Epidemiologia, Impacto e Tratamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) no Brasil

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Revista Racine 32 Panorama Geral Epidemiologia, Impacto e Tratamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) no Brasil José Roberto Jardim e Oliver A. Nascimento

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Epidemiologia, Impacto e Tratamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) no BrasilJosé Roberto Jardim e Oliver A. Nascimento

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“Atualmente um terço

da população mundial

acima de 15 anos e

aproximadamente

um quinto de

toda população

mundial compõe-

se de tabagistas,

totalizando 1,1 bilhões

de fumantes, sendo

que 800 milhões se

encontram em países

em desenvolvimento

ou subdesenvolvidos.

Embora ainda exista

uma predominância

do sexo masculino,

nas últimas décadas

o número de

mulheres tabagistas

cresceu muito. Esta

distribuição se repete

pelo mundo com

algumas exceções,

como a China, onde é

ainda maior o número

de tabagistas.”Fonte: Associação Brasileira de

Portadores de DPOC -

www.dpoc.org.br

Definição

O Consenso da Sociedade Bra-sileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), publicado em 2004, de-finiu a Doença Pulmonar Obstru-tiva Crônica (DPOC) como uma enfermidade respiratória prevení-vel e tratável com manifestações sistêmicas e que se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo, que não é totalmen-te reversível, e associada a uma resposta inflamatória anormal à inalação de fumaça de cigarro e outras partículas e gases tóxicos (1, 2, 3).

Esta definição tem por fina-lidade ressaltar alguns aspectos importantes da DPOC. Primeiro, que esta doença é prevenível, sendo a sua maior causa o cigarro. O não fumar poderia evitar o desenvol-vimento da DPOC. Para isto é ne-cessário um programa de educação da população, principalmente dos adolescentes. Segundo, e muito importante, é chamar a atenção dos profissionais da área da saúde que a DPOC é tratável. O conceito que vinha predominando nos últimos anos entre os não especialistas é que a DPOC é progressiva e que não há o que fazer pelo paciente. Atualmente, os especialistas da área têm procurado mostrar que os pacientes portadores de DPOC podem se beneficiar com uma série de medidas no tratamento. Por fim, a definição ressalta que a DPOC é uma inflamação, o que tem feito que alguns novos fármacos antiinflamatórios específicos para a DPOC comecem a ser avaliados em humanos.

Os mecanismos determinantes da diminuição do fluxo aéreo na DPOC são multifatoriais, incluin-do: espessamento da parede brôn-

quica, aumento da quantidade de muco intraluminal, alterações das pequenas vias aéreas, perda da retração elástica pulmonar e perda dos pontos de fixação das vias aé-reas terminais aos alvéolos.

Epidemiologia

Prevalência

Em 2003 foi realizado um es-tudo de prevalência de DPOC na cidade de São Paulo, realizado pela Associação Latino-Americana de Tórax, o Projeto Platino (Projeto Latino-Americano de Investigação de Enfermidade Obstrutiva). Este projeto, que inclui outras grandes capitais da América Latina, foi baseado em uma randomização de áreas e casas, incluindo pessoas acima de 40 anos e aplicação de questionário de sintomas e realiza-ção de espirometria pré e pós-bron-codilatador no domicilio (23, 25). A prevalência da DPOC, segundo a espirometria, foi de 15,8% na população com idade igual ou su-perior a 40 anos, o que representa uma população entre 5.000.000 e 6.900.000 indivíduos com DPOC no Brasil.

Morbidade

A incidência da DPOC ainda é maior no sexo masculino do que no sexo feminino e aumenta acentua-damente com a idade. No entanto, com o aumento do tabagismo entre as mulheres nos últimos 30 a 40 anos, espera-se que esta diferença fi-que bem menor nos próximos anos. Um fator etiológico importante para DPOC, descrito em países em desenvolvimento, é a exposição das mulheres à fumaça produzida pela combustão da lenha. Investigações na América Latina, particularmente na Colômbia, México e Guatemala

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mostram que as mulheres expostas à fumaça de lenha têm uma possibilidade de desenvolver sintomas respiratórios maior que as mulheres fumantes e não expostas à fumaça de lenha (20).

