ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

11
ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS NEUROMUSCULARES ESTUDO COMPARATIVO DE 817 CASOS LINEU CESAR WERNECK* RESUMO - Foram estudadas as enzimas séricas (creatinaquinase, desidrogenase láctica, aldolase, aspartato e alanina aminotransferase) de 817 pacientes e eletromiografias (EMG) de 588 casos de portadores de doenças neuromusculares. As enzimas e as EMG foram relacionadas utilizando testes de estatística descritiva e do qui- quadrado. Foi encontrado aumento importante das enzimas séricas relacionadas com EMG de padrão miopático (mais importante com a creatinaquinase, seguido da aldolase, desidrogenase láctica, aspartato aminotransferase e alanina aminotransferase), e, inversamente, normalidade ou discreto aumento nas EMG normais ou com padrão de desinervação. As EMG com padrões de desinervação não têm qualquer relação com a elevação das enzimas séricas. PALAVRAS CHAVES: enzimas séricas, eletromiografia, doenças neuromusculares Serum enzyme and electromyography in neuromuscular disorders: a correlation study of 817 cases SUMMARY- This study reports the relationship of the serum enzymes (creatinekinase 817 cases, lactic dehydrogenase 784 cases, aldolase 718 cases, aspartate aminotransferase 767 cases and alanine aminotransferase 760 cases) and electromyography (EMG) of 588 cases (20 normal, 299 with myopathic pattern, 209 with denervation and 69 with neuromyopathic pattern) in several neuromuscular disorders. The relationships were studied using descriptive statistic and chi-square tests. It was found a statistical significance with the increased serum enzyme level with the myopathic EMG pattern and an inverse relationship with the denervation EMG. This relation was more important with the creatinekinase, following aldolase and lactic dehydrogenase. The EMG denervation pattern did not have any relation with serum enzyme levels. KEY WORDS: serum enzyme, electromyography, neuromuscular disorders. Em 1949, Sibley e Lehninger, verificaram que dois pacientes portadores de distrofia muscular apresentavam elevação importante da aldolase-difosfofrutose no sangue. Estes dados foram confirmados por outros autores com o correr dos anos, que também detectaram no sangue aumentos da aspartate aminotransferase (transaminase oxaloacética), alanina aminotransferase (transaminase glutâmico pirúvica), glicosefosfato isomerase, desidrogenase láctica, creatinaquinase, piruvatoquinase, anidrase carbônica, enolases, glicose-fosfato-isomerase, fosfoglicomutase, alfa-hidroxibutirato desidrogenase e malato dehidrogenase nas diferentes formas de distrofías musculares 19,20 ' 3Ml,60 .Com o conhecimento de que as enzimas séricas aumentam na presença de diversas doenças musculares, Trabalho realizado no Serviço de Doenças Neuromusculares da Especialidade de Neurologia do Departamento de Clínica Médica, Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR: * Professor Titular de Neurologia. Aceite: 25 - novembro - 1994. Dr. Lineu César Werneck - Serviço de Doenças Neuromusculares, Especialidade de Neurologia, Hospital de Clínicas, UFPR - Rua General Carneiro, 181 - 80069-155 Curitiba PR - Brasil

Transcript of ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

Page 1: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS NEUROMUSCULARES

ESTUDO COMPARATIVO DE 817 CASOS

LINEU CESAR WERNECK*

RESUMO - Foram estudadas as enzimas séricas (creatinaquinase, desidrogenase láctica, aldolase, aspartato e alanina aminotransferase) de 817 pacientes e eletromiografias (EMG) de 588 casos de portadores de doenças neuromusculares. As enzimas e as EMG foram relacionadas utilizando testes de estatística descritiva e do qui-quadrado. Foi encontrado aumento importante das enzimas séricas relacionadas com EMG de padrão miopático (mais importante com a creatinaquinase, seguido da aldolase, desidrogenase láctica, aspartato aminotransferase e alanina aminotransferase), e, inversamente, normalidade ou discreto aumento nas EMG normais ou com padrão de desinervação. As EMG com padrões de desinervação não têm qualquer relação com a elevação das enzimas séricas.

