Enxaqueca Trat.

10
589 www.actamedicaportuguesa.com ARTIGO DE REVISÃO Acta Med Port 2009; 22: 589-598 ENXAQUECA Da Clínica para a Etiopatogenia Recebido em: 26 de Março de 2008 Aceite em: 18 de Março de 2009 A enxaqueca é uma das doenças neurológicas mais frequentes, com grande impacto social e económico nos países industrializados. É uma cefaleia episódica, tipicamente unilateral e pulsátil, associada a queixas gastro intestinais, intolerância aos estímulos sensoriais e, em 20% dos doentes, sintomas neurológicos transitórios que se designam por aura. Estudos genéticos, neurofisiológicos e de imagiologia funcional têm vindo a mostrar que a enxaqueca é uma doença primariamente neuronal e não apenas vascular, como anterior- mente se defendia. De facto, as pessoas com enxaqueca têm uma maior excitabilidade cortical e fraca habituação aos estímulos sensoriais. O início das crises, particularmente durante a aura, associa-se a uma onda de despolarização, seguida de diminuição da actividade metabólica cortical que não atinge o limiar de isquémia. Este fenómeno estimu- la terminações nervosas do trigémio e desencadeia o reflexo trigemino vascular, responsá- vel por alterações reversíveis da parede vascular e dor cefálica. Numa forma rara de enxaqueca, a enxaqueca hemiplegica familiar, foram identificadas três mutações genéti- cas. Todas elas afectam os canais iónicos da membrana celular, promovendo a despo- larização ou dificultando a repolarização das membranas neuronais. Estes defeitos podem explicar a acção profiláctica, na enxaqueca, de fármacos estabilizadores das membranas neuronais, como os anti-epilepticos, corroborando assim a patogenia neurogenea das crises. Os recentes avanços na compreensão da patogenia da enxaqueca têm permitido desen- volver novos alvos de intervenção farmacológica, que poderão vir a melhorar significati- vamente a qualidade de vida dos doentes. MIGRAINE Migraine is one of the most common neurological disorders, with a significant social and economic impact. It is characterized by a constellation of symptoms including headache, nausea or vomiting, intolerance to sensory stimuli and, in 20% of patients, transient neurological signs (the aura). In this article we review new advances on its pathogenesis, based on clinical and experimental data. Recent evidence has shown that, contrary to previous beliefs, migraine is primary a neurogenic disorder. Genetic studies have associated some rare forms of migraine to the mutations of genes that code ionic channels, suggesting that trans-membrane ionic imbalance is a possible pathogenic mechanism for the attacks. Genetic factors may modulate the vulnerability to suffer the attacks in response to environmental/internal triggers. Direct stimulation of the arterial wall is not a provocative factor for the attacks, contrary to stimuli that act primary on the nervous system. It has also been shown that individuals with migraine have an enhanced cortical excitability and lack of habituation. Functional neuroimaging studies have provided evidence that during the attacks there is an abnormal metabolic activity in the cortex and the brainstem. As waves of metabolic R E S U M O S U M M A R Y I.P.M.: Instituto de Medicina Molecular. Faculdade de Medi- cina da Universidade de Lis- boa. Lisboa © 2009 CELOM Isabel Pavão MARTINS

Transcript of Enxaqueca Trat.

  • 589 www.actamedicaportuguesa.com

    ARTIGO DE REVISOActa Med Port 2009; 22: 589-598

    ENXAQUECADa Clnica para a Etiopatogenia

    Recebido em: 26 de Maro de 2008Aceite em: 18 de Maro de 2009

    A enxaqueca uma das doenas neurolgicas mais frequentes, com grande impactosocial e econmico nos pases industrializados. uma cefaleia episdica, tipicamenteunilateral e pulstil, associada a queixas gastro intestinais, intolerncia aos estmulossensoriais e, em 20% dos doentes, sintomas neurolgicos transitrios que se designampor aura.Estudos genticos, neurofisiolgicos e de imagiologia funcional tm vindo a mostrar quea enxaqueca uma doena primariamente neuronal e no apenas vascular, como anterior-mente se defendia. De facto, as pessoas com enxaqueca tm uma maior excitabilidadecortical e fraca habituao aos estmulos sensoriais. O incio das crises, particularmentedurante a aura, associa-se a uma onda de despolarizao, seguida de diminuio daactividade metablica cortical que no atinge o limiar de isqumia. Este fenmeno estimu-la terminaes nervosas do trigmio e desencadeia o reflexo trigemino vascular, respons-vel por alteraes reversveis da parede vascular e dor ceflica. Numa forma rara deenxaqueca, a enxaqueca hemiplegica familiar, foram identificadas trs mutaes genti-cas. Todas elas afectam os canais inicos da membrana celular, promovendo a despo-larizao ou dificultando a repolarizao das membranas neuronais. Estes defeitos podemexplicar a aco profilctica, na enxaqueca, de frmacos estabilizadores das membranasneuronais, como os anti-epilepticos, corroborando assim a patogenia neurogenea dascrises.Os recentes avanos na compreenso da patogenia da enxaqueca tm permitido desen-volver novos alvos de interveno farmacolgica, que podero vir a melhorar significati-vamente a qualidade de vida dos doentes.