Pelos dados do Ministério da Saúde (DATASUS) a DPOC foi a quinta maior causa de internamento no sis-tema público de saúde do Brasil, em maiores de 40 anos, com 196.698 internações em 2003, e gasto aproximado de 72 milhões de reais, o que a coloca entre as principais doenças consumidoras de recursos (21).

Mortalidade

Estudos têm mostrado que entre as causas mais co-muns de morte (doenças coronariana, cérebro vacular e tumorais), a DPOC e os tumores de pulmão são as únicas que apresentam um crescimento, o que parece ser reflexo de altas taxas de tabagismo no passado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima em 2.740.000 o número de óbitos por DPOC no ano de 2000 no mundo e preco-niza o seu aumento para a terceira causa de mortalidade em 2020 (1).

No Brasil houve um aumento do número de óbitos por DPOC nos últimos 20 anos, em ambos os sexos, tendo a taxa de mortalidade passado de 7,88 em cada 100.000 habitantes, na década de 1980, para 19,04 em cada 100.000 habitantes, na década de 1990. Houve um crescimento de óbitos por DPOC de 1980 para 2001 de 340%, mesmo ajustado para o crescimento populacional neste período. A mortalidade por DPOC no Brasil ocupa entre a quarta e sétima posição, com pequena diferença entre as condições que ocupam tais posições (21).

Diagnóstico

A DPOC é suspeitada na presença de sintomas respi-ratórios crônicos como tosse, secreção pulmonar e falta de ar. Os primeiros sintomas são tosse e produção de secreção pulmonar, que, geralmente, são negligenciados pelos pacientes, pois associam tais sintomas ao tabagismo. A falta de ar, geralmente, começa aos grandes esforços, como subir ladeira ou escadas e andar depressa no plano, posteriormente ela evolui para médios esforços, como tomar banho e andar no plano a passo normal, e, por fim, a falta de ar progride para os pequenos esforços, como atividades sociais e pequenas tarefas com os membros superiores. A falta de ar pode ser quantificada de diversas formas e a SBPT padronizou a avaliação pela escala do Medical Research Council (5, 7, 8) (Quadro 1).

Quadro 1 - Índice de dispnéia modificado do Medical Research Council

Modificado de: Ferrer M, Alonso J, Morera J et al. Chronic obstructive pulmonary disease and health-related quality of life. Ann Intern Med 1997, 127:1072-9

0 - Tenho falta de ar ao realizar exercício intenso;

1 - Tenho falta de ar quando apresso o meu passo ou subo escadas ou ladeira;

2 - Preciso parar algumas vezes quando ando no meu passo ou ando mais devagar que outras pessoas de minha idade;

3 - Preciso parar muitas vezes devido à falta de ar quando ando perto de 100 metros ou poucos minutos de caminhada no plano;

4 - Sinto tanta falta de ar que não saio de casa ou preciso de ajuda para me vestir ou tomar banho sozinho.

Noventa por cento dos pacientes com DPOC são fumantes ou ex-fumantes. Existe uma relação entre o número de cigarros fumados e a perda da função pul-monar. No entanto, as estatísticas gerais apontam que dez por cento dos portadores de DPOC não são ou não foram fumantes. De um modo geral estes pacientes foram expostos à inalação de poeiras ou gases tóxicos em sua atividade laboral, principalmente exposição à fumaça de fogão à lenha, trabalhadores de indústrias de plásticos, borrachas e metalúrgicas.

O diagnóstico definitivo da DPOC é realizado pela constatação de obstrução brônquica pela espirometria. A existência de obstrução do fluxo aéreo é definida pela presença da relação entre volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) pela capacidade vital forçada (CVF), VEF1/CVF, abaixo de 0,70, após a administra-ção de broncodilatador. A Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD), movimento mundial para a disseminação do conhecimento sobre a DPOC, criou um questionário de cinco perguntas sobre aspec-tos relacionados à DPOC e a resposta positiva em três delas levanta a possibilidade do indivíduo ser portador de DPOC, gerando a necessidade da realização de uma espirometria (Quadro 2) (9, 13).