PALAVRAS CHAVES: enzimas séricas, eletromiografia, doenças neuromusculares

Serum enzyme and electromyography in neuromuscular disorders: a correlation study of 817 cases

SUMMARY- This study reports the relationship of the serum enzymes (creatinekinase 817 cases, lactic dehydrogenase 784 cases, aldolase 718 cases, aspartate aminotransferase 767 cases and alanine aminotransferase 760 cases) and electromyography (EMG) of 588 cases (20 normal, 299 with myopathic pattern, 209 with denervation and 69 with neuromyopathic pattern) in several neuromuscular disorders. The relationships were studied using descriptive statistic and chi-square tests. It was found a statistical significance with the increased serum enzyme level with the myopathic EMG pattern and an inverse relationship with the denervation EMG. This relation was more important with the creatinekinase, following aldolase and lactic dehydrogenase. The EMG denervation pattern did not have any relation with serum enzyme levels.

KEY WORDS: serum enzyme, electromyography, neuromuscular disorders.

Em 1949, Sibley e Lehninger, verificaram que dois pacientes portadores de distrofia muscular

apresentavam elevação importante da aldolase-difosfofrutose no sangue. Estes dados foram

confirmados por outros autores com o correr dos anos, que também detectaram no sangue aumentos

da aspartate aminotransferase (transaminase oxaloacética), alanina aminotransferase (transaminase

glutâmico pirúvica), glicosefosfato isomerase, desidrogenase láctica, creatinaquinase, piruvatoquinase,

anidrase carbônica, enolases, glicose-fosfato-isomerase, fosfoglicomutase, alfa-hidroxibutirato

desidrogenase e malato dehidrogenase nas diferentes formas de distrofías musculares 1 9 , 2 0 ' 3 M l , 6 0 .Com

o conhecimento de que as enzimas séricas aumentam na presença de diversas doenças musculares,

Trabalho realizado no Serviço de Doenças Neuromusculares da Especialidade de Neurologia do Departamento de Clínica Médica, Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR: * Professor Titular de Neurologia. Aceite: 25 - novembro - 1994.

Dr. Lineu César Werneck - Serviço de Doenças Neuromusculares, Especialidade de Neurologia, Hospital de Clínicas, UFPR - Rua General Carneiro, 181 - 80069-155 Curitiba PR - Brasil

Page 2: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

foram surgindo relatos de muitas séries de pacientes com diversos tipos de miopatias, comparando o

nível da creatinaquinase, aldolase, dehidrogenase láctica, aspartato aminotransferase e alanina

aminotransferase 2 7 ' 3 5 3 8 ' 4 5 ' 4 9- 5 4 .

As enzimas séricas foram sendo incorporadas à descrição e investigação das doenças

neuromusculares, junto com os dados histológicos e eletromiográficos, sem nenhum estudo estatístico,

pois a relação era óbvia 2 2 ' 2 7 ' 2 8 ' 3 3 ' 3 5 , 3 8 ' 4 0 ' 4 9 , 5 4 . Pela falta de um estudo comparativo entre as enzimas

séricas e a eletromiografía (EMG) na literatura, nos propomos no presente trabalho a analisar as

relações destes dois elementos diagnósticos em diversas doenças neuromusculares.

