada (Tidia), implernen-tada pela FAPESP,e a rede re-gional de monitoramento doclima e recursos hídricos. •

• Novo institutooceanográfico

Foi inaugurado, no dia 10 deabril, o Instituto Oceanográ-fico de Santos (IOS), para odesenvolvimento de pesqui-sas sobre ecossistemas aquá-ticos, marinhos, litorâneos einsulares. Instalado no Cam-pus Ponta da Praia do Cen-tro Universitário Monte Ser-rat (Unimonte), o IOS já estádesenvolvendo uma série deprojetos como, por exemplo,o de verificação da sensibili-dade do litoral paulista dian-te da hipótese de acidentescom derramamento de pe-tróleo, desenvolvido em par-ceria com a Petrobras, alémde estudos para o estabeleci-mento de novos critérios debalneabilidade das praias dolitoral santista.

Inpa promove cultura indígenadoria está também realizan-do o levantamento das 180línguas indígenas de 42 po-vos da Amazônia brasileira.Criada em 1994, a COXTarticula atividades que inte-grem ciência e tecnologia epresta serviços às comuni-dades para gerar capacidadede mobilização para a solu-ção de problemas. •

O Instituto Nacional de Pes-quisas da Amazônia (Inpa),em parceria com a Associa-ção de Produção e CulturaIndígena Yakinõ,está promo-vendo uma série de exposi-ções do artesanato e produ-tos de 40 povos. A primeiraestá sendo realizada, até o dia25 de maio, no Paiol da Cul-tura, em Manaus, e reúne

desde artesanato até produ-tos alimentícios, como fari-nha d'água e óleo de baba-çu, entre outros. A mostra éparte do programa Desen-volvimento Participativo eInteração com Povos Indí-genas' implementado pelaCoordenadoria de Exten-são (COXT). Por meio des-se programa, a coordena-

• Estímulofranco-brasileiro

A FAPESP e a École NormaleSupérieure (ENS) firmaramacordo de cooperação perma-nente para estimular pesquisasem nível de doutorado e pós-doutorado. O acordo abran-ge todas as áreas do conheci-mento e envolve o conjuntode universidades e instituiçõ-es de pesquisa do Estado deSão Paulo. A ENS vai acolheranualmente doutorandos compesquisa numa das áreas deatuação de seus departamen-tos e laboratórios. Os candi-datos serão selecionados poruma comissão paritariamen-te formada por membros in-dicados pela FAPESP e ENS.A ENS acolherá apenas dou-torandos cuja estada na Fran-ça seja financiada por bolsabrasileira, seja da FAPESP,seja de qualquer outra agênciabrasileira e oferecerá aos bol-sistas alojamento, acesso a bi-bliotecas, laboratórios, cursose seminários, e uma co-tutela

para a orientação de tese. Emcontrapartida, alunos e ex-alu-nos da ENS com projeto detese de doutorado poderãorealizá-lo em São Paulo. Oacordo também beneficiarápesquis~dores brasileiros e

franceses que desejem reali-zar estágios de pós-doutora-mento na ENS ou em SãoPaulo, em 'moldes semelhan-tes ao programa de doutora-do. Para difundir o acordo eapoiar o funcionamento das

cormssoes paritárias, a ENSdeverá instalar, com o apoiodas autoridades diplomáticasfrancesas, um escritório derepresentação no Estado deSão Paulo. •

• Novidades noPrograma Prossiga

O Programa Prossiga colocouno ar o Portal de Arquiteturae Urbanismo, desenvolvidoem parceria com o Núcleo deDocumentação e a Escola deArquitetura e Urbanismo daUniversidade Federal Flumi-nense. O site (www.prossi-ga.br) está organizado em se-ções como Instituições eOrganizações e Fomento àPesquisa, entre outras. Pos-sui, ainda, um sistema debusca avançada para o acessoa assuntos específicos. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 17

nhecimento tradicional associado deações de biogrilagem - e, ao mesmotempo, cumprir determinações da Con-venção sobre a Biodiversidade Bio-lógica, da qual o Brasil é signatário -,a MP submeteu às mesmas regras efiscalização tanto a pesquisa científicacomo a exploração comercial.Além dis-so,conferiu a um único órgão - o CGEN,regulamentado pelo decreto 3.945, desetembro de 2001 - a competênciapara julgar projetos científicos, "sem,no entanto, dotá-lo de corpo técnico,científico ou de estrutura para analisarcentenas de processos", como diz Car-los Alfredo Ioly, coordenador do pro-grama Biota/FAPESP.Desde a sua ins-talação, o CGEN aprovou pouco maisde uma dezena de projetos e, de acor-do com Ioly, nenhum de pesquisa.

Aexigências da MP fizeramum verdadeiro estrago nasáreas do conhecimentoque envolvem coleta deativos da biodiversida-

de. "Todos os trabalhos de mestrado edoutorado que exigiam permissãopara pesquisa não puderam ser reali-zados, criando graves problemas nocumprimento de prazos fixados pelasdiversas agências de fomento", contaMiguel Trefaut Urbano Rodrigues, doInstituto de Biociências da Universi-dade de São Paulo (USP). Tambémcomprometeram o intercâmbio dematerial entre instituições científicasnacionais ou internacionais, já que a

Medida Provisória prevê que a remes-sa de componentes do patrimônio ge-nético siga as mesmas regras da autori-zação de pesquisa. A ciência brasileiratem pago caro por isso: o país nãotem, por exemplo, taxonomistas espe-cializados em vários grupos de orga-nismos, e é prática habitual entre zoo-lógos e botânicos enviar material paraser identificado por especialistas deoutros países. Pior: a interdição tevemão dupla. ''As instituições internaêio-

nais deixaram de emprestar espécimesbrasileiros depositados em seus acer-vos temendo que o material fosse con-fiscado", conta [oly, "Vivemos uma es-pécie de moratória branca", completaRodrigues.

Sob suspeita - A comunidade cien-tífica, representada pela SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência(SBPC) e o Ministério do Meio Am-biente (MMA), ao qual o CGEN está

A saga dos pesquisadores do CebridElisaldo Carlini, diretor do Cen-

tro Brasileiro de Informações sobreDrogas Psicotrópicas (Cebrid), daUniversidade Federal de São Paulo(Unifesp), aguardava uma autoriza-ção do CGEN para dar continuida-de ao projeto de investigação sobre afitofarmacopéia craô que vinha de-senvolvendo com o apoio da FAPESP,desde 1999. "Vamos esperar apenasaté 31 de abril': avisavaCarlini. A bió-loga Eliana Rodrigues já identificou164 espécies vegetais usadas pelospajés com fins medicinais, 138 dasquais podem ter potencial para atu-ar sobre o sistema nervoso central e

possibilidade de serem aproveitadasno desenvolvimento de novas drogas.Os pesquisadores responsáveis peloprojeto tinham acabado de cumprira última exigência do CGEN: envia-ram ao MMA uma listagem com to-dos os dados coletados na pesquisa,inclusive o nome e uso das plantas.Essa tarefa exigiu que os pesquisa-dores rompessem um compromis-so firmado com os índios craôs, demanter em sigilo o nome científicodas plantas e seu possível uso tera-pêutico. "Na última reunião com oMinistério Público, eles nos disse-ram que tínhamos que seguir a lei e

entregar tudo o que estava sendopedido", afirmou Carlini. Se a auto-rização for novamente adiada, eledesistirá do projeto. "Vamos coletarinformações sobre plantas do cerra-do e do Pantanal. Se necessário, fa-remos a pesquisa no Paraguai ou naBolívia."

A autorização do CGEN pode sero último obstáculo à pesquisa que fi-cou interrompida por dois anos. Asdivergências de interesses entre duasassociaçõesrepresentantes dos craôs -Vyty-Cati e a Kapey -, que acaba-ram por afastar os pesquisadores daCraolândia, foram superadas.

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ligado, tenta consertar o estrago. Nin-guém contesta a necessidade de umalegislação eficiente para proteger a bio-diversidade brasileira, a maior do pla-neta. "Mas, no caso da MP, há umequívoco no foco", observa José Ru-bens Pirani, do Instituto de Biociênci-as da USP. "A biopirataria não está nauniversidade ou no ambiente de pes-quisa. Nós, cientistas, temos endereçoe existência pública", afirma. ''A MPcolocou a ciência sob suspeita", com-pleta Ioly. De acordo com a moção depesquisadores do programa Biota/FA-PESP encaminhada à equipe do go-verno de transição no final do anopassado, "a pesquisa básica e funda-mental não pode ser limitada em razãode uma aplicação potencial incerta eimprevisível, a qual somente pode edeve ser regulada quando se configu-rar claramente".

Uma das principais críticas à Me-dida Provisória está no fato de ela tersido editada sem consulta ou debate

prévio com a comunidade científica.''AMP surpreendeu porque desde 1995tramitam na Câmara e nó Senadopelo menos três projetos de lei regu-lamentando o acesso ao patrimôniogenético. Esses projetos foram atrope-lados", avalia Ioly, Contesta-se tambéma competência do CGEN para definirregras para a pesquisa científica, já queas comunidades científicas, ambienta-listas e indígenas não estão represen-tadas no conselho.

A primeira medida da ministraMarina Silva na tentativa de encami-nhar uma solução para a tensão com acomunidade científica foi solicitar àSBPC a indicação de dois representan-tes para integrar o CGEN, como convi-dados. A área de Ciências Biológicasserá representada por Carlos AlfredoIoly, tendo como suplente Fábio deMello Senna, da USP de Ribeirão Preto.A SBPC aguardava resposta a um con-vite feito aos dois representantes daárea de humanas, de acordo com Glacy

Zancan, presidente da SBPC. Os novosmembros do conselho terão voz, masnão voto. "O voto depende de umanova legislação", ressalva João PauloCapobianco, secretário de Biodiversi-dade e Florestas, do MMA.

Câmara temática - Para mudar a atuallegislação existem dois caminhos: ouo governo apresenta um Projeto de Leide conversão da Medida Provisória,ou aprova uma nova lei mudando asregras do jogo. Segundo Capobiancoo MMA preferiu a segunda opção:apresentará propostas de emenda àLei de Acesso a Recursos Genéticos -originalmente de autoria da própriaministra -, já aprovada no Senado eque está pronta para ser debatida naCâmara. Para propor e analisar emen-das, o Ministério criou no CGEN umacâmara temática de legislação, com-posta por representantes do governo,organizações não-governamentais epor dois especialistas no assunto indi-cados pela SBPC. O projeto modifica-do será apresentado à Câmara dos De-putados, antes de retornar para novavotação no Senado. ''A expectativa éque a nova lei seja votada ainda nesteano", diz Capobianco.

A comunidade científica esperaque a nova lei diferencie a coleta dematerial genético para pesquisa cien-tífica do uso comercial da biodiversi-dade. Sugere, ainda, que a autorizaçãopara o acesso à biodiversidade seja feitapelas agências de fomento às quais fo-ram submetidos os projetos de pesqui-sa. "O CNPq, por exemplo, colocariamais um formulário para ser preen-chido no caso de a pesquisa envolverativos da biodiversidade e o pleito seriajulgado por seus assessores", detalhaIoly, Essa autorização não eximiria ospesquisadores de atender às exigên-cias e quesitos específicos de autoriza-ções para pesquisa e coleta em unida-des de conservação.

Caso surjam perspectivas de apli-cação tecnológica ou comercial no de-correr do projeto, seriam comunica-das à agência de fomento e ao CGEN."Essa idéia está sendo discutida", dizCapobianco. "Não podemos correr orisco de favorecer ações inadequadas.Já iniciamos discussão com o CNPq,via Ibama, para definir procedimen-tos e acelerar a aprovação de pesqui-sas científicas", adiantou. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 21

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GENÔMICA

A vezdo • Projeto inovador fará

seqüenciamento genéticoe análise funcionalsim uItaneamente

Aentral Bela Vista GenéticaBovina e a FAPESP finan-ciarão o projeto GenomaFuncional do Boi, a pri-meira iniciativa brasi-

leira na área. Desenvolvido no âmbitodo Programa Parceria para a Inovação

Tecnológica (PITE), o proje-to avança em relação aos

demais, já que reali-zará, simultanea-mente, o seqüen-ciamento genético ea sua análise fun-

cional com vistas emsua aplicação. O projeto

está focado nos animais daraça nelore, a mais importante da

bovino cultura brasileira, e tem comoobjetivo identificar genes bovinoscom potencial para utilização no de-senvolvimento de produtos e tecnolo-gias que possam ajudar a superar as li-mitações relacionadas ao crescimento,qualidade da carne, sanidade e eficiên-cia reprodutiva, que impedem umamaior competitividade da pecuárianacional.

O Genoma Funcional do Boiestá orçado em US$ 1 milhão, divi-dido entre a FAPESP e o parceiro pri-vado. Ele será desenvolvido pelospesquisadores do Programa GenomasAgronômicos e Ambientais (AEG), daFAPESP, responsáveis por 20 labora-tórios da Rede Onsa, um institutovirtual de genômica criado em 1997para desenvolver o primeiro projeto

brasileiro na área, o da bactéria Xylel-Ia fastidiosa.

Na fase de seqüenciamento genéti-co propriamente dito, serão utilizadostecidos bovinos da hipófise e do hi-potálamo, dos sistemas reprodutivos,imunológico e digestivo, além de teci-dos musculares adiposos, para a pro-dução de aproximadamente 100 milseqüências expressas (ESTs). Nesseperíodo, que se encerra entre seis esete meses, será formada uma biblio-teca de clones dos genes que serãoanalisados pela equipe de pesquisa-dores. A realização concomitante deprojetos de datamining e expressãogênica, visando a identificação e ano-tação de genes envolvidos em uma de-terminada função ou relacionados acaracterísticas de interesse econômi-co' deverá acelerar o desenvolvimentode novas tecnologias, além de forne-cer bases sólidas para o encaminha-mento de pedidos de patentes. O prazoprevisto para a conclusão do projeto éde 18 meses.

"Esse projeto nasce como umaoportunidade para pesquisadores dediversas áreas do conhecimento", afir-ma José Fernando Perez, diretor cien-tífico da FAPESP. As bibliotecas degenes estarão disponíveis aos pesqui-sadores que apresentarem projeto depesquisa de interesse científico ou tec-nológico. "No caso dos projetos tec-nológicos, as propostas serão aprecia-das no âmbito do PITE. Os demaisserão analisados dentro das linhas re-gulares de fomento", adianta Perez.

Falta de informações - "Pouco se sabesobre o genoma bovino de zebuínos';diz Luiz Lehmann Coutinho, do De-partamento de Zootecnia da EscolaSuperior de Agricultura Luiz de Quei-roz (Esalq), da Universidade de SãoPaulo (USP), coordenador do projeto.São raras as informações disponíveisno Gen Bank, banco internacional quedisponibiliza gratuitamente esses da-dos a pesquisadores de todo o mundo.Nos Estados Unidos, o Instituto Nacio-nal de Pesquisa do Genoma Humano(NHGRI) vai iniciar, provavelmenteem setembro, o seqüenciamento do ge-noma bovino. O projeto está orçadoem US$ 50 milhões, metade bancadopelo instituto e o restante obtido emoutras fontes. O governador do Texas,Rick Pery, reconhecendo que o proje-

to trará benefícios para a saúde huma-na e a indústria de biotecnologia, alémde ganhos enormes para a indústriade carnes e derivados, já anunciouque vai contribuir com US$ 10 mi-lhões nos próximos três anos. E aindavai ajudar a conseguir os US$ 15 mi-lhões que faltam para o início do pro-jeto. "O seqüenciamento completo dogenoma bovino é um esforço acadê-mico que visa importantes informa-ções de domínio público. Não é umprojeto de inovação tecnológica, mascertamente vai gerar informações va-liosas que vão complementar o nossoprojeto", diz Coutinho.

NoBrasil, uma das pou-. cas inciativas foi o pro-

jeto de doutoramentode Adilson Motta, pes-quisador da Empresa

Brasileira de Pesquisa Agropecuária(Embrapa), que seqüenciou genes daglândula mamária de gado de leite."Foi um esforço pontual", reconheceCoutinho. No ano passado, um con-sórcio reunindo a Embrapa, a Uni-versidade Estadual Paulista (Unesp)e a Esalq tentou obter recursos noMinistério de Ciência e Tecnologia(MCT) para o seqüenciamento do ge-noma bovino. "Mas o projeto não foiaprovado", lembra Coutinho.

Sabe-se que o genoma do boi temtamanho similar ao humano e de ou-tros mamíferos, com algo em torno de3 milhões de pares de bases: de acor-do com o NHGRI. Sua análise funcio-nal tem enorme potencial para au-mentar a produção e a segurança dosalimentos, como carne e leite, e aindapoderá ajudar os pesquisadores aaprender mais sobre o genoma huma-no. "Comparando o genoma humanoao de organismos diferentes, podemosentender melhor a estrutura e funçãode genes humanos e desenvolver no-vas estratégias na batalha contra doen-ças humanas", explica Francis S. Col-lins, diretor do NHGRI.

Mais produtividade - A Central BelaVista Genética Bovina investe em pes-quisas de melhoramento genético e daqualidade da carne, há mais de umadécada, sempre em parceria com uni-versidades. "Para um país como o Bra-sil, que detém um dos maiores reba-nhos bovinos do mundo, a pesquisa

científica e a tecnologia aplicada sãoextremamente importantes", diz Iove-lino Mineiro, presidente da CentralBela Vista. "A análise funcional do ge-noma bovino vai contribuir para su-perar as limitações relacionadas aocrescimento, à qualidade da carne, àsanidade e a eficiência reprodutiva dorebanho brasileiro", completa.

A genômica, na avaliação de JoséFernando Perez, abre novas perspec-tivas para a parceria entre a iniciativaprivada e o ambiente acadêmico. Al-guns projetos implementados pelaFAPESP já deixam claro as boas pers-pectivas de negócios da genômica. OFORESTS, por exemplo, está realizan-do o seqüenciamento e a análise fun-cional dos genes do eucalipto em par-ceria com a Duratex, Ripasa, Suzano eVotorantim Celulose e Papel, com oobjetivo de buscar mecanismos paraaumentar a produtividade do setor. "Agenômica também contribui para aformação de indústrias de biotecno-logia", diz, citando o exemplo da Ale-llyx, Scyla e Cana Vialis, empresas ges-tadas nos laboratórios de pesquisadas universidades e institutos de pes-quisas paulistas.

A pecuária representa 8,39% doProduto Interno Bruto (PIE). O Brasilé o segundo maior produtor mundialde bovinos, com um rebanho de 166,9milhões de animais, produção anualde 7,2 milhões de toneladas e expor-tações da ordem de US$ 1,05 bilhão.O rebanho é formado, majoritaria-mente, por animais da raça nelore eseus cruzamentos com raças euro-péias (Bos taurus). Os índices produ-tivos e reprodutivos do rebanho sãomuito baixos, comprometendo a com-petitividade da produção nacional nomercado globalizado. O setor tem in-vestido maciçamente em programasde melhoramento genético, aquisiçãode germoplasma importado (animaise sêmen) para programas de cruza-mento. Também se aposta no desen-volvimento de vacinas, medicamen-tos promotores de crescimento, numatentativa de minimizar as conseqüên-cias da baixa eficiência da produção.A genômica surge como uma oportu-nidade de geração de novas informa-ções que permitirão o desenvolvimen-to de novas tecnologias aplicáveis àprodução de bovinos, com grandesperspectivas comerciais. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 23

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

1M UNOBIOLÓGICOS

Rumo à auto-suficiênciaFábrica de vacinas contra

.. .a gnpe vai gerar economiade R$ 94 milhões anuais

OBrasil é auto-suficientena produção de vacinascontra o sarampo, difte-ria, tétano, coqueluche,caxumba, hepatite B,

meningite meningocócica A e C e febreamarela. E, até 2007, deverá estar pro-duzindo os 17 milhões de doses devacina utilizados no combate à gripe,atualmente importados do laboratóriofrancês Aventis, a um custo anual deR$ 94 milhões. O Ministério da Saúde,o governo paulista e a Fundação Butan-tan estão investindo R$ 52,2 milhõesna construção de uma fábrica de vaci-nas contra a gripe, que deverá começara operar em 2005. Além de suprir a de-manda nacional por esse tipo de medica-mento, o Ministério da Saúde tambémquer produzir, no próprio Instituto Bu-

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tantan, hemoderivados - como imuno-globulinas específicas, albumina e fatoresde coagulação - cuja importação conso-me, anualmente, US$ 150 milhões.

A correção da política nacional deimunobiológicos e vacinação, apoiadaem pesados investimentos na produ-ção nacional de imunoprofiláticos, foium dos poucos consensos na área daSaúde Pública forjados no país nos úl-timos 20 anos. O sucesso do ProgramaNacional de Imunização é inegável:nenhum caso de sarampo foi notifica-do nos últimos dois anos, e o númerode registros de outras doenças imuno-preveníveis, como a poliomielite, dif-teria, tétano, coqueluche, sarampo, ca-xumba, é o mais baixo de todos ostempos. E a aposta na auto-suficênciatem dado resultados. Isaias Raw, dire-

tor da Fundação Instituto Butantan,lembra que, há dez anos, o custo deimportação da vacina contra a Hepa-tite B era de US$ 24 cada dose, sendoque a vacina é ministrada em trêsdoses. "Hoje, a vacina é produzida nopaís, e as três doses custam em tornode US$ 1", compara Raw.

Outra marca registrada do modeloda política imunobiológica brasileira éa forte presença do setor público naprodução de vacinas. No início dosanos 80, laboratórios públicos - entreeles Instituto de Tecnologia em Imuno-biológicos, mais conhecido como Bio-Manguinhos, e o Instituto Butantan - eprivados dividiam a responsabilidadena produção de vacinas. "Alguns nãotinham economia de escala nem de-senvolvimento tecnológico. Quando o

Ministério da Saúde começou a exigirmelhoria na qualidade da produção, aSintex, uma empresa privada rnultina-cional, responsável por 80% da produ-ção de soros antiofídicos e vacinas noBrasil, abandonou a atividade e o paísteve problemas dramáticos para aten-der a demanda", conta Akira Homma,diretor do Bio-Manguinhos. Outros la-boratórios menores também encerra-ram suas atividades e houve problemascom fornecimento de vacinas. No casodo soro antiofídico, não havia sequer aalternativa de importar, já que o soro,produzido nos Estados Unidos, porexemplo, não protege contra mordidade cobras brasileiras, devido à especifi- .cidade de venenos de ofídios. Esse "de-sastre': como descreve Homma, foi omote para que o país criasse o Progra-ma Nacional de Auto-suficiência emImunobiologia, em 1982. Nos primei-ros dez anos, o Programa custou aoscofres públicos algo em torno de US$120 milhões, nas contas de Homma,mas consolidou a infra-estrutura deprodução de soros e vacinas no país."Estamos capacitados para produzirvacinas com tecnologia e preço ade-quados, todas testadas em seres huma-nos", diz Raw.

Bio-Manguinhos, vinculado ao Mi-nistério da Saúde, e o Instituto Butantan,ligado à Secretaria da Saúde do Estadode São Paulo, são atualmente responsá-

veis por 75% da produção nacional devacinas no país. Também integram osistema nacional de produção de imu-nológicos o Instituto Tecnológico doParaná (TecPar), mantido pelo governoparanaense, que produz vacina contraraiva, e a Fundação Ataulfo de Paiva,uma entidade privada sem fins lucrati-vos que, junto com o Instituto Butan-tan, é responsável pelo fornecimentodo BCG (bacilo de Calmett-Guerin),uma vacina contra tuberculose indica-da para crianças entre O e 4 anos.

~

esar dos bons resultados dapolítica para irnunobiológi-cos no país, o modelo deprodução pública de vaci-nas está em extinção no

resto de mundo, afirma Raw, que acu-mula o cargo de presidente de uma as-sociação de produtores de vacinas depaíses em desenvolvimento. Apenas aChina e Indonésia adotam estratégiasemelhante à brasileira. O grande obs-táculo para o setor público está no altocusto fixo da produção de vacinas, naexigência de economia de escala e nanecessidade constante de incorporaçãode novas tecnologias. "São cerca de dezanos para produzir uma vacina nova",contabiliza Raw. "É um investimentode risco. Tem que ter uma estratégia pe-sada", completa Homma. Ele estimaque governos e laboratórios privados

em todo o mundo invistam anualmen-te algo em torno de US$ 2 bilhões empesquisa e desenvolvimento de novasvacinas. Ao mesmo tempo em que tra-vam uma competição fantástica por tec-nologia - que resulta em investimentosde até 20% da receita em pesquisa e de-senvolvimento -, os grandes produto-res privados têm procurado centralizara produção em um ou dois países e, apartir dali, ganhar o mercado mundial.Mas nenhuma dessas fábricas está ins-talada em países em desenvolvimento,lembra o diretor de Bio- Manguinhos.Para esses países, a saída é produzir ouimportar. Além do alto custo de impor-tação de vacinas, a opção brasileira pelaauto-suficiência em imunobiologia le-vou em conta a instabilidade do merca-do produtor mundial. Homma conta,por exemplo, que, há quatro anos, osEstados Unidos têm dificuldades deatender a demanda de vacina como DTP(difteria, tétano e coqueluche) e a trí-plice viral, pois o laboratório responsá-vel por sua produção resolveu desativaressas linhas de produção, em função de"questões econômicas': de acordo comHomma. O Brasil também teve dificul-dades de importar o concentrado viralutilizado na produção da vacina contraa pólio, quando a Fundação Melinda eBill Gates injetou US$ 700 milhões noGlobal Alliance for Vacinnes and Immu-nization (GAVI), com um patrimôniode US$ 700 milhões, para comprar e for-necer vacinas para populações pobres."O Brasil foi forçado a investir nos la-boratórios públicos. Não dá para ficardependente de importação de enormesvolumes de insumos tão estratégicoscomo vacinas, o que tornaria o Progra-ma Nacional de Imunização muito vul-nerável aos humores do mercado", ar-gumenta Homma.

Produção eficiente - Os dois maiorescentros de produção de vacinas no paísdatam do início do século. Bio-Man-guinhos teve origem no Instituto Soro-terápico Federal - hoje Fundação Os-waldo Cruz (Fiocruz) - criado em 1900com o objetivo de desenvolver soros,vacinas virais e bacterianas, além deapoiar campanhas de saneamento capi-taneadas por Oswaldo Cruz. Produz,anualmente, 30 milhões de doses de va-cina contra a febre amarela, que, alémde abastecer o mercado nacional, supreas demandas internacionais da Organi-

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 25

1I zação Mundial da Saúde (OMS),

Organização Pan-americanada Saúde (OPAS) e Unicef. Issosem falar no apoio a programaspúblicos de países da AméricaLatina.

Utilizando t~cno-logia do Institu-to Biken, medi-ante acordo decooperação téc-

nica com o governo japonês,Bio-Manguinhos também pro-duz 10 milhões de doses de va-cina contra sarampo, que, embreve, será substituída pela trí-plice viral, que combaterá tam-bém a rubéola e a caxumba. Esegue processando concentrados viraisimportados para distribuir, anualmen-te, algo em torno de 47 milhões de do-ses de vacina contra a poliomielite.Desde 1976, graças a um acordo de co-operação com o Instituto Merieux, daFrança, Bio-Manguinhos está fabrican-do vacinas contra meningite meningo-cócica A e C. Outro acordo de transfe-rência tecnológica, desta vez com aSmithkline Beecham, permitiu a pro-dução de 2,5 milhões de doses contra aHaemophilus influenzae tipo b (Hib).Essa vacina será incorporada à vacinatríplice (DTP), contra difteria, tétano ecoqueluche, produzida pelo InstitutoButantan.

Instituto Butantan vai produzir vacinacontra o HPV (esferas vermelhas>

O Instituto Butantan foi criado em1901, com o nome de Instituto Serum-therápico, depois que um surto de pes-te bubônica se propagou no porto deSantos. Hoje, produz 200 milhões dedoses de vacinas por ano, entre elas atríplice (coqueluche, difteria e tétano),e uma vacina dupla, contra difteria e té-tano, utilizada na imunização de crian-ças e como reforço para a populaçãoadulta. "Nos últimos três anos, fizemos60 milhões de doses dessa vacina parapessoas acima de 60 anos': afirma Raw.Fabrica, ainda, a vacina contra hepatiteB e parte da BCG produzida na Funda-ção Ataulfo de Paiva. "Em breve, tam-bém teremos vacinas contra a meningi-

Vacinas gênicasA incorporação de novas tec-

nologias permite que o Brasil ca-minhe a passos largos também nadireção de vacinas gênicas. Pes-quisadores da Fiocruz estão tes-tando em camundongos uma va-cina gênica contra a dengue. Essemétodo consiste em copiar umtrecho do material genético do ví-rus e inseri-Io num plasmídeo -um fragmento de DNS que não sejunta aos cromossomos, mas queé capaz de provocar a produçãode uma proteína que, incorpora-da à célula, induzirá a produçãode uma proteína do vírus, que ati-vará o sistema de defesa do orga-nismo. Também estão adiantados

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os testes da vacina gênica contra atuberculose que está sendo desen-volvida na Faculdade de Medicinade Ribeirão Preto. E já estão isola-das as seqüências de proteínas dabactéria responsável por uma rea-ção do organismo que desencadeiaa febre reumática. Elas serão a basepara o desenvolvimento de umavacina contra infecções de gar-ganta causadas por esse micror-ganismo. O projeto reúne pesqui-sadores do Instituto do Coração(Incor) da Universidade de SãoPaulo, o Laboratório Teuto-Bra-sileiro e a FAPESP, no âmbito doPrograma para a Inovação Tec-nológica (PITE).

50 nm

te B, meningite B e C, pneumo-cocos e esquistossomose, pro-duzidas junto com a Fiocruz",adianta Raw. Outros projetosque estão em fase adiantadaincluem vacinas Pertussis celu-lar, recombinante contra pneu-mococos, combinada hepatite Be BCG para recém-nascidos emaiores de 60 anos. Isso sem fa-lar na vacina contra a gripe, quecomeçará a ser distribuída emdois anos. Ele adianta que, daquia cinco anos, quando todos osjovens já tiverem sido vacinadoscontra a hepatite tipo B, o insti-tuto dará início à produção devacinas contra o HPV, sigla eminglês para papiloma vírus hu-

mano, principal responsável pelo câncerde colo de útero. "As duas vacinas sãomuito parecidas" observaram.

Mas os planos do instituto vão maislonge. Raw conta que um grupo norte-americano está interessado em desen-volver uma vacina contra a leishma-niose e estaria disposto, como ele diz, afinanciar os ensaios clínicos que fica-riam sob a responsabilidade do Butan-tan. Mais: "Estamos negociando com oInstituto de Saúde Pública dos EstadosUnidos, que quer transferir para o Bu-tantan tecnologia de produção do rota-virus', revela. O instituto também par-ticipa de uma licitação do Unicef, novalor de US$ 9 milhões por ano, para operíodo de 2004 a 2006.

Malária e dengue - O Brasil já provouter capacitação para produzir vacina,num modelo de produção centrado nosetor público. Mas o grande desafio émanter o fôlego para incorporar novastecnologias. Na avaliação do diretor deBio-Manguinhos, é preciso investir emdesenvolvimento tecnológico com focoem alguns produtos. "Temos que apos-tar na malária e dengue (veja box)", su-gere Homma. Insiste que é fundamentalque o país invista pesado em pesquisaspara a geração de conhecimento para odesenvolvimento de novas tecnologias."Precisamos de massa crítica em desen-volvimento tecnológico", diz. Adiantaque Bio-Manguinhos, depois de criarum curso de mestrado profissionalem tecnologia de imunobiológicos, vaiimplantar um doutorado na área. "Semisso não se desenvolve novos produtos",conclui Homma. •

Estásendo implementado no estrutura de software desenvolvida no pela Financiadora de Estudos e Proje-Ministério das Relações Ex- Massachusetts Institute of Technology tos (Finep), lembra Ronan Coura Ivo,teriores (MRE), o Centro de (MIT) - operando em código aberto -, administrador da comunidade.Gestão Estratégica do Co- que está sendo testada no gerenciamen- Hoje, os principais parceiros nessenhecimento em Ciência e to de duas comunidades virtuais. A pri- debate são representantes dos rninisté-

Tecnologia (CGECon), com o objetivo meira comunidade, com cerca de 60 rio militares que têm larga experiênciade apoiar a formulação da política ex- membros, debate modelos de compen- na manutenção de acordos de Oft Set,terna brasileira em C&T no campo da sação tecnológica, comercial e indus- na importação e exportação de arma-cooperação internacional. O CGECon trial, conhecido como OftSete foi cria- mentos, aviões, entre outros. "Esses es-está vinculado ao Departamento de da em agosto do ano passado, num pecialistas têm a tarefa de capacitar di-Cooperação Científica, Técnica e Tec- seminário sobre o tema organizado plomatas na formulação de acordosnológica (DCT) do Itamara- ,- , N semelhantes': explica Lapa.ty, é subsidiado pelo Banco ~ O segundo grupo virtualInteramericano de Desen- analisa um tema ainda pou-volvimento (BID) e conta co explorado por produto-com a parceria do Programa res nacionais, o Ecodesign,das Nações Unidas para o que envolve a utilização deDesenvolvimento (PNUD). materiais com maior grau"O centro está voltado para de degradação. O tema foia reestruturação do sistema escolhido para atender a de-de informações em C&T no manda do mercado. As duasexterior", diz Cristian Lapa, comunidades virtuais sãoconsultor do projeto. administradas pelos partici-=----::::===-===--=--==O centro coordena uma pantes que definem as re-rede de 21 observatórios 10- gras e a política de acessocalizados em representações aos debates.diplomáticas brasileiras no O CGECon tambémexterior que funcionam co- acompanha a produçãomo "antenas" do panorama científica no país. Mantémtecnológico e das tendências '" um bolsista no Instituto dee mudanças em C&T. Essas PesquisasTecnológicas(IPT),informações,cotejadascom o em São Paulo, e apoiou a or-cenárioda pesquisa nacional, ganização do Brazilian Tech-permitem o monitoramento nological Day, realizado node "brechas tecnológicas" final de fevereiro, em Wa-que podem ser aproveitadas shington. O site do CGEConpelo governo brasileiro. (www.cgecon.mre.gov.br).