    MIGRAINEMigraine is one of the most common neurological disorders, with a significant social andeconomic impact. It is characterized by a constellation of symptoms including headache,nausea or vomiting, intolerance to sensory stimuli and, in 20% of patients, transientneurological signs (the aura). In this article we review new advances on its pathogenesis,based on clinical and experimental data.Recent evidence has shown that, contrary to previous beliefs, migraine is primary aneurogenic disorder. Genetic studies have associated some rare forms of migraine to themutations of genes that code ionic channels, suggesting that trans-membrane ionicimbalance is a possible pathogenic mechanism for the attacks. Genetic factors maymodulate the vulnerability to suffer the attacks in response to environmental/internaltriggers. Direct stimulation of the arterial wall is not a provocative factor for the attacks,contrary to stimuli that act primary on the nervous system. It has also been shown thatindividuals with migraine have an enhanced cortical excitability and lack of habituation.Functional neuroimaging studies have provided evidence that during the attacks there isan abnormal metabolic activity in the cortex and the brainstem. As waves of metabolic

    R E S U M O

    S U M M A R YI.P.M.: Instituto de MedicinaMolecular. Faculdade de Medi-cina da Universidade de Lis-boa. Lisboa

    2009 CELOM

    Isabel Pavo MARTINS

  • 590www.actamedicaportuguesa.com

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598

    depression travel slowly across the cerebral cortex (cortical spreading depression),trigeminal nerve terminals surrounding meningeal arteries are stimulated eliciting atrigemino vascular reflex that explains subsequent vascular changes and headache.Drugs that stabilize nerve membranes and decrease neuronal excitability are effectivein migraine prophylaxis.This recent evidence can be used in experimental models to test drugs aimed to newtargets, developed to inhibit the cascade of events associated to migraine at differentpoints, based on more fine grain knowledge of migraine pathogenesis.

    INTRODUO

    A enxaqueca uma das doenas neurolgicas maisfrequentes e com maior impacto social e econmico nospases industrializados1. Embora internacionalmente sejadesignada por migraine, no Portugus e no Castelhanoprefere-se-lhe a expresso enxaqueca proveniente do ra-be ax-xaqiq.

    Nas ltimas dcadas verificaram-se progressos not-veis no esclarecimento da etiopatogenia desta entidade,atravs da biologia molecular e das tcnicas de imagem.Contudo, continuam a existir hiatos na sua compreenso,ainda no foi possvel identificar um marcador biolgicofidedigno, nem desenvolver teraputicas eficazes para to-das as suas manifestaes. O diagnstico da enxaquecacontinua a ser essencialmente clnico.

    Neste artigo faremos uma reviso do estado actual dosconhecimentos sobre a patogenia da enxaqueca, o seuimpacto social e a sua abordagem teraputica, com enfoqueparticular na teraputica farmacolgica.

    ASPECTOS EPIDEMIOLGICOS, CO-MORBILIDA-DE E IMPACTO SOCIAL DA ENXAQUECA

    A enxaqueca afecta 6 a 20% dos adultos nos pasesindustrializados2, incluindo em Portugal3, dependendo dognero e da idade. De acordo com um estudo longitudinal,realizado nos EUA2, a sua prevalncia tem-se mantido es-tvel ao longo da ltima dcada.

    Em geral, as primeiras manifestaes da enxaqueca ocor-rem na juventude ou no incio da vida adulta, embora tam-bm possa iniciar-se na infncia pois afecta cerca de 6 %das crianas at aos 15 anos de idade. A sua prevalnciaaumenta rapidamente partir da adolescncia e atinge o picopelos 40 anos, idade em que atinge, aproximadamente, 20%das mulheres e 10% dos homens. Depois dos 50 anos veri-fica-se uma diminuio progressiva da prevalncia, consti-tuindo uma causa pouco habitual de cefaleias no idoso.

    As crises de enxaqueca podem ser muito incapaci-tantes, quer pela dor quer pelos sintomas associados. Esta

    incapacidade, associada sua elevada prevalncia, levoua Organizao Mundial de Sade a colocar a enxaquecaem 19 lugar na lista de doenas que condicionam maiornmero de anos vividos com incapacidade. Efectivamen-te, a enxaqueca uma importante causa de absentismolaboral, diminuio da produtividade e consumo de cuida-dos de sade, condicionando elevados custos econ-micos1,2.

    Os estudos epidemiolgicos tambm tm permitidoidentificar patologias que so significativamente mais fre-quentes nos indivduos que sofrem de enxaqueca do quena populao em geral4,5. Entre elas encontram-se, a do-ena cerebrovascular (particularmente na enxaqueca comaura), o tremor essencial, perturbaes da ansiedade, de-presso e doena bipolar, epilepsia (sobretudo na enxa-queca com aura visual) e as sndromas vertiginosas. Asperturbaes do sono tambm so particularmente fre-quentes, pelo menos em estudos clnicos6.

    Os mecanismos subjacentes a estas associaes sovrios, pois podem representar a partilha de factores ge-nticos ou de risco, mecanismos patognicos comuns (aenxaqueca e a epilepsia, por exemplo, podem partilhar umamaior excitabilidade cortical) ou relaes causa-efeito. Esteconhecimento tem contribudo para sensibilizar os clni-cos para a deteco precoce das patologias associadas eadequar a teraputica, com maior benefcio para o doente.Destes estudos resultaram ainda recomendaes, nomea-damente sobre o uso de contraceptivos orais em mulherescom enxaqueca7.

    MANIFESTAES CLNICAS

    As crises de enxaqueca consistem numa constelaomuito tpica de sintomas entre os quais se destacam acefaleia, a intolerncia aos estmulos sensoriais, as nu-seas ou vmitos e os sintomas neurolgicos transitriosou aura. Todavia, as manifestaes tm grandes varia-es individuais e podem modificar-se ao longo da vida.Esta variabilidade, assim como a ausncia de marcadoresbiolgicos, constitui uma das principais dificuldades ao

  • 591 www.actamedicaportuguesa.com

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598

    seu estudo. A elaborao de critrios operacionais para odiagnstico das cefaleias, pela International HeadacheSociety8,9 (Quadro 1), permitiu uniformizar conceitos e temsido um factor fundamental para a investigao desta en-tidade. S desta forma foi possvel documentar a sua pre-valncia e avaliar as suas repercusses sociais e econ-micas.