MATERIAL E MÉTODOS

1. CASUÍSTICA - Foram selecionados 817 pacientes (553 do sexo masculino e 264 do feminino) que

tinham os valores das enzimas séricas conhecidos e cujos diagnósticos definitivos foram elaborados a partir da

revisão da história clínica, antecedentes patológicos, história familiar, exame físico e neurológico, dados

laboratoriais, eletroneuromiográficos, histológicos, histoquímicos, bioquímicos e por vezes técnicas de

imunofluorescência. Nesse grupo, foram escolhidas algumas doenças musculares primárias (distrofias musculares,

doenças miotônicas, miopatias congênitas, metabólicas e imunológicas-inflamatórias) e outras doenças que

envolvem o músculo indiretamente, secundárias a doenças do sistema nervoso (doenças dos neurônios motores

e polineuropatias periféricas) (Tabela l ) 3 1 , 5 5 . As enzimas selecionadas foram a creatinaquinase (817 casos), a

desidrogenase láctica (784 casos), a aldolase (718 casos), a aspartato aminotransferase (763 casos) e a alanina

aminotransferase (760 casos). O registro da enzima foi considerado válido se a amostra tivesse sido colhida

sempre antes das eletromiografias ou da biópsia muscular ou com intervalo mínimo de duas semanas entre os

procedimentos.

2. ENZIMAS SÉRICAS - Os valores superiores da normalidade das enzimas séricas variaram conforme

a época de investigação, o método empregado, a temperatura de leitura e se o paciente era masculino ou feminino,

de acordo com as normas internacionais 1 , 1 2 , 1 6 , 5 1 " 5 3 . A fim de uniformizar todos os casos em determinados cálculos

estatísticos, os resultados obtidos em cada paciente foram divididos pelo valor superior da normalidade para o

método, e subtraído pelo valor normal. O resultado desta operação indica o número de vezes que a enzima está

elevada acima do valor normal (Tabela 1). Para uniformizar e obter algumas relações estatísticas entre os diversos

parâmetros que serão analisados, as enzimas séricas foram agrupadas nas seguintes categorias, conforme o

valor encontrado: normal (dentro dos limites normais), leve (aumento até duas vezes o valor normal), moderado

(aumento até 10 vezes o valor normal) e acentuado (aumento acima de 10 vezes o valor normal).

3. ELETROMIOGRAFÍA - Os resultados finais das EMG de 597 casos foram registrados conforme o

diagnóstico eletromiográfico, após a análise de vários músculos. Dependendo da suspeita clínica, a extensão do

exame variava, tendo sempre sido estudados, no mínimo, quatro músculos. Geralmente era examinado um

único lado, mas, quando necessário e dependendo da suspeita clínica, eram estudados os quatro membros,

incluindo porções proximais e distais. As técnicas eletromiográficas utilizadas foram as já descritas na literatura

e de uso corrente na prática cl ínica 7 , 2 3 , 3 0 , 5 7 . Os resultados foram agrupados em normais (20 casos), miopáticos

(299 casos), desinervação (209 casos) e neuromiopático (69 casos) (Tabela 1) ' 0 . 2 3 . 3 0 - 5 7 . 5 8 .

4. ANALISE ESTATÍSTICA - Os dados obtidos foram armazenados em variáveis de um banco de dados

com o auxílio de um computador e posteriormente analisados com um programa de estatística. Com o programa

foram feitos vários cálculos de estatística descritiva, como média, desvio padrão, máximo, mínimo e freqüência

de distribuição. Para a análise estatística foram utilizados os testes do c 2 (qui-quadrado) na comprovação da

existência de relações entre duas variáveis diferentes 1 5 , 4 6-

RESULTADOS

RELAÇÕES ENTRE ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFÍAS - Todas as enzimas

séricas foram analisadas conforme a intensidade do aumento e os tipos de EMG e apresentaram

relação estatisticamente significante (p< 0 ,001) entre os dados em análise. 1. Creatinaquinase: Foi

verificado que as EMG de padrões normais possuem geralmente enzimas séricas normais, padrões

miopáticos geralmente com elevações moderadas e acentuadas, desinervações geralmente normais

ou com pequena percentagem de discreto aumento, e neuromiopáticas com a metade normal e o