O CGECon também criado com o apoio de téc-atua como roteador de co- nicos do Ministério da Ciên-nhecimentos e informações, cia e Tecnologia (MCT),por meio da operação de co- oferece notícias de C&T,munidades virtuais integra- consulta a diversas basesdas por especialistas. Para de dados, videoconferência,tanto, conta com uma infra- entre outros serviços. •

• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

COOPERAÇÃO

Reforço para a diplomaciaItamaraty cria centropara monitorar tendênciasda inovação internacional

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 27

0501um pouco'mais quenteDesde 1978, a quantida-de de radiação emitidapelo sol em seus perío-dos de baixa atividadesobe em média 0,05%por década, de acordocom um índice publica-do em março pela Nasa,a agência espacial nor-te-americana. Nos últi-mos 24 anos, a radiaçãosolar teria assim contri-buído com um aumentode 0,1% para a elevaçãoda temperatura global."Se a tendência persistirdurante muitas décadas,o clima poderá mudarsignificativamente", dizRichard Willson, co-ordenador do estudo.Mas, como não existemlevantamentos anterio-res, ainda não é possívelsaber até que ponto osol do passado pode serresponsabilizado pelocalor do presente. •

• Nova base paradrogas anti-HIV

Michael Summers, da Uni-versidade de Maryland, Es-tados Unidos, identificou umgrupo decompostos que,em laboratório, mostraram-se capazes de intervir na mon-tagem do HIV, o vírus causa-dor da Aids. Essa descobertapode fundamentar o desen-volvimento de uma nova clas-se de potenciais drogas contraAids, os chamados inibidoresde montagem (assembly inhi-bitors), que dificultam a uniãode proteínas que formam ocapsídeo, uma estrutura emforma de cone que envolve oRNA viral. Embora não pa-rem o processo, esses inibido-res levam os vírus a produzircapsídeos defeituosos - e es-ses vírus anormais não infec-tam outras células, conforme

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relatado na edição on line de28 de março do [ournal ofMolecular Biology. Um dessescompostos, CAP-1, é bem to-lerado por células humanas,de acordo com os resultadosobtidos por Summers, que jáhavia solucionado as estrutu-ras de três proteínas impor-tantes do HIY. •

• Equação explica asformas da natureza

A superfórmula, nome que obelga Iohan Gielis, da Uni-versidade de Nijmegen, naHolanda, deu à sua surpreen-dente descoberta, faz tudo: detriângulos a pentágonos, deespirais a pétalas "Depois quea descobri, pensei: não é pos-sível que ninguém nunca te-nha imaginado isso antes",diz ele (Nature, 2 de abril).Foi só depois de muito con-

versar com matemáticos queele se convenceu de que, defato, tinha uma novidadenas mãos. A fórmula é umaversão modificada da equa-ção do círculo. Muda-se umtermo, e a proporção varia,transformando círculos emelipses. Mudam-se outros, e oque varia são os eixos de si-metria, transformando círcu-los em triângulos, quadrados,pentágonos e assim por dian-te. A variação da proporção eda simetria ao mesmo tempoproduz as mais diversas for-mas poliédricas, regulares ounão, além de estruturas tri-dimensionais e sólidos inani-mados, como flocos de neveou cristais. Há séculos, oscientistas sonham com uminstrumento capaz de tradu-zir em termos matemáticosformas naturais, como, porexemplo, uma folha, uma con-

cha ou um chifre de carneiro.Gielis está tão certo de que temo que eles querem, que já pa-tenteou sua superfórmula eagora quer transformá-Ia emprograma de computador. •

• Férias fazembem ao coração

Há sempre um workaholicdisposto a elogiar a abnegaçãodo trabalhador norte-ame-ricano, que tira, no máximo,dez dias de férias por ano. En-quanto isso, nos Estados Uni-dos, uma pesquisa sugere queo hábito da labuta ininter-rupta estraçalha os coraçõesdo país (Wall Street [ournal,27 de março). O estudo, queacompanhou durante noveanos um grupo de 12 mil ho-mens de meia-idade com pro-pensão para doenças coro-narianas, registrou um índicemaior de probabilidade demorte - por quaisquer causas,mas principalmente por ata-que cardíaco - entre os que nãotêm o hábito de tirar fériasregularmente. Também vaipor água abaixo a idéia de quepular férias seja uma escolhaespontânea de profissionaisconscientes: 67% dos norte-americanos declaram que pre-cisam urgentemente de umdescanso prolongado. •

• Luz perdevelocidade

Pesquisadores da Universida-de de Rochester, nos EstadosUnidos, reduziram a veloci-dade da luz à de um trem(Nature, 26 de março). Parafazer com que ela caísse de 300mil quilômetros por segundoa pouco mais de 200 quilô-metros por hora à temperatu-ra ambiente, precisaram ba-sicamente de um rubi. Comuma técnica especial queusa laser, a equipe de RobertBoyd infiltrou um feixe lumi-

Barreira: luz 5 milhões de vezes mais lenta que a normal

noso de baixíssima amplitudeem um rubi comum e assim otornou transparente à luz. Ofeixe de luz que atravessa orubi é 5 milhões de vezesmais lento que o normal. Ex-periências anteriores já ti-nham conduzido a resultadossemelhantes, mas a tempera-turas próximas a 2600 Celsiusnegativos. A conquista datemperatura ambiente pode-rá levar ao uso da chamadaluz lenta em telecomunica-ções e redes de computadorescom o propósito de transmi-tir sinais de informação. •

• O mais antigodeus andino

Arqueólogos no norte doPeru encontraram um frag-mento de cabaça de cerca de

4 mil anos gravado com umaimagem do deus dos báculos,também conhecido como Vi-racocha, principal divindadeda América do Sul durantemilhares de anos. "Parece sero ícone religioso mais antigojá encontrado nas Américas';diz Ionathan Hass, especialis-ta em antropologia da TheField Museum, dos EstadosUnidos, e um dos autores doartigo relatando a descober-ta na edição de maio-junhoda revista Archaeology."E issosugere a existência de umareligião organizada nos An-des pelo' menos mil anosantes do que havíamos pen-sado." O fragmento foi lo-calizado nas ruínas de umcemitério, a mais de 300 qui-lômetros de Lima, na regiãoconhecida como Norte Chi-

Urna peruanade 500 a 800 a.C.com a divindade

co - que teria sido bastan-te habitada, entre 2600 a.c. e2000 a.c., por povos andinosque, 3.500 anos mais tarde,dariam origem aos incas. Da-tada por radiocarbono comosendo de 2250 a.c., a peçatraz uma representação enta-lhada e pintada do deus dosbáculos. Apesar dos traçossimplificados do estilo arcai-co em que foi feita, podem-sever claramente os dentes àmostra, os pés separados, obáculo na mão direita e a ca-beça de serpente em que ter-mina a mão esquerda - mo-tivos clássicos que marcarama representação da divindi-dade ao longo da história dacultura andina. •

• Fertilizantesnaturais

As raízes das plantas entramem contato com numerososmicrorganismos. Nem todossão nocivos. Alguns são atébenéficos, como as chamadasPGPRs (rizobactérias pro-motoras do crescimento, nasigla em inglês), que ajudamos vegetais a crescer. Cho-ong-Min Ryu, da Universida-de de Auburn, nos EstadosUnidos, examinou sete varie-dades de PGPRs encontradasnas folhas da Arabdopsis tha-liana, uma planta modelo emgenética, e identificou doiscompostos com papel decisi-vo no crescimento da planta:o 2,3 butanodiol e a acetoína(Proceedings of the NationalAcademy of Science, 31 demarço). O primeiro, aplica-do diretamente ao broto daArabdopsis, promove o cres-cimento da planta em pro-porções que variam com adosagem. Também se consta-tou que uma injeção de en-zimas envolvidas na síntesedos dois compostos conse-gue suspender o efeito decrescimento. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 29

Músculos feitos de nanotubos de carbonoEm maio de 1999, físicos li-derados por Ray Baugh-man, então pesquisador daempresa de tecnologia Al-liedSignal, demonstraramem um artigo publicado naScience que folhas forma-das por tubos microscópi-cos de carbono se curvavamao ganhar ou perder elé-trons, partículas com cargaelétrica negativa. Esse re-sultado era a prova de quecamadas desses cilindros,chamados nanotubos porterem poucos nanômetrosde diâmetro (um nanôrne-tro é a bilionésima parte dometro), tinham um com-portamento semelhante aodas fibras musculares. Masainda não era possível ex-plicar por que essas folhas -na verdade, um sanduíchede duas folhas com bilhõesde nanotubos de caracterís-ticas distintas separadas por

Flexibilidade: elétrons dobram folha de nanotubos

um material isolante - sedobravam. Coube à equipedo físico Rodrigo Capaz, daUniversidade Federal do Ríode Janeiro (UFRJ), esclarecer

o enigma. Simulações emcomputador indicaram quenanotubos que se compor-tam como metais e nanotu-bos semicondutores funcio-

nam de modo diferente, co-mo mostrou a equipe emartigo na Physical Review Bde 15 de abril. Adicionandoelétrons à superfície do na-notubo semicondutor, seusátomos se afastam e o cilin-dro estica - o mesmo ocor-re com a saída de elétrons.Os nanotubos metálicosapresentam o mesmo com-portamento quando rece-bem elétrons, mas seus áto-mos se tornam mais coesos,até um determinado limite,e o cilindro encolhe com asaída de partículas de carganegativa - após um limite decoesão, o nanotubo volta aexpandir. "Caso se consigamanipular em separado osdiferentes tipos de nanotu-bo, será possível explorarcom mais eficiência essesefeitos e utílizá-los para pro-duzir fibras musculares ar-tificiais", comenta Capaz. •

• Menstruação reduzplaquetas no sangue

No primeiro dia da menstru-ação, o número de plaquetascirculantes no sangue pode serlevemente menor, de até 6,2%,em relação ao dia médio dociclo menstrual, segundo es-tudo realizado na Faculdadede Farmácia da UniversidadeFederal de Minas Gerais(UFMG). Durante a mens-truação, o endométrio, a ca-mada superficial do útero, sedesintegra e os vasos sangüí-neos que o irrigam se rom-pem. As plaquetas - célulasanucleadas essenciais no pro-cesso de coagulação - sãomobilizadas para estancar osangramento. Se ocorre um

30 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

consumo superior à capaci-dade de reposição, há umadiminuição temporária donúmero dessas células. Co-ordenado por Luci MariaSant'Ana Dusse e publicadono Jornal Brasileiro de Patolo-gia e Medicina Laboratorial,o estudo fundamentou-se nacontagem de plaquetas de 15mulheres, feita no primeirodia da menstruação e no diamédio do ciclo menstrual. Aequipe mineira recomendaque os laboratórios de análi-ses clínicas investiguem a fasedo ciclo na qual se encontra amulher no momento da cole-ta do sangue ou, se possível,evitem a realização da conta-gem de plaquetas no primei-ro dia da menstruação. •

• Baratas ampliamrisco de asma

O resultado de um estudodeve aumentar a ojeriza - oumesmo o pavor - às baratas:já se sabia que esses insetoscausam alergia, tal qual áca-ros, pêlos de gato ou cão, po-eira ou mofo, mas agora háindícios de que esses insetosestejam associados ao surgi-mento ou ao desenvolvimentode asma em crianças. Pesqui-sadores da Universidade Fe-deral de Pernambuco (UFPE),sob a coordenação dos médi-cos José Ângelo Rizzo e Erna-nuel Sarinho, encontraramuma nítida relação entre aexistência de baratas nas resi-dências e a asma em crianças:

em 172 domicílios recém-de-detizados, 79 crianças de 4 a12 anos estavam expostas abaratas e 93, não. Analisandoos dados, descobriu-se que32% das crianças expostas abaratas tinham asma, encon-trada em apenas 12% do se-gundo grupo, de casas sembaratas. "Há uma probabili-dade quase três vezes maiorde uma criança ter asmaquando há baratas em casado que quando não há", co-menta Rízzo. Ainda não sepode afirmar que exista umarelação direta entre as baratase a asma, mas os resultadosobtidos, segundo Rízzo, va-lem como alerta, em especialpara os portadores de doen-ças respiratórias. •

o estado atual da paisagemA América do Sul abriga amaior diversidade de climas,terrenos e vegetação do plane-ta, de acordo com o mais com-pleto mapa da cobertura vege-tal da região, a ser publicadona Global Change Biology.Produzido com imagens do

satélite Spot 4, o mapa de-limita as áreas urbanas,agrícolas (23%), além davegetação natural, comoflorestas (46,3%) e de-

sertos (1,1%). A análise daporção brasileira detalha a

área das cidades: 20.737 km'ou 0,24% do território. Feitopor instituições de seis paí-ses, esse trabalho integra umlevantamento da coberturavegetal do planeta. "É um do-cumento que poderá ter umpapel importante na deter-minação do mercado mun-dial de carbono, previsto pe-lo protocolo de Kyoto", dizEvaristo de Miranda, da Em-brapa Monitoramento porSatélite. •

Classes com dominância de vegetação natural_ Florestas ombrófilas_ Florestas estacionais semideciduais_ Florestas estacionais deciduais_ Estepes e caatingasD Campos e cerradosD Vegetação espersaD Áreas rochosas e de solo nuD DesertosD Áreas salinizadaso Áreas com neves eternas_ Corpos d'água

Classes com dominância de ação antropogênicaD "Plantations"lIiIIIIlI Mosaicos de agricultura e floresta degradada_ Mosaicos de agricultura e vegetação naturalD Agricultura e/ou pecuária_ Áreas urbanizadas

Classes em áreas inundáveis_ Manguezais_ Florestas inundáveis sazonalmenteD Campos inundáveis sazonalmente

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003·· 31

CIÊNCIA

Retratod docntardecerEm sua maioria de origem rural,os idosos da cidade de São Pauloforam trabalhadoresbraçais e têm baixa escolaridade

MARCOS PIVETTA

Nascidahá 87 anos em Pedreira, cidade do in-terior paulista, Matilde LazzariZanardi nun-ca foi à escola. Sua irmã mais velha morreucedo, e ela, ainda menina, teve de ajudar amãe a tomar conta de seus nove irmãos

mais novos. Enquanto eles estudavam, tinha, de cuidar dacasa. Além de se ocupar dos afazeres domésticos, tocava otrabalho na roça. Em 1940,após ter morado por um breveperíodo no ABC paulista, retomou a Pedreira e ali se casoucom Hugo Antonio Zanardi, com quem viria a ter um ca-sal de filhos, Osvaldo e Maria Ivone. No dia seguinte aomatrimônio, o par mudou-se definitivamente para a cida-de de São Paulo. Na capital, ambos trabalharam no setortêxtil. Ele como estampador. Ela como tecelã. Por volta dos50 anos, Matilde, que aprendera a ler e escreversozinha ape-sar de não ter freqüentado colégios, aposentou-se. Mas,para reforçar o caixa e se manter na ativa, a descendente deitalianos passou a comercializar jóias. "Ela visitava os clien-tes em casa e vendia artigos em ouro e prata", lembra a ar-quiteta Liamara Milhan, 40 anos, neta de Matilde. A vidaseguia seu curso natural no clã dos Zanardi, que moravamtodos (pais, filhos e até netos) próximos uns dos outros emcasas na Vila Prudente, bairro da Zona Leste de São Paulo.Até que, em 1984, o marido de Matilde, aos 70 anos, mor-reu de infarto. Mesmo com a perda, a aposentada (um sa-lário mínimo de pensão) seguiu em frente. Em outubro de98, um aneurisma cerebral, seguido de derrame, quase a feztombar. Apesar da idade avançada, hoje se recupera do ba-que em casa, com a ajuda da família e dos remédios.

32 . MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

População com 60 anosou mais representa9,3% dos habitantesna capital paulista

A trajetória dessa ex-tecelã serve,em grande medida, como testemunhoda história de vida de uma parte sig-nificativa dos idosos que moram nacapital paulista. Por ser mulher, terpouco estudo, vir do meio rural, seraposentada, ganhar pouco, ter exercidouma profissão braçal, morar com a fa-mília e depender de medicamentos -enfim, por tudo isso -, dona Matildereúne algumas das principais caracte-rísticas do contigente de quase 1 mi-lhão de idosos que moram na maior emais próspera metrópole brasileira.Pode-se dizer isso ao deparar com osprincipais resultados de um levanta-mento feito por pesquisadores da Fa-culdade de Saúde Pública da Universi-dade de São Paulo (USP), em parceriacom a Organização Pan-Americana daSaúde (Opas) e com apoio da FAPESP.Formalmente denominado Sabe (Saú-de, bem-estar e envelhecimento), o tra-balho traçou um retrato de quem são,como vivem e qual é o estado de saúdedas pessoas com 60 anos ou mais queresidiam no ano 2000 no município deSão Paulo. Os moradores dessa faixaetária equivalem a 9,3% da populaçãoda capital paulista, de acordo com da-dos do Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (IBGE).

34 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Homens são poucomais de 40%dos idososem São Paulo

Eis alguns números fornecidospelo estudo, que registrou uma idademédia de 69 anos entre os idosos deSão Paulo. Majoritárias na populaçãototal da metrópole, as mulheres sãoainda mais fortemente representadas naterceira idade, respondendo por quase60% dessa faixa etária. Um em cadacinco idosos nunca foi à escola e 60%estudaram menos de sete anos. Antesde terem se mudado para São Paulo,quase dois terços deles moraram nocampo até os 15 anos de idade por umperíodo não inferior a 60 meses. Emsua vida profissional, pouco mais de

75% dos idosos exerceramocupações que lhes de-mandaram esforços pre-dominantemente físicos.Os medicamentos são umcompanheiro de todas ashoras e de quase todos:87% usam algum remédio.Dois terços da pessoas queatingiram a terceira idadetêm um rendimento en-tre um e cinco saláriosmínimos, provenientes es-sencialmente de aposenta-dorias, visto que 80% delasnão trabalham mais. Porfim, 86% dos idosos mo-

ram acompanhados, ao lado de al-guém da família (cônjuge, filhos ouparentes). Dá para enxergar um quêde dona Matilde nos idosos de SãoPaulo?

Essas cifras e percentagens são ape-nas uma amostra das centenas de in-formações que começam a emergir doSabe (para outros dados, veja quadro àpágina 36). Para cumprir o objetivo doprojeto, seus pesquisadores tiveram deentrevistar 2.143 idosos que residiam emSão Paulo, visitar seus domicílios e tirarsuas medidas (peso, altura, prega cutâ-nea para ver a capa de gordura, etc.).

Boas histórias demulheres de fibra

Aos 65 anos, Guiomar Hachel(à esq) gosta de dançar.Matilde Zanardi (87)se recupera de derramecom ajuda da filha Maria Ivone

As pessoas que deram depoimentos aoestudo foram estatisticamente selecio-nadas para formar um conjunto repre-sentativo do segmento mais velho dapopulação do município. "Temos mui-to material com os mais variados dadossobre os idosos", comenta a pesquisa-dora Maria Lúcia Lebrão, da Faculdadede Saúde Pública da USP,um dos coor-denadores do Sabe. "Falta gente paraanalisar tanta informação:' A Opas pro-moveu projetos idênticos ao realiza-do em São Paulo nas capitais de maissete países da América Latina e Caribe(Cuba, Costa Rica, Uruguai, Argenti-na, México, Chile e Barbados). Por ora,apenas uma pequena parte desses da-dos, coletados com a mesma metodo-logia usada na capital paulista, está dis-ponível para comparação.

Pelos padrões definidos noSabe, 96% dos idosos de SãoPaulo moram em residên-cias cuja qualidade é boa.Suas moradias - em 78%

dos casos próprias, deles ou de alguémque lhes cede graciosamente o espaço -têm água encanada, sistemas de esgoto ebanheiro e contam com um cômodopara cozinhar. Essa boa notícia, contu-do, esconde um dado perverso da loca-

lização geográfica dos idosos na cidade.A imensa maioria está concentrada embairros mais centrais, de melhor estru-tura, longe das favelas e da periferia,um indício de que envelhecer ainda éum privilégio das classes mais abas-tadas. Embora somente 13% dos idososresidam sozinhos, sete de cada dez indi-víduos com 60 anos ou mais disseramque não contam com ninguém' paraajudá-los em suas atividades diárias.Que tipo de auxilio eles gostariam deter? Possivelmente, uma mãozinha para'desempenhar tarefas outrora corriquei-ras que se tornaram pequenos martí-rios: 18% têm dificuldade para se ves-tir, 12% para deitar e se levantar, 10%para tomar banho, 7% para ir ao ba-nheiro e 6% para comer.

As doenças crônicas são uma som-bra que paira sobre os idosos, segundoo projeto Sabe. Pouco mais da metadedos idosos que residem em São Paulodisse ter pressão alta. Um terço relatousofrer de artrite, reumatismo ou artro-se. Um quinto afirmou apresentar al-gum problema cardíaco. Os que se de-clararam diabéticos chegam a 18%,quatro pontos percentuais a mais queas vítimas de osteoporose, a descalcifica-ção progressiva dos ossos que afeta es-pecialmente as mulheres. Outras enfer-

midades freqüentemente mencionadasforam problemas nos pulmões (12%),embolia/derrame (7%) e câncer (3%).Num primeiro olhar, o estado de saúdede uma pessoa de idade avançada pareceser inversamente proporcional ao nú-mero de doenças: mais enfermidadessignificam menos qualidade de vida.Isso, no entanto, nem sempre é verda-de. "Às vezes, um idoso com quatro oucinco doenças crônicas, só que todas sobcontrole, pode viver melhor e ter me-nos riscode parar numa cadeira de rodasou morrer do que outro com um oudois problemas de saúde que não sãotratados de forma adequada': ponderao geriatra Luiz R. Ramos, do Centro deEstudos do Envelhecimento da Univer-sidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Receita para envelhecer bem - Na se-gunda metade da década passada,Ramos coordenou um projeto queacompanhou, por dois anos, a saúde de1.667 idosos que moravam na Vila Cle-mentino, bairro da capital paulistaonde fica a Unifesp. Seus objetivos cen-trais eram levantar fatores de risco queaumentavam a chance de óbito na ter-ceira idade e tentar entender por quealgumas pessoas envelheciam bem eoutras, não. Uma das principais con-

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 35

clusões do estudo foi que o foco doatendimento a essa faixa da populaçãonão devia ser pura e simplesmente nasdoenças, mas sim nos impactos que es-sas enfermidades tinham sobre as fun-ções cognitivas e motoras do paciente.«O mais importante é que o tratamentovise preservar ou, se possível, até au-mentar o grau de independência (men-tal e de locomoção) do idoso em rela-ção a outras pessoas': afirma Ramos.

~

passar os olhos sobre amontanha de números doSabe, um ponto se destaca:o nível de escolaridadedos idosos parece se com-

portar como um marcador de sua con-dição geral de saúde, sobretudo de seusaspectos cognitivos. Aparentemente,quanto maior o grau de educação for-mal do entrevistado, menor o seu des-conforto físico e mental. Como eviden-ciar essa relação? Ela começa a ganharcontornos de realidade quando se vêque aproximadamente 65% dos indiví-duos sem escolaridade classificaram suasaúde de ruim ou má, dez pontos per-centuais acima do resultado geral daamostra. Se o assunto é saúde mental,essa relação se explicita de vez. Indepen-dentemente do grau de instrução dosidosos, a ocorrência de problemas cog-nitivos, como perda de memória, racio-cínio e outras funções cerebrais, atinge11% de toda a amostra do Sabe, comfreqüência um quarto maior nas mu-lheres do que nos homens. Entre aspessoas com 60 anos ou mais que nuncaforam à escola, a incidência desse tipo deproblema é de 17%. Nos idosos que es-tudaram menos de sete anos, essa taxacai para 5%. E entre os que contabiliza-ram mais de sete anos nos bancos esco-lares, é de apenas 1%. «Quem pôde es-tudar geralmente atingiu uma melhorcondição socioeconômica durante avida e é mais bem informado sobre asquestões de saúde", afirma Ruy Lauren-ti, também da Faculdade de Saúde Pú-blica da USP, outro coordenador doSabe. «Ele se prepara e tem mais condi-ções de envelhecer bem."

Os preocupantes índices de deterio-ração cognitiva em idosos, também en-contrados nos demais países latino-americanos radiografados pelo Sabe, sãoum indício de que uma série de pro-blemas devem aparecer no futuro pró-ximo, em especial demências, como o

36 . MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Alguns dados obtidos a partirde levantamento feitoem 2000 com 2.143 pessoascom 60 anos ou mais residentesna capital paulista

1 INFORMAÇÕES GERAISsassessseeeessessseses

9,3% da população total (972 mil pessoas)"

Idade médiaMulheresBrancos declaradosNunca foram à escolaCom sete anos de estudo no máximoViveram no campo até 15 anos de idadepor um período não inferior a 60 mesesExerceram no passado trabalhos predominantemente físicosTêm renda entre um e menos de cinco salários mínimosResidem em imóvel próprio (deles ou de terceiros)Vivem acompanhados

69 anos58,6%70%21%60%

63%75,7%67,2%78%86,7%

2 INDICADORES DE SAÚDE

Tomam algum medicamento 86,7%

Compram remédio com dinheiro próprio 71,7%

Não recebem ajuda de ninguém em suas atividades diárias 70%

Dizem que sua saúde está regular ou má 55%

Têm plano de saúde privado 40%

3 DOENÇAS C~ÔNICAS MAIS FREQÜE~~ES J53,3%31,7%19,5%18%14,2%12,2%

5SAÚDE MENTALVERSUS ESCOLARIDADE

7

Percentagem de idosos com problemas cognitivosde acordo com os anos de estudo

16,7%

5,2%

1%

17%11,7%10%7,1%6%

51%36%33%17%15%

11%7,2%3,3%

39,7%38,9%28,1%25%22,7%22,1%21,9%20,2%20,1%16,4%12,7%8,7%4,8%

6TÊM DIFICULDADE EM ...

- - --- - ~~

Fonte: Projeto Sabe 'Dado Censo 2000 do IBGE

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 37

Hipertensão

Artite, reumatismo, artrose

Problemas cardíacos

Diabetes

Osteoporose

Doença crônica do pulmão

Problemas cognitivos~~------------Embolia/derrame

Câncer

4QUEIXAS E SINTOMAS RELATADOSNOS ÚLTIMOS 12 MESES i

I••••••• ",",_J_~_ ••M-. _

Dor ou problemas nas costas

Problemas nas articulações

I nchaço nos pés

Vertigem ou tontura

Tosse persistente, catarro ou chiado

Fadiga ou cansaço

Dor no peito

Perda de urina involuntária

Dor de cabeça persistente

Falta de ar

Transpiração excessiva e sede persistente

Náusea persistente, vômitos

Perda de controle do intestino

Vestir-se

Deitar e se levantar da cama.Tomar banho

Ir ao banheiro

Comer

NÃO CONSEGUEM OUMAL PODEM ...

-----~~.....•.•.... --~-~

Agachar-se

Levantar-se da cadeira

Subir um andar de escada

Caminhar uma quadra

Levantar os braços acima do ombro

mal de Alzheimer,e perda de autonomiapara a realização de tarefas cotidianas.Em outras palavras, esse idoso, se a de-terioração mental avançar, terá de serassistidopor alguémdiuturnamente. Paraa psicóloga Ana Teresade Abreu RamosCerqueira, da Faculdade de Medicinade Botucatu da Universidade EstadualPaulista (Unesp), que também participada análise dos dados do Sabe, a relaçãoentre escolaridade e distúrbios cogni-tivos realmente existe. É um problemareal, mas precisa ser um pouco relativi-zado. "Os resultados variam muito deacordo com a metodologia que usamospara levantar esse tipo de dado", pon-dera Ana Teresa. "Muitas vezes ocorreo que chamamos de falso positivo paraproblemas de cognição ou demência,especialmente no diagnóstico da situa-ção de pessoas menos instruídas." Osidosos sem estudo têm mais dificulda-de de responder aos questionários dospesquisadores do que as pessoas commaior escolaridade. Resultado: muitagente com pouca ou nenhuma escola-ridade acaba sendo rotulada, erronea-mente, de demente ou portadora deproblemas mentais.

Mais velho e sem dinheiro - A preocu-pação da Opas em estudar a velhicenesta parte do planeta tem uma razãoclara: nos próximos 20 anos, o númerode pessoas com 60 anos ou mais naAmérica Latina e Caribe vai pratica-mente dobrar, saltando de 42 milhões deindivíduos no ano 2000 para estimados82 milhões depois de 2020. Nesse mes-mo período, em termos proporcionais,o aumento será um pouco menor, masainda assim muito expressivo. Os ido-sos passarão de 8,1% para 12,4% dapopulação total desses países. Nessequadro de rápido envelhecimento dassociedades latino-americanas, o Brasilnão é exceção. Em 1940, só 4% de suapopulação tinha 60 anos ou mais. Se-gundo o censo, os idosos em 2000 já so-mavam 8,6% de todos os brasileiros -um contingente de 14,5 milhões de in-divíduos, 55% dos quais mulheres. Nospróximos 20 anos, a população idosado Brasil poderá ultrapassar os 30 mi-lhões de pessoase representar quase 13%de seus habitantes. "Pode até não pare-cer tanta gente assim em termos pro-porcionais, sobretudo quando se olhapara dados de países europeus, ondemais de 15% da população é de idosos",

38 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Idosos em praiado Rio de Janeiro:

a capital daterceira idade

comenta Ruy Laurenti. "Mas o númeroabsoluto de idosos no Brasil é muitogrande e continuará crescendo."

hCOnSeqÜênCiasdo aumentoexpressivo na quantidade depessoas da chamada tercei-ra idade sobre os sistemasde saúde e a Previdência

Socialsão evidentes e já são sentidas hojeem dia. Basta mencionar o acaloradodebate nacional sobre o teto máximodas aposentadorias e a idade mínimap~ra se requisitar o benefício. Fora isso,há ainda o impacto do envelhecimentonas relações familiares. Quem nuncaparticipou daquela reunião de famíliapara discutir, baixinho e de forma meioconstrangida, onde a vovó iria morardepois que o vovô se foi?A rigor, o pro-blema maior nem é o envelhecimentoda população na América Latina (tam-bém na Ásia e África), mas, sim, o seuenvelhecimento sem saúde e qualidadede vida. Essa questão é ainda mais dra-mática no universo das nações pobres eem desenvolvimento, como o Brasil eseus vizinhos latinos, onde boa partedos idosos tem pouca instrução formal,dinheiro contado e serviços públicosprecários. "Primeiro os países desenvol-vidos ficaram ricos e, depois, velhos",afirma Maria Lúcia Lebrão. "Nós esta-

mos ficando velhos antes de sermos ri-cos."Os dados do projeto Sabe na capi-tal paulista servem para ilustrar essamáxima. Pagar um plano de saúde éum luxo que apenas quatro de cada dezidosos que moram em São Paulo con-seguem manter. Dona Matilde está en-tre os que contam com esse benefício.Por ser antigo e lhe dar direito a aten-dimento em apenas um hospital daregião, o valor da mensalidade, cercade R$ 150, é considerado baixo para aidade da portadora do convênio.

O envelhecimento da população eo aumento da expectativa média devida ao nascer - em 1980, era de 62,7anos para os brasileiros e hoje está emquase 69 anos - são fenômenos na-cionais. Mas, segundo dados de cen-sos do IBGE, a presença de idosos nas27 unidades federativas varia - e mui-to. Na base, há um grupo de estadosem que a parcela mais velha da po-pulação representa entre 4% e menosde 7% de seus habitantes. Esse é ocaso de toda a região Norte. Numa si-tuação intermediária, há um grandegrupo de estados cuja proporção deidosos varia de 7% a 9% de seus mo-radores. Em São Paulo, por exemplo,as pessoas com 60 anos ou mais repre-sentam 9% da população. No topo,com uma taxa de idosos que chega a

dois dígitos, figuram três estados:Paraíba (10,2%), Rio Grande do Sul(10,5%) e Rio de Janeiro (10,7%). Nãopor acaso, os municípios de PortoAlegre e Rio de Janeiro também sãoas capitais com mais gente de idade(11,8% e 12,8%, respectivamente, deseus habitantes).