    Uma crise completa de enxaqueca inclui quatro fases:prdromos, aura, cefaleia e psdromos. A relao entreestas quatro fases no est totalmente esclarecida.

    Os prdromos, ou sintomas premonitrios, so mani-festaes que antecedem a crise em horas ou 2-3 dias10.So reportados por 20-60% dos doentes e, por vezes, somuito consistentes no mesmo indivduo. Consistem emsensao de fadiga, dificuldade de concentrao, sono-lncia, bocejo incoercvel, alteraes do humor, rigidezcervical, apetncia por determinados alimentos ou reten-o hdrica. Estes sintomas, que sugerem uma disfunoneuro-endcrina (hipotalmica) ou cerebral difusa, demons-tram que a crise se inicia muito antes da fase lgica.

    Em cerca de 20% dos doentes as crises so antecedi-das de uma aura, isto , sintomas neurolgicos focais quese instalam progressivamente e duram, em mdia, 20 minu-tos8. As auras mais frequentes so as visuais (80%), se-guindo-se as somato-sensoriais, as perturbaes da lin-guagem e da articulao verbal e, muito raramente, os sin-

    tomas motores (hemiparesia). Os sintomas da aura podemcomear por fenmenos positivos (fotopsia, espectro defortificao, na aura visual) que do lugar a fenmenosnegativos (escotomas, ou perda de viso). Instalam-se deforma progressiva e sofrem uma marcha anatmica, ouseja, deslocam-se de acordo com a sua representao cor-tical. Os sintomas visuais estendem-se, tipicamente, docentro para a periferia do campo visual, enquanto os sen-sitivos tm um tropismo particular para a regio queiro-oral. A afasia (com anomia, parafasias) o sintoma cogni-tivo mais frequente. Muito mais raras so as auras cogniti-vas do hemisfrio direito como a amnsia topogrfica11,12,a mo aliengena ou o neglect. Por definio operacional(Quadro 1)8, estes sintomas so unilaterais, demoram maisde cinco minutos a instalar-se e duram menos de uma hora.Os sintomas motores (hemiparsia ou hemiplegia) duramhabitualmente mais tempo e caracterizam a enxaquecahemiplegica, familiar ou espordica.

    A fase lgica caracteriza-se por uma cefaleia tipicamenteunilateral, referida sobretudo regio temporo-orbitriaou hemicraniana, que muda de lado nas diferentes crises. intensa, pulstil e associa-se a intolorncia aos estmu-los sensoriais: a luz, o rudo, o cheiro, o esforo fsico e omovimento13. cefaleia associam-se sintomas autonmi-cos, sobretudo gastrointestinais, como as nuseas ou osvmitos e sintomas vaso motores (palidez, vasoconstrio

    Quadro 1 Critrios operacionais para o diagnstico de enxaqueca sem aura e de auratpica, definidos pela International Headache Society (2004).

    aruAmesaceuqaxnE aciptaielafeCmocacipTaruA

    D-Bsoirtircsoodnirpmucsesirc5sonemoleP.A D-Bsoirtircsoodnirpmucsesirc2sonemoleP.A

    otnematart/cuootnematart/s(saroh27-4arudeuqaielafeC.B)zacifeni

    messam,setniugessodmu,sonemolep,meodnitsisnocaruA.Baisrapamuhnen

    odniulcnisievsreveretnematelpmocsiausivsamotniS.1savitagenuo/esavitisopsacitsiretcarac

    odniulcni,sievsreveretnematelpmocsovitisnessamotniS.2savitagenuo/esavitisopsacitsiretcaraclevsreveretnematelpmocaisafA.3

    :sacitsretcaracsetniugessad2sonemolepehcneerpaielafecA.Claretalinuoazilacol.1

    litslupretcrac.2arevesroadaredomedadisnetni.3

    )rativeaoudvidnioodnaveluo(ropoabrecaxe.4)sadacseribus,rahnimac(anitoredsacisfsedadivitca

    :setniugessodsiodsonemoleP.Csovitisnessamotnisuo/esominmohsiausivsamotniS.1

    siaretalinuetnemlaudarges-evlovnesedaruaedamotnismusonemoleP.2

    etnarud memerrocoaruaedsamotnissetnerefiduo/esotunim5etnarudossecus sotunim5

    sotunim06e5ertnearudamotnisadaC.3

    samotnissetniugessodmusonemolepetsixeaielafecaetnaruD.D:sianisuo

    sotimvuo/eaesun.1aibofonofeaibofotof.2

    mesaceuqaxnEarapD-BsoirtircsoodnehcneerpaielafeC.D06edodorepmunaruaes-eugesuoetnarudaemoc,arua

    sotunim

    oaretlaartuoaadubirtaoN.E oaretlaartuoalevubirtaoN.E

  • 592www.actamedicaportuguesa.com

    perifrica, sensao intensa de frio). Sintomas menos co-nhecidos, mas muitas vezes referidos, so os cognitivos,sobretudo as dificuldades de ateno, planeamento, moni-torizao ou outras funes executivas e irritabilidade14.Durante a fase lgica o doente modifica o seu comporta-mento. Deita-se, isola-se, tenta ficar imvel, evita todosos estmulos sensoriais e procura alvio atravs da aplica-o de frio, da compresso local e da ingesto de bebidascom cafena, entre outras medidas. Tal no se verifica nou-tras cefaleias primrias, como a cefaleia de tenso15.

    Alguns doentes apresentam ainda alodnia, isto , umasensibilizao cutnea extrema que condiciona a transfor-mao de estmulos tcteis em dor16. Mas no apenas apele que fica sensvel, as prprias estruturas intra-crania-nas tambm desencadeiam dor em resposta a estmulosque habitualmente a no provocam, como os movimentosbruscos da cabea13.