Page 3: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...
Page 4: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...
Page 5: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

restante com elevações variáveis, desde discreta até acentuada (Tabela 2). 2. Desidrogenase láctica: As EMG de padrões normais e de desinervação geralmente estão relacionadas a níveis de enzimas normais ou com discreta elevação, neuromiopáticos com mais da metade normal ou discretamente elevadas, e miopáticos com 45% normais e aumento discreto a moderado no restante (Tabela 3). 3. Aldolase: As EMG de padrões normais têm relação com enzimas em níveis normais na maioria de casos, desinervações geralmente com a enzima normal ou discreto aumento, neuromiopáticos com a metade normal e o restante com distribuição entre todas as categorias, e os miopáticos com a menor percentagem de normal, com distribuição entre discreto, normal e acentuado (Tabela 4). 4. Aspartato aminotransferase: As EMG de padrões normais e com desinervação têm relação principalmente com enzimas normais, EMG miopáticos e neuromiopáticos tendo relações com aumentos discretos, sendo que a incidência de grandes aumentos não ocorreu em qualquer padrão de eletromiografía nesta enzima (Tabela 5). 5. Alanina aminotransferase: As EMG com padrões normais, desinervações e neuromiopático, apresentam, na maioria, relação com enzima normal. Houve pequena incidência de enzima discreta ou moderadamente aumentada com EMG de padrões miopáticos (Tabela 6).

INTERRELAÇÕES ENTRE ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIAS - Com o teste do qui-quadrado, foi possível verificar que a probabilidade de relação entre elevação das enzimas séricas e EMG com padrão miopático é muito alta, sendo maior para a creatinaquinase e aldolase; EMG com padrão neuromiopático têm fraca relação, principalmente com creatinaquinase e aldolase; EMG com padrão de desinervação não têm relações com elevação das enzimas séricas (Tabela 7) .

Page 6: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

Esta relação existiu mesmo utilizando os valores reais encontrados, com pequenas modificações somente nas EMG com padrão neuromiopático, aumentando unicamente para a desidrogenase láctica (Tabela 8) .

COMENTÁRIOS Das cinco enzimas estudadas neste trabalho, as maiores elevações são da creatinaquinase,

principalmente nas doenças que cursam com destruição muscular. Nos casos com envolvimento muscular de origem neurogênica, a creatinaquinase geralmente tem valores normais ou aumento muito discreto, sendo excepcional níveis elevados neste tipo de processo. Os maiores aumentos se encontram em casos de distrofia muscular progressiva de Duchenne ou de Becker e nas polimiosites, e moderada elevação nas outras distrofias 2 2 ' 2 6 , 2 7 ' 3 5" 3 8 ' 4 0 , 4 7 ' 4 9 ' 5 4 . Também foi possível verificar que a creatinaquinase, nos casos de distrofias musculares de Duchenne, de Becker, miotônica e das cinturas pélvica e escapular, diminui conforme a idade dos pacientes, duração da doença e grau de envolvimento clínico, não sendo encontradas relações nos casos de distrofias fascio-escápulo-umeral, polimiosites e miopatias congênitas 2 7 , 3 5 3 8 ' 4 0 ' 5 4 .

A maioria dos trabalhos dão maior ênfase à creatinaquinase no diagnóstico das doenças musculares, sendo Shaw e col. os únicos a recomendar a utilização das cinco enzimas, com auxílio de cálculos especiais com logaritmos, afirmando melhorar muito a conclusão diagnostica 4 5.

Page 7: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

Cada uma das enzimas de origem muscular tem uma função específica no metabolismo do músculo estriado. A creatinaquinase transforma rapidamente a ADP em ATP, que é a principal fornecedora de energia muscular, através de grupos fosforilativos 4 2 , 4 8. A desidrogenase láctica catalisa a reação entre o ácido pirúvico formado da fosforilação da glicose, em ácido láctico, durante exercícios violentos, ajudando a manter níveis normais de NAD+. A aldolase participa do segundo estágio da glicólise, permitindo uma ligação reversível entre ela e a via da pentose. As aminotransferases transformam os aminoácidos em suprimento metabólico, catalisando a transferência de um grupo alfa-aminoácido para um ceto-aminoácido 4 8.