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Estadiamento

O estadiamento é semelhante ao do GOLD - 2003, com algumas pequenas modificações, de acordo com o Consenso de DPOC da SBPT - 2004 (30):

Estádio I - Doença leve. Pacientes com VEF1 pós-BD ≥ 80% com relação VEF1/CVF inferior a 70% pós-BD do teórico;

Estádio II - Doença moderada. Paciente com VEF1 pós-BD < 80% e > 50 %, com relação VEF1/CVF inferior a 70% pós-BD do teórico;

Estádio III - Doença grave. VEF1/CVF < 70% pós-BD e VEF1 < 50% e ≥ 30% previsto. Ou pacientes com hipoxemia, mas sem hipercapnia independente do valor de VEF1 ou pacientes em fase estável com dispnéia grau 2 ou 3;

Estádio IV - Doença muito grave. VEF1/CVF < 70% pós-BD e VEF1 < 30%, independentemente do VEF1, pacientes com hipercapnia ou sinais clínicos de insu-ficiência cardíaca direita ou pacientes com dispnéia que os incapacite a realizarem as atividades diárias necessárias à sustentação e higiene pessoais, dispnéia grau 4.

Tratamento da DPOC

O tratamento da DPOC visa diminuir os sintomas, aumentar a capacidade física, melhorar a qualidade de vida, diminuir a progressão da doença (diminuir a taxa de declínio do VEF1), evitar exacerbações e internações e aumentar a sobrevida. O tratamento inclui componentes farmacológicos e não farmacológicos, de acordo com

Quadro 2 - Perguntas desenvolvidas pelo GOLD para inquérito de DPOC

Três respostas positivas indicam a necessidade de realizar espirometria

1 - Você tem tosse diariamente?

2 - Você tem catarro todos os dias?

3 - Você cansa mais do que uma pessoa da sua idade?

4 - Você tem mais de 40 anos?

5 - Você é fumante ou ex-fumante?

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Tabela 1 - Tratamento da DPOC estável conforme o estadiamento da doença

Estádios

I - Leve (VEF1 > 70%)

II - Moderado(VEF1 50-70% do previsto)

III - Grave(VEF1 30-50% do previsto)

IV - Muito Grave(VEF1 < 30% do previsto)

Tratamento

b2-agonista de curta duração e/ou ipratrópio, quando necessário;

Sintomas eventuais: b2-agonista de curta duração e/ou ipratrópio, quando necessário;Sintomas persistentes: b2-agonista de longa duração e/ou tiotrópio;Reabilitação pulmonar;

b2-agonista de longa duração e tiotrópio;Acrescentar xantina de longa duração se persistirem os sintomas;Corticóide inalatório se exacerbações freqüentes (> 2 exacerbações no ano)Reabilitação pulmonar;

b2-agonista e anticolinérgico de longa duração;Acrescentar xantina de longa duração se persistirem os sintomas;Corticóide inalatório se exacerbações freqüentes (> 2 exacerbações ao ano);Reabilitação pulmonar;Oxigenoterapia;Estudar indicações cirúrgicas para o tratamento do enfisema (cirurgia redutora de volume pulmonar, bulectomia ou transplante pulmonar).

a clínica da doença: tratamento da fase estável e tratamento da exacer-bação.

Tratamento da fase estável

Define-se estabilidade clínica da doença quando os sintomas tosse, expectoração e dispnéia não apre-sentam mudanças nas últimas quatro semanas. O tratamento da DPOC na fase estável é baseado na gravidade da doença, conforme descrito no estadiamento. Na Tabela 1 está de-monstrada a escolha dos fármacos de acordo com a gravidade da DPOC.

Tratamento farmacológico

Broncodilatadores

Nos portadores de DPOC dois mecanismos são responsáveis pela

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sensação de dispnéia: hiperinsufla-ção pulmonar e obstrução do fluxo aéreo. A hiperinsuflação pulmonar estática está presente no repouso em níveis variados e ocorre devido à diminuição do recolhimento elástico pulmonar; durante a realização de esforços, a hiperinsuflação se inten-sifica e leva à interrupção precoce do esforço, sendo denominada de hiperinsuflação pulmonar dinâmica. A obstrução do fluxo aéreo é ocasio-nada pela broncoconstricção e pelo espessamento das paredes das vias aéreas. Os broncodilatadores têm a finalidade de promover o relaxa-mento das vias aéreas e diminuir o fenômeno de hiperinsuflação estática e dinâmica.