    Com o desaparecimento da cefaleia, alguns doentespassam ainda por uma fase psdromica ou de resoluo.Embora j no sintam dor, mantm as queixas cognitivas ea intolerncia aos estmulos.

    No adulto as crises duram entre 4 a 72 horas e no soclaros os mecanismos que levam sua resoluo. Sabe-seque, nas crianas, as crises aliviam frequentemente apso vmito e o sono, mas esta uma rea pouco explorada eque pode ser fundamental para melhorar a intervenoteraputica.

    Existem inmeras variantes da crise: auras isoladas,crises com dfice neurolgico prolongado, crises com pou-cos sintomas associados. As caractersticas da enxaque-ca tambm se modificam ao longo da vida pois, com aidade, as crises tornam-se mais longas e tm menos sinto-mas associados.

    ETIOPATOGENIA

    Factores Genticos hoje aceite que a enxaqueca tem uma causa mul-

    tifactorial e os factores genticos explicam cerca de 50%da vulnerabilidade. O risco de enxaqueca entre os familia-res de primeiro grau 1,9 e 3,8 vezes superior ao da popu-lao em geral, respectivamente para a enxaqueca sem aurae com aura17. Foi na enxaqueca hemiplgica familiar (EHF),que se identificou a primeira mutao gentica associada enxaqueca. A EHF uma forma rara de enxaqueca, detransmisso autosmica dominante, que se caracteriza pelapresena de hemiplegia durante as crises. At ao momen-to j foram identificadas trs mutaes18, nomeadamenteem famlias portuguesas19-21. Na primeira variante descri-ta (EHF1), o defeito, localizado no cromossoma 19p13, afec-

    ta o gene CACNA1A, que codifica a subunidade 1 doscanais de clcio. Os canais de clcio esto relacionadoscom a libertao de serotonina e neurotransmissoresexcitatrios como o glutamato. Na EHF2 a mutao afectao gene que codifica da subunidade 2 da bomba de sdioATP1A2, localizado no cromossoma 1q21-23. Esta muta-o foi tambm descrita na enxaqueca basilar familiar. Oterceiro defeito (EHF3) encontra-se no cromossoma 2q24,no gene SCNA1, que codifica os canais de sdio neuronais,dependentes da voltagem. Ou seja, todos os defeitos en-contrados afectam genes responsveis pela estabilidadeinica da membrana celular, quer pela manuteno quer nareposio do seu gradiente inico. Estes achados funda-mentam a teoria que explica a enxaqueca como uma cana-lopatia neuronal, um grupo de doenas caracterizadas pordisfunes do equilbrio inico transmembrana, que pre-dispem sua despolarizao ou maior dificuldade narepolarizao. possvel que existam outras mutaes,pois cerca de 1/3 dos doentes com EHF no apresentamnenhum dos defeitos descritos. A mutao do geneCACNA1A tambm j foi observada em casos de enxaque-ca hemiplegica espordica, mas ainda no foram encontra-das quaisquer mutaes deste tipo na enxaqueca sem aura,apesar das duas variantes mais comuns da enxaqueca (comaura e sem aura) se associarem na mesma famlia e, nomea-damente, em famlias com EHF. Estes aspectos suportam ateoria da heterogeneidade nosolgica da enxaqueca.

    Mecanismos DesencadeantesOs factores genticos tm sido interpretados como mo-

    duladores do limiar para desencadear crises. Quanto me-nor for a predisposio gentica, mais elevado ser esselimiar, sendo necessria uma maior interveno de facto-res ambientais para precipitar as crises. Os desencadeantesmais frequentes so as variaes hormonais, as bebidasalcolicas, os estmulos visuais, as alteraes do sono e ostress. De acordo com a hiptese da modulao do limiar,qualquer pessoa pode sofrer uma crise isolada ou ocasio-nal de enxaqueca, desde que seja sujeita a estmulos sufi-cientemente intensos17. Existe alguma evidncia nessesentido. Por exemplo, os episdios de hipoglicmia, emdiabticos insulino-dependentes, so por vezes seguidosde uma cefaleia tipo enxaqueca, mesmo em indivduos semhistria prvia de crises22. O mesmo fenmeno foi descri-to aps convulses generalizadas, intoxicao alcolica ena sequncia de neuro-estimulao do tronco cerebral. interessante verificar que, ao contrrio destes estmulosprimariamente neuronais, a traco e distenso focal dosvasos intra-cranianos no desencadeia crises de enxaque-ca, embora provoque dores de cabea bem localizadas23.

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598

  • 593 www.actamedicaportuguesa.com

    Alteraes Inter Crticas ou Marcadores da Predis-posio

    Tm sido descritas perturbaes neurofisiolgicas nosportadores de enxaqueca que podem constituir o terrenopara o desenvolvimento das crises. Uma delas a maiorexcitabilidade do crtex cerebral a vrios tipos de estmu-los (estmulos visuais, estimulao magntica) e a menorhabituao estimulao24,25. Estas caractersticas pode-ro corresponder, do ponto de vista comportamental, auma menor tolerncia destes indivduos aos estmulossensoriais ou cognitivos. Parte destes defeitos melhoramou revertem ps crise. Alm disso as formas mais frequen-tes de enxaqueca, associam-se a diferentes padres deprocessamento da dor, a nvel atencional e emocional, quese reflectem nos estudos de imagem funcional26.