Durante os processos patológicos quando as membranas das fibras são rompidas, ou pela necrose, as enzimas musculares são liberadas para o sangue e provavelmente o fator determinante da sua elevação sérica depende da depuração diferente de cada u m a 1 W 7 , M . No entanto, em diversas doenças, não existe evidência de necrose na sua fase precoce e mesmo assim existe aumento no

Page 8: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

sangue. Provavelmente este aumento se deve a um defeito na membrana das fibras musculares, como, por exemplo, nas distrofias musculares e alguns casos de atrofias musculares de origem neurogênica severa e rápida 5 , 2 0 , 3 4 , 3 5 , 4 1 .

Usualmente, é recomendado que antes de procedimentos como biópsias musculares e EMG sejam dosadas as enzimas séricas pois, após, haveria elevações, devido às lesões produzidas pelas agulhas. No entanto, Sandstedt e Chrissian & col. demonstraram que a elevação da creatinaquinase após a EMG é muito discreta, não ultrapassando quase nunca os limites normais. Algumas horas após o exame, as enzimas voltam aos níveis basais iniciais 1 4 , 4 3 .

Com a introdução da EMG na prática clínica, ficou estabelecida a relação entre o tipo de traçado eletromiográfico e o padrão anatomopatológico coincidente nas miopatias primárias e nos envolvimentos musculares secundários à desinervação. Na maioria dos trabalhos, os autores se preocupavam em correlacionar os achados eletrofisiológicos com as alterações histológicas, não se preocupando com as enzimas séricas 2 , 6 , 8 1 1 , 2 4 , 2 5 , 2 9 , 4 4 ' 5 0 , 5 6 " 5 9 . Mesmo em trabalhos experimentais, em que lesões musculares eram produzidas por agulhas, ou em relatos de casos onde existiam inúmeras injeções intramusculares, não foi feito menção às enzimas séricas, limitando-se a estudar as alterações histológicas encontradas 3 , 4 , 2 1 , 3 9 .

Cherington & col. relataram o aumento da creatinaquinase após a EMG em pacientes com miopatia, mas não com outras doenças que determinam desinervação 1 3 . Mayens e Pitner não encontraram elevação constante em miopatias, e foi visto somente aumento marginal em atrofias neurogênicas 3 2. Estudos de voluntários normais e pacientes com dores lombares, em repouso no leito, sem sinal de envolvimento muscular, revelaram que a creatinaquinase dosada antes e depois da EMG aumentava até 1,5 vezes o valor basal inicial, sempre dentro dos limites da normalidade, e retornava ao nível inicial dentro de 48 h o r a s 1 4 , 4 3 . 0 valor basal varia conforme o indivíduo, atividade e raça, sendo que pequena percentagem de indivíduos normais podem ter valores elevados e devem ser considerados normais para o mesmo.

No presente trabalho, comprovamos estatisticamente que o padrão eletromiográfico de miopatia tem relação importante com a elevação das enzimas séricas. As EMG com padrão de desinervação

Page 9: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

aumentam muito pouco as enzimas, semelhante às eletromiografias normais. Nos padrões

neuromiopáticos, cerca da metade dos casos tem enzimas normais, sendo que a outra metade tem

uma distribuição semelhante em relação ao aumento discreto, moderado ou severo. Dentre as cinco

enzimas estudadas, a creatinaquinase foi que mais se elevou e foi a que apresentou maior relação

com eletromiografias miopát icas , seguida da aldolase, des idrogenase láctica, aspartato

aminotransferase e, por último, a alanina aminotransferase. Das EMG com padrão de desinervação,

somente a creatinaquinase teve uma discreta relação com nível estatístico limítrofe (p entre 0,15 e

0,05). As EMG neuromiopáticas tiveram fraca relação com a creatinaquinase e aldolase (p entre

0,05 e 0,01). Portanto, a creat inaquinase parece indicar uma boa relação com o padrão

eletromiográfico. O aumento discreto da creatinaquinase, em alguns casos de desinervação, parece

ser secundário à atrofia aguda e necrose, com liberação de grande quantidade de enzimas para a

circulação, acima da capacidade de depuração do organismo 1 7 1 8 3 5 .

