Epigramas Irônicos e Sentimentais

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    EPIGRAMAS IRNICOS E SENTIMENTAIS E

    MODINHAS E CANES LBUM N 2 DE HEITOR VILLA-LOBOS:

    UMA PROPOSTA ANALTICA, COMPARATIVA E INTERPRETATIVA

    Amarlis Rebu de Mattos*e-mail: [email protected]

    RESUMO: Esta pesquisa prope uma anlise comparativa dos Epigramas Irnicos e Sentimentais e dasModinhas e Canes lbum n 2 do compositor Heitor Villa-Lobos. O trabalho baseia-se numa anlise daestrutura harmnica tradicional para canes tonais, assim como das configuraes sonoras das canesdescritivas caracterizadas por texturas especficas, formao rtmica, aspectos texturais, harmnicos e meldicos.Estes dois ciclos revelam momentos nos quais as formas musicais e estilos podem ser considerados parte de uma

    sntese de sua produo vocal, englobando duas pocas caractersticas: o modernismo e o nacionalismo,observando as implicaes tcnico-interpretativas da poesia e melodia do canto em relao ao piano. Osresultados desta pesquisa sugerem a necessidade em aprofundar os estudos sobre a msica vocal de Heitor Villa-Lobos para que se obtenha a compreenso de sua obra proporcionando uma melhor interpretao.

    PALAVRAS-CHAVE: Epigramas; canes; Villa-Lobos; modernismo; nacionalismo.

    ABSTRACT: This paper proposes a comparative analysis of the Epigramas Irnicos e Sentimentais and theModinhas e Canes lbum n2by Heitor Villa-Lobos. This work is based on an analysis of the tonal songstraditional harmonic structure, as well as on descriptive songs sounding configuration, characterized by specifictextures, rhythmical pattern and aspects of texture, harmony and melody. This two cycles reveal two moments inwhich the musical forms and styles could be considered part of a synthesis of Villa-Lobos vocal production,approaching two characteristical periods: the modernism and the nationalism, observing the technical-interpretative implications of the poem and of the chants melody in relation to the piano. The results of this

    research suggest the need of deeper studies about the vocal music of Heitor Villa-Lobos to obtain a goodcomprehension of his work and provide a better interpretation.

    KEYWORDS:Epigramas; songs; Villa-Lobos; modernism; nationalism.

    OBJETIVOS

    Exposio dos resultados pesquisados na dissertao de Mestrado sobre a obra vocal deHeitor Villa-Lobos que props uma anlise comparativa dos Epigramas Irnicos eSentimentais e dasModinhas e Canes lbum n 2.

    JUSTIFICATIVA

    Heitor Villa-Lobos escolheu os mais diversos poetas e temas para musicar, utilizandogrande variedade de instrumentos tanto como solista quanto como diversidade deorquestrao ou grupos menores de formaes musicais. Dentro deste universo musical, paraa melhor compreenso da obra para canto de Heitor Villa-Lobos, h a necessidade derealizarmos um estudo analtico-interpretativo e comparativo de alguns ciclos de canespouco conhecidos, compreendendo os perodos de 1921 e 1943, visando um estudo dosdiversos temas, anlise literria e forma musical.

    *

    Mestre em Msica Performance em Instrumento Canto pela UFPB, 2007; Meisterklasse Diplom pelaHochschule fr Musik Mnchen, 1990; Bacharel em Msica Instrumento Piano, UNB; Prof doConservatrio Pernambucano de Msica e da Universidade Federal da Paraba.