á se tornou clássica a associa-ção de um dos mais tradicionaisbairros da Zona Sul carioca àimagem de simpáticos velhinhos- relativamente prósperos em re-lação ao grosso dos aposentados

nacionais - andando na praia ou seexercitando na areia. "Vinte e sete porcento dos moradores de Copacabanasão idosos", diz o médico Renato Veras,diretor da Universidade Aberta da Ter-ceira Idade (Unati), projeto mantidopela Universidade Estadual do Rio deJaneiro (UERJ) que, por semestre, mi-nistra 125 cursos para 2.200 idosos. Es-pecialista na saúde da terceira idade, Ve-ras afirma que o setor público de saúdeainda não está preparado para atenderà demanda crescente de serviços espe-cialmente voltados para a parcela demais idade da população. "Mesmo comessa enorme presença de idosos, quemacha um geriatra num posto de saúdeem Copacabana?", indaga o médico.

Creche para idoso· Cuidar do idoso édiferente de tratar de uma criança ouadulto. Por isso, muitos especialistasdefendem a implementação de servi-ços diferenciados para essa faixa etá-ria. Veras é a favor do incremento doatendimento domiciliar para essa par-cela da população. "Em casa, o idosotem menos infecção hospitalar e estánum ambiente conhecido", diz o dire-tor da Unati. Implantar um sistema deatendimento domiciliar exige uma 10-gística complexa, que gerencie de for-ma eficiente e racional o deslocamen-'to de equipes médicas. Mas, segundoVeras, se bem administrado, esse ser-viço até reduz os custos do atendi-mento, na medida em que atua mais

o PROJETO

As Condições de Saúde dos Idososna América Latina e Caribe

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORESRuv LAURENTI e MARIA LÚCIALEBRÃO- Faculdadede Saúde Pública da USP

INVESTIMENTOR$ 236.295,00

preventivamente e evita internaçõesdesnecessárias.

Aliás, sair de casa e chegar a umhospital ou consultório médico podeser uma tarefa impossível de ser cum-prida por muitos idosos. Em São Paulo,de acordo com os resultados do Sabe, afalta de (bom) transporte público che-gou a ser a causa mais citada pelos en-trevistados para faltarem a consultasmédicas. Outra possibilidade de servi-ço diferenciado para os idosos, que nãoexclui a proposta anterior, é estimulara criação de centros de convivência paraesse segmento da população, lugares quefuncionam como creches da terceiraidade. Nesses locais, quem já chegouaos 60 anos pode passar o dia desenvol-vendo atividades físicas e intelectuaissempre sob a supervisão de alguém daárea médica, uma enfermeira ao menos.À noite, o idoso volta para casa. "Dessaforma, ele não perde o vínculo familiare se mantém ativo", diz Maria Lúcia Le-brão, da Faculdade de Saúde Públicada USP, que advoga essa idéia.

Algumas das chamadas universida-des da terceira idade fazem, de certa for-ma, o papel de centro de convivência deidosos. É verdade que o número de vagasoferecidas em seus cursos e atividadesgeralmente é pequeno diante da procu-ra. Mas quem consegue um lugar ficasatisfeito. Esse é o caso da dona de casaGuiomar Genaro Hachel, 65 anos, quefreqüentou durante quatro anos ativi-dades para idosos na Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo (PUC/ SP)e, há três, participa da UniversidadeAberta à Terceira Idade (Uati) mantidapela Unifesp. Desacompanhada do ma-rido, Guiomar já assistiu a todo o ciclode palestras e agora faz "aulas extracur-riculares" de teatro, dança de salão e taichi chuan. "Na universidade, fico maisesclarecida e faço amizades': diz essa avóde seis netos. A presença de homens émenor nos cursos para terceira idade,mas não inexistente. Viúvo e aposentado,o ex-profissional de marketing Celso Pa-varin, 73 anos, começou a freqüentar aUati neste ano. Além das palestras regu-lares promovidas pela universidade, fazaulas de teatro, dança de salão e infor-mática. "Mais do que o conhecimento,o que mais me impressiona na Uati é ocarinho das pessoas", afirma Pavarin, quehá 21 anos carrega uma safena no pei-to. "Aqui é bom ser velho. Mais pessoasdeveriam ter essa oportunidade." •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 39

GEOLOGIA

Há 300 milhõesde anos, o gelo

dominava apaisagem do futuroNordeste brasileiro

FRANCISCO BICUDO

40 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

• CIÊNCIA

Hoje,o sertão do Nordesteé marcado pelos man-dacarus, pelas secas fre-qüentes e pelo calor in-tenso, mas nem sempre

foi assim. Há cerca de 300 milhões deanos, quando América do Sul, África,sudoeste da Ásia, Austrália e Antárticaformavam um único supercontinentesituado próximo ao Pólo Sul, umavasta porção do que hoje é o Nordestebrasileiro era coberta por geleiras, decujas bordas se soltavam gigantescosblocos de gelo, icebergs que deslizavamcomo hoje se vê nos arredores da An-tártica. Nas porções menos inóspitasdesse terreno, onde não havia gelo,cresciam arbustos e árvores de pequeno

•eirasporte, parentes distantes dos pinheirose das araucárias atuais, compondo umapaisagem semelhante à da atual Islân-dia, já bem perto do Pólo Norte.

Uma equipe do Instituto de Geo-ciências (IGc) da Universidade de SãoPaulo (USP) conseguiu reconstituir essecenário e provar, pela primeira vez, quehouve de fato uma glaciação no Nor-deste - antes vista apenas como umahipótese à espera de confirmação - combase na análise de rochas nas quais asgeleiras deixaram cicatrizes ou estriasao deslizar para o mar. Em busca depistas do gelo antigo, num autênticotrabalho "detetivesco" iniciado há 25anos, os pesquisadores verificaram queo próprio relevo guarda a lembrança

· "."viraram ser aodaqueles tempos, o final da chamadaEra Paleozóica, quando a maior partedos continentes do atual Hemisfério Sulse uniam num imenso bloco, a Gond-wana, e se encontravam cobertos pelogelo. "Nessa época, mais da metade dofuturo território brasileiro estava sob oclima glacial",assegura o geólogo Anto-nio Carlos Rocha Campos, coordena-dor do grupo que examinou uma áreade cerca de 10mil quilômetros quadra-dos que compreende os estados de Ser-gipe, Bahia e Alagoas.

Há tempos se conhecem os sinais degeleiras nas regiões Sudeste, Sul e Cen-tro-Oeste, especialmente em São Pauloe no Paraná, mas no Nordeste haviaapenas indícios desse período gelado.

As marcas mais recentes e contunden-tes da glaciação no território nordesti-no foram descobertas em outubro doano passado: diversos sulcos e escava-ções rasas, de até 40 centímetros deprofundidade e 25 metros de compri-mento por 3 metros de largura. Encon-tradas nas imediações de Santa Brígida,a 412 quilômetros ao norte de Salvador,na Bahia, e próximas a Nova Canindéde São Francisco e Curituba, em Sergi-pe, a 213 quilômetros a oeste da capital,Aracaju, as escavações apresentam ascaracterísticas típicas deixadas pelodeslocamento de icebergs sobre o fun-do de lagos ou mares rasos, de modosemelhante aos sulcos que hoje sevêemna plataforma continental da região ár-

tica da América do Norte. As marcasregistradas pelos blocos de gelo eram aspeças que faltavam para completar oquebra-cabeça. "Não restam mais dúvi-das de que a glaciação do final da EraPaleozóica, conhecida como idade gla-cial de Gondwana, atingira também oBrasil",afirma Rocha Campos, à frenteda equipe formada por pesquisadoresdo IGc, da Universidade Federal do RioGrande do Norte (UFRN), da Univer-sidade Estadual Paulista (Unesp) e daUniversidade de Minnesota, nos Esta-dos Unidos.

Seasprovas mais consistentesda pre-sença de gelo no Nordeste em épocasremotas são recentes, as primeiras evi-dências surgiram 25 anos atrás, em meio

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 41

a uma série de coincidências. Numa tar-de do final dos anos 70, sob um calor dequase 40 graus, Rocha Campos viajavaem direção a Igreja Nova, no interior deAlagoas, a 183 quilômetros a oeste deMaceió, quando um ponto brilhante,na beira da rodovia, pouco antes da en-trada da cidade, chamou sua atenção.Imediatamente pediu que parassem ocarro e correu até o local. Como nãotrazia equipamentos de escavação, to-mou emprestadas uma vassoura e umaenxada e pôs-se a limpar uma pequenaárea de 1metro por 2, enquanto os mo-radores que se aglomeravam a sua vol-ta traziam latas de água para ajudar atirar a terra sobre a rocha.

No retângulo escavado,Rocha Cam-pos descobriu uma superfície rochosa

polida com ranhuras pa-ralelas: eram marcas deerosão possivelmenteprovocadas pela passa-gem de alguma geleira.Sobre a superfície haviauma camada de tilito,uma rocha maciça, decor acinzentada, com-posta por grãos de dife-rentes diâmetros - dosmais finos (grãos de ar-gila) aos mais grossos(de areia) e até seixos -,

outra evidência de que aquele materialtinha origem glacial. Formado pelodeslocamento de geleiras, que triturame arrastam fragmentos de assoalhorochoso sobre o qual deslizam, o tilito éuma rocha sedimentar equivalente aotill, sedimento também misturado cao-ticamente que aparece sempre próximoàs geleiras atuais, formando cordões la-terais ou frontais. Conclusão: se é assimhoje, deveria ser também no passado."Acamada de tilito era outra evidênciade que teria havido gelo por ali", co-menta o pesquisador. Rocha Camposencontrara o local certo, na hora certa."Eram cinco horas da tarde, o sol esta-va se pondo e os raios batiam inclina-dos sobre a rocha",conta o geólogo. "Sepassasse por ali ao meio-dia, não teriaencontrado o pavimento estriado e otilito. Ao menos, não naquela época."As provas haviam sido encontradas.Faltava analisar os detalhes.

Envolvido em outros projetos, Ro-cha Campos teve de esperar mais de 20anos até retomar ao Nordeste. Em2001,voltou a Igreja Nova e encontrou

A sortede ver um

brilho àbeira daestrada

42 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

uma pedreira de onde se extraía o tili-to para utilizar como cascalho emconstruções. Ampliou a região que es-tudaria e verificou a ocorrência dessa ede outras rochas glaciais em Santa Brí-gida, no interior da Bahia, em NovaCanindé de São Francisco e Curituba,em Sergipe. Nessas localidades, em ple-na caatinga, também constatou a pre-sença dos sulcos e arranhões deixadospelos icebergs que, empurrados porventos ou correntes aquáticas, cavarama areia do fundo de lago ou de marcomo arados que imprimem sua mar-ca no terreno e acumulam parte dossedimentos em saliências laterais.Enfim, os pesquisadores podiam afir-mar, com coerência e provas consisten-tes, que geleiras haviam feito parte docenário natural da região Nordeste.

Segundo o geólogo, a cober-tura branca provavelmentedurou de 15 milhões a 30 mi-lhões de anos no territórioque viria a ser o Brasil, duran-

te a transição do período Carboníferopara o Permiano. Essaglaciação foi umadas mais longas e intensas fasesde refri-geração do planeta de que se tem no-tícia. O futuro território brasileiro eraentão ocupado pelas plantas mais pri-mitivas, as girnnospermas (com se-mentes nuas, sem frutos), que em mi-lhões de anos originaram as coníferas eos pinheiros atuais. Enquanto as gim-nospermas deveriam habitar as regiõesmais altas, de acordo com o cenárioque os pesquisadores começam a deli-near, nas mais baixas e úmidas cres-ciam os vegetais parentes das atuaisavencas e samambaias, do grupo daspteridófitas. Nos mares gelados, viviampequenos invertebrados - a exemplo de

o PROJETO

Glaciação Neopaleozóica Externaà Bacia do Paraná:Sudeste e Nordeste do Brasil

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORANTONIO CARLOS ROCHA CAMPOS -

IGc/USP

INVESTIMENTOR$ 103.856,25

moluscos, braquiópodes e equinoder-mos, como os lírios-do-mar -, além depeixes primitivos.

A própria história de Rocha Cam-pos com as eras glaciais que afetaram oBrasil é antiga. Desde o final dos anos60, em colaboração com pesquisadoresbrasileiros e de outros países, o geólogoinvestiga - e já detectou - diversos si-nais da existência remota de geleirasnas regiões Sul e Sudeste, principal-mente nos estados de São Paulo, Para-ná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.Com esses achados, o pesquisador daUSP ampliou as indicações de outrogeólogo, o norte-americano OrvilleDerby, que em 1888 colheu os primei-ros registros do gelo de Gondwana naregião da Bacia do Paraná - um terrenogeológico que abrange os estados deMato Grosso, Mato Grosso do Sul,Goiás, Minas Gerais, São Paulo, toda aregião Sul, além de parte do Paraguai edo Uruguai. "Se os sinais das geleirascobriram uma área tão vasta, seus efei-tos deveriam se estender a outras re-giões do Brasil",pensou Rocha Campos.Em busca de respostas, o pesquisadorselecionou quatro áreas de estudo:Mato Grosso e Rondônia, sul do Ama-zonas, noroeste de Minas Gerais e o cir-cuito Bahia-Sergipe-Alagoas.

Gelo em Minas Gerais - Por causa dassuspeitas iniciais, geradas pelas rochaspolidas descobertas na beira da estradade Igreja Nova, e com o auxílio de estu-dos publicados por outros pesquisado-res, a equipe do IGc não somente en-controu resquícios da glaciação do finalda Era Paleozóica no Nordeste, masconfirmou que naquela época haviatambém geleiras no noroeste de MinasGerais, nos arredores de cidades comoSanta Fé de Minas e Canabrava, a 400quilômetros de Belo Horizonte. Acre-dita-se que essas geleiras formavamuma massa de gelo distinta da do Nor-deste e podem ter se estendido da atualcapital mineira até a fronteira com aBahia e Goiás, onde há uma depressãoconhecida como Bacia Sanfranciscana,em referência ao rio São Francisco. EmMato Grosso e Rondônia, as outras áre-as investigadas pela equipe, os traba-lhos ainda estão em fase inicial e devemprosseguir até o final do ano. Os da-dos analisados até o momento sugerem,porém, que a glaciação de Gondwanatenha se estendido por essas regiões.

Curituba, em Sergipe: sulcode 25 metros de comprimentodeixado por um iceberg aodeslizar sobre uma rocha quejá foi fundo de um lago ou mar

Ainda há muitas incertezas, já quefaltam regiões a serem estudadas e asanálises preliminares se limitam a cadaregião isoladamente. O próximo passodo trabalho é, justamente, estabeleceras conexões entre essas diferentes árease formar a visão de conjunto da épocaem que o futuro território brasileiro vi-via coberto de gelo. Mas, segundo Ro-cha Campos, já se pode dizer com fir-meza que a glaciação de 300 milhões deanos se deve à proximidade com o PóloSul, não a movimentos tectônicos querearrumaram a superfície terrestre eoriginaram montanhas que, por causada altitude, abrigaram geleiras. Os geó-logos diriam: trata-se de um fenômenorelacionado à latitude, as linhas imagi-nárias horizontais e paralelas ao equa-dor. Os blocos que constituíam Gond-wana não apenas se fragmentaram, mastambém se deslocaram rumo ao norte.Os que atualmente formam o territóriobrasileiro, hoje entre 10 graus e 35graus de latitude sul, há 300 milhões deanos encontravam-se cerca de 30 grausa sul da posição atual, quase 3.300 qui-lômetros mais perto do pólo.

Outras causas> As geleiras que chega-ram ao Nordeste brasileiro podem tervindo do Gabão, na África Ocidental,então colada ao Brasil. As que atingi-ram a Bacia do Paraná e Minas Geraissão consideradas extensões de umamassa de gelo que cobria a Namíbia.Segundo os pesquisadores, a latitudemais alta não deve ter sido o único fa-tor a provocar a glaciação.Variações naórbita da Terra que interferiram naintensidade da luz solar que atingia oplaneta, associadas a mudanças na at-mosfera, podem ter colaborado.

Os ganhos desse trabalho podemser não apenas científicos, ao ajudarema recontar a história climática e geoló-gica do Brasil, mas também econômi-cos. Na Bacia do Paraná, já se desco-briu que as rochas de origem glacial seintercalam com camadas de carvão efazem parte de aqüíferos ou de reserva-tórios de gás natural. No Nordeste, po-de ser que ocorra algo semelhante. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 43

.CIÊNCIA

Visãode longo alcance

BIOQUÍMICA

Camargo, do Butantan:"Não podemoster pressa, para nãoperdermos tudoo que fizemos"

Descobertas sobre proteínaessencial na formaçãodo cérebro viabilizam acordocom multinacional

CARLOS FIORAVANTI

Duassemanas antes do Natal do anopassado, como uma recompensaao esforço incessante do grupo depesquisa que coordena, AntonioCarlos Martins de Camargo - um

médico de formação que enveredou pela pesqui-sa em bioquímica e há oito anos instalou-se noInstituto Butantan - assinou um contrato de par-ceria com a indústria farmacêutica multinacionalMerck Sharp & Dohme. O acordo de apenas duaspáginas estabelece um objetivo comum para asequipes do Butantan e da empresa com sede emEssex, Inglaterra: desenvolver medicamentos apartir de uma proteína que representa uma dasramificações de um trabalho iniciado ainda nosanes 40 por um dos maiores cientistas brasileiros,Maurício Rocha e Silva. O que nasceu discretologo se mostrou promissor e, nos últimos anos,essencial, à medida que sucessivos artigos científi-cos assinados por pesquisadores não só no Brasil,mas também nos Estados Unidos, na Europa e noJapão, comprovaram o papel crucial dessa proteí-na na regulação de uma série de funções, datransmissão da dor à formação do cérebro du-rante a gestação.

Ainda não há previsão de que medicamentospossam surgir, nem quando, mas a perspectivade trabalho conjunto abre um capítulo novo deuma história que nasceu no final dos 60, comodesdobramento das descobertas de Rocha eSilva, e está longe de acabar. Em um dos próxi-mos episódios deve se desenrolar um embatecom figurões da ciência mundial em busca doreconhecimento da autoria da descoberta daproteína à qual Camargo dedicou quase metadede sua vida. Se possível este mês, o pesquisadordo Butantan pretende demonstrar, de uma vezpor todas, que a proteína que ele próprio desco-

briu e chamou de endooligopeptidaseA ou endoA - apresentada em dois ar-tigos, um publicado em 1969 na Bio-chemical Pharmacology e outro, doisanos depois, no ]ournal of Neuroche-mistry - é a mesma que os norte-ame-ricanos, alemães e japoneses redesco-briram em 2000 e batizaram de Nudel,nuclear distributing-like protein, descre-vendo sua atividade na formação docórtex cerebral em artigos independen-tes publicados em dezembro daqueleano na Neuron. "Não basta sermos eparecermos honestos, como a mulherde César", diz ele. "Nós, brasileiros, te-mos de provar nossa honestidade atodo momento."

as Camargo apren-deu a esperar, comodemonstra o acordocom a indústria far-macêutica, articula-

do com o mesmo senso diplomáticoque, aliado ao empenho ao trabalho,lhe permitiu ser contratado na Facul-dade de Medicina da Universidade deSão Paulo (USP) no final dos anos 60,transferir-se para o Instituto de Ciên-cias Biomédicas da USP em São Pau-lo, em 1984, formar um núcleo depesquisas no Butantan e tornar-se ocoordenador do Centro de Toxino-logia Aplicada (CAT), um dos Cen-tros de Pesquisa, Inovação e Difusão(Cepids) que compõe um programaespecial da FAPESP.

"Só aceitamos a proposta da Merckdepois que a patente da proteína esta-va depositada", diz. "Não podemos terpressa, para não perdermos tudo o quejá fizemos." E não é pouco o que já se'conseguiu. O estudo das propriedadesdessa proteína permitiu a formação dequase 30 mestres e doutores, além derepresentar uma das mais antigas linhasde pesquisa apoiadas de modo contí-nuo pela FAPESP. O primeiro projetofinanciado em nome de Camargo, semcontar os anteriores, assinado por seusorientadores, data de 1970. Seguiram-se outros 45 projetos apoiados na for-ma de auxílios à pesquisa, à infra-estru-tura de laboratório, a viagens ao exteriorou por meio de bolsas para os alunos.

Aos 66 anos, o médico nascido emSão Carlos faz parte de uma geração depesquisadores que se mostram engaja-dos em seus próprios problemas cientí-ficos, sem esperar reconhecimento

, Não podemosdescuidar daciência defato, que édemorada,

imediato. "É difícil resistir à tentaçãodas novas tecnologias, que dão resulta-dos rápidos, mas não podemos descui-dar da ciência de fato, que é demorada':diz o discípulo de Rocha e Silva. Os cien-tistas dessa linhagem, hoje na casa dos60, 70 ou mesmo 80 anos, adotam oestilo Darwin de fazer ciência: valo-rizam a formulação de hipóteses quepossam explicar o que foi verificado e abusca de evidências quesustentem ou derrubem ahipótese inicial. Temposatrás, porém, havia umsério risco de o estilo dar-winiano ser confundidoaté mesmo com arrogân-cia. "Eu estava tão envol-vido com um programade pesquisa que não mepreocupava com o que asoutras pessoas achavam",reconhece. "Não queriaagradar, mas explorar asminhas idéias e fazer um bom trabalho,que, cedo ou tarde, eu sabia, teria im-portância."

Em 1962, quando pisou pela pri-meira vez num laboratório, Camargocursava o segundo ano de Medicina.Teve de fazer partos e auxiliar cirur-gias, mas queria mesmo era fazer pes-quisa. Consciente de sua real vocação,bateu à porta de um assistente de Ro-cha e Silva, Sérgio Steiner Cardoso, quelhe deu a chance de participar de umestudo sobre o controle da regenera-ção dos tecidos do corpo humano.Camargo trabalhou nessa linha até1966, quando entrou na pista da pro-teína que chamou a atenção da Merck.Era então ele próprio um assistente deMaurício Rocha e Silva, conhecido porser tão brilhante quanto espontâneo, aponto de não medir as palavras ao sedirigir aos colegas.

Rocha e Silva convenceu-o em se-gundos a esquecer a regeneração dostecidos e participar da busca dos meca-nismos de funcionamento da bradicini-na, molécula reguladora da pressão ar-terial descoberta em 1948 pelo próprioRocha e Silva e por Wilson Beraldo (abradicinina reduz a pressão na circula-ção sangüínea e a eleva no sistemanervoso central). Naquele momento, aprioridade era identificar um grupode proteínas especiais, as enzimas, res-:ponsáveis pelo efeito passageiro dabradicinina. Aplicada no cérebro de

um coelho, a bradicinina deixava o ani-mal com hipertensão, inquieto e ofe-gante por um ou dois minutos. Depois,o coelho ficava em catatonia, estiradosobre a mesa, incapaz de se mover.

As evidências sugeriam a existênciade enzimas capazes de inativa r a bradi-cinina - se contidas, poderiam permitirque a bradicinina agisse por maistempo. Mesmo hoje não seria muito fá-

cil provar essa idéia, jáque as proteínas se mis-turam e agem sozinhas ouem conjunto quando ati-vam ou desativam outrasproteínas. Camargo pe-diu emprestado um dospeptídeos (fragmentos deproteínas) que outro as-sistente de Rocha e Silva,Sérgio Henrique Ferrei-ra, ainda hoje na Facul-dade de Medicina daUSP em Ribeirão, acaba-

va de descobrir no veneno de jararaca.Conhecida como fator potencializa-dor da bradicinina (BPF), essa molé-cula bloqueia a ação da enzima quedestrói a bradicinina. Anos depois, emum dos mais notáveis resultados dessegrupo de pesquisa, o BPF inspirou acriação do captopril, um dos anti-hi-pertensivos mais vendidos no mundo,que rende cerca de US$ 5 bilhões porano para o laboratório norte-ameri-cano Bristol-Myers Squibb, que desde1977 detém a patente da versão sintéti-ca desse peptídeo.

A recusa - Uma das enzimas que anu-lam a ação da bradicinina era a endoA,como se veria mais tarde. Naquele mo-mento, viu-se apenas que o peptídeo deFerreira deixava o coelho com hiper-tensão, inquieto e ofegante por até umahora. Mas ainda faltava descobrir qualenzima cortava - ou degradava - a bra-dicinina. Foram-se anos até a equipe deCamargo purificar a endoA, às vezescorrendo o risco de morrer eletrocuta-do. "Vinte anos atrás, um dos meios deseparar peptídeos era utilizar a eletro-forese de alta voltagem, aplicando umatensão elétrica de 3.000 volts em umafolha de papel com as proteínas",conta ele, sem saudade nenhuma dessesmétodos, que tomavam de quatro acinco horas de trabalho. Hoje é possívelseparar peptídeos em minutos, sem pe-rigo de choques imprevistos.

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 47

Mesmo conhecendo as dificulda-des que teria de superar, Camargoevita os caminhos fáceis. Em 1972,ele terminava o pós-doutorado comLewisGreene no Laboratório Nacio-nal de Brookhaven, em Nova York,quando reencontrou Sérgio Cardo-so, o mesmo que lhe havia aberto asportas do mundo da ciência. Cardo-so, que havia se transferido para osEstados Unidos, deu-lhe outra chan-ce: seguir com ele, como seu braçodireito, na tarefa de montar um la-boratório de proteínas na Universi-dade do Tennessee. Seu ex-aluno re-ceberia um salário cinco vezes maiordo que no Brasil, além de ganharuma casa pronta para instalar a mu-lher e os três filhos pequenos. Ca-margo disse não. Preferiu voltar,decidido a criar um centro de pro-teínas no Brasil.

Ele deixou Brookhavensem esquecer um comen-tário que tivera de engo-lir semanas após ter che-gado, dois anos antes, em

1970.Desembrulhava alguns pacotesde equipamentos quando uma téc-nica comentou para Greene, o chefedo laboratório: "Esse é o trabalho queum médico latino-americano podefazer nos Estados Unidos". Meses de-pois, em Ribeirão, formou uma equi-pe que aceitou o desafio de montaros equipamentos em vez de comprartudo pronto. Não apenas pela econo-mia, que de eles fato conseguiram, re-duzindo os custos à metade, mas tam-bém por que queriam descobrir comofuncionava e como consertar especial-mente o analisador de proteínas, o apa-relho mais importante de todos. Foium desafio só vencido com a ajuda dedois técnicos de Brookhaven, NicholasAlonso e Rosalyn Shapanka, que já ha-viam participado dos estudos iniciaisda endoA - ambos aparecem como co-autores dos primeiros artigos de ca-racterização da proteína.

Se há um conselho que Camargooferece de bom grado à sua equipe é:não ter medo de perseguir suas pró-prias idéias. "Nunca acreditei que o pa-pel biológico da endoA fosse destruir abradicinina", confessa. Com o tempo,seu grupo demonstrou que havia, naverdade, uma família de proteínas se-melhantes - e assim surgiu a endoB, al-

48 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

A prova: enzima em excessodeforma cérebro e olho de rãs

guns anos depois da endoA. As duasbastaram para alimentar a suspeitade que teriam uma ação mais ampla,atuando na formação ou destruiçãode outras proteínas e na regulação nãoapenas da dor e pressão arterial, comose pensou no início, mas também nocontrole hormonal, crescimento celu-lar, interação entre células nervosas ouequilíbrio de água no organismo, con-forme se verificou, ao longo dos anos, àmedida que essasmoléculas passaram aser estudadas no mundo inteiro.

A endoA e a endoB fazem parte deum grupo de enzirnas chamadas oligo-pepetidases, que destroem apenas pep-tídeos e não proteínas inteiras, como écomum. Camargo propôs esse conceitoem 1976 na Biochemistry e no [ournalof Biological Chemistry, ao descrever aendoB, mas, de imediato, ninguém lhedeu atenção. O reconhecimento che-

gou 19 anos depois, quando o polo-nês Vilmos Fulop, da Universidade deWarwick, na Inglaterra, citou seus es-tudos ao relatar a cristalização da en-doB na revista CeU. Em outro artigopolêmico, publicado em 1996no Bio-chemical [ournal, Camargo demons-trou que a proteína isolada em tes-tículo de rato por uma equipe daFaculdade de Medicina de Mont Si-na i, Estados Unidos, não era a mesmaque ele havia extraído de cérebro decoelho, já com a suspeita de que amesma molécula poderia ter mais deuma função no organismo.

A herança - Hoje, quem se dedica decorpo e alma às proteínas é MiriamHayashi, que Camargo conheceu emTóquio em 1990. Formada em Far-mácia, ela trabalhava em pesquisa emdrogas anticâncer na filial japonesada Roche. Depois de um ano por lá,já pensava em voltar ao Brasil. NoButantan desde 1993, ela lida com aendoA e a endoB por meio da biolo-gia molecular, complementando oque havia sido feito antes.

Foi Miriam quem seqüenciou aendoA, formada por 345 unidades -ou aminoácidos. Foi ela tambémquem atestou a importância dessaproteína, por meio de um experimen-to feito com embrião de rã africana(Xenopus laevis). Em quatro das oitocélulas do embrião - as que vão for-mar o lado direito ou esquerdo, en-

quanto as outras quatro vão formar olado oposto do corpo -, ela aplicouuma dose alta do gene que induz a pro-dução dessa proteína. Houve deforma-ção do olho e do cérebro dos girinos,mas apenas no lado em que a proteínaapareceu em excesso, indicando quequalquer desequilíbrio em sua quan-tidade pode ser prejudicial.

Eram evidências importantes, maschegavam acompanhadas de uma de-cepção. Tão logo concluiu o experi-mento, no final de 2000, Miriam leuna Neuron um artigo de pesquisado-res norte-americanos que ficavam como mérito da descoberta por terem pu-blicado primeiro os mesmos resulta-dos a que ela havia chegado meses an-tes. Não foi o bastante, porém, paratirar-lhe o fôlego. Além do objeto deestudo, ela parece ter herdado de Ca-margo o gosto de apostar em seus pró-prios caminhos. •

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• Para anunciar

• CIÊNCIA

BIOFÍSICA

Moléculas dobráveisSimulações em computador permitemprever a estrutura de proteínas e explicaro mecanismo de ação dos anestésicos

RrCARDO ZORZETTO

~

encostar a mão numa leiteiraquente, células da pele trans-formam a sensação de calorem um tênue sinal elétrico,transmitido de uma célula

nervosa a outra até atingir a medula es-pinhal, da qual parte um reflexo que faz amão se afastar da leiteira. Também comoimpulsos elétricos, a mensagem segue ru-mo ao cérebro e ali é interpretada comouma sensação de dor, numa seqüência desinalizações químicas que se passa em cen-tésimos de segundo. Só então é que vem aconsciência do que se passou.

Com base em simulações de computa-dor, físicos e biólogos da Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro (UFRJ) ajudarama explicar como se formam e se propagam

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esses sinais elétricos - ou impulsos nervo-sos, que, como se demonstrou, são extre-mamente dependentes de uma estruturaem forma de grampo de cabelo encontra-da na base dos poros da membrana doneurônio. Os impulsos nervosos, além deacionarem o reflexo de afastar a mão daleiteira em resposta à dor, asseguram aprópria sobrevivência por meio de atosinvoluntários, fazendo o coração bater, ouvoluntários, permitindo a escolha consci-ente de um caminho em meio ao trânsito,por exemplo. A partir das conclusões a .que chegou, a equipe carioca criou umaabordagem que auxilia no detalhamentode algo extremamente prático: a ação dosanestésicos, medicamentos que diminuema sensibilidade à dor por bloquear a passa-

gem dos sinais elétricos através dosneurônios, as células nervosas.

Em outra área, o grupo do físico Pe-dro Geraldo Pascutti, do Instituto deBiofísicaCarlos Chagas Filho, da UFRJ,mostrou como uma proteína conseguerapidamente, logo após ser produzida,dobrar-se sobre si mesma e, em poucosminutos, assumir a forma espacial quelhe permite atuar de modo mais efici-ente no organismo. Os passos dessebalé parecem simples - e de fato são -,mas ninguém até agora sabia como éque as proteínas seguem automatica-mente esse roteiro. Por serem longas eflexíveis, podem sofrer torções e assu-mir milhões de formas diferentes. Sefosse testar cada possibilidade, umaproteína qualquer consumiria bilhõesde anos antes de chegar à forma maisadequada - e provavelmente só se for-mariam os organismos mais simples.

Impulsos nervosos - Os milhares deporos da superfície dos neurônios re-gulam a entrada de átomos com cargaelétrica positiva, os chamados cátions,e, desse modo, controlam a propagaçãodo impulso nervoso (veja ilustração napróxima página). Conhecidos como ca-nais de sódio, essesporos permanecemfechados por uma espécie de tampa en-quanto a célula nervosa está inativa.Nessas condições, a concentração desódio no exterior das células torna-seaté dez vezes superior à do interior e oimpulso nervoso não surge.