Os broncodilatadores são classi-ficados em três grupos: anticolinér-gicos, b-2 agonistas e metilxantinas. Embora existam diversas apresen-tações comerciais, a via de escolha preferencial deve ser a inalatória, por ter ação direta nas vias aéreas e com menor índice de eventos adver-sos. Destas classes, a única que não possui apresentação na forma inala-tória é a das metilxantinas. Existem broncodilatadores com tempo de ação curta e prolongada.

São broncodilatadores b-2 ago-nistas de curta duração o salbutamol, o fenoterol e o terbutalino, e de ação prolongada o salmeterol e o formoterol. São broncodilatadores potentes e o mecanismo de ação baseia-se na abertura dos canais de potássio da célula muscular, com conseqüente aumento da AMPcí-clico, promovendo o relaxamento da musculatura.

É descrito que o tônus colinér-gico das vias aéreas é importante componente da broncoconstricção na DPOC. Na transmissão nervosa do sistema parassimpático ou co-

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linérgico, o estímulo dos receptores M1 e M3 levam à broncoconstricção. O receptor M2 possui uma ação protetora, pois é capaz de captar a informação de que a acetilcolina está sendo liberada (o que leva à broncons-tricção) e diminuir a sua liberação. Os anticolinérgicos ipratrópio e tiotrópio se ligam aos três receptores, porém o tiotrópio apresenta uma vantagem muito importante por se ligar por até 36 horas aos receptores M1 e M3, o que permite o uso de uma só vez ao dia e ter uma ação muito rápida sobre o M2. O sistema nervoso parassim-pático inerva as glândulas mucosas das vias aéreas, de modo que o uso de anticolinérgicos diminui a produção de secreção para as vias aéreas.

As metilxantinas são consideradas fármacos de terceira linha e são úteis quando há necessidade de associar-se um terceiro fármaco aos b-2 agonistas e anticolinérgicos. Deve-se dar preferência às meti-lxantinas de 12 horas de duração, como a teofilina e a bamifilina. Em uma recente metanálise verificou-se que as metilxantinas levaram à melhora discreta na função pulmonar, com mais efeitos colaterais, mas os pacientes

preferiram seu uso ao placebo.

A associação de uma câmara de expansão (“espaça-dor”) ao uso de inaladores dosimetrados torna mais fácil seu uso e aumenta a deposição pulmonar do fármaco. Os dispositivos com pó seco são de mais fácil utilização e sofrem menor influência da falta de coordenação entre liberação da medicamento e inspiração.

A escolha entre o uso isolado do fármaco b-2 ago-nista ou anticolinérgico para um paciente no estádio I é dependente da resposta do paciente e da disponibilidade dos medicamentos. A associação de broncodilatadores seria útil por combinar fármacos com diferentes meca-nismos de ação, locais de atuação, início e duração de efeito e tem efeito broncodilatador superior ao de cada substância isoladamente. Os broncodilatadores de longa duração b-2 agonistas e tiotrópio estão indicados, iso-lados, nos pacientes em estádio II e em associação nos pacientes III e IV (Tabela 1).

Na fase de exacerbação, os broncodilatadores de

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curta duração podem ser utilizados mais de três a quatro vezes ao dia, como forma de resgate.

Corticosteróides

O processo inflamatório da DPOC é dependente de neutrófilos, linfócitos CD8 e macrófagos e, por isso, tem baixa resposta ao uso de corticóides. Apesar do conhecimento deste fato, uma grande parte dos doentes com DPOC ainda utiliza este medicamento. Na fase estável não deve ser prescrito corticosteróide sistêmico (oral ou injetável), pois não traz benefícios clínicos ou funcionais, além de desencadear eventos adversos clinicamente importantes como obesidade, diabetes, hipertensão, catarata e osteoporose.