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    Em um artigo sobreA Msica de Cmara no Brasil, Eurico Nogueira Frana transcreveo pensamento de Gilberto Freyre respeito de Villa-Lobos no qual sugere que Villa-Lobos o intrprete musical do Brasil ou, alargando o conceito, no sentido da universalidade da obrado msico, aquele intrprete musical do trpico(1988). Indo mais a fundo nas observaessobre este compositor, as palavras Gilbertianas tambm afirmam que Villa-Lobos o cantor

    do universo tropical e o que h de elementar, de telrico, na sua msica, no tem escapado aseus comentadores, que vislumbram no raro transmite ela a instabilidade csmica dosprimeiros dias da criao. (FRANA, 1988, p.9) 1

    Gilberto Freyre analisa a nossa formao antroploga sociolgica e atribui a Villa-Lobos o papel de hav-la cantado, ao evocar musicalmente, alm dos mistrios e maravilhasda natureza, as raas e os cruzamentos que nos compem. Uma afinidade natural entrelaaGilberto Freyre, o homem da cincia social, e tambm artista da palavra, ao grande homem damsica por cuja via se fez assombroso conhecedor ou intuidor do Brasil. Em sua conferncia,na qual qualifica Heitor Villa-Lobos como o maior dos nossos compositores, explica o porqude sua afirmao, quando conclui que ele se destaca no mundo da msica contempornea,pela espontaneidade, profundeza e vigor das suas criaes. Sua obra vem marcada de grande

    originalidade, porque representa, essencialmente, um retrato musical do Brasil.(FRANA,1988, p.12)2

    A pesquisa sobre a diferena de sonoridades dentro de cada cano de Villa-Lobos,analisando as partes de piano e canto, aprendendo a ouvir e interpretar canes menosconhecidas do repertrio vocal de Villa-Lobos, tornaria possvel ampliar o nmero de obrasnormalmente executadas pelos cantores em recitais de cmera. Fato a que Vasco Mariz, serefere como canes valiosas que no entram no repertrio do camerista brasileiro afirmandoque Villa-Lobos oferece uma escolha to rica e to ampla que o intrprete mais comodistaacaba no saindo dos ciclos das Serestas, Canes Tpicas ou das Modinhas e Canes (1lbum). (MARIZ, 2005, p.251)3

    Este um escasso repertrio para to vasta e importante obra, que abrange cerca de 130canes. Este grande musiclogo brasileiro expressa seu pensamento e receio em 1988 em seuartigoReavaliando Villa-Lobos, pensamento este que tambm foi sempre minha indagao.

    Agora algum poder indagar-se, no ano 2000, Villa-Lobos ficar reduzido apenas a ser autor depeas para violo e das Bachianas Brasileiras N5. Parece-me difcil responder com seguranaessa pergunta, mas creio que sua msica de cmera e suas canes tm boas possibilidades desobreviver. (MARIZ, 1955, p.34)4

    Neste estudo dissertamos sobre a possibilidade de desenvolver atravs de uma anliseharmnica, morfolgica e interpretativa, uma melhor compreenso dos Epigramas Irnicos eSentimentaise dolbum de Canto n 2que so dois ciclos de canes pouco conhecidas deHeitor Villa-Lobos. Estes ciclos marcam dois momentos importantes de sua vida e obra,

    envolvendo as bases do movimento modernista, reafirmado na Semana de Arte Moderna e domomento de busca do nacionalismo tendo como base a msica infantil brasileira,transformada para o repertrio de msica de cmara.

    FUNDAMENTAO TERICA

    A partitura para canto e piano dos 8 Epigramas Irnicos e Sentimentais, a qual foi abase de consulta para este estudo, foi adquirida atravs de fotocpia dos arquivos do Museu

    1FRANA, Eurico Nogueira. Villa-Lobos e Gilberto Freyre, Rio de Janeiro: Revista do Brasil, ano 4 n1/1988.2

    Ibid, 1988.3MARIZ, Vasco. Villa-Lobos, o Homem e a Obra. Rio de Janeiro: Francisco Alves/ABM, 12, 2005.4MARIZ, Vasco.Reavaliando Villa-Lobos. Rio de Janeiro: Revista do Brasil, ano 4 n1/1988.