    FISIOPATOLOGIA DA CRISE

    A aura da enxaqueca foi inicialmente interpretada comouma isqumia reversvel. Contudo, uma anlise mais deta-lhada daqueles sintomas e da sua progresso, apontavapara a existncia de uma disfuno cortical que se propa-gava lentamente, no sentido caudo-rostral, sem respeitaros territrios vasculares. Nos anos 40, Aristides Leo27

    tinha descrito um fe-nmeno com caracte-rsticas idnticas nocrebro de roedores,que designou por de-presso alastrantecortical (DAC). ADAC surgia em res-posta estimulaonociceptiva cortical econsistia numa ondade excitao seguidade inibio neuronal,que avanava no cr-tex a uma velocidadede 2 a 6 mm/min. Es-tudos neurofisiol-gicos e de neuroima-gem funcional (PETscan e RNM funcio-nal), que permitem vi-sualizar o crebro emtempo real durante ascrises de enxaqueca,vieram corroborar ahiptese de se tratar

    de um fenmeno idntico. De facto, durante a aura obser-va-se uma onda de excitao, seguida de diminuio daactividade metablica cortical que pode persistir vriashoras, e sobrepor-se fase lgica da crise28. Embora aDAC condicione uma diminuio do fluxo sanguneo ce-rebral, este superior ao limiar da isqumia. A aura , porconseguinte, um fenmeno primariamente neurogneo, comum tropismo particular para o crtex occipital e que seespalha no sentido postero-anterior, sem respeitar os ter-ritrios vasculares. Habitualmente, a aura poupa as regi-es motoras, ao contrrio do que sucede nas crises epi-lpticas. Esta propagao, velocidade de 2-3 mm/min, atribuda a alteraes do meio extra-celular, resultantes dalibertao de potssio, xido ntrico e glutamato pela des-polarizao neuronal. A observao de um hipometabo-lismo alastrante, durante crises de enxaqueca sem aura,indica que este fenmeno pode ser sub clnico29 e parti-lhado por estas duas variantes de enxaqueca, no sendoexclusivo da enxaqueca com aura.

    Os estudos de neuro-imagem mostraram ainda que,durante as crises de enxaqueca, existe uma marcada acti-vao metablica do tronco cerebral30. Esta activao in-tegra estruturas que participam na transmisso e modula-o da dor, pelo que alguns autores a interpretam como o

    Fig. 1 Esquema explicativo da fisiopatogenia das crisesNcleo V = ncleo do trigmio; VII- nervo facial; CGRP-Peptido relacionado com o gene da calcitonina; VIP-polipeptido Intestinal vasoactivo; SP = substancia P; TalamoVPM_ ncleo ventro-postero-mediano do tlamo

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598

  • 594www.actamedicaportuguesa.com

    ponto gerador das crises. Na realidade, ela tanto podecorresponder participao como disfuno dos siste-mas anti-nociceptivos centrais.

    Por conseguinte, o fenmeno inaugural das crises tan-to pode ser a DAC como a activao desse gerador dotronco cerebral. Em ambos os casos, o fenmeno leva estimulao do ncleo caudal do trigemio. Como j menci-onmos, a DAC leva libertao de ies de hidrognio,potssio, NO e cido araquidnico no espao extra celularque, por sua vez, vo despolarizar as terminaes perivas-culares do trigmio31, enquanto a activao metablica dotronco cerebral pode afectar directamente o ncleo dotrigmio. A estimulao do gnglio do trigmeo ou do com-plexo trigmino-espinhal (complexo que inclui o ncleocaudal do trigmio (NCT) e as clulas do corno posteriordos primeiros segmentos da medula cervical), vo desen-cadear uma cascata de fenmenos neuroqumicos perivas-culares. Os neurnios do NCT so ricos em molculasnociceptivas, como a substncia P (SP), neurokinina A epptido relacionado com o gene da calcitonina (CGRP). Aestimulao do NCT provoca uma conduo nervosa anti-drmica nas fibras do trigmio, que leva libertao deCGRP e SP nas suas terminaes sensitivas (fibras C) peri-vasculares. Assim se activa o sistema trigmino vascular(STV), principal sistema nociceptivo ceflico, constitudopelo trigmio e pelas suas terminaes nervosas menngease perivasculares intracranianas. Da sua activao resultaa dor da crise de enxaqueca.

    De facto, a libertao de substncias nociceptivas evasoactivas na parede dos vasos cranianos, provoca vaso-dilatao, aumento da permeabilidade vascular, extrava-samento de protenas plasmticas, activao plaquetria,inflamao neurognea estril e, consequentemente, dor,por re-transmisso nervosa ortodrmica para o complexotrigmino-espinhal.

    Assim se inicia um ciclo de retro alimentao, que sepode autonomizar, provocando disparos neuronais espon-tneos ou desencadeados por estmulos no nocicepti-vos16. Estes disparos podem ter origem no gnglio deGasser (sensibilizao perifrica do primeiro neurnio sen-sitivo), no complexo trigmino-espinhal (sensibilizaocentral do segundo neurnio) ou, hipoteticamente, no tla-mo. Esta sensibilizao responsvel pela manutenoda dor e pela ausncia de resposta teraputica e traduz-seclinicamente pela alodnia, j referida.

    Os sintomas gastro-intestinais associados tanto po-dem resultar da estimulao directa de centros do troncocerebral, como da activao do sistema parassimpticocraniano (ncleo salivar superior) atravs do reflexotrigemino-autonmico.

    TERAPUTICA

    Medidas GeraisExistem vrios nveis de interveno na enxaqueca. O

    primeiro sem dvida a relao mdico-doente, que de-sempenha um importante papel no esclarecimento e edu-cao do doente, na identificao dos factores desenca-deantes e na preveno dos factores de cronicidade. Ummelhor conhecimento da doena promove uma prevenomais eficaz e uma melhor adeso teraputica. Alm disso,diminui medos infundados, aumentando a sensao de con-trolo, aspecto que muito relevante na qualidade de vida.

    Alguns doentes evoluem para formas crnicas e per-sistentes de enxaqueca, refractrias ao tratamento32. Cri-ses frequentes, o abuso de medicamentos analgsicos,triptanos ou ergotamina, o stress psico-social, as pertur-baes do sono, a obesidade e histria de traumatismocranio-enceflico prvio, so factores que se associam aesta m evoluo. Alguns deles podem ser controladoscom anti-depressivos, higiene e tratamento das perturba-es do sono, perda de peso e exerccio regular.