Os estudos de longo prazo (entre três e quatro anos de seguimento) sobre o uso de corticóides inalatórios na DPOC são muito heterogêneos quanto às amostras e desfechos estudados, o corticóide utilizado e a dose administrada. Aparentemente seu uso pode diminuir a deterioração da qualidade de vida e o número de

exacerbações. Em duas recentes metanálises sobre os benefícios de uso de corticóide inalatório em DPOC observou-se a ocorrência de diminuição no número de exacerbações, porém sem alteração na taxa de morta-lidade e com maior índice de efeitos colaterais do que com o placebo. Observou-se, também, que o corticóide inalatório pode diminuir a taxa de declínio do VEF1 em 9,9 mL/ano quando comparado ao placebo, porém sem importância clínica. A indicação atual é que os corticói-des inalatórios (800 a 1000mcg por dia) estão indicados somente para um grupo selecionado de pacientes: os com VEF1 menor que 50% do previsto (estádios III e IV) e com mais de duas exacerbações no último ano (Tabela 1).

N-acetilcisteína (NAC)

A participação do estresse oxidativo na patogênese da DPOC é importante e se inicia antes do processo infla-matório, devido à inalação de radicais livres presentes na fumaça de cigarros, mas ele permanece e se intensifica durante o processo inflamatório. O uso da N-acetilcisteína

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em pacientes com DPOC, pelo seu efeito antioxidante é ainda controverso. Um estudo retrospectivo realizado com pacientes com DPOC mostrou uma diminuição da taxa de reinternação por exacerbação da DPOC. Uma revisão sistemática recente mostrou diminuição das exacerbações e dias de internação em pacientes portadores de DPOC que utilizaram N-acetilcisteína. Todavia, nesta revisão havia trabalhos que não eram randomizados e controlados contra placebo, tornando os resultados também discutí-veis e até o momento não há evidências suficientes na literatura que apóiem o uso de rotina da N-acetilcisteína em pacientes portadores de DPOC. Um grande estudo duplo cego, randomizado e controlado por placebo, com duração de três anos, demonstrou que a NAC não foi capaz de reduzir o número de exacerbações e a taxa de declínio da função pulmonar no grupo geral. Porém, no subgrupo de pacientes que não estavam utilizando corticóide inalatório, a NAC foi responsável por reduzir o número de exacerbações e reduzir a hiperinsuflação pulmonar. Porém, sua utilização ainda não está totalmente padronizada nos Consensos de DPOC.

Tratamento não farmacológico

Cessação de tabagismo

É o único tratamento que, definitivamente, diminui a taxa de declínio da função pulmonar em portadores de DPOC, além de aumentar a sobrevida. Deve ser estimu-lada a todos pacientes, independente do estadiamento.

Vacinação

Em todos os pacientes, desconsiderando a idade, deve-se utilizar, anualmente, a vacina antiinfluenza (gripe). A vacina antipneumocócica deve ser prescrita a cada cinco anos.

Reabilitação pulmonar

Reabilitação pulmonar é um programa multiprofis-sional de cuidados a pacientes com alteração respiratória crônica que engloba: 1) otimização do tratamento farma-

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cológico, nutricional e fisioterapêu-tico; 2) recondicionamento físico; 3) apoio psicossocial; e 4) educação. O programa é adaptado às necessidades individuais para otimizar a autonomia e o desempenho físico e social.

Oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP)

Está indicado o uso de ODP quando, durante doença estável, a pressão parcial de oxigênio no san-gue arterial (PaO

2) for ≤ 55mmHg

ou a saturação ≤ 88% em repouso ou a PaO

2 está entre 56 e 59mmHg

mas há evidências de cor pulmonale ou policitemia. A ODP visa manter a PaO

2 acima de 60mmHg, o que,

comprovadamente, aumenta a so-brevida. Pacientes com hipoxemia após um episódio de exacerbação devem receber oxigenoterapia mas devem ser reavaliados entre 60 e 90 dias, pois a hipoxemia pode ser transitória.

A ODP deve manter uma SpO2

entre 90 e 92% e ser utilizada 24 horas/dia. Nos dois estudos clássicos de oxigenoterapia foi demonstrado ganho na sobrevida no grupo que utilizou pelo menos 15 horas por dia em relação aos grupos sem oxigênio e com oxigênio 12 horas/dia. A ODP deve incluir as 12 horas noturnas, pois a hipoxemia se intensifica no período de sono.