Com um nível de detalhe jamais al-cançado, a equipe da UFRJ deduziu aforma da tampa desse poro: é uma es-trutura semelhante a um grampo decabelo encurvado, como um gancho. Ogrupo carioca mostrou também comoessa tampa se movimenta, sofre defor-mações e consegue fechar a passagemdo canal situada no lado interno dascélulas. A conseqüência natural dessemovimento é o bloqueio do transportedo sinal elétrico pela superfície do neu-rônio e a interrupção da comunicaçãocom a célula nervosa seguinte.

Toda vez que o neurônio re-cebe um estímulo, a tam-pa desses canais se abre edeixa o sódio atravessar amembrana, uma dupla ca-

mada de gordura que separa o interiordo neurônio do meio externo. À medi-da que entram mais sódio, mais porosse abrem e o impulso nervoso se propa-ga num único sentido como uma ondaaté atingir, em milésimos de segundo,a extremidade do neurônio, liberan-do mensageiros químicos chamados deneurotransmissores, que passam a in-formação para a célula seguinte.

Agora se conhece melhor também opróprio canal de sódio, no qual a tam-pa se encaixa. Sabe-se já há alguns anos,graças ao trabalho de grupos interna-cionais de pesquisa, que a estrutura docanal consiste de uma única proteínade 1.820 aminoácidos (as unidades das

proteínas). A maior parte dessa longamolécula enovela-se em quatro feixes,cada um com seis tubos semelhantes abananas de dinamite: são as paredes doporo por onde o sódio apenas entra,sem poder sair.

As moléculas que vão formar os po-ros nascem como fitas longas no interi-or das células e começam a se enrolarem espirais sucessivasou como um no-velo de lã."Esse emaranhamento é umaconseqüência da atração ou da repul-são entre as cargas elétricas de trechosda proteína e da ação mútua dessascargas e de segmentos não-carregadoscom as moléculas de água que se en-contram tanto dentro quanto fora dacélula': explica Pascutti. Nos trechos nointerior da célula, a proteína se apre-senta menos enrolada. É um desses seg-mentos mais delgados da proteína queforma a tampa do canal.

Essa tampa é um filamento de ape-nas 53 aminoácidos com uma caracte-rística importante: em dois pontos desua porção mais delgada, a proteínavolta a se espiralar e forma dois blocosdistintos e compactos, conforme verifi-cou a equipe da UFRJ. O maior dessesblocos chama a atenção por funcionarcomo uma espécie de trava da tampado canal e por ser bastante resistente.Simulações feitas em um programa decomputador desenvolvido por Pascuttie pelos físicos Kleber Mundim, da Uni-versidade de Brasília (UnB), e PauloBisch, da UFRJ, indicaram que a região

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Conexão nervosa Em resposta a um susto ou tropeção, os porosda membrana dos neurônios (canais de sódio)se abrem e deixam entrar cátions de sódio

Cátions de sódio

Após atravessar a membrana,os cátions invertem a carga

~

elétrica da superfície da célula++++++ /)

--------~ Ganhando cátions, o interior do neurônio,antes eletricamente negativo, torna-se positivo.

~

Mais canais de sódio se abrem e levam adiante/) o impulso elétrico, que acionará outros neurônios

- ++++++ ~

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em forma de grampo se mantém bas-tante rígida mesmo ao ser aquecida auma temperatura quase quatro vezessuperior à do corpo humano.

Valendo-se desse mesmo programaque, por sua robustez, recebeu o nomede Thor, o deus germânico do trovão,Pascutti, sua ex-aluna de mestrado Fer-nanda Leite Sirota e a física argentinaCelia Anteneodo, do Centro Brasileirode Pesquisas Físicas (CBPF), viram queesses dois trechos mais compactos datampa se movimentam em conjuntoe,desse modo, conferem a firmeza ne-cessária à abertura e ao fechamento docanal. Conectada por hastes flexíveis àparte mais longa da proteína, essa travaestá sujeita a mudanças na distribuiçãode cargas elétricas na região próxima àabertura interna do canal. "São essas al-terações que fazem o poro se abrir oupermanecer fechado", diz o físico.

É possível imaginar essa tampacomo uma arapuca, armadilha emforma de pirâmide para pegar passa-rinho, feita com pedaços de madeira. Aestrutura da arapuca corresponde àtampa, e a alavanca de madeira que amantém armada, a uma espécie de bar-

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reira de energia criada pela diferença decargas elétricas entre o canal e a tampa.Qualquer alteração provocada pelamudança de cargas diminui essa bar-reira de energia e, como a alavanca quese desarma, faz o poro se fechar.

~

qUiPe do Rio constatou que. a posição do bastão maior

era fundamental para ofuncionamento do canal."Quando o cilindro se

apresenta inclinado em relação à faceinterna da membrana, uma barreira deenergia impede o fechamento do ca-nal", explica Pascutti. Alterações na dis-tribuição das cargas elétricas na região,no entanto, levam à inclinação do bas-tão e ao fechamento do poro. "Acredita-mos que os anestésicos provoquem adiminuição dessa barreira de energia, ofechamento do canal e, como resultado,impeça a passagem do impulso nervo-so': comenta o físico, que consolidouesses achados em março de 2002 no Bio-physical [ournal. Rachel Klevit, da Uni-versidade de Washington, nos EstadosUnidos, já havia detectado somente aforma do bastão maior por meio de

ressonância magnética nuclear, umatécnica usada para produzir imagensdo corpo humano. Coube à equipe ca-rioca desvendar os detalhes em um es-tudo independente.

A originalidade desse trabalho foitratar a membrana e o meio aquoso dedentro e de fora das células como duasregiões com capacidade diferente deconduzir corrente elétrica. Essa idéianasceu em meados dos anos 90, quan-do Pascutti começava a trabalhar noCBPF com Paulo Bisch e Kleber Mun-dim. Adotando esse enfoque, descrevi-am a interação entre as proteínas e asmembranas das células adaptando a Leide Coulomb, uma expressão matemáti-ca formulada em 1785 pelo físico fran-cês Charles-Augustin de Coulomb. Aaplicação desse método permite simu-lar, sem a necessidade de supercompu-tadores, a movimentação dessas e deoutras moléculas em membranas poraté 100 nanossegundos (um nanosse-gundo é a bilionésima fração do segun-do), um tempo até cem vezes superiorao de outros métodos.

Em um estudo publicado em 1999no European Biophysics [ournal, usando

o o

o canal de sódio tema forma de um tuboconstituído por uma únicaproteína. Sua tampa interna,detalhada ao lado, tem aforma de um grampo de cabelo

Fora das células, uma molécula como um hormôniopode mudar rapidamente de estrutura espacial.Esse poder de transformação se restringe bastantequando adere à membrana do neurônio

A própria membrana facilita a seleçãodas melhores formas da molécula

que conseguem deslizar até se encaixarnos receptores da membrana

e transmitir informação para o interior da célula

o mesmo método, a equipe de Pascuttimostrou que a própria membrana ce-lular auxilia as moléculas que não têmforma estável quando circulam no meioentre as células ao assumir rapidamen-te sua estrutura espacial mais eficiente.Os pesquisadores trabalharam com umpeptídeo (pedaço de proteína) chama-do hormônio estimulador de melanos-somos, que induz à produção de mela-nina, a substância que dá cor à pele.Novamente por meio de simulações emcomputadores, descobriram que essepeptídeo, ao encontrar a membrana,assume sua forma mais estável e deslizasobre a membrana até se encaixar nosreceptores e transmitir ao interior dacélula a ordem para liberar mais me-lanina.

o balé das proteínas - Com pequenosajustes, o mesmo modelo matemáticoajuda a explicar os meios pelos quaismoléculas longas como as proteínasconseguem se enovelar rapidamente eatingir sua forma funcional em poucosminutos. Se buscasse sua conformaçãofuncional por tentativa e erro, umaproteína pequena formada por apenas

100 aminoácidos levaria 1019 (o nú-mero 1 seguido de 19 zeros) bilhões deanos, segundo Pascutti. "Caso seguisseessa lógica, essa pequena proteína ja-mais chegaria a sua forma biologica-mente mais eficaz, pois gastaria umtempo muito superior à idade do uni-verso", comenta o pesquisador.

Num artigo publicado em 2001 naPhysical Review E, Pascutti, MarceloMoret, da Universidade Estadual deFeira de Santana (UEFS), e EdvaldoNogueira [únior, da Universidade Fe-deral da Bahia (UFBA), propuseramuma explicação para essa contradição,mostrando que a energia que mantémunidos os átomos de uma proteína se-gue um padrão que se repete em esca-las diferentes, os chamados sistemasfractais. Um exemplo de sistema fractalé uma folha de samambaia, em quecada folícula é uma reprodução exata,mas em miniatura, da folha inteira.

Para tornar mais racional a buscapelas posições mais estáveis, em que aenergia dos átomos é menor, os pes-quisadores selecionaram as estruturasda polialanina, uma proteína formadapela repetição do aminoácido alanina,

com maior probabilidade de existir -nem todas são viáveis por causa da re-pulsão provocada pela proximidadedos átomos - com um modelo mate-mático proposto pelo físico Constanti-no Tsallis, do CBPF, um grego que há28 anos se mudou para o BrasiL

Formulado em 1988, esse método,conhecido como estatística de Tsallis, jáse mostrara útil em outras áreas do co-nhecimento, como na economia, indi-cando como obter a maior produtivi-dade de um artigo qualquer com omenor custo. Pascutti imaginou quepoderia empregar essa abordagem paraestudar o enovelamento de proteínasporque permitiria sortear, de maneiramais dirigida, as formas mais estáveis aserem testadas. O método de Tsallis foimuito mais rápido, ao indicar que umapolialanina de 16 aminoácidos podechegar à forma mais estável em 15 milmovimentos, como mostraram no Bio-physical [ournal em 2002. De acordocom o método tradicional, chamadode equilíbrio de Boltzmann-Gibbs, umapolialanina com 16 aminoácidos nãoencerraria seu bailado antes de 150 mi-lhões de passos. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 53

Interferênciapromissora: moléculacriada em laboratório

impede síntese deproteína ligada à

reprodução em 96%das operárias da

espécie Apis mel/ifera

GENÉTICA

• CIÊNCIA

Nova técnica desativatrechos do DNA, bloqueiaprodução de proteína emabel has e acena comaplicações mais abrangentes

Com o auxílio de uma técnica que ga-nha mais credibilidade a cada diana biologia molecular, batizada deRNA (ácido ribonucléico) de inter-ferência ou simplesmente RNAi,

pesquisadores da Universidade de São Paulo emRibeirão Preto conseguiram inativar um gene deabelhas operárias adultas da espécie Apis mellife-ra. Por 15 dias, o gene responsável pela fabricaçãode vitelogenina - principal proteína de reprodu-ção dos insetos, com provável influência sobre osistema imunológico - foi silenciado em 96% das300 operárias que receberam injeções de RNAi.Silenciado é o termo cunhado pelos cientistas paradescrever o efeito neutralizador exercido sobre umgene pelo RNAi, molécula criada em laboratórioque difere do RNA convencional por apresentarduas fitas de pares de base (unidades químicas) emvez de apenas uma.

Essa fita a mais, presente na molécula artificial,foi capaz de destruir a receita química que co-mandava a produção da vitelogenina antes queesse comando chegasse ao ribossomo, a organela

MARCOS PIVETTA

54 . MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

celular encarregada de sintetizar as pro-teínas. Sem ordem de serviço, o ribos-somo parou de fabricar a vitelogenina.Ou seja, o gene dessa proteína continuoua existir e não sofreu nenhuma altera-ção em sua seqüência de pares de bases.Ele apenas foi desligado ou inativa do,visto que sua mensagem é interceptadae sabotada antes de atingir seu destina-tário. "Ainda não podemos afirmar comcerteza se o silenciamento é temporárioou definitivo" afirma Zilá Paulino LuzSimões, da USP de Ribeirão Preto, prin-cipal autora brasileira do trabalho. O es-tudo, que contou com a participação decientistas da Universidade Agrícola daNoruega, foi publicado em 20 de janei-ro na revista científica eletrônica BMCBiotechnology.

Em outro experimento, ainda emcurso, a equipe de Zilá conseguiu anularo mesmo gene em abelhas rainhas deApis mellifera. Nesse caso, no entanto, a

eficiência da técnica foi me-nor. Apenas metade das 40líderes de colméia não sinte-tizou a vitelogenina. "Talvezseja necessário aumentar aquantidade de RNAi que de-mos para as rainhas': explicaZilá. Em ovos que dariamorigem à operárias, foi in-jetada uma solução de 1 mi-crolitro (a milionésima par-te do litro) na qual havia 5microgramas de RNAi. Nasrainhas, em que o gene davitelogenina é expresso (acio-nado) com o dobro de in-tensidade das operárias, mi-nistrou-se o mesmo meiolíquido, só que com 10 mi-crogramas de RNAi. Paratentar melhorar a eficiênciada técnica de silenciamentoentre as abelhas que coman-dam a colônia, novas dosa-gens de RNAi serão inocu-ladas em mais rainhas.

Apesar de ainda estarem estágio inicial, o trabalhocom as rainhas fornece umanotícia alvissareira: espera-se que as abelhas cujo genefoi silenciado sejam capazesde passar essa característicapara a sua primeira geraçãode descendentes. Suas filhastambém não produziriam aproteína. Ao que tudo indi-

ca, a ordem para não sintetizar a vitelo-genina fica armazenada na memóriadas células maternas e, posteriormente,é transmitida à prole. A história dasabelhas é impressionante, mas não é aprimeira vez que um animal exibe a ca-pacidade de herdar genes silenciados.Um artigo de pesquisadores do ColdSpring Harbor Laboratory, dos EstadosUnidos, publicado em fevereiro na Na-ture Structural Biology, mostrou quecamundongos com um gene inativadopela técnica de RNAi passaram essamodificação genética para seus desce-nentes, criando aparentemente uma li-nhagem estável de animais com essacaracterística.

O gene da vitelogenina foi escolhidopara ser alvo do experimento com RNAiporque as abelhas de mel possuem umacaracterística que intrigava os pesqui-sadores da USP. Por ser um gene pro-fundamente envolvido no processo re-

produtivo da Apis mellifera, era de seesperar que sua expressão fosse exclusi-va das rainhas, ou pelo menos muitasvezes maior nas abelhas líderes da col-méia do que nas operárias. Afinal, asfunções reprodutivas são praticamenteprivativas das rainhas, que põem a maio-ria absoluta dos ovos que garantem acontinuidade da colônia. Acontece quetanto nas rainhas quanto nas operáriasa expressão do gene é bastante alta, em-bora as primeiras fabriquem o dobrode vitelogenina do que as segundas. "Aquantidade de vitelogenina produzidapelas rainhas pode superar 50% de to-das as proteínas sintetizadas por essetipo de abelha", comenta Zilá. Nas ope-rárias, essa taxa atinge expressivos 30%,um indício de que essas abelhas subal-ternas, além de trabalhar, devem tam-bém participar da reprodução e de ou-tras funções importantes.

Contra Aids e câncer - Desde que foidescoberta em 1997, a técnica de usar oRNA dupla fita para interferir no fun-cionamento de genes passou a ser usa-da, com diferentes graus de sucesso epara distintas finalidades, em plantas,animais, fungos e até mesmo em célulashumanas. Às vezes, o RNAi não conse-gue silenciar totalmente um gene, masleva a uma redução considerável naprodução da proteína derivada do geneem questão. Os mais otimistas acredi-tam que, quando - e se - for plena-mente controlado, o emprego de RNAipode se tornar uma ferramenta tera-pêutica de grande utilidade, sendo ca-paz de desativar genes ligados a uma sé-rie de doenças, inclusive o câncer, e darorigens a potentes medicamentos.

Num artigo na edição de julho pas-sado da revista Nature Medicine, o nor-te-americano Philip Sharp, ganhadordo Prêmio Nobel de Medicina em 1993e pesquisador do Instituto de Tecnolo-gia de Massachusetts (MIT), mostrouque o mecanismo de RNA de interfe-rência poderia ser usado para combatera infecção causada pelo vírus HIV daAids. Sharp conseguiu silenciar genesdo próprio HIV - um vírus cuja molé-cula central é o RNA - e de células hu-manas em meio de cultura. A revistaScience considerou os estudos comRNAi a linha de pesquisa mais im-portante do ano passado.

Dominar a etapa de confecção emlaboratório de uma molécula de ácido

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 5~

cotado unem-se então a um complexode proteínas e, em conjunto, atacam oRNA mensageiro, retalhando-o em por-ções não-funcionais. Como seu nomeindica, o RNA mensageiro - uma mo-lécula convencional de ácido ribonu-cléico, derivada de um gene e com ape-nas uma fita de pares de base - é ocarteiro que carrega a ordem químicaoriunda de seu respectivo gene até o ri-bossomo, a organela celular responsávelpela produção de proteínas. Fragmen-tado, o RNA mensageiro não conseguemais levar adiante a receita fornecidapelo gene que o originou. Desse modo,interrompe-se a produção da proteínaque seria feita a partir daquele gene. Emlinhas gerais, é assim que funciona atécnica de RNAi.

Mensagem interrompida

Como impedir a produção de uma proteínaque seria gerada a partir de um gene

Proteínas;T~~~\rn O O O ~ D O O O O a O o o o O

RNAo mensageiro

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ribonucléico com dupla fita e que sejacapaz de silenciar especificamente umgene - e apenas ele, sem interferir nosdemais componentes do genoma - épossivelmente o fator determinante dosucesso ou fracasso do uso da técnicade RNAi em um organismo. Isso porquepara cada gene que se quer desativar énecessário conhecer a sua seqüênciacompleta de pares de bases que codifi-cam sua respectiva proteína e, a partirdessa informação molecular, derivar econstruir um RNA dupla fita muitoparticular. Só foi possível, por exemplo,parar a síntese de vitelogenina em abe-lhas depois que os pesquisadores deRibeirão Preto conseguiram produzircom precisão um RNA dupla fita com-plementar à seqüência de pouco maisde 500 pares de base que compõem aparte codificante do gene dessa proteí-na. "Qualquer descuido nessa fase fazcom que a técnica de RNAi não fun-cione", diz Zilá.

Depois de obtido o RNA dupla fita,o passo seguinte é injetar esse material no

56 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Em laboratório, produz-se uma1 molécula de RNA diferente do padrão,

com duas fitas de pares de bases,uma a mais do que o normal.

o RNA dupla fita é injetado noorganismo cujo gene se quer inativar.Dentro da célula, essa moléculamodificada é cortada por uma enzimaem pedaços de cerca de 25 paresde base.

Esses pedaços unem-se a proteínase as fitas se separam. Em conjunto,essas moléculas picotam oRNAmensageiro (de fita única)existente no interior da célula.

Fragmentado, o RNA mensageironão consegue mais levar adiantea receita fornecida pelo gene queo originou. Desse modo, interrompe-sea produção da proteína que seriafeita a partir de seu respectivo gene.

organismo que tem o gene a ser desati-vado (veja ilustração). Feito isso, essamolécula modificada de ácido ribonu-cléico é, dentro da célula, cortada- empedaços de cerca de 25 pares de base por.uma enzima chamada Dicer. Esses pe-quenos trechos de RNA dupla fita pi-

o PROJETO

Abelhas Africanizadas: AnáliseIntegrada do Processo de Apismellifera com Foco sobreDeterminantes da Fertilidadede Zangões, Rainhas e Operárias

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORAZILÁ Luz PAULINO SIMÕES -

Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras da USP de Ribeirão Preto

INVESTIMENTOR$ 967.157,42

Papel revisto - De quebra, o aparentesucesso do método de silenciamentode genes - aparente porque ninguémainda sabe ao certo por quanto tempodura essa inativação, tampouco há cer-teza absoluta de que a técnica não pro-voque efeitos colaterais indesejados -acabou elevando o status da moléculade ácido ribonucléico. O RNA semprefoi visto como uma espécie de primopobre do ácido desoxirribonucléico, opopular DNA, detentor do código ge-nético, necessário para a produção detodas as proteínas de um organismo.

Achava-se que o RNA exercia basi-camente o papel de fazer a interme-diação entre trechos de DNA (os genes)e as proteínas. O ácido ribonucléico eraencarado como um fiel e passivo en-tregador, um leal mensageiro, da fór-mula ditada pelos trechos de DNA parao ribossomo. Seu papel era, sem dúvi-da, imprescindível, mas de caráter maisburocrático do que criativo. Da mes-ma forma que um tradutor não devese afastar do conteúdo original da obraque verte para um outro idioma, oRNA não devia interferir no significa-do da mensagem que lhe foi confiadapelo DNA. Podia até fazer as adapta-ções necessárias para que o ribossomomelhor compreendesse o texto quími-co ditado pelos genes, mas não maisque isso. Ao acrescentar uma fita amais ao RNA convencional, essa noçãode que o ácido ribonucléico jamais in-fluía na mensagem do gene caiu porterra. Não só influi, como pode atémesmo destruí-Ia por completo, comoatesta a técnica de RNAi. •

Ihebe .oeterno!"esifIJodo llIito

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CULT- ~

O prazer do conheclrnento- -.. - - .

Cul! - Revista Brasileira de Cultura é uma publicação mensal da Editora f 7Rua Joaquim Floriano, 488 - 3°andar.- Itaim Bibi - São Paulo - SP- Cep 04534~02 - --- -" .•.Tel.: (11) 3078-4622 ~ Fax: (11) 3078-2046 - e-mail: cult@editora1 ~.CQn1.br- site: ~revístacutt,com,br

sua versão mais refinada, o DNA, guar-dam informações que iniciam o pro-cesso de produção de proteínas, indis-pensáveis para a formação de todas aspartes dos seres vivos. Capaz de atrairfragmentos menores que, unidos, re-sultariam numa cópia dele mesmo, o

primeiro replicador sur-giu casualmente. "Foium acidente histórico",diz Fontanari. Mas bas-tou para mudar o pa-drão de produção demoléculas, antes forma-das por simples agrega-ção de blocos, como sefossem peças de Lego sejuntando ao acaso.

Se dependesse desseprimeiro replicador, avida não teria futuro na

Terra. Por ser pequeno, não podia guar-dar informação suficiente para iniciar afabricação de proteínas. Conseguia co-piar-se, atuando como molde para sipróprio, mas o processo ainda era len-to e sujeito a erros, que se tornavammais freqüentes à medida que crescia."Quanto maior a molécula, mais difícile demorado é fazer uma cópia delamesma", diz o físico, apoiado em com-provações experimentais. "A probabili-dade de o primeiro replicador fazerumacópia perfeita dele mesmo era pratica-mente nula."

No início,as enzimas

ajudavam asmoléculas

egoístas

Salto estratégico - Houve outro aci-dente histórico algum tempo depois.Inaugurando o terceiro padrão de con-fecção de moléculas, que persiste atéhoje, os descendentes do primeiro re-plicador, já diferentes em relação aooriginal por causa dos erros acumula-dos, conseguem criar moldes interme-diários - eis as enzimas, um tipo deproteína que acelera as reações quími-cas. Com elas, o replicador ganha tem-po, evita erros e gera mais cópias delemesmo. Está também maisprotegido dos ataques deoutras moléculas, uma si-tuação próxima à encon-trada em alguns tipos devírus, nos quais uma mo-lécula atua como capa pa-ra o material genético.

Eigen, ao formular es- z

sa tese, notou que havia ~algo estranho, que mais gtarde ficou conhecido co- ~

60 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

mo paradoxo do altruísmo. Ao criaruma enzima, em vez de simplesmentecontinuar se copiando, a molécula mu-tante, que inicia essa nova geração dereplicadores, faz algo que não seria usa-do só por ela, mas beneficiaria tambémos replicadores que ainda se copiavampor molde. "Eigen resolveu os proble-mas de complexidade química da ori-gem da vida, mas não percebeu que,desse modo, haveria altruísmo entre asprimeiras moléculas mais evoluídas daTerra", comenta Fontanari. O biólogoinglês Iohn Maynard Smith, da Univer-sidade de Sussex, Inglaterra, repudiouessa idéia por achar que seria impos-sível haver altruísmo entre moléculas.

Examinandoo impasse, Fon-tanari concluiu que esseno-vo replicador tinha um pre-ço a pagar por sua novahabilidade: não poderia se

copiar enquanto criasse a enzima. É amesma situação pela qual passa umoperário que ganha de acordo com onúmero de tampinhas de garrafas queele fecha manualmente. Poderá pôr astampinhas mais rapidamente se cons-truir uma máquina, mas, enquanto aconstrói, não consegue cumprir a metade produção e ganha menos que seuscompanheiros, para quem o trabalhomanual é inevitável.

Diante das moléculas egoístas, quenão haviam parado de gerar cópias de-las próprias nem tinham perdido tem-po criando enzimas, a molécula'replicadora via-se em desvan-tagem e, portanto, corria ris-co de extinção. Só não estariaem maus lençóis se a enzi-

ma agisse somente para ela - algo im-provável com a bioquímica da época.Desse modo, a proteína vai auxiliaroutros replicadores, que usufruem desuas vantagens sem custo algum.

Isolamento e mistura - Surgiu, porém,um impasse. "O estudo matemático dadinâmica de evolução desses dois tiposde replicadores competindo pelos seusblocos formadores mostra que os repli-cadores enzimáticos não podem inva-dir nem tampouco co-existir com a po-pulação de replicadores tipo molde':comenta o físico. "Mas sabemos que ainvasão deve ter ocorrido, pois os repli-cadores atuais são do tipo enzimático,"Como sair dessa e explicar o altruísmo,uma aparente desvantagem? Fontanariresolveu a charada ao mostrar, mate-maticamente, que o replicado r enzi-mático consegue sobreviver, ainda quesendo generoso com os companheirose lhes emprestando sua preciosa enzi-ma, desde que esteja confinado numespaço restrito ou não possa se movermuito, de modo que a enzima se man-tenha próxima à molécula-mãe.

As equações conferem com uma hi-pótese de aceitação crescente entre osbiólogos, segundo a qual a vida teriasurgido em fendas de rochas, partículasde lama ou gotas d'água, que benefi-ciam o confinamento das moléculas.Outro ponto que reforçou a tese é queagora não se fala mais que os primeirosreplicadores teriam surgido numa mis-

tura, a sopa primordial, masem espaço plano, semelhan-te a uma pizza - algo comoa superfície de uma pirita,mineral à base de óxido deferro, o mais cotado paraabrigar as formas antigasde vida. Passando de umespaço de três para um deduas dimensões, as rea-ções químicas ocorreriammais facilmente.

Ainda não era o bastan-te. Se ficassem isolados, os

replicadores enzimáticos, porserem altruístas, seriam elimina-

dos pelos outros, os egoístas. Poressa razão, Fontanari argumenta que,além do confinamento, é preciso que

ocorra mistura en-tre os grupos demoléculas. "Devi-do às marés ou ao

A pirita, sobre a qualpode ter surgido a vida:pizza em vez de sopa

vento, os grupos se misturam periodi-camente e se redistribuem de formaaleatória nos compartimentos", diz."Nessa redistribuição, dones dos repli-cadores enzimáticos, mais numerosospor conseguirem se copiar mais rapida-mente, têm maiores chances de voltaraos compartimentos, enquanto os quenão conseguirem seriam literalmentelevados pelo vento." É esse o momentoem que os replicadores enzimáticos re-cuperam a desvantagem inicial, já que amistura possibilita a saída dos egoístasde grupos abundantes em enzimas devi-do à presença dos altruístas. Caindo emgrupos pobres em enzimas, os egoístasperdem poder de replicação e permitemo isolamento dos altruístas. "Matemati-camente, mostra-se que esse processorepetido termina por levar ao predomí-nio do altruísmo", assegura o físico.

as por que só restouuma molécula, oDNA? "É um resulta-do matemático, umaconseqüência da di-

nâmica de replicadores', diz Fontanari.Ele acredita que tenha surgido, primei-ro, outro tipo de replicado r: o RNA ouácido ribonudéico, uma molécula maissimples (é uma fita simples, enquanto oDNA é uma fita dupla, como dois fiosenrolados entre si). A idéia ganha forçacom a comprovação de que o RNAconsegue agir como replicador, geran-do cópias de si mesmo, e como enzimade outra molécula. "O DNA foi uma in-venção do RNA e dos outros replicado-res mais complexos", sugere o físico.Mas a invenção mais recente é que to-mou as rédeas da evolução e, na maio-ria dos organismos - salvo alguns vírusque armazenam o material genético naforma de RNA -, hoje é o DNA que fazo RNA, no processo inicial de produçãode proteínas.

Esse conjunto de idéias, que ajudatambém a entender por que há uma re-ceita única para a produção de proteí-nas, o chamado código genético, emqualquer organismo, contesta a tese doindividualismo biológico, propagadadesde 1976 pelo livro O Gene Egoísta,do biólogo inglês Richard Dawkins. Poroutro lado, em momento algum con-traria o princípio da seleção natural deCharles Darwin. "A natureza não preci-sa de outro princípio organizador alémda seleção natural", diz.

As vantagens do sexo - Fontanari re-solveu outros impasses que os biólogosjá conheciam, mas não conseguiam ex-plicar com precisão como surgiam e sedesenvolviam. Um deles é a reproduçãosexuada. Os cientistas sempre se per-guntaram por que o sexo pode ser umavantagem evolutiva, principalmentepara os organismos que contam com asduas alternativas - há protozoários quepodem se duplicar com autonomia,sem precisar de um parceiro, assegu-rando a continuidade de todo seu ma-terial genético, contido no DNA, masoptam pela reprodução sexuada, pormeio da qual transmitem apenas meta-de de seus genes. "Há uma pressão sele-tiva em favor da recombinação deDNA", diz Fontanari, que nessa áreatrabalha com biólogos evolucionistas daMiddle Tennessee State Univeristy, Es-tados Unidos.

Quem levantou o problema foi ogeneticista norte-americano HermannIoseph Müller (1890-1967), ao desco-brir que os raios X podem causar mu-tações em moscas-de-fruta (Drosophi-la melanogaster), um achado que lhevaleu o Prêmio Nobel de Medicina de1946. Anos depois, sentenciou: as mu-tações (mudanças no DNA) fazemmais mal do que bem e se acumulammais rapidamente em espécies que sereproduzem apenas de modo assexua-do, num caminho sem volta, que ficouconhecido como catraca de Müller. Opróprio Müller sugeriu que a reprodu-ção sexuada, por permitir a mistura dematerial genético, conseguiria revertera catraca e evitar o efeito prejudicial dasmutações, hoje vistas como fonte de di-versidade dos seres vivos, mas que, senão corrigidas, ao menos em parte,ameaçam a sobrevivência, por reduzi-rem continuamente a adaptação dos

o PROJETO

Evo/ução Mo/ecu/ar Teórica

MODALIDADEProjeto temático

COORDENADORJOSÉ FERNANDo FONTANARI -Instituto de Física de São Carlos -USP

INVESTIMENTOR$ 148.000,00

animais e das plantas ao ambiente emque VIvem.

Mas faltava explicar o movimentoda catraca de Müller, associado a fe-nômenos bastante estudados, como adegeneração do cromossomo sexualY. Foi o que fez Fontanari em artigopublicado em dezembrode 2001 na Physical Re-view Letters: a catracaavança e a trava corre,passando de um dente aoutro, quando todos osorganismos de uma po-pulação adquirem amesma mutação. Já sesabia que é mais prová-vel que ocorram poucasdo que muitas mutaçõ-es - em um vírus, a cadareplicação surge pelomenos uma mutação por genoma.

O pesquisador de São Carlos fechao artigo com duas fórmulas, que, se-gundo ele, "têm grande potencial parauso prático" por determinarem a taxade mutação por genoma e a intensida-de da seleção natural, desde que conhe-cida a distribuição da adaptabilidadede uma espécie, medida por meio dafreqüência de indivíduos com diferen-tes capacidades de sobrevivência emum mesmo ambiente. "Se não houves-se um mecanismo como a catraca deMüller que indicasse que os microrga-nismos com reprodução assexuada es-tariam em desvantagem por não con-seguir anular a mutação, as formasassexuadas é que prevaleceriam", diz. Omesmo trabalho mostra por que a ca-traca não pára, ainda que seu movi-mento seja lento. Quão lento? "Depen-de do tempo de geração do organismoenvolvido': responde Fontanari. Para asbactérias, que criam uma nova geraçãoa cada 20 minutos, a catraca vai correrum dente a cada 40 anos, que corres-pondem a 1 milhão de gerações.

A eliminação de mutações que in-cessantemente alteram o DNA, pormeio da produção contínua de novosseres, pode ser entendida também pormeio da analogia com a Teoria da Rai-nha Vermelha, que se refere a um per-sonagem do escritor britânico LewisCarroll em Alice Através do Espelho. ARainha Vermelha não deixava ninguémparar de correr alegando: "Temos decontinuar correndo para permanecerno mesmo lugar': •

Equaçõesrevelam aintensidadeda seleçãonatural

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 61

SeIBiblioteca deRevistas Científicasdisponível na Internetwww.scielo.org

Em uma sociedade onde o culto ao corpo é cada vez maisdestacado, a busca pela silhueta considerada perfeitapode tornar-se perigosamente obsessiva. No artigo Etio-logia dos Transtornos Alimentares: Aspectos Biológicos, Psi-cológicos e Socioculturais, os pesquisadores Christina M.Morgan e Ilka Ramalho Vecchiatti, do Departamento dePsiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, e An-dré Brooking Negrão, do Hospital das Clínicas da USP,fizeram uma análise da origem desses distúrbios conside-rando predisposições genéticas, socioculturais e vulnera-bilidades biológicas e psicológicas. ''A dieta é o compor-tamento precursor que geralmente antecede a instalaçãode um transtorno alimentar, mas só com uma interaçãoentre os fatores de risco e outros eventos precipitantes,como distorções cognitivas, ocorrência de eventos vitaissignificativos e alterações secundárias ao estado de des-nutrição podem elevar o transtorno alimentar a um es-tado crônico", concluíram.