Resumindo, comprovamos que existe uma relação direta entre a elevação das enzimas séricas

nos pacientes com EMG de padrão miopático e relação inversa das enzimas em pacientes com EMG

de desinervação. Esses dados mostraram que quando existe um aumento acentuado das enzimas

séricas, a probabilidade de se encontrar uma EMG miopática é muito grande. Do ponto de vista

pratico, seria possível dispensar a EMG nos casos em que exista acentuada elevação das enzimas

séricas, pois a probabilidade de se tratar de miopatia é muito grande.

REFERÊNCIAS 1. Amador E, Dorfman LE, Wacker WEC. Serum lactic dehydrogenase activity: an analytical assessment of

current assays. Clin Chem 1963, 9:391-399. 2. Black JT, Bhatt GP, DeJesus PV, Schotland DL, Rowland LP. Diagnostic accuracy of clinical data, quantitative

electromyography and histochemistry in neuromuscular diseases. J Neurol Sci 1974, 21:59-70.

3. Blanton PL, Lehr RP, Martin JH, Biggs NL. Further observations on the histologic response of rat skeletal muscle to EMG fine wire-electrodes: significance of insulation. Electromyography (Louvain) 1971, 11:475-478.

4. Blanton PL, Lehr RP, Moreland JE, Biggs NL. Observation on the histological response of rat skeletal muscle to EMG indwelling wire electrodes. Electromyography (Louvain) 1971, 11:465-478.

5. Bodensteiner JB, Engel AG. Intracellular calcium accumulation in Duchenne dystrophy and other myopathies: a study of 567,000 muscle fibers in 114 biopsies. Neurology 1976, 28:439-446.

6. Brusa A, Loeb C, Moretti G, Sacco G. A comparison of histologic and electromyographic findings in various neuromuscular disorders. Neurology 1963, 13:630-640.

7. Buchthal F. An introduction to electromyography. Gyldendal-Kobenhavn: Scandinavian University Books, 1957.

8. Bichthal F. The electromyogram: its value in the diagnosis of neuromuscular disorders. World Neurol 1962, 3:16-34.

9. Buchthal F, Clemmesen S. On the differentiation of muscle atrophy by electromyography. Acta Psychiatr Neurol 1941, 16:143-181.

10. Buchthal F, Kamieniecka Z. The diagnostic yield of quantified electromyography and quantified muscle biopsy in neuromuscular disorders. Muscle & Nerve 1982, 5:265-280.

11. Castaigne P, Cathala DP, Rouques C, Beaussart-Boulenge L, Dannane P, Jarnot N. Confrontation de données electromyographiques et histoenzymologiques musculaires en pathologie neuro-musculaire humaine. Rev Neurol (Paris) 1974, 130:5-19.

12. Chappel JB, Perry SV. Creatine phosphokinase: assay and application for the micro-determination of the "adenine nucleotides. Biochem J 1954, 57:421-427.

13. Cherrington ME, Lewin E, McCrimmon A. Serum creatine phosphokinase changes following needle electromyographic studies. Neurology 1968, 18:271-272.

14. Chrissian SA, Stolov WC, Hongladarom T. Needle elctromyography: its effect on serum creatine phosphokinase activity. Arch Phys Med Rehabil 1976, 57:114-119.

15. Colton T. Statistics in medicine. Boston: Little, Brown, 1974. 16. Danowski TS, Sabeh G, Vester JW, Alley RA, Robbins TJ, Tsai CT, Pazirandeh M, Sekaran K. Serum CPK

in muscular dystrophy and myotonia dystrophica. Metabolism 1968, 17:808-817.