Durante viagem aérea a cabine dos aviões mantém pressão interna equivalente à altitude de 2400 metros e, portanto, com pressão parcial de O

2 mais baixa. Viagens aéreas são

seguras para portadores de hipoxemia crônica, desde que sejam orientados a aumentar o fluxo de oxigênio (que utilizam em repouso) em 1 a 2L/min durante o vôo. O ideal é manter-se a PaO

2 durante o vôo ≥ 60mmHg.

Pacientes com PaO2 ao nível do mar

> 70mmHg e sem comorbidades (anemia e insuficiência cardíaca) não necessitam de oxigênio suplementar durante o vôo.

Tratamento da exacerbação da DPOC

O diagnóstico clínico da exacer-bação da DPOC baseia-se na piora dos sintomas com aumento da disp-néia, aumento da tosse e do volume de secreção pulmonar, com necessi-dade de aumento de medicamento usual. Quando a expectoração está clara a exacerbação é definida como não bacteriana e quando a expectora-ção está amarelada ou esverdeada é nomeada exacerbação bacteriana. A importância desta classificação reside na indicação do uso de antimicro-bianos somente para a exacerbação bacteriana.

Broncodilatadores

Para os pacientes que já utilizam broncodilatadores de longa duração deve-se aumentar sua freqüência ou associar os broncodilatadores de curta duração.

Corticosteróides

Em todas as exacerbações, bacte-

riana ou não, deve-se prescrever cor-ticosteróides sistêmicos (oral ou en-dovenoso), pois há recuperação mais rápida do fluxo aéreo e da oxigenação arterial. Para os pacientes internados prescreve-se corticosteróides endo-venosos como metilprednisolona ou hidrocortisona. Após melhora clínica a dose é diminuída e, consecutiva-mente, passada para via oral, como a prednisona e prednisolona.

Antibióticos

Os antibióticos devem ser pres-critos somente na exacerbação bac-teriana. A flora bacteriana nas vias aéreas de pacientes com DPOC está relacionada à gravidade da obstrução e a fatores de comorbidade. Na au-sência de espirometria prévia pode-se classificar a DPOC baseada em carac-terísticas clínicas para a indicação de antibiótico (Tabela 2):

Leve: menos de 65 anos, pouca dispnéia, fumante ou não, sem comorbidade ou necessidade de oxigênio contínuo, menos de qua-tro exacerbações ou hospitalização nos últimos 12 meses e sem usar antibióticos nos últimos 15 dias;

Moderada: mais de 65 anos, ta-bagismo ativo, comorbidade (dia-betes, insuficiência cardíaca, cor pulmonale ou desnutrição), mais de quatro exacerbações no último ano e uso de antibióticos nos últimos 15 dias;

Grave: mais de 65 anos, tabagismo ativo, comorbidade (diabetes, insu-ficiência cardíaca, cor pulmonale ou desnutrição), mais de quatro exacerbações no último ano e uso de antibióticos nos últimos 15 dias, mais de uma internação nos últimos 12 meses e uso de oxigênio contí-nuo (ou indicação para uso).

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José Roberto Jardim é professor livre docente da disciplina de pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)/Escola Paulista de Medicina (EPM), coordenador do programa de pós-graduação em reabilitação da UNIFESP/EPM e diretor do Centro de Reabilitação Pulmonar (CRP) da UNIFESP/EPM - Lar Escola São Francisco (LESF).

Oliver A. Nascimento é médico da disciplina de pneumologia da UNIFESP/EPM e vice-diretor do CRP-UNIFESP/EPM-LESF.