REVISTA BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA - VOL. 24 - SUPL. 3 -DEZ. 2002

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462002000700005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• AGRICULTURA

Crescimento aceleradoCom o objetivo de avaliar o efeito do tamanho da se-

mente na acumulação de biomassa e nutrientes e no ren-dimento de grãos de cultivares de feijoeiro Phaseolus vul-garis L. no campo, os pesquisadores Adriano Perin, PauloAdelson e Marcelo Grandi Teixeira analisaram sementesgrandes e pequenas de três tipos de feijão: kaboon, man-teigão e carioca. As amostras foram colhidas da segundaaté a décima semana. O experimento, relatado no artigoEfeito do Tamanho da Semente na Acumulação de Biomas-sa e Nutrientes e na Produtividade do Feijoeiro, mostrouque as sementes grandes aumentaram a altura da planta,o índice de área foliar e a biomassa da parte aérea e raizdesde a primeira amostragem, mas não modificaram amassa de vagens. No início, as sementes grandes aumen-taram a taxa de crescimento da cultura, mas esse efeitodesapareceu ao final do período amostral. Plantas origi-nadas de sementes grandes acumularam mais nitrogênioe potássio na parte aérea e raízes aos 49, mas não aos 70dias após semeadura. Os pesquisadores observaram queao final do experimento não houve efeito do tamanho dasemente na produção de grãos, componentes de produ-ção e índice de colheita. Sementes de maior tamanho po-

Notícias• ABELHAS

Enxames de verãoCaixas, tambores, bura-

co nas paredes e forro sãoabrigos em potencialpara as abelhas africani-zadas Apis mellifera faze-rem colônias e enxames.As árvores também ser-vem de refúgio para umadas mais agressivas es-pécies. Em contato com apopulação, as abelhas pro-movem acidentes com aspessoas especialmente naprimavera e no verão. Essa é a conclusão de ElisabeteAparecida da Silva e Maria Helena Silva Homem de Mel-10, do Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria Mu-nicipal da Saúde de São Paulo, e Delsio Natal, da Facul-dade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo,apresentada no artigo Abelhas Africanizadas em Área Me-tropolitana do Brasil: Abrigos e Influências Climáticas. Ospesquisadores analisaram os locais mais freqüentes deinstalação de colônias e pouso de enxames, além da cor-relação com variáveis climáticas em mais de 3 mil ocor-rências atendidas pelo Centro de Controle de Zoonosesentre 1994 e 1997. Na primavera e no verão, as abelhasestão mais ativas na busca de alimento e na autodefesa.Atraídas por sucos, refrigerantes e doces, elas acabamprovocando acidentes no contato com as pessoas. Assim,recomenda-se evitar expor produtos alimentícios con-tendo açúcares ao ar livre.

REVISTA DE SAODE POBLICA - VOL. 37 - 02 - ABR. 2003

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102003000200012&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• PSIQUIATRIA

Dieta perigosaBaixa auto-estima, tendência para engordar, transtor-

nos de ansiedade, hereditariedade, problemas de rela-cionamento familiar e o ideal de magreza ressaltado nacultura ocidental: esses são alguns dos principais ingre-dientes para alguém ser acometido pela bulimia ou pelaanorexia nervosa, os chamados transtornos alimentares.

62 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

dem antecipar o crescimento do feijoeiro, mas plantasoriundas de sementes pequenas podem compensar seumenor crescimento inicial garantindo uma mesma pro-dução de grãos.

PESQUISA AGROPECUARIA BRASILEIRA - VOL.37 - N° 12 -DEz. 2002

www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S01 00-204X2002001200006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• OFTALMOLOGIA

Mais que estéticoA toxina botulíni-

ca, conhecida popu-larmente como bo-tox, não se limita aouso estético. Ela po-de ser um eficienteremédio para trata-mento de espasmosfaciais por bloqueara liberação de ace-tilcolina na junçãoneuromuscular. Umestudo promovidopelos pesquisadoresArthur Limongi deSouza Carvalho, Cíntia Fabiane Gomi, Eurípedes daMota Moura, Roberto Murillo Limongi de Souza Carva-lho e Suzana Matayoshi, relatado no artigo Tratamentodo BZefaroespasmo e Distonias Faciais Corre/atas com To-xina Botulínica - Estudo de 16 Casos, mostrou que o usodo botox foi eficaz em 87,5% dos pacientes pesquisados,que tinham média de idade de 64 anos. A duração médiado efeito da droga situou-se principalmente entre 30 e 90dias. A injeção da toxina aliviou espasmos por um perío-do médio de três meses. O início da duração dos efeitosda aplicação foi percebida no período de 24 a 48 horaspela maioria dos pacientes. O estudo detectou tambémque o efeito do botox foi maior no espasmo hemifacial,que se inicia com tremores palpebrais intermitentes emuma pálpebra e acaba comprometendo todos os múscu-los do lado da face acometida.

Ceratoroniuntivite alérgica

Bolo~ para eatemenro de bldaroespasmo

01)1 f)'t: end grafl.vcrsus-hosl dtseese

Imullofiuort'scênria direta em JKnfiQ6ideeícamcleloeuter

son da Silva Brabo, Edvaldo Carlos Brito Loureiro, Iraci-na Maura de Jesus e Kleber Fayal, do Instituto EvandroChagas, e Volney de Magalhães Câmara, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, abordado no artigo Avaliaçãodos Níveis de Exposição ao Mercúrio entre Índios Pacaas-novas, Amazônia, Brasil, revelou que teores médios demercúrio encontrados nas amostras de cabelo de 910 ín-dios avaliados foram de 8,37 ug/g, superior aos 6,0 flglgdeterminados pela Organização Mundial da Saúde comoindicador de exposição. A área habitada pelos pacaas-no-vas está sob a influência da Bacia do Rio Madeira, onde aatividade garimpeira é praticada. Os garimpeiros jogamo mercúrio na água para formar uma amálgama com osgrãos do ouro. Em seguida, a amálgama é queimada libe-rando o mercúrio para o ambiente. O desmatamento tam-bém contribui para a mobilização do metal dos solos paraos ecossistemas aquáticos pela lixiviação. Com a depen-dência do peixe como fonte de alimentação das comuni-dades indígenas, a contaminação dos índios pode se ini-ciar na fase intra-uterina e ir acumulando teores cada vezmais relevantes do metal durante a vida adulta. O mercú-rio é um metal tóxico muito prejudicial à saúde. Quandoingerido, pode prejudicar o funcionamento do sistema ner-voso e dos aparelhos digestivo, respiratório e urinário.

ARQUIVOS BRASILEIROS DE OFTALMOWGIA - VOL.66 - N° 1 -JAN/FEV. 2003

www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492003000100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• íNDIOS

Tribo ameaçadaO alto nível de exposição ao mercúrio ameaça a saúde

dos índios pacaas-novas, residentes nos municípios deGuajará Mirim e Nova Marmoré (RO). Um estudo feitopor Elisabeth C. Oliveira Santos, Fernanda Sagica, Edil-

CADERNOS DE SAUDE PUBLICA - VOL.19 - N° 1 - JAN/FEV.2003

www.scielo.brlscielo.php?script=sci3rttext&pid=S01 02-311 X2003000100022&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

• INTERNET

Conhecimento digitalA Internet está permitindo ampliar o potencial das

pesquisas científicas no Brasil e no mundo. A existênciade documentos livres disponíveis na rede mundial decomputadores contendo os resultados de pesquisas deponta em diversas áreas de ciência e tecnologia disponí-veis na rede mundial de computadores configura umaoportunidade altamente significativa e até então inéditapara a ciência dos países em desenvolvimento como oBrasil e constitui um mecanismo potencial de democra-tização no acesso aos resultados de pesquisas e do conhe-cimento em geral. No artigo Documentos Digitais eNovasFormas de Cooperação entre Sistemas de Informação emC&T, Carlos Henrique Marcondes, do Departamento deCiência da Informação da Universidade Federal Flumi-nense, e Luis Fernando Sayão, da Comissão Nacional deEnergia Nuclear, apresentam um histórico do surgimen-to das publicações digitais e dos arquivos abertos comouma alternativa aos mecanismos tradicionais de comu-nicação científica. "Esta oportunidade e suas potenciali-dades não podem passar despercebidas pela comunidadeacadêmica brasileira, nem pelos gestores e planejadoresde ciência e tecnologia', concluem.

CiÊNCIA DA INFORMAÇAO - VOL.31 - N° 3 - SET./DEz.2002

www.scielo.brlscielo.php?script=sci_arttext&pid=S01 00-19652002000300005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 63

ITECNOLOGIA

• LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

Pneus viram óleo combustívelo Instituto de Carboquí-mica do Conselho Superiorde Investigação Científica(CSIC), em Zaragoza, Es-panha, desenvolveu e pa-tenteou um método limpoe auto-suficiente, baseadoem um processo térmico,para produzir combustíveissintéticos a partir do pro-cessamento de pneus usa-dos. A energia necessária égerada pela combustão departe do resíduo sólido daborracha, de alto poder ca-lorífico, resultante do pró-prio processo (R+D CSIC,publicação eletrônica daOficina de Transferência deTecnologia, 4 de abril). Oprocesso começa com a se-

• Polímeros comum toque de silício

Uma equipe de pesquisadoresliderada pelo professor Mi-chael Sailor, da Universidadeda Califórnia, nos EstadosUnidos, conseguiu transferirpara diversos plásticos orgâ-nicos as propriedades ópticasdos sensores de cristal de silí-cio, matéria-prima dos chipsde computador. O avanço po-de levar ao desenvolvimentode dispositivos implantáveisno corpo humano para umasérie de aplicações médicas."O processo é muito seme-lhante ao da fabricação debrinquedos com plástico in-jetado em molde", disse Sai-lor, em nota da Universidadeda Califórnia. A diferença éque o resultado é uma nano-estrutura flexível e biocorn-

paração da borracha das fi-tas metálicas que compõemo pneu. O próximo passoé submeter o material aum processo de pirólise(decomposição pelo calor).Dessa forma obtém-se, deum lado, gases com altaporcentagem de hidrocar-bonetos, submetidos a um

processo de condensaçãopara obter óleo combustí-vel, e, de outro, um resíduosólido, que corresponde aum terço do produto ini-cial. Exceto para começar oprocesso, em que é necessá-rio um pequeno aporteenergético relativo a nãomais de 5% do total, toda a

patível, que pode controlarcom precisão a transmissão daluz à maneira dos sernicon-dutores na transmissão de elé-trons. Polímeros dotados daspropriedades do silício po-dem ajudar os médicos a ver,por exemplo, se as suturas bio-degradáveis usadas para fe-char uma incisão se dissolve-ram. Também será possívelsaber qual a quantidade deuma droga aplicada em umpolímero biodegradável queestá sendo liberada para o or-ganismo de um paciente. "Asdrogas se dispersam à medidaque o polímero degrada, numprocesso que pode variar deum paciente para outro", ob-

64 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

serva Sangeeta Bhatia, mem-bro da equipe de Sailor. "Ago-ra, é possível monitorar adegradação do dispositivo,decidir sobre sua substitui-ção e avaliar sua função." •

• Mistura paratoda obra

Os pesquisadores do InstitutoNacional de Ciência e Tecno-logia (Nist) dos Estados Uni-dos não cansam de encontrarnovas aplicações para o rnistu-rador industrial que criaram.Desenvolvido originalmentepara facilitar o trabalho de me-dição de gases, o aparelho dáconta, em segundos, de tarefas

energia necessária é geradapelo próprio sistema, com acombustão de gases e deresíduo sólido. O grupo depesquisadores, coordenadopor Ana Maria Mastral,está à procura de parceirosinteressados em adotaresse sistema de reciclagemem escala industrial. Maté-ria-prima não falta: os espa-nhóis jogam fora todo anocerca de 300 mil toneladasde pneus usados, sendo queapenas 16% voltam ao mer-cado, depois de serem re-cauchutados. •

Problema mundial:que destino dar a tantospneus descartados

que antes demandavam horas.A principal delas talvez seja amistura industrial de gases elíquidos, um problema clás-sico nos procedimentos daindústria química. Um rotor(parte giratória de uma má-quina ou motor) em formade dupla hélice é acoplado aum recipiente fechado, querecebe o líquido. Em seguida,o gás é bombeado para den-tro do misturador e um cam-po magnético externo faz giraro roto r. O gás circula inter-namente por orifícios estra-tegicamente posicionados,permitindo uma rápida dis-tribuição no líquido. O novomisturado r também já estásendo utilizado para facilitarreações químicas e removermetais pesados da água - umaaplicação promissora do pon-to de vista ambiental. •

• Sensor alimentadopor fluido corporal

Que tal ser o feliz portador deuma série de sensores médicosem miniatura implantadossob a pele e capazes de avisar,por meio de discretos alarmes,qualquer alteração que com-prometa seu estado físico? Opesquisador Nicolas Mano edois de seus colegas da Uni-versidade do Texas, nos Es-tados Unidos, juntaram-se aFei Mao, da companhia cali-forniana TheraSense, paratentar encontrar uma fontede energia para esses sensores(The Economist, 13 de feve-reiro). O problema é que qual-quer aparelho alimentado porbateria seria volumoso de-mais. A idéia inicial foi usarcélulas a combustível, espéciede bateria que transforma hi-drogênio em energia. O pro-blema é que esses aparelhosnecessitam de componentesquímicos fornecidos por umtanque externo. Foi quandosurgiu outra idéia: e se oscomponentes químicos vies-sem do meio em que as célu-las operam? O corpo huma-no poderia ser o local idealpara receber um novo tipode equipamento que usa osfluidos corporais para gerarenergia. A glicose e o oxigênioseriam os geradores de ener-gia. Estava criada a chave para

o desenvolvimento da "célulabiocombustível', uma estru-tura que consiste de duas fi-bras de carbono, com 7 mí-crons (a milionésima partedo metro) de diâmetro cada.É verdade que, por enquanto,ainda não passa de um expe-rimento, mas a TheraSensenutre sérias esperanças de,um dia, vê-Ias implantadassob a pele dos diabéticos, porexemplo, alertando-os sobreeventual ultrapassagem dosníveis de glicose. •

• OVO para TVde alta definição

O primeiro gravador de DVDa laser azul-violeta, da Sony,está chegando ao mercado.Esse novo tipo de laser pro-porciona maior capacidade deleitura do que aquele usadoatualmente nos aparelhos deDVD, de cor vermelha. As-sim, os disquinhos podem tertambém maior capacidade dearmazenamento. Com a no-vidade, a empresa espera ga-nhar dianteira na luta pela li-derança do setor de TV de altadefinição (HDTV), que co-meça a crescer no Japão e Es-tados Unidos. O aparelho ado-tará os discos do formato doconsórcio Blu-Ray - grupo deempresas que desenvolve e li-cencia o' produto, do qual aSony é membro fundador. •

Laboratório móvel carrega instrumentos para testes

Prumo vai ao NordesteA metodologia de atendimen-to do Projeto Unidades Mó-veis (Prumo) para o setor deplásticos está sendo repassadapara o Nordeste. O Prumo éum laboratório móvel queatende pequenas empresas.Ele é montado dentro de umfurgão, com equipamentos fi-nanciados pela FAPESP,Insti-tuto Nacional do Plástico eServiço Brasileiro de Apoio àsMicro e Pequenas Empresas(Sebrae). Um engenheiro eum técnico do Instituto dePesquisas Tecnológicas (IPT),responsável pela execução doprojeto, fazem as visitas dediagnóstico. "Nosso papel é detransferência de tecnologia',diz Mari Tomita Katayama,diretora-adjunta para projetosespeciais do IPT. O roteiro co-meçou pelo Ceará, onde 20empresas procuraram solu-ções tecnológicas para seusproblemas. A Ceplal, da cida-de de Aquiraz, que trabalhacom materiais reciclados paraproduzir baldes e bacias, que-ria melhorar a qualidade doseu produto. A equipe analisoumatérias- primas, acompanhouas etapas de produção e fezensaios de fluidez e ponto de

fusão em amostras de mate-riais termoplásticos. "As solu-ções apontadas foram acertonos parâmetros de tempera-tura, na velocidade e na pres-são de injeção': diz Mari. Desdeentão, os utensílios fabrica-dos apresentaram maior re-sistência. Atualmente os aten-dimentos concentram-se naParaíba, depois será a vez dePernambuco e Bahia. No to-tal, segundo convênio firma-do com a Financiadora de Es-tudos e Projetos (Finep) e oBanco do Nordeste, serão aten-didas cem empresas. •

• Programas paragerenciar rodovias

O Instituto Tecnológico de Ae-ronáutica CITA)e a empresa desistemas Compsis, de São Josédos Campos, assinaram convê-nio para desenvolver progra-mas eletrônicos de gerencia-mento de tráfego rodoviário.A duração total do projeto éde 24 meses, mas a previsão éque, dentro de um ano, algu-mas ferramentas tecnológicasjá estejam disponíveis, comoas de rastreamento de veícu-los e logística de carga. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 65

Zanotto, Airoldie Perez:

cheque porparticipação na

venda de brocasodontológicas

uma parte para a FAPESP,outra para os três invento-res (Vladimir, Evaldo JoséCorat e João Roberto Mo-ro) e a terceira para o Inpe."Esse repasse de royalties éum indicador de sucesso doNúcleo de Patenteamento eLicenciamento de Tecnolo-gia (Nuplitec) da FAPESP",disse Perez. "Esses royaltiesdemonstram a viabilidadedo processo de financia-

a realização de trabalhos e in-venções com temática ama-zônica que possam contribuirpara o desenvolvimento daregião. O primeiro lugar fi-

. cou com um projeto que uti-liza o pecíolo (parte do troncoque sustenta as folhas) do bu-riti, palmeira que chega a atin-gir 30 metros, para fabricardivisórias usadas na constru-ção civil,em substituição à ma-deira, gesso e isopor. Quandoo pecíolo chega à fase de en-velhecimento, quebra junto

mento das patentes", afir-mou Edgar Dutra Zanotto,coordenador do Nuplitec.Atualmente, o núcleo possui61 patentes depositadas noInstituto Nacional de Pro-priedade Industrial (INPI),8 em análise, e 14 denega-das. Muitas delas são oriun-das de pesquisas feitas nasuniversidades ou em em-presas financiadas pelo Pro-grama de Inovação Tecno-

FAPESP recebe roya/ties por patente

66 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

lógica em Pequenas Empre-sas (PIPE), como é o casoda Clorovale, que recebeuR$ 135 mil e US$ 76 mil. "OPIPE possibilitou o desen-volvimento dos protótiposdas brocas': explicou Airoldi.O diamante sintético usadonas brocas foi desenvolvidono Inpe e utilizado para aprodução de um tubo queestá em testes na Nasa, paraservir a uma futura nave ex-ploradora do solo de Marte.A Cloravale foi fundada em1997, e a trajetória da em-presa foi mostrada em re-portagens nas edições 52, 78e 83 de Pesquisa FAPESP. Sãosete sócios e quatro funcio-nários. Airoldi espera con-quistar grande parte do mer-cado, de 140 mil dentistasno Brasil, 250 mil na Amé-rica Latina e 2 milhões noresto do mundo. Confiandona eficiência e no ineditismoda broca, ele prevê um fatu-ramento de R$ 28 milhõesem dois anos. Isso deverágerar R$ 993 mil em royal-ties para a FAPESP,dinheiroque será reinvestido em no-vos projetos de pesquisa. •

Palmeira amazônica é matéria-prima de divisórias

Um cheque de R$ 4.150,45é o primeiro resultado emroyalties de uma patente fi-nanciada pela FAPESP. Aentrega do cheque foi reali-zada pelo físico VIadimir Je-sus Trava Airoldi aos di-retores da Fundação, JoséFernando Perez e Joaquimde Camargo Engler. Airoldié pesquisador do InstitutoNacional de Pesquisa Espa-ciais (Inpe) e fundador daClorovale Diamantes, de SãoJosé dos Campos, empresaque desenvolveu e está pro-duzindo brocas odontológi-cas com ponta de diamanteartificial. Esses instrumen-tos, quando acoplados aum aparelho de ultra-som,são utilizados em tratamen-tos dentários que provocammenos dor e barulho. Lan-çadas há três meses, as bro-cas já foram vendidas paracerca de 350 dentistas queparticiparam de cursos deum dia e renderam um fatu-ramento para a empresa deR$ 117 mil. Os R$ 4.150,45,resultado de 4% do fatura-mento menos os impostos,vão ser divididos em três,

• Buriti naconstrução civil

O Instituto de Pesquisas daAmazônia (lnpa) foi o grandevencedor do Prêmio Funda-ção Centro de Análise, Pes-quisa e Inovação Tecnológica(Fucapi) de Tecnologia 2002,em sua oitava edição. Do pri-meiro ao quinto lugar, todosos premiados são pesquisa-dores do instituto. Criado em1994, o prêmio tem como ob-jetivo reconhecer e estimular

ao tronco e, em cerca de 72horas, entra em processo dedecomposição. Os pesquisa-dores do Inpa interromperamessa seqüencia para extrair opecíolo. "Dessa forma, não énecessário derrubar as palmei-ras para manufaturar as pla-cas': explica o coordenador doprojeto, [adir Rocha, que tra-balhou com outros seis pes-quisadores. "Realizamos estu-dos tecnológicos para avaliara secagem do material, resis-tência mecânica, densidade ecomportamento em máqui-nas de serra", conta. •

• Menos riscos noprocesso produtivo

Dois pesquisadores paranaen-ses desenvolveram um soft-ware, batizado de GMP Con-trol System, para identificar egerenciar pontos críticos decontrole que representem ris-cos de transmissão de doençasem cada etapa do processode fabricação de alimentos emedicamentos. A professoraLúcia Helena da Silva Miglio-ranza, da Universidade Esta-dual de Londrina, e o profes-sor Bruno Mazzer de OliveiraRamos, da Unicentro, de Gua-rapuava, resolveram traba-lhar nessa ferramenta quan-do constataram que muitasindústrias estavam com difi-culdades para seguir as nor-mas das boas práticas de fa-bricação (BPF), da Agência deVigilância Sanitária (Anvisa).Segundo Lúcia Helena, paraverificar o cumprimento des-sas normas, o primeiro passoé distribuir aos responsáveis decada setor material impressosobre itens que devem sercumpridos. As irregularidadesobservadas são anotadas emarquivos, disponíveis nos ter-minais de computadores, eenviadas a um computadorcentral, que emite relatóriospara correção das falhas. •

PatentesInovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento

de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

Sensor amperométrico: detecta parasita em 40 minutos

• Diagnóstico dadoença de Chagas

Um novo método de diag-nóstico para detectar a pre-sença de anticorpos da do-ença de Chagas, que utilizaum imunossensor ampe-rométrico (o resultado apa-rece na leitura da correnteelétrica), tem como vanta-gens a precisão e a rapidezde processamento. Desen-volvido no Instituto de Quí-mica da Universidade Es-tadual de São Paulo (Unesp),o dispositivo detecta nosoro sangüíneo quantida-des' pequenas de anticor-pos do parasita causadorda moléstia, o protozoárioTrypanosoma crusi. A aná-lise dura cerca de 40 mi-nutos, tempo bem inferiorao dos testes sorológicosconvencionars.

Título: ImunossensorAmperométrico para Doençade ChagasInventores: HidekoYamanaka, Antonio AparecidoPupim Ferreira, Paulo Inácioda Costae Walter ColliTitularidade: FAPESP/Unesp

• Controle paravenda de gás

Software desenvolvido noDepartamento de Engenha-ria de Telecomunicações eControle, da Escola Politéc-nica, mede vazão volumé-trica, pressão e temperaturado gás natural nas opera-ções de compra e venda doproduto. Como a mediçãovolumétrica de vazão dogás é afetada tanto pelapressão 'como pela tempe-ratura, esses parâmetrostêm de ser considerados namedição compensada devazão. Esse programa faz aleitura desses dados a cadasegundo. As estações demedição disponíveis nomercado, chamadas de com-putadores de vazão, sãovendidas na forma de umpacote completo, que incluihardware e software. Aproposta dos pesquisadoresé fornecer apenas o softwa-re, que pode ser instaladoem qualquer computadorque tenha plataforma Win-dows. E com um únicocomputador é possível ope-rar com até 20 estações vir-

tuais, enquanto pelo méto-do tradicional é necessárioum instrumento para cadaponto de medição.

Título: ProgramaComputacional de MediçãoCompensadade Vazãode GásNaturalInventores: Cláudio Garciae Osmel Reyes VaillantTitularidade: FAPESP/USP

• Sonda avalia gasesde matéria orgânica

Uma sonda desenvolvidapor pesquisadores da Fa-culdade de Ciências Agro-nômicas de Botucatu, daUniversidade Estadual Pau-lista (Unesp), auxilia naamostragem de substân-cias voláteis, como oxigê-nio, gás carbônico, monó-xido de carbono e outros,produzidas pela decom-posição de matéria orgâ-nica no solo. Para avaliar otipo de gás gerado e a suaquantidade, acopla-se nasonda um equipamentoanalisado r de gases. A lei-tura é instantânea e feitano próprio local. Os da-dos coletados são úteispara avaliar quais gasespresentes nos diferentestipos de matéria orgânicasão mais eficientes paracombater os microrganis-mos do solo que causamdoenças em plantas.

Título: Sonda Coletorade Gases do SoloInventores: Nilton Luiz deSouza e César Júnior BuenoTitularidade: FAPESP/Unesp

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 67

Cotesia flavipes parasitandolagarta da broca-da-cana,já adulta, no detalhe

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I TECNOLOGIA

AGRONOMIA

Inimigos valiososEmpresa de Piracicabaproduz e exporta insetos paracombater pragas agrícolas

DINORAH ERENO

Instaladaem um bairro residen-cial da cidade de Piracicaba, aempresa BugAgentes Biológicos,criada há apenas dois anos, viveuma rotina de intensa produção

para atender ao crescente aumento dademanda por insetos que são inimigosnaturais de pragas agrícolas. Traba-lhando em pequenos grupos em salasclimatizadas, 30 funcionários, mulhe-res em sua maioria, cuidam da dieta deinsetos, escolhem os mais vigorosos epreparam, em várias etapas manuais,inimigos naturais de ovos e lagartasusados para controlar pragas que ata-cam a cana-de-açúcar, o tomate, o mi-lho e outras culturas. No final do pro-cesso, boa parte da produção é enviadapara Suíça, França, Dinamarca e Es-tados Unidos.

"Há laboratórios similares em váriaspartes do mundo, que usam os ovospara criar, produzir e multiplicar a ves-pinha Trichogramma, responsável porcombater diversas espécies de maripo-sas", relata José Roberto Postali Parra,diretor da Escola Superior de Agricul-tura Luiz de Queiroz (Esalq), da Uni-versidade de São Paulo. Consultor doprojeto de criação e comercialização deinsetos para o controle de pragas agrí-colas da Bug, financiado pela FAPESPdentro do Programa de Inovação Tec-nológica em Pequenas Empresas (PIPE),Parra é professor do Departamento deEntomologia, Fitopatologia e ZoologiaAgrícola.

Atualmente, cerca de 300/0 da pro-dução mensal de 10 quilos de ovos da

traça Anagasta kuehniella, usados pelavespa Trichogramma para sua reprodu-ção, é enviada para o exterior. Esse vo-lume é suficiente para a formação de360 milhões de predadores de insetosdanosos à agricultura.

Ganho econômico - O interesse dessesclientes pelos produtos da Bug, quetem como sócios os engenheiros agrô-nomos Danilo Scacalossi Pedrazzoli eDiogo Rodrigues Carvalho, alunos demestrado na Esalq, pode ser medidotambém pelo crescente número deconsultas ao site da empresa. "Os aces-sos feitos a partir de países como Esta-dos Unidos, França, Dinamarca, 'Suíça,Itália, Holanda, Espanha e Portugal,por laboratórios que já são clientes ouprocuram pelos nossos produtos, re-presentam hoje 700/0 das visitas", se-gundo os cálculos de Danilo. Na ava-liação de Parra, o controle biológico éhoje uma forma aceita para barrar aação de pragas, em resposta ao uso ina-dequado de inseticidas, danosos para asaúde humana, animal e ao ambiente.

O fator econômico também é levadoem conta na adoção desse sistema. Nocaso da broca-da-cana (Diatraea sac-charalis), por exemplo, praga que causaprejuízos à cultura da cana-de-açúcar eao processo de produção industrial, ocontrole biológico, que inclui parasitas,frete e aplicação, custa cerca de R$ 15,00por hectare, enquanto o tratamentoquímico fica, em média, em R$ 45,00.Essa praga provoca, no campo, perdade peso da planta, em razão da abertu-

ra de galerias no colmo (caule) da canae falhas na germinação, entre outrosdanos. No processo industrial, devido àpodridão vermelha, causada pela brocaem associação com fungos, ocorremmudanças químicas, como transforma-ções da sacarose, diminuição da purezado caldo e contaminação do processode fermentação alcoólica, fatores quelevam a um menor rendimento do açú-car e do álcool.

Estudos demonstraram que cada 10/0de intensidade de infestação dessa pra-ga em uma plantação corresponde a0,250/0 de perda de açúcar, valor que sealtera de acordo com a variedade daplanta utilizada. "Isso significa a perdade 212 quilos de açúcar em uma pro-priedade que produza 85 toneladasde cana': contabiliza Alexandre de SenePinto, professor do Centro Universitá-rio Moura Lacerda em Ribeirão Preto,que coordena o projeto. "Se a brocaatingir 100/0 de intensidade de infesta-ção, o que não é difícil, serão 2.125 qui-10s perdidos." Na produção do álcool,para cada 1% de intensidade de infesta-cão, ocorre uma perda de 0,20%.

Dieta especial - O controle biológicoda broca é feito com uma pequena ves-pa importada, a Cotesia flavipes, queparasita a praga no estágio de lagarta.Tanto o inseto praga como o parasitói-de (animal que se alimenta e, freqüen-temente, mata o parasitado) são pro-duzidos nos laboratórios da Bug. "Acriação de inimigos naturais é feita nopaís há algum tempo pelas usinas pro-

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dutoras de açúcar, mas a novidade donosso projeto é o aperfeiçoamento datécnica de criação, com tecnologia ino-vadora", diz Parra.

Emsua forma adulta, a brocaé uma mariposa de hábitosnoturnos, de cor amarelo

. palha. As fêmeas colocamos ovos nas folhas. As lagar-

tas, depois de algum tempo, penetramna cana, onde se abrigam e se alimen-tam. A produção dessa lagarta na Bugcomeça com uma dieta especial, comproteínas, vitaminas, sais minerais, car-boidratos e lipídios, depositada em ummeio gelatinoso (agar). A dieta é colo-cada em tubos ou frascos, desenvolvi-dos pelos pesquisadores da empresa,para servir de alimento às lagartas. Osmelhores exemplares dessa forma lar-val são separados e oferecidos para oseu inimigo natural, a pequena Cotesia,que mede cerca de 2 milímetros. Depoisdessa fase, as lagartas, cheias de ovos davespa, são levadas para uma sala comtemperatura controlada. "O mecanis-mo evolutivo preparou o parasitóidepara não matar a lagarta rapidamente.Isso só ocorre quando a vespinha com-pletar o seu ciclo de desenvolvimento",explica Parra.

Os casulosde Cotesia,parecidos comuma massa branca, são então separadospara ser vendidos. A produção mensal

III'

O manejo integrado de pragas éum conceito que surgiu nos EstadosUnidos e na Europa nos anos 60, emsubstituição à tendência em vigor naépoca de aplicar inseticidas paracontrolar pragas, mesmo que elasnão estivessem presentes em grandesquantidades na cultura. "O controlebiológico leva em consideração nãosó o aspecto econômico, mas tambémo ecológico e social, que são impor-tantes", diz José Roberto Postali Par-ra, professor da Esalq/USP.O manejointegrado é um conjunto de medidasque tem como objetivo manter a pra-ga abaixo do nível de dano econômi-co. O uso de compostos químicos épermitido, desde que sejam poucoagressivosao meio ambiente, relacio-

70 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

da Bug, de 40 milhões deinimigos naturais dabroca, é suficiente para ocontrole biológico de 6,6mil hectares de cana-de-açúcar. Considerando-seque no Brasil são planta-dos cerca de 5 milhõesde hectares de cana, opotencial de utilizaçãodesse inimigo natural émuito grande.