17. Dawson DM. Leakage of enzyme from denervated and dystrophic chicken muscle. Arch Neurol 1966, 14:321-325.

Page 10: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

18. Drachman DB, Murphy SR, Nigam MP, Hills Jr. "Myopatic" changes in chronically denervated muscle. Arch Neurol 1967, 16:14-24.

19. Ebashi S, Toyokura Y, Momoi H, Sugita H. High creatine phosphokinase activity of sera with progressive muscular dystrophy. J Biochem (Tokyo) 1959, 46:103-104.

20. Engel AG, Yamamoto M, Fischbeck KH. Dystrophinopathies. In Engel AG, Franzini-Armstrong. Myology: basic and clinical. New York: McGraw-Hill 1994.

21. Engel WK. Focal myopathic changes produced by electromyographic and hypodermic needles, "needle myopathy". Arch Neurol 1967, 16:509-511.

22. Fowler WM, Pearson CM. Diagnostic and prognostic significance of serum enzymes: 1. Muscular dystrophy. Arch Phys Med Rehabil 1964, 45:117-124.

23. Goodgold J, Eberstein A. Electrodiagnosis of neuromuscular diseases. Baltimore: Williams & Wilkins, 1977. 24. Hausmanowa-Petrusewicz I, Emeryk B, Wasowicz B, Kopec A. Electromyography in neuro-muscular

diagnostics. Electromyography (Louvain) 1967, 7:203-225. 25. Hausmanowa-Petrusewicz I, Jedrzejowska H. Correlation between electromyographic findings and muscle

biopsy in cases of neuromuscular disease. J Neurol Sci 1971, 13:85-106. 26. Heick H, Laudhan G. Diagnóstico diferencial das distrofias musculares com referência especial às alterações

enzimáticas. Arq Neuropsiquiatr 1967, 25:71- 86. 27. Hess JH, MacDonald RP, Frederick RJ, Jones RN, Neely J, Gross D. Serum creatine phosphokinase (CPK)

activity in disorders of heart and skeletal muscle. Ann Intern Med 1964, 61:1015-1028. 28. Hughes BP. Serum enzymes changes in muscle disease and their relation to tissue change. Proc R Soc Med

1963, 56:179- 182. 29. Humphry JG, Shy GM. Diagnostic electromyography. Arch Neurol 1962,6: 339-352. 30. Kimural J. Electrodiagnosis in diseases of nerve and muscle: principles and practice. Philadelphia:

F.A.Davis, 1989.

31 . Levy JA. Classificação das miopatias. In Levy JA(ed). Doenças musculares: estudo clínico e diagnóstico. São Paulo: Atheneu, 1984.

32. Mayens E, Pitner SR. Effect of electromyography on CPK and aldolase levels. Arch Neurol 1968, 19:538-539.

33. McCrimmon A, Lewin E. Serum creatine phosphokinase: a useful tool in muscle disease. Am J Med Technol 1967, 33:269- 274.

34. Mokri B, Engel AG. Duchenne dystrophy: electron microscopic Findings pointing to a basic or early abnormality in the plasma membrane of the muscle fiber. Neurology 1975, 25:1111-1120.

35. Munsat TL, Baloh R, Pearson CM, Fowler W Jr. Serum enzyme alterations in neuromuscular disorders. JAMA 1973, 226:1536-1543.

36. Nichol CJ. Serum creatine phosphokinase measurements in muscular dystrophy studies. Clin Chim Acta 1965, 11:404- 407.

37. Niebrój-Dobosz I, Jedrzejowska H, Hetnarska L. Blood enzymes in Duchenne's progressive muscular dystrophy and their correlation with the clinical and histological pictures. Acta Med Pol (Warszawa) 1970, 11:387-393.

38. Okinaka S, Kumagai H, Ebashi S, Sugitah, Momoi H, Toyokura Y, Fujie Y. Serum creatine phosphokinase. Arch Neurol 1961, 4:520-525.