Referências Bibliográficas

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Tabela 2 - Orientações de antibioticoterapia nas exacerbações da DPOC conforme estadiamento

Grupo

I - DPOC leve com VEF1 > 50% e sem fatores de risco

II - DPOC leve com VEF1 > 50% e fatores de risco*

III - DPOC com VEF1 entre 35 a 50%

IV - DPOC com VEF1 < 35%

Patógenos mais freqüentes

H. influenzaeM. catarrhalisS. pneumoniaeC. pneumoniaeM. pneumoniae

H. influenzaeM. catarrhalisSPRP

H. influenzaeM. catarrhalisSPRPGram (-) entéricos

H. influenzaeSPRPGram (-) entéricosP. aeruginosa

Tratamento recomendado

b-lactâmico + inibidor de blactamase1CefuroximaAzitromicina/claritromicina

Os anteriores mais:Moxifloxacino/levofloxacina

Moxifloxacino/levofloxacinob-lactâmico + inibidor de blactamase1

Moxifloxacino/levofloxacinaCiprofloxacina se há suspeita de Pseudomonas b-lactâmico + inibidor de blactamase1 (se há alergia às quinolonas)**

SPRP = S. pneumoniae resistente a penicilina. Amoxicilina-clavulanato, amoxicilina-sulbactam e ampicilina-sulbactam.* Fatores de risco: idade > de 65 anos, dispnéia grave, comorbidade significativa (diabetes, cardiopatia, disfunção renal ou hepática), mais de quatro exacerbações nos últimos 12 meses, hospitalização por exacerbação no ano prévio, uso de esteróides sistêmicos nos últimos três meses, uso de antibióticos nos 15 dias prévios e desnutrição.** Em certas ocasiões pode ser necessário o tratamento endovenoso em pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por gram negativos, incluídas Pseudomonas. Neste caso pode se administrar piperacilina-tazobactam ou imipenem ou cefepima.

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ApartirdequalestádiodaDPOCestáindicadoousocontínuo de broncodilatadores de longa duração deação?

a) Estádio I;b) Estádio II;c) Estádio III;d) Estádio IV.

Aqualclassedemedicamentospertenceotiotrópio?a) Anticolinérgico de longa duração de ação;b) Anticolinérgico de curta duração de ação;c) Beta-2 agonistas;d) Metilxantinas.

QuaispacientescomDPOCdevemservacinadoscontragripe?

a) A vacina não deve ser prescrita aos pacientes com DPOC;

b) Pacientes com VEF1 < 50% do previsto e exacerbações freqüentes no último ano;

c) Pacientes com VEF1< 80% do previsto;d) Todos os pacientes com DPOC devem ser vacinados.

Qual é a característica clínica presente durante aexacerbação que define a prescrição de antibióticosnestafase?

a) Dispnéia muito intensa;b) Expectoração clara;c) Expectoração purulenta;d) Chiado no peito.

QualéopapeldareabilitaçãopulmonarnotratamentodaDPOC?

a) Melhorar a capacidade física;b) Reduzir a sensação de dispnéia;c) Melhorar qualidade de vida;d) Todas as anteriores.

Respostas: 1 - c; 2 - c; 3 - b; 4 - d; 5 - b; 6 - b; 7 - a; 8 - d; 9 - c; 10 - d.

Nasquestõesaseguir,assinalearespostacorreta:

QualéaprevalênciadeDPOCnacidadedeSãoPauloemindivíduosmaioresde40anosdeidade?

a) 10,2%;b) 20,3%;c) 15,8%;d) 25%.

QualéocritériodiagnósticoespirométricodaDPOC?a) VEF1 < 80% do previsto;b) Relação VEF1/CVF > 0,70;c) Relação VEF1/CVF <0,70;d) CVF < 70% do previsto.

QuaissãoossintomasiniciaisdaDPOC?a) Dispnéia aos pequenos esforços;b) Tosse e expectoração crônicas;c) Palpitação;d) Dor torácica.

QuaissãoosfatoresetiológicosexternosmaiscomunsdaDPOC?a) Tabagismo;b) Exposição a vapores e gases tóxicos no trabalho;c) Exposição à fumaça de fogão de lenha;d) Todas as anteriores.

QuandoestáindicadoousodecorticóideinalatórionaDPOC?a) Todos os pacientes com VEF1 < 50% do previsto;b) Pacientes com VEF1 < 50% do previsto e exacerbações

freqüentes no último ano;c) Pacientes com VEF1 < 80% do previsto e muitos sintomas

respiratórios;d) Todos os pacientes com DPOC devem receber corticóide

inalatório.

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TesteseusConhecimentos6

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Revista Racine 47