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    Villa-Lobos e Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. Estas canes foram editadasseparadamente de quatro em quatro. As quatro primeiras canes foram adquiridas naBiblioteca Nacional com uma edio da Casa Arthur Napoleo, constando como data decomposio 1921, sem indicao de numerao das canes, apenas com as numeraeseditoriais: Eis a Vida! (Voil la Vie!) AN 84; Intil Epigrama (Inutile Epigramme) AN 85;

    Sonho de uma noite de vero (Songe dune nuit dt) AN 86; Epigrama (Epigramme) AN 87. J as quatro ltimas canes, foram adquiridas no Museu Villa-Lobos com uma edio deSampaio Arajo e Companhia constando como data de composio 1923, com as numeraesdas canes e editoriais: 1. Perversidade (Perversit) 8352; 2. Pudor (Pudeur) 8353; 3.Imagem (Image) 8354; 4. Verdade (Verit) 8355. Nestas partituras, adquiridas no MuseuVilla-Lobos, existem diversas correes e comentrios de interpretao, andamento eindicao de instrumentos de orquestra com a letra manuscrita de Villa-Lobos. Por esta razofoi tambm adquirida nos arquivos do Museu, a partitura para canto e orquestra - com onmero de arquivo P. 241.2.1 - para que pudesse ser realizada uma comparao entre omaterial original e a transcrio para canto e piano editada. No material original para canto eorquestra, na capa de rosto consta a data de 1920, escrito mquina com a ordem das

    canes, porm na partitura consta 1921 como data correta.Heitor Villa-Lobos musicou oito epigramas de Ronald de Carvalho e os dedicou

    Maria Emma. Apenas a primeira cano deste ciclo para canto e piano, Eis a Vida! foiapresentada em primeira audio mundial durante a Semana de Arte Moderna realizada emSo Paulo no dia 17 de fevereiro de 1922 por Maria Emma (canto) e Luclia Villa-Lobos(piano). Este ciclo foi apresentado na ntegra em primeira audio mundial somente dois anosdepois por Vera Janacopulos (canto)5e Souza Lima (piano), na Salle des Agriculteursno dia30 de maio de 1924 em Paris. Segundo a partitura original para canto e orquestra, os 8Epigramas Irnicos e Sentimentais foram compostos em 1921, porm, consta na partituraeditada para canto e piano duas datas, sendo as quatro primeiras de 1921 e as quatro ltimasde 1923. (KIEFER, 1986)

    A partitura para canto e piano dasModinhas e Canes lbum n 2, a qual foi a basede consulta para este estudo, foi adquirida atravs de fotocpias dos arquivos do Museu Villa-Lobos. A partitura no foi editada, tratando-se de uma cpia manuscrita, na qual no se podedefinir se esta foi escrita por um copista ou se pelo prprio Villa-Lobos, pois se trata de umacaligrafia presente em vrias outras partituras manuscritas para canto e piano. A nicaindicao de numerao existente nesta partitura a do nmero de arquivo do Museu - P.245.1.2 - e consta na capa a informao: Doao F. Guimares, n 187.

    Em 1941, Heitor Villa-Lobos publicou o Guia Prtico 1 volume - primeira partedenominadaRecreativo Musical, contendo 137 cantigas populares infantis, que eram cantadaspelas crianas brasileiras. Todas as seis canes que fazem parte do ciclo das Modinhas e

    Canes - lbum de Canto n2 foram harmonizadas em 1943 em formato harmnicotradicional. Algumas delas fazem parte do Guia Prtico para piano, que o caso de Na cordada viola(Guia Prtico n 1),Joo Cambute(Guia Prtico n 3),Nesta Rua(Guia Prtico n10) e Vida Formosa(Guia Prtico n 11). As canes: Pobre Peregrino,Nesta Rua, eMandatiro, tiro l foram tambm ambientadas6 para orquestra, embora nem sempre com a mesmaharmonizao da verso para canto e piano. Estas canes contm gneros poticos que

    5 MUSEU VILLA-LOBOS. Villa-Lobos Sua Obra. Rio de Janeiro: 1 Edio,1965, p.34, e KIEFER, Bruno.Villa-Lobos e o modernismo na msica brasileira. Porto Alegre: Movimento, 2 Ed, 1986.6 Segundo Villa-Lobos o termo ambiente divide-se em dois subttulos: Harmonizao e forma comcaracterstico. O 1 a simples harmonizao dos processos tcnicos tradicionais nos estilos clssicos,modernos e populares e o 2 a transformao do 1 adaptada forma e ao estilo de cada pas, esvaindo-se

    algumas vezes das regras e teorias pragmticas, porm, realizando um ambiente original que faz caracterizar,sonoramente, uma raa ou um povo. VILLA-LOBOS, Heitor.Guia Prtico Estudo Folclrico Musical. 1 Vol.1 parte.So Paulo: Irmos Vitale, [s.d]

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    atravs de um estudo potico-analtico podem ser classificadas quanto forma e estilocontidos na poesia popular infantil dasModinhas e Canes - lbum n2.