    A teraputica farmacolgica das crises deve ser estra-tificada de acordo com a sua frequncia e o grau de inca-pacidade que provocam. Deve ainda ser adaptada prefe-rncia e co-morbilidades do doente. Existem recomenda-es internacionais, nomeadamente europeias33, relativas teraputica da enxaqueca (Quadro 2), baseadas em en-saios clnicos e meta-anlises. H que distinguir a tera-putica aguda de crise, do tratamento preventivo (a curtoou longo prazo).

    Teraputica Aguda de Crise (ou sintomtica)As crises devem ser tratadas precocemente, altura em

    que a teraputica mais eficaz. Contudo, quando a enxa-queca muito frequente, esta medida deve ser ponderada,pois pode induzir o abuso medicamentoso.

    Existem vrios frmacos com eficcia comprovada nascrises (analgsicos, anti-emticos e anti-inflamatrios noesterides), alguns dos quais so especficos para a enxa-queca (triptanos, ergotamina e derivados). Os triptanosso porventura os frmacos mais bem estudados, tendosido submeridos a ensaios clnicos rigorosos, fundamen-tados por estudos experimentais e de imagem.

    Os analgsicos e os AINES constituem a principal for-ma de teraputica, sem prescrio mdica. Os AINES de-vem a sua eficcia, provavelmente, inibio da inflama-o neurognea e ao efeito analgsico. Tm a vantagemde poder ser administrados no incio ou em antecipaoda crise (na enxaqueca menstrual) e existirem em diferen-tes formas de administrao, sendo a rectal e a parentrica

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598

  • 595 www.actamedicaportuguesa.com

    particularmente teis nos doentes com vmitos. No serecomenda o uso de opiceos no tratamento da enxaqueca.

    No passado, o tartarato de ergotamina era o frmacode eleio. Hoje em dia ainda utilizado, tendo uma efic-cia semelhante dos AINES. Todavia pode provocar efei-tos adversos que limitam o seu uso (nuseas, vmitos,

    diarreia, mal estar geral, dores abdominais, cibras muscu-lares, vasoconstrio perifrica).

    Os triptanos so agonistas parciais dos receptores daserotonina (5HT1B/1D), a nvel central e perifrico, comefeito vasoconstritor. Os vrios triptanos diferem entre sina eficcia (percentagem de doentes com alvio ou desa-

    Quadro 2 Teraputica farmacolgica das crises de enxaqueca de acordo com os nveis de evidncia. Recomendaes do painel daEuropean Federation of Neurological Societies (doses indicadas para adultos). Evers et al., 2006.

    esirCedadugAacitupareT

    ocamrF oartsinimdAedaiv,esoD oadnemoceRedlevN

    ocilcilaslitecaodic VE,OPgm0001 A

    oneforpubI gm008-002 A

    onexorpaN gm0001-005 A

    canefolciD gm001-05 A

    lomatecaraP RP,OPgm0001 A

    anefac+lomatecarap+ocilcilaslitecaodic OPgm05+052+052 A

    sonatpirT

    onatpirtamuSgm6cS

    gm001-05OPgm02-01yarpS

    A

    onatpirtimloZ /OP refaw gm5-5,2gm5NI A

    onatpirtomlA gm5,21OP A

    onatpirtaraN gm5,2OP A

    onatpirtaziR /OP refaw gm01 A

    onatpirtelE gm04OP A

    avitneverPacitupareT

    AlevN BlevN ClevN

    socigrnerdaatebsetnaeuqolB)aid/gm042-04(lolonarporP)aid/gm002-05(lolorpoteM

    )aid/gm051-05(anilitpirtimA)aid/gm005-052x2(onexorpaN

    )aid/gm57x2(setisateP)aid/gm01-58(lolorposiB

    )aid/gm003(ocilcilaslitecaodic)aid/gm0061-0021(anitnepabaG

    )aid/lomm42(oisngaM)aid/gm004()2B(anivalfobiR

    )aid/gm003(01Qzne-oC)aid/gm61(natrasednaC

    )aid/gm02(lirponisiL

    socitplipe-itnA)aid/gm0081-005(aNedotaorplaV

    )aid/gm001-52(otamaripoT

    oiclcedsianacsodserodibinI)aid/gm01-5(aniziranulF

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598

  • 596www.actamedicaportuguesa.com

    parecimento da crise s duas horas), incio de aco, fre-quncia de efeitos adversos e no risco de recorrncia dacrise. Existem em vrias formulaes: oral, oro-dispersvel,intra-nasal, rectal e subcutnea, o que permite a sua admi-nistrao ao doente com vmitos. A administrao subcu-tnea, disponvel apenas para o sumatriptano, actua emminutos e provoca uma resposta teraputica em mais de80% dos casos. Contudo, tambm nesta forma que severificam mais efeitos adversos. Parece existir alguma van-tagem na administrao sublingual (comprimidos liofili-zados, dispersveis na cavidade bucal) em termos de efic-cia e de facilidade de administrao. A administrao intranasal tem uma rapidez de aco intermdia (incio aos 15min) entre a forma oral e a parentrica, com uma eficciasobreponvel forma oral do mesmo frmaco. No estcomercializada, entre ns, nenhuma forma rectal. Emborasejam bastante eficazes, os triptanos so dispendiosos.Provocam efeitos adversos, por vezes mal tolerados, comoas queixas prcordiais, sensao de tontura, ou rubor ecalor ceflicos, parestesias nas extremidades e sensaode fraqueza. Tm ainda o risco de causar dependncia.Dado o seu efeito vasoconstritor, esto contra-indicadossempre que existe patologia vascular isqumica, na hiper-tenso no controlada e nas formas complicadas de enxa-queca. No se devem associar ergotamina pela potencia-o do efeito vasoconstritor. Cerca de 30% dos doentestm recorrncia da dor nas primeiras 24 horas.