"Nas áreas em que aCotesia não se adaptaao clima, principalmen-te Mato Grosso e Goiás,recomendamos o Tricho-gramma, um parasitóidede ovos de diversas pra-gas agrícolas, como algo-dão, cana, soja, tomate erepolho", diz o consultor.Ele tem como grandevantagem o fato de poder ser criado emovos de hospedeiros alternativos, comoa Anagasta kuehniella, uma traça en-contrada em cereais armazenados. Adieta da traça é bem simples, apenas fa-rinha de trigo integral e levedura, o querepresenta economia no processo deprodução. O alimento e os ovos da tra-ça são colocados em cima de um pape-lão. Em pouco tempo, esse papelão setransforma em um ninho no qual a tra-ça completa o desenvolvimento e colo-

nados a outras medidas de controle,como o biológico e por feromônios(substâncias produzidas pelos inse-tos para se comunicar ou servir deatrativo sexual). "O ideal seria usar sóuma opção não química, mas isso àsvezesnão é possível,porque dependeda cultura': avalia Parra.

Os primeiros insetosvendidos nosEstados Unidos para controle bioló-gico de pragas em jardins e viveirosforam as joaninhas, na década de1960.O grande avanço na área ocor-reu a partir dos anos 80, mas já em1977, um estudo feito por pesquisa-dores norte-americanos listava 95empresas nos Estados Unidos e Ca-nadá que vendiam produtos destina-dos ao controle biológico de pragas.

ca novos ovos, onde a Trichogrammavai se reproduzir.

O ambiente do laboratório de cria-ção da traça lembra o de um armáriosem muita ventilação e com um levecheiro de mofo. Isso porque as traçassoltam escamas, obrigando as pessoasque ali trabalham a andar sempre commáscaras nas salas, onde também estãoinstalados exaustores para a filtragemdo ar. Em outra sala, concentram-se pi-lhas de bandejas com milhões de inse-

Joaninhas foram as primeirasNo Brasil, as primeiras experiênciascom esse tipo de técnica aplicada àbroca-da-cana datam da década de1950, realizadas pelo Departamentode Entomologia da Esalq. Na época,os pesquisadores começaram a liberarmoscas nativas, semelhantes às mos-casdomésticas,para combater a praga.No começo a estratégia surtiu efeito,mas após alguns anos a resposta bio-lógica ficou abaixo das expectativas.Por isso, na década de 1970, foramimportadas as primeiras linhagensda vespa Cotesia flavipes, posterior-mente substituídas por outras maisagressivas.Mas somente nos últimosanos a comercialização de inimigosnaturais tem começado a despertarinteresse nos agricultores.

tos produtores de ovos que serãocolocados em embalagens de carto-lina parafinadas e perfuradas parapermitir a saída dos parasitóides nocampo. Essa embalagem, desenvol-vida pela equipe do projeto, pro-porciona maior segurança quantoàs possíveis mudanças de temperaturaou ocorrência de chuvas e de predado-res, especialmente formigas, de acordocom Alexandre Pinto. E pode ser pa-tenteada, segundo Parra, porque nãoexiste nada semelhante no mercadonacional para comercializar ovos comparasitóides.

Cada cápsula, que é coloca-da na própria planta o~em suportes, abriga cercade 2 mil ovos com Tricho-gramma. A data do nasci-

mento do inseto é prevista com baseem uma técnica chamada exigência tér-mica, que é a temperatura ideal para oinseto crescer. "Eu sou capaz de definirexatamente quando ele vai nascer con-trolando essa temperatura", diz Parra.Isso facilita a vida do cliente, que sabequando os adultos estarão prontos parasair das cápsulas. Os pesquisadores daBug criaram também um sistema parachecar a data da saída da Trichogrammada cápsula. Uma pequena parte dosovos encomendados, chamada de isca,fica em uma temperatura um poucomaior do que o restante. "Essa isca éum indicador da hora que o material

Cápsula com ovos de Trichogramma

deve ser colocado no campo no dia se-guinte", conta Danilo.

Qualidade controlada - Segundo osprincípios dos programas de manejointegrado, a praga pode ficar na planta-ção até o momento em que não causadanos econômicos. Quando a popula-ção da praga começa a crescer,é hora deintervir na lavoura. Aí é preciso um es-tudo para verificar a quantidade de ini-

o PROJETO

Criação Massal e Comercializaçãode Trichogramma sppe Cotes ia flavipes para o Controlede Pragas Agrícolas

MODALIDADEPrograma de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADORALEXANDRE DE SENE PINTO - BugAgentes Biológicos

INVESTIMENTOR$ 320.774,00

migos naturais que deve ser libera-da. Os cálculos são feitossempre poramostragem da área infestada. Paraa broca-da-cana, por exemplo, a li-beração de C. jlavipes é feita quan-do a intensidade de infestação esti-ver acima de 2,5%. Para cada ovo da

praga encontrado no campo, estima-se1,6 Trichogramma. Para o tomate, umacultura de ciclo curto, as cápsulas po-dem ser colocadas na plantação assimque aparecerem os primeiros ovos datraça-do-tomateiro (Tuta absoluta).

Parra ressalta que a procura pelocontrole biológico tem crescidonos últi-mos anos também no Brasil, embora aqualidade dos produtos nem sempre cor-responda à expectativa do cliente. Issoporque os insetos produzidos em con-dição artificial, controlada, nem sempresão competitivos como os da natureza.

Para garantir a qualidade desses ini-migos naturais, ele defende a necessida-de de haver ligação estreita com univer-sidades e institutos de pesquisa noprocesso de criação, armazenamento eliberação desses insetos. "Essa é a ga-rantia de credibilidade do produto." Oconsultor do projeto faz essa defesacom base em experiência de mais de 20anos na área. Esse conhecimento foifundamental para que a Bug pudesse,em tão pouco tempo, conquistar clien-tes não só no Brasil como também noexterior, em países que já possuem tra-dição em produzir insetos para comba-ter pragas agrícolas. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 71

.TECNOLOGIA

SOFTWARE

A voz do computadorLingüistas e engenheirosda Unicamp formulam um sistemade fala com jeito brasileiro

TÂNIA MARQUES

Se um bom número de máquinas já"fala"suficientemente bem para a re-alização de tarefas simples, e muitaspessoas há alguns anos "conversam"com sistemas automatizados de

atendimento telefônico e caixas automáticosbancários, os recursos de voz sintética em usocomercial ainda apresentam dificuldades dereproduzir a fala humana com naturalidade.E seu vocabulário é muito limitado. Mas háindícios de que, em breve, os computadoresperderão o "sotaque digital" e ampliarão ouniverso lingüístico. Grandes companhias co-meçam a obter resultados mais naturais eagradáveis aos ouvidos. Essa busca pela per-feição sonora dos computadores começou

cedo na Universidade Estadual de Campinas(Unicamp). Um projeto conjunto, iniciadoem 1991, entre as áreas de lingüística e enge-nharia elétrica produziu um software quehoje é capaz de ler em voz alta qualquer textoescrito em português, sem o sotaque inglêscaracterístico dos sistemas produzidos forado país. O programa brasileiro leva o nomede Aiuruetê, que, em língua tupi, significa"papagaio verdadeiro':

Desde o início, o desenvolvimento do sis-tema esteve subordinado a fins científicos,mas o projeto também produziu resultadostecnológicos. "Queríamos criar um sistema desíntese da fala em português brasileiro a par-tir da pesquisa básica e voltado para ela",lem-

72 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

bra a professora Eleonora CavalcanteAlbano, do Laboratório de Fonética ePsicolingüística do Instituto de Estudosda Linguagem (Lafape/IEL), coordena-dora do trabalho. Mantendo a metainicial e com uma visão abrangente dadescrição fonético-acústica da língua, ainiciativa incluía estudos de problemasde desenvolvimento e distúrbios arti-culatórios, teoria fonológica, fonoesti-lística e análise e síntese de fala.

Evolução rápida - Em 1992, o profes-sor Fábio Violaro, coordenador do La-boratório de Processamento Digital deFala da Faculdade de Engenharia Elé-trica (LPDF/Feec) e seu grupo de pes-quisadores abraçaram o projeto do La-fape. "Já estávamos trabalhando comsíntese de fala, mas os resultados dosnossos esforços eram limitados justa-mente pela falta de conhecimentos lin-güísticos', diz Violaro. Na época, os mi-crocomputadores estavam evoluindo apasso rápido, e seus recursos de proces-samento e memória já possibilitavam odesenvolvimento de programas de sín-tese de voz. Hoje, o Aiuruetê roda emqualquer computador com sistemaoperacional Windows.

Os programas de síntese de fala, quepodem contribuir bastante para o ensi-no a distância e a educação de deficien-tes visuais, além de uma série de aplica-ções comerciais, em geral se baseiam naconversão texto-fala. Como seus simi-lares estrangeiros, o Aiuruetê trabalhacom informações textuais, que, na fasede pré-processamento, são submetidasa uma análise, inclusive das caracterís-ticas gramaticais (siglas, abreviaturas esímbolos gráficos), e reescritas por ex-tenso da maneira como são lidas. De-pois, ganham transcrição fonética. En-tão, o software busca, em seu banco dedados, as emissões compatíveis com omaterial transcrito e dá conta da conca-tenação dos elementos fônicos quecompõem as palavras, fornecendo-lhesainda informação sobre a entonação eo ritmo do português brasileiro. Parecefácil? Bem, não é - tanto assim que,desde o início da chamada era digital, asíntese de fala desafia pesquisadores detodo o mundo, que têm obtido um ní-vel de sucesso apenas razoável.

Vários fatores contribuem para acomplexidade do processo, em qualqueridioma. Em primeiro lugar, sistemas es-critos de línguas diferentes possuem

também variados graus de foneticidade- só até certo ponto a grafia das pala-vras determina sua pronúncia. O in-glês, por exemplo, tem uma ortografiamuito pouco fonética. Palavras grafa-das de maneira distinta, como rite(rito), write (escrever), right (certo) ewright (artesão) são pronunciadas exa-tamente da mesma maneira e, portan-to, têm a mesma transcrição fonética:rait. A ortografia do português tem fo-neticidade média, mas nem por issooferece menos dificuldades. Para ficarem um só exemplo, basta lembrar que aletra "x" pode ter som de "ch", de "s", de"ks" ou de "z" "O português é bonzi-nho, mas o espanhol é muito melhor",brinca Eleonora.

Aabordar a questão, um lei-go pode imaginar que aconstrução de uma base dedados com todas as pala-vras da língua é a solução.

Mas um empreendimento desse tipo,além de monumental, estaria fadado aofracasso: a linguagem é dinâmica, e no-vas palavras surgem a cada dia. Alémdisso, a pronúncia de um mesmo vocá-bulo varia conforme o contexto, o queimplicaria a necessidade de gravar amesma palavra várias vezes - simples-mente não haveria dicionário com essetamanho. Mesmo palavras de uso difun-dido podem não estar dicionarizadas,assim como as flexões verbais e as formasdiminutivas e superlativas. O software-precisa, principalmente, de parâmetrosque orientem a pronúncia da máquina.

"Optamos por nos limitar a cercade 2.500 excertos de gravações", contaEleonora. O número não é alto, mas os

o PROJETO

Processamento de Texto e SinalAcústico em Português Brasileiro:Uma Interface Lingüística -Engenharia para aCiência e Tecnologia da Fala

MODALIDADEProjeto temático

CDORDENADORAELEONORA CAVALCANTE ALBANO -Instituto de Estudos da Linguagemda Unicamp

INVESTIMENTOR$ 9.528,00 e US$ 58.672,00

trechos foram submetidos a uma rigo-rosa seleção. Nela, os pesquisadores nãotrabalharam um conceito tradicional dalingüística que define o fonema como amenor unidade mental correspondenteao som. A equipe, desde o início do tra-balho, mantém a posição teórica se-gundo a qual o fonema é uma abstra-ção influenciada pela escrita alfabética.Um dos pontos do estudo foram os di-versos fonemas que sofrem influênciadaqueles que os precedem e dos se-guintes a eles. "Muitos fatores se com-binam na articulação dos sons, e um 'p'sucedido de um 'a' é pronunciado dife-rentemente de um 'p' sucedido de um'i' ou de um 'u", observa Eleonora.

Outro problema no desenvolvimen-to de um sistema de fala são as diferen-ças entre as representações gráficas dotexto e a maneira como elas se expres-sam na fala. As abreviaturas, por exem-plo, podem ser lidas diferentementemesmo quando têm o mesmo númerode caracteres e são igualmente "pro-nunciáveis" Nesse sentido, vale compararUTI corri IEL ou ITA, por exemplo. Aleitura de número de telefone é diferen-te de uma expressão numérica - nin-guém leria 32220000 como 32 milhõese 220 mil. As medidas de comprimentosão grafadas da mesma maneira no sin-gular e no plural: 1 metro e 100 m.Tudo isso exige algo ritmos complexos.

Emoção e sutilezas - "Embora já pos-sa ser utilizado em uma série de aplica-ções, o Aiuruetê ainda está em desen-volvimento': afirma Violaro. Entre osaprimoramentos, está a assimilação dassutilezas dos ritmos do falar brasileiro."No futuro, queremos que o Aiuruetêexpresse até os diferenciais tônicos daemoção", diz Eleonora. Segundo Viola-ro, o programa começa a despertar ointeresse de algumas empresas especia-lizadas em tecnologia da informação.Uma delas quer empregar o Aiuruetêem um sistema de auto-atendimentovoltado para consultórios médicos,com agendamento de consultas e ou-tras funcionalidades. Além disso, o tra-balho também resultará na construçãode uma base pública de conhecimentosdos aspectos fônicos do português fala-do no Brasil. Assim, o software estarámais próximo de uma das característi-cas mais apreciadas dos papagaios ver-dadeiros: a de ser o mais tagarela da fa-mília dos psitacídeos. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 73

ITECNOLOGIA

QUÍMICA

Cachacasem mistérioComparada com uísques,a bebida brasileira temmenos aldeídos, substânciasresponsáveis pela ressaca

YURI VASCONCELOS

Genuína bebida nacional,a cachaça é o destiladomais consumido no paíse o terceiro no mundo.O drinque caipirinha está

nos cardápios de bares e restaurantesde vários países. No Brasil, nos últimosdez anos, a aguardente feita a partir docaldo de cana-de-açúcar deixou de seruma bebida apenas de botequins dasclasses mais pobres e passou a ser con-sumida em bares e ambientes sofisti-cados. Apesar da longevidade na cul-tura nacional e do sucesso comercialrecente, a cachaça passou muito tem-po como uma grande desconhecida daciência, o que impediu, por exemplo,que já se soubesse que a concentraçãode aldeídos na aguardente é, em mé-dia, inferior à de alguns uísques impor-tados. Fruto de pesquisas recentes, esseresultado é importante, pois os aldeí-dos são considerados substâncias par-cialmente responsáveis pela ressaca.

74 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

Os estudos - realizados no Labo-ratório de Desenvolvimento da Quí-mica da Aguardente (LDQA), do Ins-tituto de Química (IQ) de São Carlos(IQSC) da Universidade de São Paulo(USP) - resultaram em considerávelavanço na caracterização química dabebida. Isso vai servir tanto para darmais qualidade à produção da cachaça- 1,5 bilhão de litros e US$ 500 milhõespor ano - como para abrir o mercadoda maior economia do mundo, os Es-tados Unidos. Isso se deve à confusãoque as autoridades alfandegárias nor-te-americanas fazem entre rum e ca-chaça. Para entrar no país, a aguar-dente brasileira deve trazer inscrito norótulo que cachaça é um tipo de rumbrasileiro. ''As diferenças entre os doisdestilados começam no processo defabricação. Enquanto a cachaça é pro-duto da destilação do caldo de canafermentado, o rum é destilado a partirdo produto da fermentação do caldo

da cana cozido ou do melaço, um sub-produto da produção do açúcar", ex-plica o professor Douglas Franco, co-ordenador do laboratório e diretordo IQSC.

OS trabalhos iniciados há dez anosfocaram primeiro a caracterizaçãoquímica da cachaça brasileira. "Nos-sos estudos mostram um perfil quími-co quantitativo e qualitativo médio daaguardente fabricada no país. Trata-sede uma pesquisa pioneira e referen-cial para contribuir no conhecimentoda composição e das reações químicasque ocorrem na aguardente de cana.Além de água e do etanol, que corres-pondem a mais de 98% da compo-sição da bebida, identificamos umgrande número de compostos quími-cos secundários. São essas substâncias,encontradas em menor concentração,que conferem à aguardente as pro-priedades organolépticas (ligadas aosórgãos do sentido), como cor, sabor

e odor': explica Franco. "Procuramoscompreender a química da aguarden-te visando a proteger a saúde do con-sumidor, agregar valor ao produto,melhorar a formação dos fabricantes eestimular o agronegócio."

Foram estudadas mais de 150 amos-tras de cachaça das principais regiõesprodutoras do país. O objetivo foi ela-borar um diagnóstico sobre a presençade diversas substâncias, como álcoois,ácidos carboxílicos, ésteres, cetonas,aldeídos, fenóis, polifenóis, aminoá-cidos, dextranas, carbamatos, hidro-carbonetos policíclicos (derivados dobenzeno) aromáticos e compostos sul-furados na cachaça, entre outros. "In-vestigamos a presença de mais de 300diferentes substâncias e já identifica-mos mais de 100 compostos secundá-rios que integram a cachaça brasilei-ra", diz Franco.

A partir desse detalhado estudo, foipossível enumerar os principais defeitos

em algumas amostras do destilado na-cional, como os compostos sulfurados,flocos, hidrocarbonetos aromáticos ecarbamatos. O estudo revelou a causa

, dos defeitos e o que pode ser feito paraevitá-los. Os flocos, por exemplo, sãodepósitos atóxicos formados por subs-tâncias adicionadas à cachaça - comoo açúcar para mascarar a acidez - quese associam, originando material sólidoe insolúvel. "O açúcar pode estar con-taminado com uma substância chama-da dextrana (impureza formada pelabactéria Leuconostoc mesenteroides quan-do a cana está cortada e estocada) que,quando associada a aminoácidos e po-lifenóis presentes na bebida, forma de-pósitos no fundo da garrafa.

Cobre metálico - A aguardente, queera transparente, passa a apresentar umaindesejável poluição visual", diz o pes-quisador. Para evitar a formação de flo-cos, é preciso controlar com testes quí-

Mais de 150 amostras de cachaçacoletadas para análiseem todas as regiões produtoras do país

micos a ação desses vetores. Em rela-ção aos compostos sulfurados, princi-palmente o dimetilsulfeto, que podemprovocar odor desagradável à cachaça,a solução para reduzir o problema estána adoção de cobre metálico na cons-trução do alambique.

Os hidrocarbonetos aromáticos (emparticular o benzopireno), encontra-dos em 13% das amostras, podem serfruto da contaminação do produto porresíduos de óleos lubrificantes usadosnas moendas ou da queima de cana.

Noprimeiro caso, a solu-ção seria controlar me-lhor o processo produ-tivo. No segundo, bastanão queimar a cana an-

tes da colheita. Outra substância da-nosa à cachaça, o carbamato de etila,considerado um agente cancerígeno,tem diversas fontes de origem. Ele tan-to pode ser formado durante o proces-so de fermentação em uma destilaçãomal-conduzida como por reações quí-micas durante o armazenamento dabebida. "Verificamos que íons de co-bre, ferro e cianeto presentes no pro-duto final têm papel muito mais im-portante na formação de carbamatosna cachaça do que em outros destila-dos", explica Franco. Para evitar a con-taminação da cachaça por carbamato,é preciso um controle mais rígido dasconcentrações desses íons. Nas amos-tras estudadas no IQSC, 21% apresen-taram concentração igual ou abaixo dalegislação canadense para bebidas des-tiladas. Esse parâmetro foi consideradoporque a legislação brasileira é omis-sa ao não estabelecer limites máximosde concentração de impurezas.

Segundo Franco, é preciso fazer umaressalva em relação às falhas encontra-das no destilado brasileiro. "Esses de-feitos são comuns em todas as bebidasdo mundo. O problema é regulamen-tar e controlar a concentração dassubstâncias indesejadas." O pesquisadorinforma ainda que, além dos defeitosjá citados, muitos produtores brasilei-ros não fazem um controle adequadodo processo de destilação, comprome-tendo a qualidade final do produto.

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 75

Das senzalas à bebida nacionalDanadinha, garapa-doida, esquen-

ta-aqui-dentro, dengosa, ximbira, ve-nenosa, limpa-goela, bafo-de-tigre,lindinha, tome-juízo, desmancha-sam-ba e zuninga. Esses são apenas 12 dosnomes pelos quais a cachaça é conhe-cida pelo Brasil afora. No Novo Dicio-nário Aurélio da Língua Portuguesaconstam cerca de 150 denominações,mas estima-se que muitas outras nãoestejam catalogadas e, no total, a "águaardente" brasileira tenha 500 diferen-tes nomes. O Dicionário Houaiss, porsua vez, esclarece que a bebida estápresente na vida nacional desde ostempos do Brasil Colônia. Na defini-ção do verbete, o dicionário afirmaque se trata de "bebida fermentada fei-

I,

"Apesar da existência de bons profis-sionais nessa área, o processo de desti-lação ainda é muito falho, porque osprodutores não seguem as especifica-ções recomendadas pelos fabricantesdos equipamentos", diz Franco.

Uma das descobertas do LDQA,que é formado também pelos profes-sores Benedito dos Santos Lima Neto eUbirajara Pereira Rodrigues Filho, emcolaboração com pesquisadores da Fa-culdade de Engenharia de Alimentos(FEA) da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) e Faculdade deCiências Farmacêuticas (FCF) da Uni-versidade Estadual Paulista (Unesp), dizrespeito ao uso de madeiras alternati-vas ao carvalho na construção de bar-ris para envelhecimento da bebida. "Otradicional carvalho não faz parte daflora brasileira. Nossas pesquisas de-monstraram que a árvore amendoim(Pterogyne nitens), encontrada em vá-rias regiões do país, é altamente reco-mendada para substituí-lo na confec-ção de tonéis", afirma Franco.

Além do projeto de caracterizaçãoquímica da cachaça brasileira finan-ciado pela FAPESP, o coordenador doLDQA possui outro projeto na Funda-ção, inserido no contexto de políticaspúblicas em parceria com a SecretariaMunicipal de Ciência, Tecnologia eDesenvolvimento Econômico de SãoCarlos. O objetivo é fazer um levanta-

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ta de borra ('substância') do caldo decana ou do cabaú ('calda grossa'), ser-vida aos animais e aos escravos dos an-tigos engenhos".

A cachaça teria surgido, segundo oslivros de história, nos engenhos de ca-na-de-açúcar da capitania de São Vi-cente por volta de 1540. A bebida eraproduzida a partir de resíduos da fabri-cação da rapadura e levava o nome degarapa azeda. Considerada um produ-to secundário da indústria açucareira,não tinha, em seus primórdios, ne-nhum teor alcoólico e costumava serservida como suplemento alimentarpara cabras e ovelhas. Nos engenhos doNordeste, a garapa também era dadaaos escravos na primeira refeição do

mento das qualidades e defeitos da ca-chaça produzida por pequenos produ-tores paulistas (até 200 mil litros porano) e propor medidas para a melho-ria do produto. "Estamos analisando104 amostras de cachaças provenientesde destilarias e alambiques do Estadode São Paulo. Na primeira fase, fizemosa coleta das amostras. Agora, estamosrealizando a análise química das bebi-das. Além de identificar defeitos e qua-lidades, queremos usar esses dados paradefinir discriminadores químicos (subs-tâncias que permitem a diferenciaçãoentre dois ou mais produtos) que as-

.sociem a cachaça à região de origem.Assim, a pinga paulista e, posteriormen-

dia para que eles suportassem o durotrabalho nos canaviais.

Na segunda metade do século 16, abeberagem começou a ser produzidaem alambiques de barro e, em seguida,de cobre, recebendo o nome de aguar-dente. Nessa época, ela chegou a serusada como moeda para compra de es-cravos na África. As técnicas de fabrica-ção foram sendo aperfeiçoadas, e suaqualidade, melhorada, o que fez o con-sumo crescer rapidamente. Com otempo, a bebida deixou as senzalas e es-tabeleceu-se na mesa dos senhores-de-engenho e das famílias portuguesasque sentiam falta da bagaceira, o desti-lado feito a partir do bagaço da uva.Não tardou e a "garapa azeda" come-

Da Presença de Hidrocarboneto~Flocos e Carbamatosem Aguardentes, sua Quantificação,Gênese e Prevenção

MODALIDADELinha regular de auxílio à pesquisa

COORDENADORDOUGLAS WAGNER FRANCO - Institutode Química de São Carlos da USP

INVESTIMENTOR$ 62.084,85e US$ 149.445,57

te, do resto do Brasil poderão ter de-nominações regionais, de forma seme-lhante aos vinhos franceses e italianos.

Mercado milionário . O esforço paracompreender quimicamente a cachaçatem uma razão de ser. O produto mo-vimenta um mercado milionário. Se-gundo dados do Instituto Brasileiro deCachaça de Alambique (IBCA), dos1,5 bilhão de litros de cachaça produ-zidos por ano no país, 1,050 bilhão sãode aguardente industrial, produzidaem destilarias, e 450 milhões de cacha-ça artesanal, feita em pequenos alam-biques. O setor reúne cerca de 30 milprodutores, que despejam no mercado

OS PROJETOS

Melhoria da Qualidadeda Aguardente e Preposiçãode Padrão de Qualidade

MODALIDADEPrograma de Pesquisasem Políticas Públicas

COORDENADORDOUGLAS WAGNER FRANCO - Institutode Química de São Carlos da USP

INVESTIMENTOR$ 60.000,00 eR$ 17.100,00 (parceria)

çou a disputar mercado com os vinhosportugueses e a própria bagaceira. Asautoridades coloniais decidiram, en-tão, proibir a produção e a comerciali-zação da bebida no país, alegando queela era responsável por arruaças e con-fusões. Como se sabe, tudo isso foi emvão. A aguardente continuou a ser fa-bricada e cada vez mais consumida pelapopulação.

Ao longo dos últimos cinco séculos,a bebida esteve presente nos mais im-portantes momentos da vida nacional.

Durante a Inconfidência Mineira, nofinal do século 18, a cachaça transfor-mou-se em símbolo da "brasilidade" eda resistência à dominação portuguesa.O mesmo ocorreu na Revolução Perna-mbucana de 1817. Dizem os historia-dores que o padre João Ribeiro Pessoa,um dos líderes do movimento, substi-tuiu, durante as missas, o vinho do Por-to pela genuína cachaça, como formade demonstrar aos fiéis seu apoio à re-volta que tinha como objetivo a separa-ção de Portugal. Anos mais tarde, Dom

5 mil marcas. São aproximadamente400 mil empregos diretos. São Paulo éo líder na produção, com 44%, segui-do de Pernambuco e Ceará, com 12%cada um. Esses estados concentram al-guns dos maiores fabricantes de cacha-ça industrial- Pirassununga (SP), Ve-lho Barreiro (SP), Pitú (PE), Ypióca(CE) e Colonial (CE). Minas Gerais,Rio de Janeiro, Goiás e Espírito Santo,cada um com 8% do mercado, com-pletam a lista dos principais fabrican-tes. Analisando apenas os números dacachaça artesanal, Minas é o principalcentro produtor. "O Estado tem 8.466alambiques que produzem 230 milhõesde litros por ano", informa José LúcioMendes, diretor de Promoções do IBCA.

Depois do sucesso nacional, a ca-chaça está conquistando apreciadoresem outros países. No ano passado, fo-ram exportados 14,8 milhões de litros(cerca de 1% da produção) para 70 paí-

ses. A exportação rende para o BrasilUS$ 9 milhões por ano, segundo dadosde 2001. A meta para 2003 é exportar 20milhões de litros, um crescimento demàis de 30%. A Europa compra porvolta de 60% da aguardente exporta-da, sendo que a Alemanha é a maiorimportadora, com 30%. Resta agoraconquistar o mercado norte-america-no, ainda imerso na confusão entrecachaça e rum. "Não aceitamos essaclassificação. Rum é rum e cachaça écachaça. Para solucionar esse impasse,acertamos com as autoridades nor-te-americanas que faríamos detalhadaanálise química comparativa mostran-do as diferenças entre as duas bebidas",conta Maria José Miranda, gerente na-cional do Programa Brasileiro de De-senvolvimento da Cachaça (PBDAC),criado pela Associação Brasileira deBebidas (Abrabe) com o objetivo de pro-mover o produto em escala mundial.

Pedro I brindou a independência doBrasil com um cálice de cachaça, ges-to que foi repetido pelo ex-presidenteFernando Henrique Cardoso duranteas comemorações dos 500 anos do des-cobrimento do Brasil, em 2000. Nos doisanos seguintes, o governo federal edi-tou dois decretos (3062/01 e 3072/02)que estabelecem a denominação "cacha-ça" como oficial e exclusiva da aguar-dente de cana produzida no Brasil,num esforço de proteger a marca e di-vulgá-Ia no mercado internacional.

Engenho São Jorgedos Erasmos, emSantos (SP): açúcarna primeira metadedo século 16

Para fazer esse trabalho, foi contratadoo laboratório da USP de São Carlos.

Para dar embasamento químico àsdiferenças entre as bebidas, a equipe doLDQA investigou a presença e a concen-tração de 150 compostos em 31 amos-tras certificadas de rum e cachaça. Aosdados coletados foram aplicados méto-dos quimiométricos (análise estatísticados resultados), em que foram determi-nados sete discrimina dores químicosque permitem a distinção inequívocaentre rum e cachaça. Esses resultadosvão servir para eliminar a confusão fei-ta nos Estados Unidos.

Em seus dez anos de funcionamen-to, o LDQA firmou-se como um im-portante centro produtor de conhe-cimento sobre a aguardente nacional.No período, já foram formados setemestres e cinco doutores. Doze artigoscompletos foram publicados em perió-dicos científicos internacionais, oito emrevistas especializa das nacionais e ou-tros 13 em periódicos nacionais de di-vulgação. O intercâmbio com institui-ções estrangeiras também é relevante."Trabalhamos em colaboração com vá-rias instituições na Dinamarca, na Itá-lia e na Bélgica. Com as nossas pesqui-sas, queremos levar a cachaça ao mesmopatamar de qualidade das demais be-bidas destiladas comercializadas emtodo o mundo, como uísque, vodca erum", diz Franco. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 77

ITECNOLOGIA

BIOMATERIAIS

Dentes preservadosNovos cimentos e membranasodontológicas tornamrestaurações e implantes mais baratos

Dois novos biomateriaispara uso odontológicoprometem trazer gran-des benefícios aos den-tistas e seus pacientes. O

primeiro deles é um filme tlexível (oumembrana) empregado para auxiliaro processo de fixação de pinos usadosem implantes dentários. O outro é umcimento odontológico que serve pararestauração de dentes e para fixação dedispositivos protéticos, como pinos, co-roas e bráquetes (peças metálicas parafixação) de aparelhos ortodônticos, usa-dos na correção da posição dos dentes.Os biomateriais, capazes de estimular opotencial regenerativo de tecidos hu-manos, foram desenvolvidos por doispesquisadores do Grupo de Biornate-riais do Instituto de Química da Uni-versidade Estadual Paulista (IQ/Unesp),campus de Araraquara, que integra oCentro Multidisciplinar de Desenvol-vimento de Materiais Cerâmicos, umdos dez Centros de Pesquisa, Inova-ção e Difusão (Cepids) da FAPESP.Entre as vantagens dos novos produtosestá utilização de tecnologia nacionalque permitirá colocar no mercadomateriais mais baratos em relação aosprodutos usados atualmente.

O filme tlexível, criado pelo douto-rando em química Rossano Gimenes, éum compósito formado pela junçãode dois polímeros (copolímero) PVDF-TrFe (tluoreto de polivinilideno-trifluo-retileno) e pela cerâmica titanato debário (BT). No mercado encontram-semembranas de polímeros (tetlon, porexemplo) usadas para revestir cavidadesósseas bucais com lesões (extrações de

78 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

dente, implantes, cirurgia) visando a pro-teger o coágulo sanguíneo que se formano local. "Esse coágulo tem um papelfundamental na regeneração óssea e naintegração entre o pino e o osso. É eleque fornece os nutrientes necessáriospara o crescimento das células ósseas':explica a química Maria Aparecida Za-ghete, orientadora de Gimenes e coor-denadora do Grupo de Biomateriais.Sem essa proteção, por exemplo, cadavez que a pessoa vai escovar os dentes,o coágulo é involuntariamente removi-do, atrasando o processo de cura.

Além da função protetora, a mem-brana desenvolvida na Unesp tambémdeverá acelerar o crescimento ósseo emfunção das interações piezelétricas en-tre o compósito e o osso. Piezeletrici-da de é um fenômeno físico no qualcertos materiais submetidos a uma pres-são mecânica respondem com a geraçãode cargas elétricas. Os ossos possuemessa característica e seu crescimento es-

o PROJETO

Filme Flexível e Cimentopara Uso Odontológico

MODALIDADEPesquisa do Centro Multidisciplinarde Desenvolvimento de MateriaisCerâmicos (CMDMC-Cepidl

COORDENADORAMARIA APARECIDA ZAGHETE -Instituto de Químicada Unesp Araraquara

INVESTIMENTOR$ 80.000,00 e US$ 15.000,00

tá associado à piezeletricidade. "Com ouso dessa membrana, estamos dandouma força para o osso regenerar-se deforma mais rápida", afirma Gimenes.Atualmente, materiais semelhantes à dis-posição dos dentistas, como as membra-nas de tetlon, têm somente a função deisolar o coágulo. Essas membranas nãocontribuem para regeneração do osso.