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    O trabalho baseia-se numa anlise da estrutura harmnica tradicional para canestonais e das configuraes sonoras para as canes descritivas caracterizadas por texturasespecficas, a formao rtmica dos aspectos texturais, alm da anlise dos aspectos estticos,morfolgicos, harmnicos e meldicos, observando as implicaes tcnico-interpretativas daconjuno entre poesia e melodia vocal em relao ao acompanhamento do piano.

    DISCUSSO E RESULTADOS

    De todos os ciclos para canto e piano, apenas os Epigramas Irnicos e Sentimentaise asModinhas e Canes lbum N2possuem uma nica fonte de origem potica entre si. Os

    Epigramas so de um nico poeta, Ronald de Carvalho, e foram compostas numa mesmadata, em 1921, e as Modinhas e Canes - lbum N2 so melodias populares infantis, nopossuindo nenhuma delas um poeta definido e todas foram tambm compostas numa mesmadata, em 1943. Estes fatos demonstram que os dois ciclos escolhidos para este trabalhorevelam dois momentos onde as formas musicais e estilos podem ser considerados parte deuma sntese de sua produo vocal para canto e piano, englobando duas pocascaractersticas: o modernismo e o nacionalismo.

    O ciclo dos Epigramas Irnicos e Sentimentaisrevela uma unidade estrutural harmnicaem todas as canes que mantida pela presena das imagens poticas e dos personagens. Amelodia do canto marcada pela presena do narrador e foram utilizados elementos da escritamusical, caractersticas do perodo modernista, que so as escalas hexatnicas e as escalascromticas. Sob ponto de vista da poesia em relao msica, os quatro primeiros Epigramasapresentam elementos descritivos, sendo as poesias relacionadas com elementos da natureza,no qual Villa-Lobos utiliza configuraes sonoras e texturas especficas para ilustrar asimagens poticas e personagens, sustentados por um plano de fundo que d suporte paraoutros elementos musicais se desenvolverem atravs de personagens descritos sonoramente.Os quatro ltimos Epigramas tambm so descritivos, porm tratam-se de reflexesfilosficas e sentimentos humanos, no podendo ser descritos concretamente. Neste caso ocompositor, contudo, busca um clima musical que aproxima mais estas reflexes dopensamento humano atravs de uma linguagem harmnica ambgua executada pelo pianoacompanhando a poesia. Nestes Epigramas a melodia do canto tambm marcada pela

    presena do narrador, no qual a interpretao do canto deve ser realizada de acordo com aprosdia potica, obedecendo a velocidade mtrica em que se recitam estes epigramas. Oacompanhamento do piano repleto de texturas sonoras, de acordo com a letra a ser cantada.A execuo dos Epigramasapresentam complexidade tcnica para ambos: pianista e cantor.

    Vocalmente, esta autora sugere que a sonoridade da voz seja o mais simples possvel,sem vibrato, para que a emisso sonora no interfira na articulao das palavras, tornandoesta, uma melodia narrada, quase falada, deixando para o piano a descrio dos personagens,sentimentos e reflexes do pensamento humano.

    A sntese do contedo harmnico dos Epigramas Irnicos e Sentimentais demonstratoda a complexidade estrutural deste ciclo. Para a melhor compreenso analtica deste estudo,apresentaremos a estrutura intervalar da formao sonora de alguns personagens presentes no

    acompanhamento do piano de Sonho de uma noite de veroseparadamente.

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    Eis a vida! e Intil Epigrama possuem personagens e so formados por escalashexatnicas e ambas sugerem a tonalidade de LbM.