    No existe ainda nenhum frmaco eficaz para a aura,embora se tenham utilizado inibidores dos canais do cl-cio e anti-epilpticos, sobretudo o valproato de sdio e alamotrigina de forma anedtica, na teraputica de aurasprolongadas.

    Dada a participao da CGRP (marcador da actividadedo STV) na patogenia da enxaqueca tm sido estudadosfrmacos que inibem os seus receptores e que so efica-zes, sem os efeitos vasoconstritores dos triptanos34. possvel que, muito em breve, estes novos grupos farmaco-lgicos estejam disponveis no mercado. Esto tambmem avaliao teraputicas combinadas de diferentes fr-macos com efeito complementar no tratamento das crises.

    Teraputica ProfilcticaA teraputica profilctica aconselhvel sempre que

    as crises so frequentes, prolongadas, incapacitantes ouquando no respondem teraputica aguda. A medicaodeve ser mantida, de forma contnua, durante alguns me-ses. Muitos doentes mantm o benefcio mesmo depoisde interromperem a teraputica. A escolha da medicao

    profilctica depende do perfil do doente, da existncia depatologia associada, que possa indicar ou contra-indicaro seu uso, e dos efeitos adversos.

    Os frmacos com maior eficcia e menos efeitos adver-sos so os anti-epilpticos (divalproato de sdio e o topi-ramato), os beta-bloqueantes e os anti-depressivos tric-clicos. O uso dos anti epilpticos est hoje fundamentadopela constatao da maior excitabilidade cortical dos in-divduos com enxaqueca. Contudo, no existe ainda bene-fcio claro no seu uso na E.H.F. Em segunda linha podemusar-se os antagonistas dos canais de clcio ou outrosfrmacos (Quadro 2).

    Existe evidncia experimental de que o efeito profi-lctico na enxaqueca se relaciona com a capacidade deinibir a DAC, quando administrados de forma crnica. As-sim, esto actualmente a decorrer ensaios de fase III, comagentes inibidores da DAC, como o tonabersat35. A iden-tificao dos defeitos genticos e moleculares, subjacentes enxaqueca, poder permitir, num futuro prximo, levar aodesenvolvimento de frmacos adequados a cada tipo dedefeito, alguns em experimentao36. Esto tambm emdesenvolvimento tcnicas de neuroestimulao(estimulao do nervo occipital) que parecem promisso-ras na preveno das crises.

    Em doentes com crises refractrias, ou com abusomedicamentoso associado, pode ser necessrio recorrerao internamento para uma melhor resposta teraputica.

    CONCLUSO

    As tecnologias de imagem cerebral, os estudos epide-miolgicos e clnicos e a investigao fundamental (gen-tica e de biologia molecular), modificaram substancialmenteos conhecimentos e os modelos explicativos da enxaque-ca. Esta cefaleia , hoje em dia, considerada uma doenaprimariamente neurognea, relacionada com uma excessi-va excitabilidade cortical e mediada por factores genti-cos que promovem a instabilidade das membranas neuro-nais. Estes dados levaram criao de modelos experimen-tais de dor (pela estimulao do STV, identificado peloCGRP) e de provocao de crises (pela DAC), assim como identificao dos defeitos moleculares (nos canais ini-cos da membrana), que iro permitir ensaiar novos frma-cos, dirigidos a diferentes etapas envolvidas no desenro-lar da crise e desenvolver teraputicas baseadas em meca-nismos fisiopatognicos. Estes achados representam aentrada numa nova hera da compreenso e do tratamentoda enxaqueca.

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598

  • 597 www.actamedicaportuguesa.com

    Conflito de interesses:Os autores declaram no ter nenhum conflito de interesses relati-vamente ao presente artigo.

    Fontes de financiamento:No existiram fontes externas de financiamento para a realizaodeste artigo.

    BIBLIOGRAFIA

    1. MENKEN M, MUNSAT TL, TOOLE JF: The global burden ofdisease study: implications for Neurology. Arch Neurol2000;57:418-4202. LIPTON RB, STEWART WF, DIAMOND S, DIAMOND ML, REEDM: Prevalence and burden of Migraine in the United States: datafrom the American Migraine Study II. Headache 2001;41:649-6573. MONTEIRO JP: Cefaleias. Estudo Epidemiolgico e Clnico deuma Populao Urbana. Dissertao de candidatura ao grau deDoutor apresentada ao Instituto de Cincias Biomdicas Abel SalazarPorto 19954. SCHER AI, BIGAL ME, LIPTON RB: Comorbidity of migraine.Curr Opin Neurol 2005;18(3):305-3105. BOUSSER M-G, WELCH MK: Relation between migraine andstroke. Lancet Neurol 2005;533-5426. PAIVA T, MARTINS P, BAPTISTA A, ESPERANA P, MAR-TINS IP: Sleep disturbances in Chronic Headache Patients: A com-parison with healthy controls. Headache Quarterly. Cur TreatResearch 1994;5(2):135-1417. BOUSSER MG, CONARD J, KITTNER S et al: Recommenda-tions on the risk of ischaemic stroke associated with use of com-bined oral contraceptives and hormone replacement therapy inwomen with migraine. The International Headache Society TaskForce on Combined Oral Contraceptives & Hormone Replace-ment Therapy. Cephalalgia 2000;20:155-68. Headache Classification Committee of the International Head-ache Society: The International Classification of Headache Disor-ders 2nd Edition (ICHD-II, 2004). Cephalalgia 2004;24(Suppl 1):1-1509. PEREIRA MONTEIRO JM, PALMEIRA MM, BARROS JR:Classificao Internacional das Cefaleias segunda edio, versoportuguesa. Sinapse 2005;5(Sup 1):1-12810. GIFFIN NJ, RUGGIERO L, LIPTON RB et al: Premonitorysymptoms in migraine An electronic diary study Neurology 2003;60:935-94011. MARTINS IP, CUNHA E S M: Loss of topographic memoryand prosopagnosia during a migraine aura (Case report). Cephala-lgia 1999;19:841-312. MARTINS IP: Crossed aphasia during migraine aura. Transcal-losal spreading depression? J Neurol Neurosurg Psychiatry 2007;78:544-513. MARTINS IP, GIL GOUVEIA R, PARREIRA E: Kinesiophobiain migraine. J Pain 2006;7:445-45114. PAVO MARTINS I, PARREIRA E, SOUSA M, AUGUSTO A,TOM A: Cognitive symptoms during migraine aura: A prospec-tive study. Cephalalgia 1999;19(4):326 (Abstract)15. MARTINS IP, PARREIRA E: Behavioural Response to Head-ache: A comparison Between Migraine and Tension-type Head-ache. Headache 2001;41(6):546-55316. LIPTON RB, BIGAL ME, ASHINA S et al: American Migraine