O "pulo do gato" na fabricação docompósito da Unesp foi a criação deuma cerâmica com características mo r-fológicas capaz de potencializar a ca-pacidade piezelétrica do copolímeroPVDF- TrFe, vendido pela indústriaquímica na forma de pequenas pasti-lhas (pellets) e usado numa ampla va-riedade de aplicações na indústria ele-trônica, tais como hidrofones (detecto rde sinais sonoros submarinos), filtrosacústicos e sensores de temperatura epressão. Na fabricação do filme, os pel-lets são dissolvidos por um solvente or-gânico e a solução resultante é mistura-da ao pó cerâmico desenvolvido porGimenes com auxílio da aluna Lucianede Oliveira Coelho.

"Fizemos testes in vitro e in vivo, emtíbias de coelho, que demonstraram abiocompatibilidade e bioatividade doscompósitos, ou seja, não são rejeitadospelo organismo, não causam intlamaçãoe curam lesões ósseas. Nos próximos doisanos, estaremos aperfeiçoando o com-pósito e, em seguida, partiremos paraavaliação clínica em institutos e facul-dades de odontologia", diz o pesquisa-dor. Confiante na viabilidade e no su-cesso da membrana, Gimenes planejatornar o produto viável comercialmente,num primeiro momento, por meio da

Ao lado, membrana para auxiliaros implantes dentários. Abaixo,cimento para a fixação de pinose peças protéticas

criação de urna empresa própria. "Creioque o produto final possa chegar aomercado com um preço inferior ao dasmembranas de teflon hoje disponíveis."

Cimento de vidro - O outro materialproduzido pelo Grupo de Materiais doIQ-Unesp é um cimento de ionômero,um compósito formado pelas partículasde vidro e um ácido orgânico. A princi-pal diferença em relação aos produtossimilares existentes no mercado está noprocesso de preparação. A maioria dospós dos cimentos comercias é importa-da e os vidros utilizados na sua fabrica-ção passam pelo processo de fusão deóxidos, enquanto na Unesp esses produ-tos são produzidos num processo quí-mico com sais solúveis em água.

A composição do cimento tambémfoi alterada com a introdução de novoelemento, o nióbio. "Queremos desen-volver um produto final com caracterís-ticas superiores ao tradicional': afirmaa professora Maria Aparecida, orienta-dora do doutorando Márcio Bertolini,idealizador do novo biomaterial. "O nió-bio melhora a resistência química doionômero, impedindo que o cimentoseja degradado pelas alterações de pHda boca. Além disso, o nióbio atua namelhoria das propriedades mecânicas':diz a pesquisadora. "Outra vantagem donosso vidro é que temos maior controlena microestrutura, possibilitando umproduto com mais qualidade. Como usa-mos temperaturas mais baixas, os custosenergéticos na produção dos vidros sãomenores, além de utilizarmos equipa-mentos mais baratos", explica Bertolini.

A expectativa dos pesquisadores éque o produto esteja finalizado dentro deum ano. "No momento, estamos me-lhorando o processamento dos materiaise as características morfológicas do vi-dro. Depois partiremos para a fase detestes, que será realizada em faculdadesde odontologia", diz Bertolini. Emboraa principal aplicação desse cimento sejaa fixação de pinos e peças protéticas, eletambém poderá ser usado como ingre-diente para acrescentar mais resistên-cia e tornar outras resinas odontoló-gicas mais baratas. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 79

II

ITECNOLOGIA

AMBIENTE

Fnae

Para não submergirPortões serão instaladosno fundo do mar para tentarsalvar Veneza das enchentes

ALESSANDRO GRECO

Em novembro de 2002, ainundação da cidade deVeneza pelas águas do mardurou um mês. Uma situa-ção preocupante e diferen-

te daquela registrada em manuscritosdo ano de 589 a.c., quando a água su-bia apenas alguns dias e não incomo-dava tanto os moradores. O que era umevento raro há 2.600 anos se tornoucorriqueiro nas últimas décadas e amea-ça o futuro de um dos patrimônios dahumanidade. O estrago feito pelas en-

80 ' MAIO DE 2003 ' PESQUISA FAPESP 87

chentes durante séculos trouxe conse-qüências irreparáveis para a cidade ba-nhada pelo Mar Adriático, no norte daItália. O primeiro piso das construçõeshá muito não é mais utilizado em razãodas recorrentes enchentes. Isso fez a po-pulação cair de 250 mil na Idade Mé-dia para cerca de 60 mil nos dias atuais.Mas somente em 1966, com a chegadada pior enchente até aquele ano, umasolução real para o problema começoua ser pensada. No final de 2002, foiaprovada a construção de portões sub-

mersos que, quando levantados em pe-ríodos de maré alta, são capazes de blo-quear as três entradas do mar para oLago de Veneza.

A idealização dos portões contoucom a colaboração de uma das mora-doras da cidade que viveram a grandeenchente de 1966.PaolaRizzoli,58 anos,hoje professora do Massachusetts Insti-tute of Technology (MIT), nos EstadosUnidos, lembra do que passou dentroda própria casa:"Foi impossível sair portrês dias. Havia mais de 2 metros de

Praça de San Marco:moradores e turistasandam sobre mesas paraescapar da maré alta

Instalados nas entradasdo Lago de Veneza, os portõesserão levantados quandoa maré atingir 1)0 metro

OceanoLagoa

água, ficamos o tempo todo semluz e as pessoas que viviam noprimeiro andar tiveram que su-bir para o apartamento de seusvizinhos".As marcas da enchen-te ficaram entranhadas na me-mória de Paola de tal forma queela decidiu, anos depois, largar afísica teórica, após ter recebidoseu doutorado em física quân-tica, e estudar a circulação daságuas dos oceanos. "Eu me tor-nei uma oceanógrafa por causada maré alta de Veneza. Isso foihá 20 anos",diz Paola.

Em 1995, o professor RafaelBras,do MIT,foi convidado peloMagistrato alie Acque, ou de-partamento de água de Veneza,a liderar um comitê para super-visionar o trabalho de desenho,planejamento e construção doMose (Módulo ExperimentalEletromecânico), o nome oficialdado ao portão, na forma deprotótipo, construído haviadez anos. Bras convidou entãoPaola e o professor Donald Har-leman, também do MIT, alémde Andrea Rinaldo, professor daUniversidade de Padova, na Itá-lia, para fazer parte do comitê,que tinha de avaliar se os por-tões não fariam um estrago noambiente marinho. Em 1998,ospesquisadores concluíram quenão haverá problemas ecológicos como bloqueio dos portões nas três en-tradas (Lido, Malamocco e Chioggia)do lago.

"Hoje a maré alta é tão co-mum que, em novembro do anopassado, a Praça de San Marcoficou debaixo d'água o mêsinteiro. Minha casa fica a trêspontes (quarteirões) dela. Aúnica forma de se chegar lá,após atravessar uma ponte, eraandando em cima de mesas (naverdade, cavaletes de ferro comtábuas de madeira instaladospela prefeitura), que continuamlá",comenta Rizzoli.

Protótipo no mar - Em 1975, ogoverno italiano fez um con-curso internacional para rece-ber propostas de soluções paraas inundações. Mas foi somen-te em 1989, após um projetocom base em cinco soluçõesapresentadas em 1975, que oMose foi aprovado de formapreliminar como a soluçãopara as enchentes de Veneza.Com um custo estimado entreUS$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões,

o o Mose deve levar dez anosª para ficar pronto. Seus 79 por-;5 tões, cada um com 30 metros.,;~ de altura, 20 metros de largura~ e 5 metros de espessura, ficarão* debaixo d'água a maior parte~ do ano - a estimativa é de que

L.....J... ---'" eles se levantem o equivalente aseis dias durante esse período

somando-se todas as vezes que eles en-trarem em ação. Eles ficarão localiza-dos nas três entradas do Lago de Vene-za e somente serão levantados se amaré subir mais de 1,10 metro. Assim,os portões funcionarão como barreirasfísicas que impedirão o mar de inun-dar a cidade.

Instalados no fundo das três saídaspara o mar e sob comando eletrônico,cada portão poderá se levantar indivi-dualmente, permitindo um controle ri-goroso do quanto de água do mar estáentrando no lago. O projeto indica quea construção dos portões deve come-çar por Malamocco, depois Lido (localpor onde entram e saem os navios) e,finalmente, Chioggia. •

tAaf Adriá"tico

bindo. O primeiro começou no final daSegunda Guerra Mundial, quando asindústrias da região passaram a bom-bear água do subsolo para suas ativi-dades diárias. Com a diminuição dolençol d'água subterrâneo, Veneza co-meçou a afundar rapidamente. A en-chente de 1966 pôs um fim ao bom-beamento dessa água e hoje Venezaafunda 0,4 milímetro por ano. Mas ogrande problema é que o nível do MarAdriático subiu 1,4 milímetro por anono último século. Uma das conseqüên-cias drásticas desse aumento no níveldo mar é a multiplicação do número devezes que as enchentes acontecem. Em1997, por exemplo, Veneza sofreu ceminundações.

Ilhas e canais - Veneza foi construídasobre 117 pequenas ilhas entremeadaspor 150 canais e mais de 400 pontes.Ela começou a ser desenhada duranteas invasões bárbaras nos séculos 5 e 6a.c., quando moradores da região doVêneto saíram do continente e se re-fugiaram nas ilhas.

O problema das enchentes nesse ar-quipélago totalmente habitado e commuita história para contar tem se in-tensificado por dois fatores. A cidadeestá afundando, e o nível do mar, su-

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I HUMANIDADES

111 ENTREVISTA: ALFREDO BOSI

•nesa-;

resposta à opressãoRecém-eleito para a AcademiaBrasileira de Letras, professorreafirma crença no poder do lirismo

RINALDO GAMA

Para Alfredo Bosi, professor da Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Pau-lo (USP), a eleição, em março passado, para a AcademiaBrasileira de Letras (ABL) veio com pelo menos dois al-tos significados simbólicos. Estudioso de Machado de

Assis, ele passou a pertencer à instituição fundada pelo autor deDom Casmurro (1899). Mora isso, sua cadeira, a de número 12, foianteriormente ocupada pelo cardeal dom Lucas Moreira Neves, aquem Bosi - um paulistano de 66 anos - conheceu na juventude ecuja trajetória, de aproximação entre o pensamento católico e asquestões sociais, serviu-lhe como referência.

Do lado da ABL, a chegada de um intelectual pleno, de esquer-da e de ação como Alfredo Bosi ratifica o que deve ser um dos ob-jetivos da entidade: tornar-se um amplo retrato da cultura do país,ao mesmo tempo em que pode estimular seu maior contato coma universidade. Nas entrevistas que concedeu logo após a vitória -por 27 votos a 10, dados ao jornalista e escritor maranhense JoséLouzeiro (houve uma abstenção) -, o professor insistiu que um deseus propósitos é atuar como uma ponte entre os dois mundosacadêmicos.

Formado em Letras pela USP em 1960, Bosi lá começou a daraulas de literatura italiana em 1962, após regressar de um períodode estudos na Itália. Em 1964, defendeu tese de doutorado sobrePirandello e em 1970 tornou-se livre-docente, com um trabalho arespeito da poesia de Leopardi. Àquela altura, porém, ele já mani-festava outro interesse - não por acaso, é também de 70 o seu clás-sico História Concisa da Literatura Brasileira. Dois anos depois Al-fredo Bosi passaria a lecionar a disciplina no Departamento deLetras Clássicas e Vernáculas da FFLCH.

Editor da revista do Instituto de Estudos Avançados (IEA) des-de 1987 e diretor do mesmo instituto a partir de 1997, Bosi coor-

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denou, em meio a outras atividades, aComissão de Defesa da UniversidadePública (1998).

Entre seus livros destacam-se, alémde História Concisa da Literatura Brasi-leira, O Ser e o Tempo da Poesia (1977),Céu, Inferno: Ensaios de Crítica Literá-ria e Ideológica (1988), Dialética da Co-lonização (1992), Machado de Assis: oEnigma do Olhar (1999) e Literatura eResistência (2002).

- Minhas primeiras aulas de literaturaitaliana no curso de Letras Neolatinasda Faculdade de Filosofia da USP, nasquais o professor Italo Bettarelo nos liauma belíssima análise que Croce fez deuma passagem da Eneida, de Virgilio,reforçaram a convicção de que a poesiaé a forma mais densa e mais intensa daexpressão verbal. É claro que a palavratem muitas funções. Quem atravessou alingüística de um Iakobson, por exem-

plo, sabe que a palavrapode ser, às vezes, pu-ramente referencial,puramente ligada àpercepção imediata darealidade. Mas a pala-vra pode assumir ou-tras funções: a funçãode ação, quando a pa-lavra é eloqüente, épolítica, e uma funçãode expressão dos sen-timentos mais pro-fundos do homem -no caso, quando a pa-lavra é lírica. A minhaconcepção de poesiatem muito a ver com

o predomínio da expressão lírica. Cro-ce dizia que a poesia é, acima de tudo,liricidade, ou seja, ela está profunda-mente ligada às experiências mais ínti-mas e mais significativas do ser huma-no. Se nós passarmos dessa concepção,que se aproxima do idealismo alemão,filtrado por Croce, para uma vertentedialética ligada à Escola de Frankfurt,sobretudo Adorno, veremos que semantém a idéia de que a poesia expri-

.me a subjetividade mais radical do serhumano.

Mas, além dessa característica exis-tencial, fundamental, a poesia terá tam-bém, ou poderá ter, o papel de contradi-zer a generalidade abusiva das ideologias,em especial das ideologias dominantes.Por quê? Porque as ideologias, em geral,racionalizam e justificam o poder. Háno sistema capitalista um uso constante,ideológico, da palavra, que procura con-vencer o usuário a transformar tudo emmercadoria e a consumir toda merca-doria como bem supremo. Ora, nessecontexto particular, que nós estamosvivendo, que é uma sociedade de con-sumo, em que tudo passa a ter um va-lor venal, a palavra lírica soa como umamensagem estranha porque ela se sub-trai a esse império da ideologia, nos re-

Foi exatamente sobre sua obra queAlfredo Bosi fez questão de discorrer naentrevista a seguir. Compreenda-se. Éela que o tornará, de fato, imortal.

• No texto que abre o volume Leitura dePoesia (2001), organizado pelo senhor,fica claro que essegênero está na origemde suas preocupações como crítico literá-rio. Em O Ser e o Tempo da Poesia, osenhor busca analisar o poema em suanatureza, por assim dizer, formal e emseu papel ideológico. A conclusão é deque se trata de um gênero que não deve-ria privilegiar nem o tecnicismo (a artepela arte), nem o sectarismo político (oengajamento), tampouco o mercado(vale dizer, o consumismo). 'fi poesiatraz, sob as espécies da figura e do som,aquela realidade pela qual, ou contra aqual, vale a pena lutar'; escreveu o se-nhor. Está aqui implícita uma crença nopoder da palavra poética, que de algummodo remete ao poder do verbo, em si, defazer com que o real se apresente ao ho-mem. Pelo menos desde Crátilo, de Pla-tão, esse é um ponto de debate que mobi-liza poetas e pensadores. Em que medidaa poesia consegue trazer ao homem con-temporâneo "a realidade pela qual, oucontra a qual, vale a pena lutar"?

84 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

mete a certos traços humanos, univer-sais, a certos sentimentos comuns, à hu-manidade, como a angústia em face damorte, a indignação em face da opres-são - enfim, a palavra lírica está emtensão com a ideologia dominante, e is-so é um papel evidentemente dialético.

Nesse sentido, a concepção de poe-sia que eu professo tende a amarrar asduas vertentes de que falei. Resumo-as:a vertente da poesia como expressão,que é a grande conquista de BenedettoCroce, cuja estética é toda uma medita-ção sobre o caráter expressivo, existen-cial da linguagem, e a vertente da dialé-tica negativa da Escola de Frankfurt,que procura mostrar como a poesiatraz uma voz original, muitas vezes es-tranha, mas de todo modo resistente àideologia dominante. Essa conjunçãode Croce e Adorno não deve causar es-tranheza, porque ambos foram leitoresmuitos atentos da dialética hegeliana,que tem como um dos pontos vivos aproposta da antítese, da negatividade. Apoesia como resposta às ideologiasopressivas é o fulcro mesmo das mi-nhas ponderações sobre a lírica que es-tão expressas em vários momentos daminha obra e cristalizadas no ensaioque se chama Poesia Resistência, um doscapítulos de O Ser e o Tempo da Poesia.

• Professore historiador da literatura bra-sileira, era inevitável que o senhor aca-basse, a certa altura de sua carreira, se de-frontando com o desafio de analisar emprofundidade a obra de Machado de As-sis - o que ocorreem O Enigma do Olhar.Qual a raiz das personagens machadia-nas?Entre os elementos responsáveis pelaperenidade dos heróis trágicos de Ma-chado, estaria o ensinamento aristotélicode que eles não devem ser nem inteira-mente bons nem inteiramente maus?- As personagens machadianas não sãohomogêneas, isto é, não convém ler aficção de Machado de Assis como sefosse apenas uma galeria de figuras tí-picas, de personagens que representari-am o espelho da vida social brasileira dasegunda metade do século 19. Essa lei-tura estritamente sociológica da obra deMachado é uma leitura unilateral. Porquê? Se, de um lado, ele foi de fato umagudo observador da nossa estruturasocial assimétrica, em que havia os quemandavam, os que podiam e aquelesque viviam de favor, os agregados; se éverdade que Machado de Assis foi um

leitor das diferenças sociais, de outrolado ele viu por dentro aquilo que asociologia da literatura costuma verpor fora, como tipos cristalizados dasociedade. Explico-me: há algumaspersonagens na obra de Machado quepraticamente encarnam certo tipossociais. Um personagem como Co-trim (de Memórias Póstumas de BrásCubas, de 1881), um homem bem es-tabelecido na vida e muito estimadoporque favorece os po-bres, as irmandades daépoca, é, ao mesmotempo, violento com osescravos. Ele seria umaespécie de alegoria deuma parte de nossaclasse dominante. Entãoum personagem comoCotrim leva águas parao moinho da tipifica-ção, mas a obra de Ma-chado de Assis não é fei-ta só dessas personagensda classe dominante,com traços de uma bur-guesia ainda atrasada eque convive com a es-cravidão e que, portanto, tem elemen-tos fortes de hipocrisia na sua conduta,ou, no outro extremo, de cinismo.

Essa caracterização existe, mas nãoé a única. A sutileza da obra de Macha-do vem de mostrar que dentro de cadaclasse social há pessoas diferenciadas.As personagens de Machado de Assisque nos interessam hoje não se redu-zem a tipos sociais cristalizados. Veja asagregadas. Elas constituem uma certaclasse, um certo grupo que nós olha-mos do alto, sociologicamente. Mas .quando descemos ao texto, quando en-tramos no segredo do texto, vemos quehá diferenças muito sensíveis de com-portamento e de vida interior entre asdiversas agregadas que surgem na obramachadiana. Compare-se, por exem-plo, uma personagem como Guiomar,de A Mão e a Luva (livro de 1875), queé ao mesmo tempo uma agregada euma pessoa fria, oportunista, que dese-ja subir na vida e se vale da afeição desua protetora para isso - seria, portan-to, um tipo completo do agregado am-bicioso, uma figura sociologicamentebem representativa. Compare-se essapersonagem com Helena, do romanceque tem o mesmo nome (publicado em1876), ou com Estela, de Iaiá Garcia (de

1878), que são personagens que tam-bém vivem numa condição de depen-dência, todavia não suportam isso e serebelam dignamente - ou pelo sacrifí-cio, pela morte, no caso de Helena, oupelo estoicismo, em Estela. Eu estou ci-tando esses exemplos para mostrar queem Machado existe o tipo social e exis-te a pessoa na riqueza mesma de sua di-ferença. Isto em relação à primeira par-te da pergunta.

• E quanto à segunda parte- Quanto à segunda, sobre o caráterbivalente dos heróis trágicos, eu achoque pode se ajustar, sim, às persona-gens machadianas, nas quais nós en-contramos virtudes e defeitos, corageme covardia. Uma personagem tão discu-tida como Bentinho, do romance DomCasmurro, representa exatamente esseconjunto muitas vezes dramático deamor e ódio, de confiança e suspeita, deuma paixão ingênua, no princípio e,depois, de um ciúme rancoroso. Aliás,não se deve julgar a personagem; esse éum vício grave de uma crítica moralis-ta, que procura identificar certos traçosde classe na personagem e a reduz a umconjunto de características que podemser condenadas pela nossa visão ideoló-

gica atual. Machado não se fixa na con-denação. Certamente ele queria mos-trar as oscilações internas e sobretudoos dramas que as personagens vivem,que fazem delas ora figuras estóicas,cheias de dignidade, ora pessoas frágeis.Aí está a riqueza da obra machadiana:mostrar essas contradições, algo que onaturalismo típico do século 19 nãoconseguia porque caracterizava a prioria personagem e era incapaz de mostrarsuas oscilações internas. Eu diria que araiz das personagens de Machado é aidéia de que o homem constitui um sercomplexo e freqüentem ente imprevisí-vel, senão enigmático para o próprionarrador. E ele está o tempo todo apro-fundando o enigma do ser humano.Acho que é isso que dá a Machado umasuperioridade em face do realismo re-dutor de sua época.

• Quando o senhor regressou ao Brasil,em 1962, após um ano de estudos na Itá-lia, estava em voga a discussão sobre iden-tidade cultural. Naquele momento, pre-valecia a ação da esquerda, com os CPCs,por exemplo. Depois vieram os militarese tudo o que sabemos. Pois bem: há umcerto tempo, o conceito de identidade cul-tural vem sendo deixado de lado - fala-

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se, por exemplo, em identificação cultu-ral, na qual os elementos trocam o tempotodo de lugar. Isso de algum modo acen-tua opapel da resistência cultural ou estetambém é um conceito ultrapassado, den-tro da dinâmica que se verifica na cultu-ra? (Lembrando sempre que o senhor en-tende a cultura brasileira, como nãopoderia deixar de ser, como algo plural.)- De fato, nos anos 60, sobretudo an-tes do golpe militar de 64, havia um

mercadoria, de consumo global. De al-guma forma esse distanciamento deuma ideologia nacional ou nacionalis-ta está vivo até hoje. Acho muito difí-cil atualmente, depois dos avanços daglobalização e da sociedade de consu-mo, nós recuperarmos, na sua pureza,o conceito de cultura nacional autô-noma - como se propunha entre osanos 50 e 60. Mas o que eu vejo hoje éque em plena era da globalização, e em

face desse processoque parece irreversí-vel, há característicasdas culturas locais,com suas identidades,que apareceram, seopuseram com muitaforça. Nós vivemosum período estranho,que mereceria umestudo antropológicoaprofundado, em queconvivem fenômenosde cultura de massamuito próximos doimperialismo cultu-ral americano e umapesquisa refinada das

fontes populares locais. Então, hoje, umcineasta brasileiro de valor é capaz de,ao mesmo tempo, usar técnicas moder-nas, refinadas, aprendidas com o cine-ma americano e europeu, para veicularimagens e transmitir sentimentos quetêm raízes muito profundas na vida po-pular. É o que acontece nesta obra-pri-ma do cinema brasileiro Abril Despeda-çado (de Walter Salles [r.),

É curioso este fenômeno: em vezde falarmos em identidades nacionaisglobais, o que não deixaria de ter tam-bém um viés ideológico, hoje procura-mos, dentro da vida popular, a suapluralidade, a sua riqueza. Estão aímovimentos religiosos, movimentosde cultura ecológica, movimentos fe-mininos - o que a gente sente é que háum despertar de consciência que pro-põe formas especiais de suas experiên-cias particulares, que não querem sesubmeter a essa rotina da cultura demassas. O conceito de identidade na-cional está há tempos em crise e foisubstituído por duas forças opostas econtemporâneas: pela globalização,que não tem pátria (esse é o lado queeu chamaria de negativo do processo),e, positivamente, pelo aprofundamen-to das vivências populares. Isso apare-

É O que acontece nestaobra-prima Abril Despedaçado:técnicas aprendidas do cinemaamericano e europeupara transmitir sentimentosque têm raízesprofundas na vida popular

conjunto de forças políticas e culturaisque apostavam na criação de umaidentidade nacional, que se oporia es-pecialmente ao imperialismo culturalde base norte-americana, que já se es-tendia sobre o mundo, em particularsobre os países dependentes da Améri-ca Latina. Então a polaridade nacionale antinacional, ou brasileiro versusimperialista, era uma componentemuito ativa da ideologia de esquerda,que procurava, mediante a criação fol-clórica, no cinema, no teatro, na músi-ca, realçar esses traços brasileiros, po-pulares, em oposição ao imperialismocultural. Era uma posição que tinha,vamos dizer, uma grande coerência ecirculava nos meios universitários,jornalísticos.

O que aconteceu depois do golpe, ede uma maneira mais intensa nos anos70 e 80, foi uma revisão desse conceitode uma identidade nacional muito fe-chada, muito homogênea, na medidaem que a civilização de massas e, den-tro dela, a indústria cultural, globaliza-da, avançou a tal ponto que começou aficar difícil distinguir, isolar, o que se-ria puramente nacional do que seria jáuma exploração de motivos brasileirosdentro de um quadro de cultura de

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ce na música, no cinema, nos discur-sos críticos. É essa segunda vertenteque nos interessa de perto: como é quea cultura popular filtrada por artistaseruditos, muitas vezes universitários,está ganhando novas formas. Esse éum processo complexo que ainda estáse desenvolvendo diante dos nossosolhos - e que vale a pena estudar. Issoacontece no Brasil, mas também emoutros pontos do planeta: no Irã, quetem um cinema extraordinário, na Ín-dia, em países, enfim, que foram vio-lentamente modernizados nos últimos50 anos, mas cujos intelectuais estãosempre trabalhando imagens, senti-mentos, ligados à experiência popular.Eu diria que hoje a globalização, quese opôs à identidade nacional, não émais um pensamento único; ela estásendo contrastada por aprofunda-mentos locais, que vêm dando uma ri-queza enigmática, paradoxal, à culturacontemporânea.

• Em Dialética da Colonização, livroque foi colocado no mesmo patamar deobras fundamentais de Sérgio Buarquede Holanda e Gilberto Freyre, o senhordiscorda muitas vezes desses dois pensa-dores. Na sua opinião, existe em SérgioBuarque a "sublimação do bandeiran-te" e em Freyre, a "sublimação do se-nhor-de-engenho': O senhor poderia re-tomar essa questão e, fazendo umaauto-análise, discorrer sobre o peso decertos ideá rios em sua compreensão doBrasil?- No primeiro capítulo de Dialéticada Colonização eu me preocupei emrastrear na nossa melhor historiogra-fia crítica as grandes visões do Brasil,sobretudo aquelas que foram formu-ladas por estudiosos dos anos 30. Essadécada foi extraordinariamente fecun-da; nela, muitos intelectuais brasilei-ros tiveram um projeto de conhecer oBrasil e, se possível, de transformá-lo.A década de 30 é um divisor de águasentre uma visão ufanista do país euma visão crítica, de reconstrução, in-teressada em redefinir a questão daidentidade nacional de que falávamoshá pouco, de definir o homem brasi-leiro. Assim, eu não poderia deixar deme debruçar sobre os dois maiores in-térpretes do Brasil naquele decênio e,não por acaso, tive de falar da obra deGilberto Freyre e de Sérgio Buarque deHolanda, dois nomes centrais, autores

de duas obras clássicas, Casa-Grande& Senzala (de 1933) e Raízes do Bra-sil (de 1936). Minha leitura não foicega. Não fiz uma leitura de meraadmiração pela riqueza estilística oupela profundidade de observaçãodaqueles autores. Fiz também umesforço para entendê-los em sua es-sência e para manter um distancia-mento, o que não é fácil diante deles,ambos bastante persuasivos. Minhaprimeira reação foi sen-tir que havia, nos doispensadores, uma forteidéia de cultura comoaglutinação - mais doque isso, como harmo-nização do colonizadore do colonizado. Dian-te desse entendimento,o outro lado, que é o daviolência, da explora-ção - dos bandeirantesque violentavam as ín-dias, que destruíram to-talmente as missões je-suíticas, ou do senhor-de-engenho, que criouuma civilização ondehouve muita violência também -, esseoutro lado, eu dizia, não estava ausen-te, porque os dois autores eram muitolúcidos, mas ficava em modesto se-gundo plano. Achei que era preciso di-zer, sem nenhum demérito daquelesextraordinários explicadores do Brasil,que as imagens decorrentes de suasobras teriam alguma coisa a ver com oque a gente chamaria de "sublimação"- do senhor-de-engenho e do bandei-rante (e, mais tarde, do senhor docafé). É claro que depois, à medida que'vamos lendo e relendo os dois autores,vamos pontuando outros aspectos -de antropologia popular, por exemplo,que eles viram com muita argúcia.Mas o sentimento de que eles subli-maram o colonizador ainda está pre-sente na minha leitura. Terá isso a vercom uma cultura de esquerda em queeu me formei? Talvez, por que não?Não farei aqui uma auto-análise ideo-lógica, porque, naturalmente, outrosfarão melhor do que eu. Os leitores defora em geral têm mais argúcia paraperceber quais são as raízes ideológi-cas do nosso pensamento. Mas admitoque passei por um distanciamento emrelação àqueles dois insignes explica-dores do Brasil.

• Ainda sobre Dialética da Coloniza-ção. Em um posfácio, o senhor analisoua situação da cultura brasileira no anode lançamento do livro, em 1992. Onzeanos depois, qual avaliação o senhor fa-ria da cena cultural do país? O posfáciocontinua válido ou por acaso houve al-guma mudança digna de nota?- De maneira geral, eu manteria asobservações que fiz no posfácio de Dia-lética da Colonização. O importante na-quele adendo era mostrar que aquelastrês culturas que eu levantara - culturapopular, cultura universitária e culturade massas - estavam cada vez mais im-bricadas; que na época da globalizaçãoera muito mais difícil isolar as três ver-tentes. Eu notava, com certo espanto, ocrescimento extraordinário das seitaspentecostais, que, apesar de seus ele-mentos ultratradicionais, profunda-mente regressivos, no sentido quase deuma superstição - em oposição a umaIgreja Católica de esquerda, progres-sista, que procura se aproximar da mo-dernidade -, se valiam dos grandesmeios de comunicação de massa e lan-çavam mão de motivações do capitalis-mo selvagem moderno. Era um fenô-meno de alguma forma novo, que nãotinha sido contemplado na relação en-

tre cultura de massa e cultura popularque eu havia feito no corpo da obra -daí a necessidade do posfácio.

Eu acho que a relação entre culturade massa e cultura popular continua amerecer um aprofundamento em facedo fenômeno das seitas, que é planetá-rio e cresce rapidamente na periferiadas metrópoles. Ainda hoje, em 2003,nós estamos diante do fenômeno deimbricação de atitudes extremamenteregressivas com formas de ultramo-dernidade capitalista, uso da mídia,apelo constante ao dinheiro - emsuma, algo que não deixa de ser depri-mente para quem, durante tantosanos, procurou viver na fronteira en-tre cristianismo e socialismo. Minhavisão progressista dos valores cristãosnão deixa de ficar muito perplexa di-ante de um uso profundamente capi-talista de textos, de mensagens do pas-sado bíblico. É claro que eu teria maisa dizer sobre esse fenômeno da imbri-cação daquelas três culturas, mas ocrescimento das seitas - que, repito,não acontece apenas no Brasil; ocorrenas periferias das metrópoles latino-americanas que estão submetidas aocapitalismo selvagem - é algo que ain-da me chama muito a atenção. •

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• HUMANIDADES

SOCIOLOGIA

Relações delicadasEstudo sobre profissionais do Direitoanalisa dificuldade de serindependente e servir ao Estado

Corno é possível manter aautonomia sendo partedo Estado? Profissionaisdo mundo do Direito, co-mo juízes, promotores e

delegados, vivem esse dilema ao longode sua história, na busca de manter-secomprometidos com a prestação deserviços jurisdicionais, mesmo sendoparte da máquina estatal ou atuandomuito próximo dela. No livro Profissio-naZismo e Política no Mundo do Direito(Editora Sumaré / Edufscar / FAPESP),a socióloga Maria da Gloria Bonelli con-clui que, apesar dessa relação, é possívelconstruir essa independência.

Em sua obra, fruto de pesquisas fi-nanciadas pela FAPESP, Maria da Glo-ria optou por estudar quatro grupos: osadvogados, os desembargadores doTribunal de Justiça do Estado de SãoPaulo, os procuradores de Justiça doMinistério Público paulista e os dele-gados de polícia de São Paulo. Paraanalisar a relação desses profissionaiscom o Estado, voltou no tempo paracontar a trajetória dessas carreiras pú-blicas ao longo das décadas e mostrarcomo elas desenvolveram a relaçãocom o Executivo.