    Sonho de uma noite de vero possui diversos personagens formados por seqnciasintervalares e relao de quintas, sendo conseqentemente a nica cano atonal.

    Louca mariposa bate na vidraa...

    Vem da noite enorme, vem da noite morna, cheia de perfumes...Fora tudo dorme... Que silncio enorme (falado)Podam (sic) pelas moitas leves vaga-lumes.7Louca mariposa bate na vidraa...Como as horas fogem, como a vida passa...

    Esta uma cano descritiva, na qual a msica est diretamente ligada poesia. Oagente do discurso musical est presente na descrio que o narrador faz dos elementos danatureza como a noite silenciosa, caracterizada pelos seus perfumes e temperatura, alm dosinsetos noturnos com seus vos caractersticos e o relgio marcando o tempo. Todos estespersonagens citados, o relgio, os insetos, como a mariposa e o vaga-lume, so descritosmusicalmente atravs das configuraes sonoras caracterizadas por texturas especficas no

    acompanhamento do piano, tendo como plano de fundo a presena da noite. Para chegar aesse resultado sonoro descritivo, Villa-Lobos utilizou determinadas seqncias intervalares.

    A Introduo consiste de uma seqncia intervalar cromtica (d - rb - r - mi), sendorb-1e rb1 na mo esquerda e d3 - mi3 na mo direita do piano. Este o primeiro momentoem que o autor sugere a representao sonora da noite na mo esquerda do piano, com umasucesso das notas rb-1e rb1, que se alternam num ritmo pouco comum de quilteras decolcheias. Na mo direita, uma dade em intervalo de tera maior em mnimas (d3 - mi3)tocada no terceiro tempo e ligada ao compasso seguinte sugere o relgio como primeiropersonagem com suas badaladas contando o tempo8, conforme o exemplo 1.

    Ex: 1 - Apresentao do personagem: o relgio soando na noite, c. 1 a 4. 9

    O segundo personagem aparece logo aps a Introduo, no compasso 5, quando Villa-Lobos sugere descritivamente o vo da mariposa batendo na vidraa. Esta configurao

    sonora consiste numa sucesso de 13 colcheias, na mo direita, em movimento ascendentesendo a ltima ligada a uma tercina composta de dades em intervalos de segunda. Ao analisara execuo ao piano deste ritmo pode-se constatar que impossvel execut-lo uniformemente(na mesma velocidade). Nas primeiras oito colcheias, em seu conjunto, a mo do pianista ficafechada, em contraste com a mo que se abre para executar o arpejo ascendente das notasrestantes. A mo aberta faz com que, naturalmente, o andamento seja mais lento em contrastecom a mo fechada em que o movimento rtmico pode ser executado muito mais rpido,conforme assinalado no exemplo 2.

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    Na partitura impressa para canto e piano est escrito Podam e no manuscrito para orquestra Rodam.8Na partitura impressa para canto e piano do primeiro rb-1da mo esquerda est faltando o ponto de aumento.9Na partitura para orquestra a indicao do metrnomo semnima = 54.

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    Ex: 2 - Segundo personagem (vo da mariposa) e a subdiviso de sua configurao sonora, c. 5 a 6.

    Ao comparar ento com a partitura manuscrita para orquestra foi possvel constatar adiferena entre as partituras e conseqentemente a forma correta de executar o vo damariposa. Villa-Lobos dividiu o ritmo em oito fusas seguidas de sete quilteras desemicolcheias, como no exemplo 3, caso contrrio os violinos tocariam desencontrados esteritmo.

    Ex: 3 - Vo da mariposa, partitura para orquestra, c. 5 a 6. 10

    Para a melhor compreenso desta configurao sonora, pode-se analisar a seqnciaintervalar que gerou a textura do vo deste inseto noturno. As primeiras 8 notas consistemnuma escala cromtica formada por 6 notas diferentes, resultando num intervalo de 4 justaentre as extremidades. Em seguida, um arpejo ascendente mantm uma relao intervalar dequintas entre si quando reorganizado em ordem diatnica, como mostra o exemplo 4.

    Ex: 4 - Formao intervalar da textura referente ao vo da mariposa.