39. Paakkari I , Mumenthaler M. Needle myopathy: an experimental study. J Neurol (Berlin) 1974, 208:133-138. 40. Pearce JMS, Pennington RJ, Walton JN. Serum enzyme studies in muscle disease: II. Serum creatine kinase

activity in muscular dystrophy and in other myopathic and neuropathic disorders. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1964, 27:96-99.

41 . Pennington RJT. Biochemica l aspects of muscle d isease . In Walton J. Disorders of voluntary muscle.Edinburgh: Churchill Livingstone, 1981.

42. Percy ME, Thompson MW. - Creatine kinase - "No phospho-, please!". Muscle & Nerve 1981, 4:271. 43. Sandstedt PER. Effects of a previous eletromyographic examination studied by frequency analysis, muscle

biopsy and creatine kinase. Acta Neurol Scand 1981, 64:303-309. 44. Schwartz RA, Archibald KC, Hagstrom JWC. Correlative findings by electromyography and muscle biopsy

in neuromuscular disorders. Arch Phys Med Rehabil 1966, 47:653-658. 45. Shaw RF, Pearson CM, Chowdhury SR, Dreifus FE. Serum enzymes in sex-linked (Duchenne) muscular

dystrophy. Arch Neurol 1967, 16:115-122.

46. Siegell S. Nonparametric statistics for the behavioral sciences. New York: McGraw-Hill, 1956. 47. Singh RS, Agrawal SP, Dikshit SK. Study of creatine phosphokinase, lactic dehydrogenase and transaminases

in neuromuscular diseases. Indian J Pediatr (New Delhi) 1973, 40:35-38. 48. Stryer L. Biochemistry. New York: W.H.Freeman, 1988.

Page 11: ENZIMAS SÉRICAS E ELETROMIOGRAFIA EM DOENÇAS ...

49. Swaiman KF, Sandler B. The use of serum creatine phosphokinase and other enzymes in the diagnosis of progressive muscular dystrophy. J Pediatr 1963, 63:1116- 1119.

50. Takahashi K, Kameyama M. Electromyography and histopathology of muscle and spinal cord: analysis of 105 skeletal muscle from 31 autopsy cases. J Neurol Sci 1972, 16:465-479.

51 . Tanzier ML, GilvargI C. Creatine and creatine kinase measurement. J Biol Chem 1959, 234:3201-3204. 52. The Committee on Enzyme of the Scandinavian Society for Clinical Chemistry and Clinical Physiology.

Recommended methods for the determination of four enzymes in blood. Scand J Clin Lab Invest 1974, 33:291-300.

53. The Committee on Enzyme of the Scandinavian Society for Clinical Chemistry and Clinical Physiology. Recommended methods for the determination of creatine kinase in blood. Scand J Clin Lab Invest 1974, 36:711-723.

54. Vassela F, Richtterich R, Rossi E. The diagnostic value of serum creatinekinase in neuromuscular and muscular disease. Pediatrics 1965, 35:322-330.

55. Walton JN. Clinical examination of the neuromuscular system. In Walton JN. Disorders of voluntary muscle. Ed.4. Edinburgh: Churchill Livingstone, 1981.

56. Warmolts JR, Engel WK. Open-biopsy electromyography: I.Correlation of motor unit behavior with histochemical muscle fiber type in human limb muscle. Arch Neurol 1972, 27:512-517.

57. Wemeck LC. Estudo comparativo entre biópsias musculares e eletromiografias. Tese (Doutorado), Escola Paulista de Medicina. São Paulo, 1985.

58. Werneck LC , Lima JGC. Muscle biopsy correlated with electromyography: study of 100 cases. Arq Neuropsiquiatr 1988, 46:156-165.

59. Werneck LC, Lima JGC, Koehler H. Correlation between specific histological and electromyographic findings in neuromuscular disorders. Arq Neuropsiquiatr 1988, 46:264-271.

60. Zatz M, Shapiro LJ, Campion DS, Oda E, Kaback MM. Serum pyruvate-kinase (PK) and creatine-phosphokinase (CPK) in progressive muscular dystrophies. J Neurol Sci 1978, 36:349-362.