O primeiro grupo estudado foi odos advogados. Eles montaram a pri-meira associação no Brasil, o Institutodos Advogados Brasileiros, em 1843. De-pois veio a Ordem dos Advogados doBrasil (OAB), a principal organizaçãoda categoria no país. A socióloga dizque a elite dos advogados sempreesteve ligada à política. E, por terem

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uma participação tão ativa nessa área,costumam vincular-se a partidos. Massão ecléticos: há advogados em todas asagremiações partidárias. O importanteé diferenciar o profissional da institui-ção: o advogado faz política partidária,a OAB, não. Isso não quer dizer que aassociação não tome posições diante doprocesso político do país. No curso dademocratização do pós-Segunda Guer-ra, tempo da eleição para substituir opresidente Getúlio Vargas, a OAB de-cidiu apoiar a candidatura do brigadei-ro Eduardo Gomes. Ele foi derrotado eo vencedor, Eurico Gaspar Dutra, nãodeixou barato. Foram anos de persegui-ção à instituição. Outro momento difí-cil foi a ditadura militar. "A OAB fazia efaz a política da profissão, não a do par-tido", explica Maria da Gloria, do De-partamento de Ciências Sociais daUniversidade Federal de São Carlos.

A OAB consolidou-se nos anos 80,com a experiência da democratização.Nesse período, conseguiu construir suaautonomia institucional. Obviamente,a Ordem dos Advogados faz seu lobby.Óbvio também que dentro dela háprofissionais de todas as tendências, daesquerda à direita, mas dificilmente umgrupo se sobressai demais, pois um vi-gia o outro. O fato é que a OAB tem hojeuma enorme importância política. "Elafala pela sociedade para o Estado e fun-ciona como uma de suas mais fortesdefensoras", diz Maria da Glória.

As trajetórias dos advogados e dosjuízes caminham juntas. Ambos fo-ram muito atacados durante o regime

militar, mas têm a tradição de se aju-darem e de se ampararem quandoameaçados. O Tribunal de Justiça deSão Paulo, objeto de análise da soció-loga, tem orgulho de suas lutas cons-titucionais e de falar em nome dobem comum, tendo se envolvido com ascausas sociais desde o movimentoconstituinte de 1932. Os advogados eos juízes foram os primeiros a buscara construção de uma identidade pró-pria centrada na autonomia, tendosido alcançada depois pelos promoto-res. "Os juízes defenderam a indepen-dência do Judiciário frente aos ataquesdo Executivo em vários contextos his-tóricos", lembra Maria da Gloria.

Três poderes - Antigamente, as frontei-ras entre os poderes eram menos de-marcadas. Juiz exercia a função de de-legado e agia como interventor emgovernos estaduais, entre outras atri-buições, atuando como Executivo. Atéhoje, na estrutura dos três poderes,quando falta o presidente; o vice-presidente, o presidente do Congressoou do Senado, quem responde é o pre-sidente do Superior Tribunal Federal(STF) - na esfera estadual, assume opresidente do Tribunal de Justiça. Agrande discussão era com relação à bu-rocracia do Estado: até que ponto elacomprometia a independência de umamagistrado? Havia muitas discussõesna literatura dando conta de que, pelascaracterísticas do Estado brasileiro, o Ju-diciário estaria vinculado aos interessesde classe ou seria cooptado pela políti-

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Entrada da Faculdadede Direito da USP: voltano tempo para contara trajetória das carreiras

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 89

Arcadas da Faculdadede Direito: obrigatoriedadedos delegados seremadvogados vem de 1988

ca do Estado, que controlaria a catego-ria. Com a separação do Executivo, aclasse conseguiu construir uma estraté-gia de definição da carreira. A institui-ção dos concursos também contribuiupara isso porque, segundo a pesquisa-dora, a estruturação de uma profissãoajuda a consolidar a sua autonomia.

Astrutura de carreira criadapelo Judiciário faz com queele tenha grande inde-pendência do Executivo.Hoje só o topo da car-

reira - o Superior Tribunal Federal -é preenchido por indicação política.Houve momentos, conta Maria daGloria, em que se podia demitir e trans-ferir indiscriminadamente (hoje só épossível por justa causa). Durante ogoverno militar, período em que o Ju-diciário sofreu bastante, houve algu-mas cassações por corrupção, que, naverdade, eram motivadas por razõespolíticas. A consolidação da carreiradificultou esse tipo de intervenção.Hoje em dia, como já foi dito, só oSTF passa pelo crivo do Executivo. Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva

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terá cinco vagas para definir - um nú-mero alto de cadeiras, que poderá in-fluenciar o perfil da instituição.

Lista tríplice - O Ministério Públicopaulista foi organizado em 1946, junta-mente com as carreiras de promotor eprocurador de Justiça. O advogado

. aprovado inicia a carreira como pro-motor e depois é promovido a procura-dor, como membro da segunda ins-tância. Até hoje, é o governador quemescolhe o procurador-geral de Justiça,mas apenas ele - há uma cúpula forma-

o PROJETO

da por um conselho com 20 procura-dores. Os promotores conquistaram odireito de elaborar uma lista tríplice,escolhida por todos os promotores, parao governador definir-se por um. A cate-goria lutou muito para ter atribuiçõesde âmbito social. Em 1981, conseguiuentrar na área de meio ambiente - dei-xando assim a esfera dos direitos indivi-duais e entrando em casos metaindivi-duais ou difusos, tratando do bemcomum. O Ministério Público tambémtomou para si questões relacionadas aodireito do consumidor.

O lobby dos promotores durante aConstituinte de 1988 foi eficiente. Elesse organizaram para poder aprovar an-tigas reivindicações, como, por exem-plo, a incompatibilidade, que significaque um profissional ligado ao Ministé-rio Público não pode exercer cargos pú-blicos fora do ministério, nem se candi-datar a cargos políticos. Tal determinaçãonão vale para quem já era promotorantes. Essa regra já é válida para os juí-zes há muito tempo, mas ainda não estáem vigor para os delegados.

Os delegados são a categoria maisvinculada ao Estado. Se os promotoresconquistaram a autonomia em 1988 eos juízes são Poder Judiciário puro, osdelegados estão muito subordinados aoExecutivo. Segundo a socióloga, eles sãoa classe mais fragilizada entre as quatroestudadas no livro, mas tentam mudarisso. A geração que está à frente das de-legacias atualmente é bem diferente da-quela do período militar. Há mais fis-calização, transparência, treinamento,comitivas de direitos humanos e umaconseqüente punição maior sobre a máconduta. "Eles têm uma organizaçãoprópria e se articulam politicamentepara defender o monopólio sobre o in-quérito policial, hoje ameaçado peloMinistério Público': diz a pesquisadora.Os delegados são concursados desde1946, mas só a Constituição de 1988instituiu em todo o país que eles precisa-vam ser advogados. Em São Paulo, essaobrigatoriedade é bem mais antiga.

O estudo da professora Maria daGloria Bonelli faz parte de um ramochamado Sociologia das Profissões, doqual a pesquisadora é uma das pionei-ras no país. Os estudiosos dessa áreabuscam entender como as mais diver-sas profissões se desenvolvem, se orga-nizam e qual o real vínculo delas como Estado. •

Profissionalismo e Polfticano Mundo do Direito

MODALIDADEAuxílio publicação

COORDENADORAMARIA DA GLORIA BONELLI - Depto.de Ciências Sociais da UniversidadeFederal de São Carlos

INVESTIMENTOR$ 2.000,00

• HUMANIDADES

MOVIMENTO CULTURAL

Desafios musicaisTese esmiúça ahistória da composiçãoatonal brasileira

DÉBORA CRIVELLARO

Se a música erudita contempo-rânea brasileira tivesse umacapital, ela seria Santos, no li-toral de São Paulo. Era lá queacontecia, todos os anos, des-

de 1962, o Festival de Música Nova,com a presença de artistas nacionais eestrangeiros. É também na cidade lito-rânea que está o embaixador dessemovimento, o compositor GilbertoMendes, de 80 anos. O festival foi inter-rompido no ano passado, justamentequando comemoraria sua quadragési-

ma edição. Com a ausência do evento, aMúsica Nova ficou confinada em algu-mas poucas universidades públicas. Já aobra de Gilberto Mendes corre o mun-do: peças suas já foram tocadas até naPolinésia. Para não deixar que a históriadesses encontros culturais,que marcaram época, seja es-quecida, o pesquisador Anto-nio Eduardo escreveu a tesede doutorado Os Des-cami-nhos do Festival de MúsicaNova, pelo Departamento de

Comunicação e Semiótica da PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo(PUC-SP), com orientação da profes-sora Maria de Lourdes Sekeff, da Uni-versidade Estadual Paulista (Unesp) eapoio da FAPESP.

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 91

o título Música Nova faz juz aoque é apresentado por seus seguido-res. Quem vai a uma apresentação es-perando apreciar a boa e velha músicaclássica convencional fica, no mínimo,surpreso. Um dos pilares do movimen-to foi romper com o tonalismo (a di-nâmica da tensão e o repouso, ou umatônica e uma dominante), própria damúsica ocidental e bastante familiaraos nossos ouvidos. A mudança ocor-reu para negar tudo isso, romper comas estruturas vigentes, bem ao gostodos anos 60. Os compositores incor-poraram outros elementos, como osgestuais dos artistas. Para dar umexemplo, a peça 1'45, do compositornorte-americano Iohn Cage, ocorriada seguinte forma: o artista não tocavaabsolutamente nada e a música pro-duzida, de acordo com o compositor,seria a dos sons originados na platéia.Havia também o teatro musical,exemplificado por Ópera Aberta ouAshmatour, ambas de Gilberto Men-des. Antonio Eduardo explica que umdos objetivos do movimento era inco-modar mesmo: "Eles queriam provo-car a sensação de estranhamento esté-tico, instigar a reflexão".

Oobjetivo da tese de dou-torado foi mostrar queo festival foi o grandepainel de divulgaçãodos caminhos da músi-

ca contemporânea brasileira e umaescola virtual de composição, que in-seriu o Brasil na contemporaneidademusical. "Por isso o título é des-cami-nhos", explica. "O prefixo 'des' é paraenfatizar a pluralidade de estilos quehavia lá."Antonio Eduardo afirma queas apresentações de Santos foram agrande fonte fomentadora do eruditonacional. O recorte de tempo estuda-do pelo pesquisador, de 1962 a 1980,é segundo ele o período de maior efer-vescência do movimento, quando oexperimentalismo estava em verdadei-ra ebulição.

Os idealizadores brasileiros, WillyCorrea de Oliveira, Damiano Cozzela,Rogério Duprat e o próprio GilbertoMendes, retomaram a linha evolutivatraçada pelo Música Viva, na décadade 40, que era liderado pelo alemãonaturalizado brasileiro Hans- JoachimKoellreutter, teórico, compositor eflautista que familiarizou o país com a

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técnica dodecafônica (o sistema decomposição atonal, criado pelo com-positor austríaco Arnold Schõnberg).O objetivo era bem claro e ousado:romper com o passadismo de Villa-Lobos e Camargo Guarnieri. O grupoformado também foi estimulado - einspirado - pelo que de mais inovadorse produzia em outros braços da cul-tura nacional: o teatro dos grupos Ofi-cina, Arena e Opinião, o Cinema Novoe o Cinema Marginal, a literatura e apoesia concreta. Os concretistas, in-clusive, participavam dos festivais. Dé-cio Pignatari era figura constante nopalco do teatro santista.

Inconformismo - A proposta de rup-tura estética também tinha sua facepolítica. A posição era a de resistênciaà ditadura militar. O instrumento usa-do para expressar o inconformismoera a própria música produzida, elamesma uma alternativa ao status quo.Um exemplo disso foi a peça Músicapara os 7 Dias, apresentada por WillyCorrea de Oliveira e Gilberto Mendes.A proposta era a de que os músicos fi-cassem em Jejum, para ver o que acon-tecia na hora da apresentação. Resul-tado: a fome e a fraqueza produzirammanifestações contrárias do regime.Gilberto Mendes contou ao pesquisa-dor que censores assistiam às apresen-tações, à espera de um mínimo deslize,que permitisse a suspensão do pro-grama. A partir de 1969, até 1983, acidade de Santos passou a ter uminterventor militar. Curiosamente,foi justamente nesse período em quese deram as mais polêmicas edições doFestival de Música Nova.

Antonio Eduardo divide a históriados festivais em quatro fases. A pri-

o PROJETO

o último festivalocorreu em 200l.Logo no seu 400

aniversário, em 2002,ele foi cancelado porfalta de dinheiro

meira delas vai de 1962 a 1967, quan-do o evento começou a tomar forma,divulgando seus principais composi-tores. Nesse período, as peças eramapresentadas pela Orquestra de Câma-ra de São Paulo.

A segunda fase vai de 1968 a 1972,momento em que há uma aproxima-ção com os compositores ibero-ameri-canos. Obras dos espanhóis Luis dePablo e Ramón Barce, dos uruguaioscomo Conrado Silva, e do portuguêsJorge Peixinho foram muito tocadas.

A terceira fase vai de 1972a 1980.Aneue musik (movimento alemão cujonome inspirou o brasileiro) esgota-see os artistas entram num momento deprofunda discussão dessa linguagem.Os compositores questionam os cami-nhos da música nova e expressam a re-sistência à ditadura militar. As obrastornam-se mais do que nunca engaja-das e há uma aproximação maior como público, principalmente durante omomento da abertura política.

Na quarta fase da história do movi-mento, que compreende de 1990 a2001, o festival aproxima-se da músicabelga. Segundo o pesquisador, há umaidentificação tão grande com a lingua-gem musical que o intercâmbio promo-ve a publicação por uma editora belga,a Alain Van Kerckhoven Êditeur, daobra para piano de Gilberto Mendes.

Os Des-caminhos do Festivalde Música Nova

MODALIDADEBolsa de doutorado

ORIENTADORAMARIA DE LOURDES SEKEFF -Universidade Estadual Paulista(Unesp)

BOLSISTAAntonio Eduardo - PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo

Origem do movimento - Toda essa his-tória começou com um convite da en-tão Comissão de Cultura de Santospara Gilberto Mendes, em 1962. Em-polgados com a apresentação da Or-questra de Câmara de São Paulo du-rante a 5a Bienal de Artes de SãoPaulo no ano anterior, os organi-zadores pediram ao compositor queorganizasse a primeira Semana de

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Música Contemporânea de Santos.Iniciava-se aí a história dos festivaisde Música Nova, que, no começo, nãotinham local definido e se davam emauditórios de escolas de música e nasede do Madrigal Ars Viva.A partir dosanos 70, a Secretaria de Cultura e Tu-rismo instituiu que eles aconteceriamno Auditório do Teatro Municipal,então em construção. E, desde 1984,Santos deixou de ser a única cidade aabrigar o festival. As apresentaçãoocorriam também em São Paulo,Campinas e Ribeirão Preto, práticamantida até 2000.

O compositor Gilberto Mendestornou-se sinônimo do movimento.Esse santista começou tarde os estudosmusicais. Entrou para o Conservató-rio Musical de Santos somente aos 18anos, mas esteve longe de construiruma carreira acadêmica (apesar de tersido professor da Universidade de SãoPaulo), tendo desenvolvido uma lin-guagem muito própria. Mendes foimuito influenciado pelo som norte-americano produzido em 1930 e 1940.A música do cinema, as big bands, ojazz de Duke Ellington, Dizzie Gilles-pie e Ted Wilson (o arranjador de Bil-

lie Holliday). O universo sonoro da-quele período estápresente em sua com-posição. "Isso fez com que sua obrativesse, ao mesmo tempo, uma dimen-são singular e universal", comenta An-tonio Eduardo. Tocado em todos oscontinentes, Gilberto Mendes mante-ve-se em Santos, onde mora até hoje,no Boqueirão, fazendo da cidade lito-rânea seu ponto de partida e de chega-da. E onde manteve uma vida dupla:construiu uma sólida carreira de eco-nomiário, como bancário da CaixaEconômica Federal.

Umadas peças mais co-nhecidas de Mendes é oMotet em Ré Menor ouBeba Coca-Cola, criadaa partir de um poema

de Décio Pignatari. O compositorsempre se manteve intimamente liga-do à poesia concreta. Ele acreditavaque ela se propunha a buscar umanova postura entre o comunicador dapalavra e o receptor. O objetivo seria ametalinguagem entre o som e a pala-vra, produzindo uma nova comunica-ção entre o artista e a platéia. O movi-mento nascido em Santos identifica-se

profundamente com os anseios dosconcretistas. "Eles patrocinaram este-ticamente a Música Nova", diz Anto-nio Eduardo.

Mal comparando, os festivais deMúsica Nova funcionavam como osdesfiles de alta-costura. Dificilmentevemos pessoas nas ruas trajando asroupas exibidas nas passarelas, mas ascriações são fontes de inspiração paraa feitura de outros trajes. Assim é,também, o som desses compositoresbaseados em Santos. Um exemplo é aobra para piano de Gilberto Mendes,conta o pesquisador, bem mais palatá-vel. "É a dialética entre o tonal e o ato-nal", explica.

A estética musical apresentada nosfestivais sempre esteve afinada com oque é feito no meio urbano, ou seja,aos produtos de consumo rápido vei-culados por meio da comunicação demassa - caso dos jingles. O Tropicalis-mo, também dos anos 60, de um certomodo está interligado ao movimento,pois concretistas como Décio Pignata-ri foram fonte de inspiração tantopara Caetano Veloso e Gilberto Gilquanto para a nova música eruditacontemporânea. •

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 93

- RES E111 N H A

Cidadania, passado e presenteEnsaios trazem ampla visão de conquistas arduamente obtidas

tuado na Antigüidade. O se-gundo e decisivo momento dereferência localiza-se na filoso-fia política das revoluções bur-guesas que deram sustentaçãoteórica à Revolução Inglesa,à Americana e à RevoluçãoFrancesa, redefinindo os Direi-tos do Homem e do Cidadão,os quais constituem ainda hojea base dos contornos da de-mocracia. O respeito aos direi-tos individuais e a valorização

da liberdade como meta coletiva passaram, nessesmarcos ha história da cidadania, do discurso para aspráticas sociais.

Tal premissa não abdica da historicidade de práti-cas e elaborações teóricas no campo político. Comofirma Jaime Pinsky na introdução da obra: "Não sepode, portanto, imaginar uma seqüência única, de-terminista e necessária para a evolução da cidadaniaem todos os países': Avanços e retrocessos constituemmovimentos correntes na obtenção da cidadania que,em seu sentido mais amplo, é a "expressão concretado exercício da democracia".

Escrita por pesquisadores, intelectuais e ativistasde direitos humanos vinculados a diversas institui-ções acadêmicas, de representatividade nacional, aobra apresenta uma variada gama de abordagens nocampo das ciências humanas e da literatura. Entreos autores, fazem-se presentes Norberto L. Guari-nello, Pedro Paulo Funari, Eduardo Hoornaert, Car-los Zeron, Marco Mondaini, Leandro Karnal, NiloOdália, Leandro Konder, Paul Singer, Ioana MariaPedro, Osvaldo Coggiola, Peter Damant, WagnerCosta Ribeiro, Mércio Pereira Gomes, Flávio dosSantos Gomes, Tânia Regina de Luca, Maria LygiaQuartim de Moraes, Letícia Bicalho Canêdo, Maurí-cio Waldman e Rubens Naves.

A coletânea inclui ainda um conto inédito deMoacyr Scliar, que configura na pessoa frágil de Joséda Silvao trágico nascimento de um cidadão.

TERESA MALATIAN História da CidadaniaOrganizadores:Jaime Pinsky eCarla Bassanezi PinskyO que é cidadania ho-

je? O que é ser cida-dão no Brasil?

Essas perguntas básicassão abordadas na obra Histó-ria da Cidadania, organizadapor Jaime Pinsky e CarlaBassanezi Pinsky, que acabade ser publicada pela EditoraContexto. Partindo do pres-suposto de que a cidadaniaconsiste numa construção historicamente situada, ostextos selecionados percorrem seu longo caminho des-de a Antigüidade até o presente, apresentando refle-xões em torno do estabelecimento dos direitos sociais,políticos e civis que constituem seu fundamento. Oresultado é uma visão ampliada da trajetória de con-quistas por vezes arduamente obtidas, tanto no senti-do de possibilitar a inclusão de indivíduos e gruposno exercício de seus direitos quanto na ampliação dadensidade e da abrangência do estatuto do cidadão.

Os questionamentos presentes nas reflexões queperpassam a obra partem do clássico de T. A. Mar-shall, Cidadania, Classe Social e Status, expandidas nodiálogo com o presente. No entanto, é a aderência àsdemandas da sociedade contemporânea que confererelevância à obra e permite o mapeamento do impac-to provocado pela globalização e pelas políticas neo-liberais nos contornos da cidadania e, por extensão,da democracia.

As transformações econômicas, sociais,políticas eculturais, que reduzem o papel dos estados nacionaisna determinação de direitos e colocam em xeque asidentidades coletivas, têm como contra partida a ne-cessidade de redefinição das relações entre Estado, so-ciedade e nação, calando fundo nas práticas de cida-dania. Estas passam a competir com a cultura doconsumo, a qual se expande dos bens duráveis à últi-ma idéia lançada e colocada em evidência pela mídia.

Tais questionamentos estão presentes na aborda-gem de temas como as lutas para a obtenção de di-reitos pelas mulheres, por grupos étnicos, por classessociais, por grupos etários, notadamente pelos traba-lhadores, em busca da afirmação de condições dignasde existência. Nesse percurso da história social, polí-tica e cultural, o marco zero do surgimento da demo-cracia e de seu conceito-base, o de cidadania, está si-

Editora Contexto

592 páginasR$ 59,90

TERESA MALATlAN é docente da Unesp, campus de Fran-ca, autora de Os Cruzados do Império; Oliveira Lima ea Construção da Nacionalidade; e Império e Missão:um Novo Monarquismo Brasileiro.

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o Cotidiano de uma lenda:Cartas do Teatrode Arte de MoscouCristiane Layher TakedaEditora Perspectiva / FAPESP432 páginas / R$ 56,00

Coletânea comentada de maisde mil cartas revela o processode criação do mítico Teatro de Arte

de Moscou. Personagens como Konstantin Stanislávski,Vladímir Nemiróvitch-Dântchenko, Anton Tchékhov,Maksim Górki, Vsiévolod Meierhold, Leopold Sulerjítski,Leonid Andrêiev e Gordon Craig, entre outros,são mostrados em meio a suas angústias pessoaise profissionais enquanto criam.

Editora Perspectiva: (ll) 3885-8388www.editoraperspectiva.com.br

Antropólogas &AntropologiaMarisa CorrêaEditora UFMG278 páginas / R$ 34,00

Sertanistas, naturalistas epesquisadoras das primeiras décadasdo século 20, que trabalhavamcom povos indígenas, são objeto

de perfis escritos pela antropóloga Marisa Corrêa.A pesquisadora utilizou cartas, jornais antigos,entrevistas e livros para montar um painelda época e da personalidade de mulheres de ciênciae sua contribuição para o campo da antropologia.

UFMG Editora: (31) [email protected]

o Caráter NacionalBrasileiroDante Moreira LeiteEditora Unesp450 páginas / R$ 50

A Editora Unesp tomou a belainiciativa de reeditar cinco obrasde Dante Moreira Leite. Saíram agoraO Caráter Nacional Brasileiro e

Psicologia e Literatura (380 páginas, R$ 40). O primeirofoi sua tese de doutoramento que analisa o conceitode caráter nacional. O segundo nasceu da livre-docênciado autor e tornou-se um clássico ao apresentar as teoriaspsicológicas que podem contribuir de maneira definidapara a análise literária.

Editora Unesp: n i: [email protected]

Figueiras no BrasilJorge Pedro Pereira Carautae Ernani DiazEditora U FRJ212 páginas / R$ 80,00

Obra rara de se ver no Brasil, repletade fotos e informações sobreuma das árvores mais veneradasdo mundo. A figueira é encontradanas regiões tropicais e temperadas -

cresce até em solos arenosos próximos ao mar, no Cairo,Egito, assim como em restingas no Brasil. A árvore produzfrutos o ano inteiro e é considerada elemento-chave napreservação das florestas ao alimentar animais dispersoresde sementes. O livro interessa não só a botânicos, mastambém a quem gosta de paisagismo e ambiente em geral.

Editora UFRJ: (21) 2295-1535, ramalll1www.editora.ufrj.br

ViolênciasIsabel da Silva Kahn MarinEscuta / FAPESP202 páginas / R$ 22,00

A violência aparentemente crescentena sociedade atual e o destaque cadavez maior na mídia são alguns temasdiscutidos no livro de Isabel Marin.Entre outras coisas, a autora reflete

sobre a violência como espetáculo, fortementepresente nos telejornais, e a busca pelo prazer, longeda tensão e da dor. Qual a melhor maneira de articularos dois sentimentos? Ela busca em Freuda inspiração para tratar dessa importante questão.

Editora Escuta: ni: [email protected]

A Promoção Privada deHabitação Econômicae a ArquiteturaModerna 1930-1964Maria Ruth Amaral de SampaioRiMa Editora / FAPESP316 páginas / R$ 77,00

Livro com cinco artigos organizados por Maria RuthAmaral de Sampaio sobre a habitação econômica.Textos embasados em amplo levantamento documentalbuscam resgatar em que medida os princípiosdo movimento moderno estiveram presentes nessaprodução habitacional e identificar as transformaçõesque ocorreram entre 1930 e 1964 e seus principais agentes.

RiMa Editora: (16) [email protected] ou [email protected]

PESQUISA FAPESP 87 • MAIO DE 2003 • 95

• Anuncie você também: tel. (11) 3838-4008 www.revistapesquisa.fapesp.br

CLASSIFICADOS PesqeTecniiisaFAPESP

PESQUISA EM SAÚDE

Unesco lança editalde desenvolvimento de projeto

na área de financiamentoda pesquisa em saúde

No âmbito da cooperação técnica entreo Ministério da Saúde, e a Unesco (Projeto914BRA2000), foi lançado o edital nv 070/2003referente ao desenvolvimento do projeto depesquisa Fluxo de recursos financeiros em pes-quisa e desenvolvimento em saúde no Brasil.

A convocatória é resultado da iniciativa doDepartamento de Ciência e Tecnologia emSaúde, do Ministério da Saúde de incluir oBrasil, com Burquina Faso, Camarões, Cuba,Hungria, Cazaquistão, Uzbequistão, no grupode países que realizará um levantamento sobreos investimentos em Pesquisa & Desenvolvi-mento em saúde. Propõe-se a utilização dametodologia desenvolvida pelo "Center forEconomic Policy Research - Philippines" re-comendada pelo Cohred (Council on HealthReseach for Development), Fórum Global So-bre Pesquisa em Saúde e Organização Mun-dial da Saúde.

O valor máximo de financiamento da pes-quisa é de R$ 320.000,00. Os recursos serãorepassados pela Unesco para a instituição se-lecionada. Podem apresentar propostas, indi-vidualmente ou em conjunto, instituições deensino ou pesquisa, públicas, privadas, filan-trópicas, organizações não-governamentais eserviços de saúde públicos ou filantrópicosnacionais.

As informações estão disponíveis no site:http://www.unesco.org.br/edital. É possívelacessar o edital utilizando-se o número doCNPJ da instituição proponente. As propostasdevem ser enviadas até 15 de maio de 2003.

96 • MAIO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 87

UNICAMP

CONCURSO PARA DOCENTES

• Faculdade de Odontologia de Piracicaba

Departamento de Odonto-SocialCargo: professor titularÁrea: Odontologia Prev. e Saúde PúblicaInscrições: até 3/6/2003Disciplinas: Odontologia Preventivae Saúde Pública, Pré-Clínica IIRegime: RTP

Edital: www.sg.unicamp.br/concursos_web/procsel/pdf/01 P273292002.pdfContato: Patrícia Aparecida Tomaz([email protected])Telefone: (19) 3412-5205

• Faculdade de Engenharia Química

Depto. de TermofluidodinâmicaCargo: professor titularÁrea: Propriedades Termodinâmicase Comportamento de Fase de FluídosInscrições: até 27/512003Disciplina: Termodinâmica IIRegime: RTP

Edital: www.sg.unicamp.br/concursos_web/procsel/pdf/01 P70232002.pdfContato: Silvana Cristina dos SantosFenga Neves (nokaesbla.feq.unicamp.br)Telefone: (19) 3788-3912

• Faculdade de Engenharia Elétricae de Computação

Depto. de Engenharia de Computaçãoe Automação IndustrialCargo: professor titularÁrea: Engenharia de ComputaçãoInscrições: até 27/5/2003Disciplina: Projetos de Redes Locaisem Ambiente IndustrialRegime: RTP

Edital: www.sg.unicamp.br/concursos_web/procsel/pdf/01 P213702002.pdfContato: Ademilde Felix ([email protected])Telefone: (19) 3788-3865

• Anuncie você tamhém: tel. (11) 3838-4008 www.revistapesquisa.fapesp.bri.[0 Fórum das UniversidadesPúblicas Paulistas

• CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM RESíDUOS.

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18 a 20 de Maio de 2003Hotel Fonte Colina Verde - São Pedra - S.P

Mais informacões

Secretaria do Fórum Roberta RicciFone/Fax: (16) 272.9191

e-mail: [email protected]: (16) 602.3950 - Fax: (16) 273.9199

e-mail: [email protected]

EMBRAPAVagas para conselho estão abertas

Entidades civis ou governamentais podem indicarnomes para duas vagas no Conselho de Administraçãoda Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embra-pa) até o dia 10 de maio. O prazo foi reaberto pelo minis-tro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, RobertoRodrigues. O número de indicações decorrentes do pri-meiro aviso foi considerado pouco representativo, alémde não cumprir requisitos mínimos.

Nos termos do estatuto da Embrapa, os nomes queocuparão as duas vagas, que serão indicados pelo ministromediante nomeação do presidente da República, serãoescolhidos "a partir de indicações oriundas das entidadesligadas à pesquisa, ao ensino ou ao desenvolvimentotécnico-científico, de representações de profissionais eentidades vinculadas à atividade agropecuária ou agroin-dustrial, bem como de organizações que congreguem pro-dutores, empresas ou trabalhadores que atuem nos seto-res agropecuário ou agroindustrial"

Os indicados deverão ser profissionais brasileiros denível universitário com, no mínimo, curso de mestradoconcluído e que tenham comprovada experiência ge-rencial e notórios conhecimentos das atividades de ciên-cia e tecnologia, de política de desenvolvimento do setoragrícola e de administração.

As listas tríplices devem ser acompanhadas dos res-pectivos currículos e entregues até 17 horas do dia 10 demaio no endereço abaixo ou enviadas ao mesmo prazo,por via postal, com o aviso de recebimento. O represen-tante legal da entidade deve assinar as indicações.

Secretaria Geral do Conselhode Administração da EmbrapaParque Estação Biológica 6 - PqEBAv. W3 Norte (final) - sala 117 - P andarBrasília, DF70770-901

unesp"":+"'UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"

UNES P abre concurso para42 docentes em 7 cidades do interior

A UNESP - Universidade Estadual Paulista realizaConcursos Públicos de Títulos e Provas para a con-tratação de um total de 42 professores assistentes, emregime de dedicação integral à docência e à pesquisa- RDIDP -, sob regime jurídico da CLT - Consolida-ção das Leis Trabalhistas e legislação complementar.

As vagas são para várias disciplinas, nas seguintesUnidades Diferenciadas e seus cursos: Registro (Agro-nomia, 9 vagas); Itapeva (Engenharia IndustrialMadeireira, 6); Sorocaba/lperó (Engenharia de Au-tomação e Controle, 5 / Engenharia Ambiental, 4);Ourinhos (bacharelado em Geografia, com ênfaseem Climatologia, e licenciatura, 5); Tupã (Admi-nistração e Agronegócios, 5); Dracena (Zootecnia,5) e Rosana (Turismo, 3)

Mais informações sobre prazos,disciplinas, inscrições:

www.unesp.br/externas/concursos_index.htm

ICB/USP

Estão abertas até o dia 13 de junho de 2003 asinscrições para processo seletivo para contra-tação de um docente na categoria de profes-sor doutor nos Departamentos de Anatomia(RDIDP e RTP), Farmacologia e Histologia eEmbriologia do Instituto de Ciências Biomédi-cas da Universidade de São Paulo.

Edital completo e informações:www.icb.usp.br, página do Serviço Acadêmico,Item Concurso;[email protected];Telefone: un 3091-7395;Fax: un 3091-7423.

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mE FINAL

CLAUDIUS

vovó, quANDO É QUE vocêVAI FI CAR BE':M VELI"l-JNttA,16UAL A I>O/VA e.~vo., E )"SENThJ<: NUMA CADEIt<A DEBALANÇO P~A ME caf'JTJ'r~1+\$Tdf<:.IA$ ?

98 • MAIO DE 2003 • PESQUISÁ FAPESP 87

Fofocas detalhadase notícias resumidas?

Errou de re ista. CartaCapital.Leia antesque aconteça.