    A poesia apresenta um novo personagem ao afirmar que Rodam pelas moitas levesvaga-lumes e Villa-Lobos sugere sonoramente o vo dos vaga-lumes com suas luzespiscando pelas moitas utilizando uma escala com uma formao intervalar no convencionalcomeando na nota mi#3 e terminando um tom abaixo, no mib3. A compreenso da formaolgica desta escala vai determinar por que esta cano termina um tom acima de seu incio.

    10 Na partitura para orquestra a indicao de metrnomo semnima = 72 com indicao de andamento umpouco mais, que no aparece na partitura impressa para canto e piano.

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    A configurao sonora que sugere o vo dos vaga-lumes formada por uma escala quepossui duas seqncias de conjuntos de cinco notas ascendentes na mo esquerda (mi#3 - f#3- sol#3 - l#3 - si) e quatro descendentes na mo direita (f4 - mib4 - rb4 - d4) em fusas,pertencentes a uma escala irregular. Em seguida o autor sugere a complementao do vodemonstrando as luzes piscando quando as fusas se ligam a tercinas em intervalos de 7 (d3 -

    si4). O vo retorna com o movimento das fusas, sendo que sempre a ltima nota de umconjunto de 9 notas a primeira da seqncia seguinte, conforme mostra os exemplos aseguir.

    Ex: 5 - Configurao sonora do vo dos vaga-lumes, c. 17 a 18.

    Quando todas as notas so disponibilizadas diatonicamente, considerando as notasseqenciais, a explicao para a repetio do vo da mariposa, no compasso 19, estar escritoum tom acima se torna lgico. A nota seqencial desta escala ascendente e descendente exatamente o mib, com isto esta cano termina um tom acima da tonalidade inicial, pormauditivamente esta transposio de tonalidade no possui uma alterao definida,demonstrada no exemplo a seguir.

    Ex: 6 - Escala que forma o vo dos vaga-lumes.

    Para terminar Villa-Lobos repete o vo da mariposa transposto um tom acima,conforme verificado anteriormente, mantendo como plano de fundo a configurao sonoraque sugere a noite e as badaladas do relgio, juntamente com o narrador at o final da cano,como mostra o ltimo exemplo desta cano.

    Ex. 7 - Retorno representao da noite um tom acima do inicial. 11

    11

    Na partitura impressa para canto e piano o mi1 do 3 e 4 tempo do compasso 26, falta o sinal de bequadro,fato que no ocorre na Introduo que est escrita corretamente. Na partitura para orquestra esta nota executadapelo violoncelo, enquanto que o mib-1pelo contrabaixo.

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    Epigramapossui personagens e formada por escalas hexatnicas. A melodia do canto modal, particularmente do modo mixoldio. Perversidade apresenta em sua poesiasentimentos humanos antagnicos configurados harmonicamente por acordes tonais e notonais, com a presena de trtonos, definindo a tonalidade de D M apenas no ltimocompasso.Pudor formado por escalas hexatnicas, apresentando uma seqncia meldica e

    harmnica ambgua, e possui referncias tonais momentneas apenas em alguns acordes: LbM, F M, Rb M, Sol M. Imagem formada pela escala pertencente ao II Modo RealNordestino no piano e ao II Modo Derivado no canto, juntamente com uma seqnciacromtica na melodia do canto e trtonos (MibM, R M). Verdade formada pelas escalahexatnicas na melodia do canto e basicamente por trtonos que formam um Objeto Sonorono piano, sendo este bitonal (MibM e L M).

    O ciclo dasModinhas e Canes lbum n 2pode ser considerado como um marco doperodo nacionalista, sendo o nico ciclo deste perodo nas quais todas as melodias e poesiasso de natureza infantil, retiradas do imaginrio popular, de carter annimo, tornando-ocaracterstico deste momento histrico. Nele h uma unidade de linguagem musicalcaracterizada pela harmonia tradicional acrescida de ritmos tipicamente brasileiros, no qual o

    pensamento infantil revelado de acordo com diversas formas do amor, suas brincadeiras,situaes momentneas e descritivas. Com a elaborao estrutural destas canes, Villa-Lobos elevou este ciclo de simples melodias infantis ao patamar de verdadeiras canes quedeveriam fazer parte do repertrio de todo cantor lrico brasileiro.