    Prevalence Prevention Advisory Group. Cutaneous allodynia inthe migraine population. Ann Neurol 2008;63(2):148-15817. FERRARI M, HAAN J: Genetics of Migraine. In Silberstein SD,Lipton, RB, Dalessio DJ (eds). Wolff s headache and other headpain. 7th ed. New York: Oxford University Press 2001;85-10718. VAN DEN MAAGDENBERG AM, HAAN J, TERWINDT GM,FERRARI MD: Migraine. Gene mutations and functional conse-quences. Cur Opin Neurol 2007;20:299-30519. ALONSO I, BARROS J, TUNA A et al: Phenotypes of spinoc-erebellar ataxia type 6 and familial hemiplegic migraine caused bya unique CACNA1A missense mutation in patients from a largefamily. Arch Neurol 2003;60(4): 610-420. CASTRO MJ, STAM AH, LEMOS C et al: Recurrent ATP1A2mutations in Portuguese families with familial hemiplegic migraine.J Hum Genet 2007;52:990-99821. CASTRO MJ, STAM AH, LEMOS C et al: First mutation in thevoltage-gated Nav1.1 subunit gene SCN1A with co-occurring fa-milial hemiplegic migraine and epilepsy. Cephalalgia 2009;29(3):308-81322. MARTINS IP, BLAU JN: Headaches in insulin-dependent dia-betic patients. Headache 1989;29:660-323. MARTINS IP, BAETA E, PAIVA T, CAMPOS J, GOMES LB:Headaches during intracranial endovascular procedures: A possibleModel of Vascular Headache. Headache 1993;33(5):227-23324. VAN DER KAMP W, MAASSEN VAN DER BRINK A,FERRARI MD, VAN DIJK JG: Interictal cortical hyperexcitabil-ity in migraine patients demonstrated with transcranial magneticstimulation. J Neurol Sci 1996;139:106-11025. KATSARAVA Z, GIFFIN N, DIENER HC, KAUBE H: Abnor-mal habituation of nociceptive blink reflex in migraine evi-dence for increased excitability of trigeminal nociception. Cepha-lalgia 2003;23(8):814-926. DE TOMMASO M, LOSITO L, DIFRUSCOLO O, LIBRO G,GUIDO M, LIVREA P: Changes in cortical processing of pain inchronic migraine. Headache 2005;45(9):1208-1827. LEO AAP: Spreading depression of activity in the cerebralcortex. J Neurophysiol 1944;7:359-39028. SANCHEZ DEL RIO M, LINERA J: Functional neuroimagingof headaches. Lancet Neurol 2004;3:645-65129. DENUELLE M, FABRE N, PAYOUX P, CHOLLET F,GERAUD G : Posterior cerebral hypoperfusion in migraine with-out aura. Cephalalgia 2008;28(8):856-86230. CAO Y, WELCH KMA, AURORA S, WIGGINS G, VIKINGSTADEM: Functional MRI-BOLD of Visually Triggered Headache inPatients with Migraine. Arch Neurol 1999;56:548-55431. BOLAY H, REUTER U, DUNN AK, HUANG Z, BOAS DA,MOSKOWITZ MA: Intrinsic brain activity triggers trigeminalmeningral afferents in a migraine model. Nat Med 2002;8:136-14232. BIGAL ME, LIPTON RB: Concepts and mechanisms of Mi-graine Chronification. Headache 2008;48:7-1533. EVERS S, AFRA J, FREES A: EFNS guideline on the drugtreatment of migraine-report of an EFNS task force. Eur J Neurol2006;13:560-57234. HO TW, FERRARI MD, DODICK DW et al: Efficacy andtolerability of MK-0974 (telcagepant), a new oral antagonist ofcalcitonin gene-related peptide receptor, compared withzolmitriptan for acute migraine: a randomised, placebo-control-led, parallel-treatment trial. Lancet 2008;372:2115-2335. GOADSBY PJ, FERRARI MD, CSANYI A, OLESEN J, MILLS

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598

  • 598www.actamedicaportuguesa.com

    JG: Randomized, double-blind, placebo-controlled, proof-of-con-cept study of the cortical spreading depression inhibiting agenttonabersat in migraine prophylaxis. Cephalalgia 2009 Feb 13 [Epubahead of print]

    36. AKERMAN S, HOLLAND PR, GOADSBY PJ: Mechanically-induced cortical spreading depression associated regional cerebralblood flow changes are blocked by Na+ ion channel blockade.Brain Res 2008;1229:27-36

    Isabel Pavo MARTINS, Enxaqueca da clnica para a etiopatogenia, Acta Med Port. 2009; 22(5):589-598