    Para a melhor compreenso da interpretao destas canes infantis, foi necessrioassociar elementos para a sua interpretao lgica e coerente, que fossem compatveis com osentido do acompanhamento do piano. Para isto foi necessrio estudar tanto a parte do pianoquanto a melodia do canto, buscando a sonoridade que mais se aproximasse do sentidopotico e da situao descrita ora na msica, ora na poesia.

    Neste ciclo, a modificao do timbre vocal define cada personagem de acordo com apoesia, tornando o intrprete parte integrante da caracterizao destes. As trs primeirascanes so formadas por dois personagens definidos como pessoas que expressamsentimentos prprios. Em Pobre Peregrinoso as crianas e o peregrino, em Vida Formosao menino chamado Juquinha e a menina que no possui nome definido. Em Nesta Rua, ospersonagens so uma menina e um menino. As trs ltimas canes apresentam personagensdefinidos pela situao momentnea em que se encontram. Em Manda Tiro, Tiro lh umadiferenciao tmbrica entre as saudaes iniciais e a poesia vocalizada em l logo depois.EmJoo Cambuteh a presena de uma ama de leite que canta o verso da poesia e contrastecom o refro Joo, Do Joo que sugere um timbre nasal na voz. Em Na corda da Violaocontraste vocal est na diferenciao tmbrica relembrando o som metlico de uma corda deviola e as profisses das classes trabalhadoras.

    CONSIDERAES FINAIS

    Aps estas sugestes interpretativas, esta autora entende que por mais que Heitor Villa-Lobos tenha sofrido influncias, ele foi inovador e original, pois sua obra apresentacaractersticas prprias e para a melhor compreenso de sua obra vocal, no possvel ater-seapenas s obras escolhidas, e sim, estender-se sua produo pianstica, sua obra orquestral,instrumental e violonstica, o que trar uma viso interpretativa mais ampla.

    Aps realizar a sntese das estruturas harmnicas e poticas destes dois ciclos, podemosconcluir que so trs as diferenas bsicas entre eles: 1. Na estrutura harmnica os Epigramaspossuem linguagem harmnica ambgua, diferenciando das Modinhas e Canes quepossuem uma linguagem harmnica tradicional. 2. Na estrutura potica os Epigramas sodescritivos enquanto que asModinhaspossuem personagens com personalidade prpria. 3. As

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    fases musicais se divergem, sendo o ciclo dos Epigramaspertencente fase Modernista e ociclo das Modinhas fase Nacionalista. Quanto s semelhanas, encontramos uma unidadeestrutural harmnica nas canes dos ciclos entre si, e a polirritmia existente na formao dealgumas texturas musicais de alguns dos Epigramas que so o Sonho de uma noite de veroeo Epigramae de algumas das Modinhas que so a Vida Formosa, Nesta Ruae Manda tiro,

    tiro l.Para o intrprete recomenda-se procurar conhecer a fonte inspiradora da obra queexecuta e para que novas pesquisas possam ser realizadas dentro da ainda inexplorada e tovasta obra vocal de Heitor Villa-Lobos, podemos sugerir algumas canes, tais como as

    Miniaturas,A Cascavel,Duas Paisagens, o Poema da criana e sua mam, as Serestas, queapresentam padres de linguagem harmnica musical semelhante aos ciclos dos Epigramas

    Irnicos e Sentimentais e das Modinhas e Canes - lbum n2 para que sejam objeto deestudo posterior, adotando mtodos semelhantes para a melhor compreenso e interpretaoatravs da anlise potica e musical.

    Parodiando Paulo de Tarso, no captulo 13 da sua carta aos Corntios, s se poder teruma opinio conclusiva definitiva quando a obra de Heitor Villa-Lobos for conhecida em sua

    totalidade, pois hoje ela conhecida apenas em parte. Sobre a obra vocal, particularmentesobre suas canes, foram registrados at a presente data apenas duas teses e um estudo sobrea correo potica da pera Yerma.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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